Para Inspirar

Aline Borges em "Recebi uma segunda chance para viver"

Conheça a história de como uma experiência de quase morte se conectou com o divino, na décima quarta temporada do Podcast Plenae.

26 de Novembro de 2023



Leia a transcrição completa do episódio abaixo

[trilha sonora] 


Aline Borges: A sensação de paz que eu tive na outra dimensão foi a mesma que eu tenho quando eu comungo. Eu realmente me sinto conectada com Deus quando eu recebo a hóstia na missa. O padre me disse que essa é a verdadeira comunhão. E eu falei pra ele: “Se é assim, então eu estive com Jesus quando eu fui pro céu”.  


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Geyze Diniz: Por ser enfermeira, Aline Borges conseguiu identificar que tinha a Síndrome de Guillain-Barré a caminho do hospital. Em seu período de internação, ela viveu uma experiência de quase-morte onde viu não só o passado, mas também o futuro. Hoje, Aline enxerga que ganhou uma nova chance de viver e quer tirar o máximo proveito dela. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se. 


[trilha sonora] 


Aline Borges: No dia 2 de janeiro de 2021, eu acordei de madrugada sentindo uma dormência nas mãos e nos pés. Eu achei que tinha dormido de mal jeito, e deixei pra lá. Nesse dia, eu estava com a minha família em Grussaí, é uma praia que fica a uns 20 minutos da onde eu moro, em Campos dos Goytacazes, no estado do Rio de Janeiro. Quando amanheceu, eu me sentia nauseada, meio tonta, nem café eu quis tomar – eu amo café! Mas, como tinha acabado de passar o Ano Novo, eu pensei: “Deve ser ressaca. Vou tomar uma dipirona”.  


Só que o mal-estar foi aumentando. A dormência das mãos subiu pros antebraços, até chegar nos cotovelos. A dos pés avançou para as pernas. Eu sentia como se tivesse umas formiguinhas andando sobre a minha pele. O meu marido, que é ginecologista, falou assim: “Vamos andar, porque pode ser circulação”. A gente caminhou um pouco e eu senti fraqueza.  


Eu sou enfermeira e eu gosto do hospital pra trabalhar, não pra ser paciente. Eu não sou aquela pessoa que corre pro hospital por qualquer coisinha. Eu sou resistente pra caramba. Eu tive uma cólica renal e eu continuei trabalhando. Eu dava plantão de 24 horas grávida de 8 meses. Mas, nesse dia, eu pedi pro meu marido pra me levar pra emergência.  


No caminho, eu lembrei de algumas doenças raras que eu tinha aprendido na faculdade. São conteúdos que a gente estuda por alto, mas alguma coisa ficou na memória. Aí eu comentei com o meu marido: “É síndrome de Guillain-Barré. Corre, porque eu vou parar!”  


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Guillain-Barré é uma doença autoimune, ou seja, o próprio corpo se ataca. Nesse caso, o alvo dos anticorpos era a bainha de mielina, uma camada de gordura que protege os neurônios. A doença, ela causa dormência, fraqueza e, nos casos mais graves, como o meu, paralisia. Só que o neurologista que estava de sobreaviso no hospital não acreditou que fosse Guillain-Barré. Ele disse pro meu marido que eu estava dando um "piti" e me liberou pra casa, mesmo a gente insistindo na internação.   


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A gente voltou pra casa em Campos e, pouco tempo depois, eu caí no corredor, em cima do Zidane, meu cachorro. Eu já não tinha forças pra me levantar. Aí, eu me desesperei, porque eu sabia o que estava acontecendo. Quando a dormência chegasse no meu diafragma, eu não ia mais respirar. A síndrome estava avançando muito rápido! 


O meu marido me tirou do apartamento de cadeiras de rodas e me levou pro mesmo hospital. Lá na emergência, eu pensei: “Se eu não fizer um escândalo, eu vou morrer”. Eu lembro que eu batia no peito e gritava: “Me entuba! Me entuba! Eu não tô respirando! Me entuba!" Essas foram as últimas palavras que eu lembro de ter falado, antes de perder a consciência.  


[trilha sonora] 


Eu acordei do coma uns 12 dias depois e, a primeira coisa que eu pensei, foi: “Eu não morri”. Eu tentei me mexer e não consegui. O suor escorria de tanto esforço que eu fazia pra mover qualquer parte do corpo. Não mexia nada, nem um dedo. Aí que eu fui começando a me situar.  


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A minha boca estava aberta, então isso significava que eu estava entubada. Pelos barulhos, eu percebi que eu estava na UTI. Eu consegui mexer um olho só um pouquinho e vi seis bombas de infusão e pensei: “Meu Pai eterno, eu tô com seis medicações fortes!”


A síndrome de Guillain-Barré, ela não afetou a minha mente. Eu não conseguia me mexer, mas a cabeça não parava um minuto. Eu sou agitada, faladeira, tô sempre em movimento. E, de repente, eu tava presa no meu próprio corpo. Foi a maior sensação de impotência que eu já senti na vida. Eu me sentia refém de mim mesma. 


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O que me ajudou nessa hora foi a fé. Se eu não acreditasse em Deus, eu acho que eu tinha pirado. A oração é a arma mais poderosa que a gente tem, e ela é de graça. Eu orava muito. Eu tinha dor no corpo inteiro. Por eu ter ficado tanto tempo em coma, colocaram um colchão pneumático, aquele que enche de ar, pra evitar ferida. Às vezes, eu me sentia engolida naquele colchão. Era horrível, mas como que eu ia reclamar?


Até que eu bolei uma estratégia pra chamar atenção. Eu pensava em situações horríveis, tipo uma barata subindo no meu pé ou os meus filhos sendo sequestrados. Eu sabia que, assim, os meus batimentos cardíacos iam subir, a respiração ia ficar ofegante e a saturação ia cair. Aí, o aparelho ia apitar e alguém iria ver o que estava acontecendo. Meu marido me ajudou a desenvolver um método de comunicação piscando o olho. Uma piscada era “sim”, duas era “não”. Com muita luta, eu conseguia me comunicar minimamente. 


[trilha sonora]


Os médicos tentaram tirar os tubos, mas os meus pulmões e o diafragma ainda não tinham forças pra eu respirar sozinha. Depois de 16 dias de internação, eu passei por uma traqueostomia, uma pequena cirurgia pra facilitar a entrada do oxigênio, onde o tubo é colocado por uma abertura no pescoço.  


Uma amiga minha, que é anestesista, ela fez questão de participar da operação. Eu me lembro que, quando ela começou a aplicar a anestesia, ela falou: “Amiga, relaxa, tá tudo bem. Você vai apagar e a gente vai fazer o procedimento, tá?”. Eu pisquei uma vez. E aí, logo em seguida, eu vivi a experiência mais linda da minha vida. 


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De repente, eu não estava mais deitada na maca. Quer dizer, eu estava, mas era só o meu corpo. Eu me sentia fisicamente em pé, do lado da minha amiga.  


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Em qualquer hospital, o monitor que mostra os sinais vitais fica atrás do paciente e de frente para os médicos. E aí, como o meu ângulo de visão era de pé, eu olhei o monitor e eu vi que a minha pressão arterial estava em 4 por 2. A normal é 12 por 8. E eu pensei: “Cara, eu vou parar…”. E parei mesmo. 


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Na minha cabeça, eu falei assim pra minha amiga: “Bicho, faz alguma coisa”. Nesse momento, ela pulou em cima de mim e começou a massagear meu peito, com bastante força e gritava: “Você não pode parar! O outro médico, que estava ambuzando, ou seja, fazendo ventilação mecânica em mim, falava: “Ela é sua amiga, você não tá bem. Deixa eu fazer isso, você vai quebrar a costela dela. Vem ambuzar”. Até que ele convenceu a minha amiga a deixar que ele massageasse o meu peito. 


Eu via aquela cena com a consciência de que eu tinha morrido. Mas nem por isso eu me sentia nervosa, amedrontada ou preocupada. Eu estava numa boa. Eu, que não perco a piada nem morta, lembro que olhei pros meus pés na maca e pensei: “Pelo menos a unha tá feita”. 


Enquanto os médicos tentavam me reanimar, eu senti que alguém me chamava pra ir pra outro lugar. Tinha uma presença forte do meu lado direito. Eu não conseguia me virar, então eu não vi quem era. Mas eu sentia que ele era alto, forte e muito cheiroso. Sabe aquele cheiro de lençol que acabou de ser lavado? Era um perfume assim, que te abraça. Um cheiro de paz. 


[trilha sonora] 


E esse ser me conduziu pra outro local. Ele não falava nem apontava nada, mas eu entendia pra onde eu tinha que ir. A gente foi pro lado de fora do hospital. E ali, diversas passagens da minha vida começaram a ser projetadas numa espécie de tela. Na hora, caiu a minha ficha: “Morri mesmo”.  


Pra mim, aquele era o telão do Juízo Final. Era como se passasse um filme com todos os erros que eu já cometi, dos mais bobos aos mais importantes. Cada vez que aparecia alguma coisa errada, eu sentia um peso no meu ombro direito. Tipo: “olha isso. Presta atenção!”  


Eu sou muito brincalhona e vi como brincadeiras bobas que eu fiz chatearam outras pessoas, sem que eu percebesse. Apareceu, por exemplo, uma cena de um comentário que eu fiz sobre a blusa de uma amiga de infância. E aí ela foi embora chateada. Dessa experiência, ficou a lição de ouvir mais e falar menos.


Outra lição foi a de expressar melhor os meus sentimentos pelas pessoas que eu amo. Eu percebi que eu perdi muitas oportunidades de falar “eu te amo” pro meu pai, pro meu avô e pra amigos que já não fazem parte da minha vida. Mas, o filme não mostrou só o passado. Ele projetou também o futuro.  


[trilha sonora] 


Apareceram coisas que aconteceriam meses depois. Uma delas foi a morte de um parente. Foram situações que eu nunca poderia prever. Quando o filme acabou, eu fui puxada como um ímã pra outro lugar mais elevado. Foi tão rápido, que eu só senti o meu cabelo voando. Nessa outra dimensão, não tinha limite de chão, de parede, de teto.


Ao mesmo tempo, eu não tava flutuando, eu andava. Era um lugar muito, muito claro, onde não tinha dor, não tinha angústia. No hospital, eu sentia muita dor e muita angústia. Mas ali eu estava feliz. Eu queria ficar lá! E aí, apareceu na minha frente o meu avô materno, Joaquim, que já é falecido. Ele cuidou muito de mim na minha infância. A minha mãe trabalhava em três períodos e o meu pai morreu quando eu tinha 11 anos.


O meu avô me contava histórias, me dava banho, me dava comida, fazia lição de casa comigo, penteava meu cabelo. No fundo do quintal dele tinha um pé de jambo. Quando a árvore dava flor, ele me chamava pra ver o tapete cor de rosa que cobria o chão. Eu devia ter uns 7 anos, mas eu lembro que eu adorava pisar naquelas florzinhas. Eu era apaixonada por ele e eu morro de saudade! Cuidei dele até seus últimos dias.


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O meu avô estava bem na minha frente, agachado no chão, com os braços abertos e um sorriso no rosto. Igualzinho ele fazia quando eu era criança. O meu avô era descendente de indígenas e tinha um cabelo bem liso, que escorria no rosto. Aí, eu estava indo abraçar ele, toda feliz, quando uma mão me segurou.


Eu fiquei muito enfurecida, porque o ser que estava comigo não me deixou abraçar o meu avô. Nessa hora, ele me segurou com mais firmeza, apertando o meu ombro pra baixo. Foi o único momento em que ele disse alguma coisa: “Calma, minha filha. Tenha calma. Não chegou a sua hora”. 


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Não tinha chegado a minha hora mesmo. Os médicos conseguiram me reanimar e eu acordei no hospital, de volta na UTI. Mais tarde eu entendi que, se eu tivesse abraçado meu avô, eu estaria me entregando pro outro plano espiritual.  


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Esse fenômeno que eu vivi é o que a ciência chama de experiência de quase-morte ou EQM. Os cientistas não sabem explicar como ela acontece. Muitas pessoas que sofrem paradas cardíacas têm relatos parecidos com o meu. Eu fiquei quase 1 minuto sem batimento cardíaco. Eu estava clinicamente morta. Como é possível que a minha experiência do outro lado tenha durado só 60 segundos? O tempo cronológico daqui não é o mesmo de lá, porque a quantidade de coisas que eu vivenciei não cabe em 1 minuto.  


[trilha sonora] 


Depois da traqueostomia, eu ainda fiquei mais duas semanas no hospital. Enfrentei uma longa batalha de recuperação, fazendo fisioterapia três vezes ao dia. Quando eu tive alta, passei quatro meses com homecare até voltar a andar e conseguir um pouco de autonomia. Um mês depois, meu sogro querido, que era um pai para mim, fez um AVC hemorrágico por causa da Covid e faleceu. Foi uma porrada muito grande, sabe? Eu mal tinha me recuperado e ele se foi… 


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Hoje estou vivendo no meu novo normal, com as sequelas que ficaram. Lavar o meu cabelo sozinha, por exemplo, é sempre um desafio, porque eu não tenho força. Eu faço terapia, academia e dieta anti-inflamatória. Tem dias que eu não consigo sair da cama de tanta dor. No início, eu sentia uma grande revolta. Por que eu tive que passar por tudo isso? Por que eu?  


Os médicos concluíram que o gatilho da Guillain-Barré foi uma diarreia que eu tive no Natal, causada por uma bactéria chamada Campylobacter jejuni. Tem tanta gente no mundo, por que logo eu fui ter uma doença que afeta uma pessoa em cada 100 mil? 


[trilha sonora] 


Depois de muitas conversas com o padre da minha paróquia e com uma amiga espírita, eu entendi que eu fui escolhida pra passar por tudo isso. Aquele ser que estava comigo na outra dimensão, pra mim, era Jesus Cristo. A minha fé, que já era forte, triplicou depois da doença e, principalmente, depois da EQM. Eu só não morri, porque Deus quis assim. 


A neurologista que me acompanhou não acreditava que eu sobreviveria. Ela me falou depois: “Você é um milagre, porque a ciência não explica o fato de você estar viva”. Eu acredito que existe um propósito pra eu ter voltado da parada cardíaca com a minha consciência intacta. E o maior deles é alertar as pessoas sobre as doenças raras. 


No meu Instagram, eu ajudo quem teve síndrome de Guillain-Barré. Ajudo também parentes, cuidadores e amigos dessas pessoas, nem que seja com uma palavra de carinho. Eu me tornei voluntária de uma associação da Califórnia que estuda doenças raras. Todo mês, eu tenho uma reunião com estudantes de medicina do mundo inteiro. O objetivo dessas conversas é alertar os futuros médicos sobre diagnósticos pouco comuns e, assim, melhorar a vida dos pacientes. 


Tem gente que morre sem saber o que tem. Morre sem ser atendido corretamente. Eu tive muito privilégio de identificar o que eu tinha. Eu nunca tinha me sentido especial antes, porque eu achava que era uma crença soberba. Mas, eu aprendi que eu posso, sim, me sentir especial. Deus me deu uma segunda chance pra viver e eu quero fazer valer essa oportunidade. 


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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae


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Para Inspirar

Eduardo Foz em "100 filhos e um único propósito"

A sétima temporada do Podcast Plenae está no ar! Confira a história do empreendedor Eduardo Foz. Aperte o play e inspire-se!

27 de Fevereiro de 2022


Leia a transcrição completa do episódio abaixo:


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Edu Foz: Existe um desenho animado que se chama “O Fantástico Mundo de Bobby”. É sobre um menino com muita imaginação. Eu me identifico com esse personagem e brinco que vivo no “Incrível Mundo de Foz”. Quando eu entro na minha bolha, com meus 100 filhos, a vida lá fora desaparece. No meu universo, não existe diferença entre humanos e outras espécies. Todos os seres são iguais. 


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Geyze Diniz: O empreendedor Eduardo Foz é apaixonado por bichos desde pequeno, e transformou sua paixão por animais no sonho de criar um mundo melhor para as futuras gerações. Edu vive em São Paulo, cercado por todo tipo de espécie, como cotias, veados, araras, coelhos, furões, rãs e jibóias. Hoje, ele se considera pai de mais de 100 filhos, e tem um propósito que abraça milhares de outros. 


Conheça a história de amor e empatia pelos bichos de Edu Foz, criador da ONG Zoo Foz que usa a zooterapia para educar e transformar o mundo em um lugar melhor. Ouça, no final do episódio, as reflexões do especialista em desenvolvimento humano, Marc Kirst, para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e este é o podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.


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Edu Foz: A minha memória mais antiga relacionada a animais envolve tartaruguinhas e jabutis. Eles ficam numa espécie de canteiro, na sala do apartamento onde eu morava com meus pais e dois irmãos, em São Paulo. Na mesma sala, tinha um aquário retangular, talvez de uns 50 centímetros de largura por uns 30 de altura. 


Eu ainda era bem pequeno, quando a gente se mudou pra casa da avó Zezé. Como toda boa vó, ela deixava eu ter tudo que eu queria. E tudo que eu queria era bicho. Eu dizia: “Vó, posso ter mais um jabuti?”. Pode. “Mais um peixe?”. Pode. “Periquito? Canarinho?”. Pode, pode, pode. Minha mãe ficava louca e falava: “Se entrar mais um animal, eu saio de casa!” Não adiantava nada, coitada. No dia seguinte, chegava mais um.


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Eu herdei do meu pai e do meu tio essa alucinação por animais. O quarto do meu tio Cacá devia ter uns 20 aquários. Não sei como cabia. O meu programa preferido na infância era ir a uma loja na Rua dos Pinheiros, aos sábados, comprar um peixe. Eu juntava toda a minha mesada só pra isso. 


Da minha mãe, veio a paixão por plantas. Mesmo morando em São Paulo, no meio da cidade, eu buscava cada cantinho da natureza. Na escola, durante o recreio, adorava ficar olhando para o sol, para as árvores, para os pássaros. Eu só gostava de estudar biologia e artes. Aquela tarefa de colocar o feijão em cima do algodão molhado e ver ele brotar, pra mim era o máximo. 


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Aos 15 anos, pedi um pavão de presente, e ganhei. Só depois eu descobri que, na primavera, o macho berra de madrugada para chamar a fêmea. Lá pelas 4 horas da manhã, ele começava a gritar. Parecia uma buzina de caminhão. Meu pai me dava uma bronca e eu subia no telhado, onde o pavão gostava de dormir, para acalmá-lo. Imagina a cena: um adolescente de shorts, em cima de uma casa, abraçado a um pavão estridente às 4h30 da manhã. Os vizinhos deviam me achar maluco. Infelizmente, não deu para ficar com o pavão, e ele foi para a fazenda de um amigo.


[trilha sonora]


Nunca fui bom de estudar e só prestei vestibular para ganhar um carro. Escolhi psicologia numa faculdade particular que tinha mais vaga do que candidato. Fiz o curso por um ano. Foi bom pra eu entender que não era tão louco, só diferente das outras pessoas. 


Depois, decidi mudar para o curso de economia e comecei a ganhar dinheiro promovendo festas. Fui trabalhar numa startup de internet e entrei numa fase de correr atrás de grana. Abri uma corretora de seguros e fiz um bom pé de meia. Nessa etapa da minha vida, eu trocava mais de carro do que de cueca. Bom, tô exagerando, mas eu era bem materialista. 


[trilha sonora]


Com o passar dos anos, descobri que a maior riqueza é o tempo, não o dinheiro. Do que adiantava se matar de trabalhar e não poder estar com as pessoas que eu amo? Hoje na minha garagem não tem nenhum carro, graças a Deus. 


Enquanto eu trabalhava, ia aumentando o número e a variedade de animais (filhos). Me casei com uma mulher maravilhosa e moramos num apartamento com tucano, arara, calopsitas. Me separei e, para poder ter mais animais, mudei para uma casa no bairro do Morumbi. Ninguém me segurava mais. 


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Eu passei a ter quati, cachorro (a Bela, minha border collie, que tem 12 anos), cervo, coruja, gavião, cacatua, flamingo, veado, antílope, coelho, ovelha, jacaré, cobra, e outras espécies. Hoje eu tenho mais de 100 filhos. Sim, dentro de uma casa, no meio da cidade. Todos vieram de criadouros homologados pelo Ibama ou foram doados de uma forma legal e não podem ser reintroduzidos na natureza.


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Meus amigos dizem que sou um cara excêntrico. Eu discordo. Da mesma forma que tem gente que gosta de filho humano, eu gosto de filho de qualquer espécie. Meus filhos vivem soltos pela casa. Sem brigas, em perfeita harmonia. Tem até namoro interespécie. A Duda, um cervo, namora um grou coroado da África do Sul, que é uma ave de 1 metro e meio. Eu acho que pra eles não importa como cada um é por fora, mas sim por dentro. Morar com esses animais é como viver dentro de uma escola de amor e tolerância. Muitas pessoas acham estranho a convivência com animais silvestres e exóticos, porque consideram os animais perigosos. Eu acredito que perigoso é sempre o ser humano. Nunca tive problema com bicho, só com gente. 


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A minha casa começou a virar uma atração para os filhos dos meus amigos. Eles pediam para visitar o zoológico do tio Foz. Era a referência que as crianças tinham de um monte de animal num único lugar. Até que uma amiga, a Fabiana Calfat, me deu um toque. Ela disse: “Pô, Fozito, o que você faz para os animais é lindo. Por que não transforma essa sua paixão em algo maior?” Peguei carona na brincadeira das crianças e criei a marca Zoo Foz. 


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A coisa foi crescendo e o estalo mesmo veio quando a mesma amiga me levou à Fundação Fada, uma ONG dedicada a melhorar a qualidade de vida de pessoas com transtorno do espectro autista. A minha conexão com aquela causa foi forte e imediata. Assim como eu, os autistas vivem no mundinho deles. Muitos também têm mais facilidade de se relacionar com os animais do que com gente. Eu comecei a levar os animais para interagir com as crianças e jovens, e o efeito era surreal. Uma tartaruga transforma a vida de um autista.


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Mexido por aqueles encontros, em 2017, eu criei a Fundação Zoo Foz, uma organização sem fins lucrativos que atua nas áreas de educação ambiental e terapia assistida por animais. Por mês, fazemos mais de 400 atendimentos a crianças e adultos com autismo.


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Meu propósito se tornou transformar vidas para criar um mundo melhor. O Zoo Foz tem quatro pilares: amor, cuidado, educação e respeito. Com base neles, nós promovemos quatro ações. A primeira é a zooterapia, em que o animal ajuda no desenvolvimento cognitivo e motor das pessoas com deficiência. A segunda é um trabalho de educação ambiental com as crianças, porque eu acredito que educar é preservar. A nossa terceira ação são intervenções sociais, para ajudar comunidades carentes. E a quarta é o combate ao tráfico de animais. 


Basicamente, eu invisto o meu tempo em animais e crianças. A criança nasce sem a palavra preconceito e, com os animais, ela aprende a ter respeito e limite. Aprende também o conceito de finitude. É um casamento que não tem como dar errado. A socialização com os animais é mais do que uma atividade de lazer. Ela também tem um forte poder educacional, que melhora o desenvolvimento sensorial, social e psicológico da pessoa. O resultado são seres mais sociáveis e amorosos, tudo que a Terra mais precisa.



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Hoje, no Zoo Foz, somos 26 pessoas, entre psicólogos, neuropediatras, advogados, administradores, contadores, biólogos e veterinários. Os estagiários não estão aqui para aprender apenas sobre o comportamento animal, mas, principalmente, sobre os meus pilares. Se os meus filhos conseguem conviver com a diferença, porque os humanos, seres que chamamos de racionais, não conseguem? 


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Sem amor a gente não faz nada na nossa vida que perpetue. Eu gosto de comparar o que fazemos com as formigas. Formigas não falam. Elas fazem, e não desistem. Todos lutam por um objetivo comum. Para eu lembrar disso o tempo todo, eu tenho na minha casa uma escultura feita por esses insetos que representa minha história de vida. Quando comecei a Fundação Zoo Foz, eu era uma formiga pequenininha carregando uma maçã. Muitas vezes o peso nas minhas costas era maior do que eu conseguia carregar. Várias vezes eu pensei em abandonar o meu sonho. Mas cada vez que eu pensava em desistir, aparecia uma outra formiguinha para me ajudar. Hoje eu sei que eu faço parte de um formigueiro. O meu propósito de vida é deixar um legado. Um dia eu não vou estar mais aqui, mas o Zoo Foz vai continuar pelas mãos de outras formigas. 


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Marc Kirst: Quantas pessoas você conhece que, na busca por se sentir parte, pra pertencer ou ser socialmente aceito, acabam se esvaziando de si, censurando sua própria essência, seus traços mais únicos, para se tornar mais um na multidão? E quantas dessas pessoas têm a coragem pra desaprender o molde em que se colocou, desconstruir as próprias máscaras pra voltar à origem, àquele chamado mais profundo que dissolve as ilusões e faz tudo ganhar cor? 


Essa é a reflexão de propósito que o Edu nos dá de presente. Não apenas pelo discurso, mas pela prática de alguém que se permitiu ser quem sempre se foi: um exemplo de desapego da busca imediatista pelo artificial, para canalizar o amor e o serviço pelo o que é natural e, portanto, eterno. No momento da nossa civilização, em que insistimos como humanidade a nos enxergar como espécie soberana, dominante e, consequentemente, exploradora da vida na Terra, acabamos de ouvir uma história de conexão com a vida ao nosso redor, que nos convida a reconexão com o pulso que vive dentro de cada um de nós. Seres humanos, nada mais do que uma das espécies compartilhando e convivendo neste planeta lar, o legado de uma criança que preservou a própria essência, porque desde cedo sentiu na pele o mais profundo pertencimento. Seja mamífero, ave ou réptil, o milagre de olhar nos olhos da vida e reconhecer-se natureza. 


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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.


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