Para Inspirar

Emar Batalha em “Quero devolver ao mundo o que o mundo me deu”

Conheça a história de como a resiliência trouxe a vitória, na décima quarta temporada do Podcast Plenae.

17 de Dezembro de 2023



Leia a transcrição completa do episódio abaixo:

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Emar Batalha: O Instituto Alimentando o Bem existe por causa da minha história de vida. Eu sei o que é passar fome. Eu sei o que é sofrer violência dentro de casa. Eu sei o que é esperar por uma oportunidade. A minha trajetória começou a ser esculpida lá atrás. Se eu não tivesse vivido o que eu vivi, acho que hoje eu não estaria fazendo filantropia.  


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Geyze Diniz: Batalha não está apenas no sobrenome da designer de joias. Emar Batalha lutou muito para ir atrás da vida que sempre quis e hoje busca retribuir a ajuda que recebeu durante a sua trajetória, principalmente através do Instituto Alimentando o Bem, que fundou na pandemia e que se dedica na maior parte do seu tempo para ajudar outras mulheres a terem sua independência. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se. 


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Emar Batalha: Meus pais se conheceram quando minha mãe tinha 14 anos de idade e o meu pai mais que o dobro da idade dela. Ela morava em Colatina, no interior do Espírito Santo, e trabalhava num posto de gasolina. Ele, fazendeiro na Bahia. Meus avós maternos eram analfabetos e nunca se preocuparam com a educação dos filhos. Então, aquele relacionamento foi visto como um meio pra família sair da pobreza.


O meu pai comprou duas casas, uma colada na outra. Em uma morava minha mãe, eu e meu irmão. Na casa vizinha, morava minha avó com os meus tios. Só que o meu pai levava uma vida dupla. Ele era casado. Todo mundo sabia da existência da minha mãe, inclusive a esposa dele. Em algum momento, ele se separou de corpos dessa primeira mulher, mas continuou casado legalmente.


O meu pai era uma pessoa muito complexa, de gênio difícil e caráter duvidoso. Com 27 anos, a minha mãe cansou de ser a outra e de viver naquela relação abusiva. Apesar de ter sido amante do meu pai por muitos anos, ela tinha os mesmos direitos de esposa. Então, ela entrou com um processo de separação e foi aproveitar a vida.  


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Meu pai não aceitou o término do relacionamento. Ele, que não bebia, começou a beber. O comportamento dele mudou e ele se tornou um homem muito agressivo. Um dia, quando eu tinha apenas 11 anos, eu estava sentada na sala de casa e ele entrou. A minha avó percebeu que ele estava alterado e falou: “Vou preparar um café amargo”. Pra ela, que teve um marido alcoólatra, café amargo curava qualquer bebedeira.  


Quando ela veio com o copo de café, o meu pai sacou uma arma e mirou na minha mãe. A minha mãe tinha apenas 1 metro e meio de altura, mas era muito esperta. Ela enfiou o dedo no gatilho e o tiro bateu na parede. Começou uma luta corporal, e a minha tia tirou uma faca que meu pai tinha na cintura. A gente gritou, um vizinho veio e conseguiu pegar o revólver do meu pai.  


A minha mãe nunca registrou queixa, porque achou que foi um momento de loucura dele. Meses depois, ela viajou pra fazenda pra encontrar meu pai. Naquela época, não tinha celular, a comunicação era diferente. Dez dias depois o meu pai ligou em casa perguntando por ela. A minha avó falou: “Como assim? Ela foi te encontrar e não apareceu até hoje”.


Ele respondeu que tinha dado o dinheiro da pensão e que ela tinha ido embora. Mas dois dias após este telefonema, um capataz da fazenda apareceu lá em casa com o dinheiro. Eu me lembro até hoje, eu estava na sala. A minha avó pegou o telefone, ligou pra advogada da minha mãe e falou: “Pode ir atrás dele, porque ele matou ela”. 


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Meu pai foi preso, mas ficou pouco tempo na cadeia. Quando ele saiu, vendeu tudo que tinha e foi embora pro Pará. A gente ficou abandonado à própria sorte e a fome chegou. Na maioria das vezes, a única refeição que tínhamos era na escola. Em casa, minha avó misturava macarrão com farinha pra render e garantir a refeição de todos os netos. Foi uma época muito dura. 


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Aos 14 anos, eu comecei a trabalhar de babá. Os meus tios, que eram um pouco mais velhos, também saíram pra trabalhar. As coisas começaram a melhorar, mas com muita dificuldade. Na adolescência, eu me aproximei da outra família do meu pai, que morava em Vitória.


Hoje eu tenho plena consciência de que eu via neles uma tábua de salvação. A primeira mulher do meu pai, Dona Rosa, teve três filhos homens. O sonho dela era ser mãe de uma menina. Durante o processo de separação dos meus pais, antes da tragédia, o meu pai me levou para morar com a Dona Rosa, escondido da minha mãe.  


Eu fui recebida de braços abertos e fiquei um mês e pouquinho em Vitória. Eu estudei numa escola melhor, eu entrei num shopping center pela primeira vez e descobri o que era um prédio com elevador, com porteiro e piscina. Essas poucas semanas definiram o que eu sou hoje. Aquela era a vida que eu queria, a vida que eu buscaria pra mim. E eu sabia que o primeiro passo que eu deveria dar era através da educação.  


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Fiz um curso técnico de contabilidade e passei no vestibular de ciências contábeis. Meus irmãos de Vitória me ajudaram a pagar as primeiras parcelas da faculdade e eu consegui um ótimo emprego numa indústria de celulose na Bahia. Pra conciliar o trabalho com os estudos, eu viajava quase 400 quilômetros toda semana. Eu ia de ônibus e pra voltar pegava carona na estrada, pois só assim chegaria a tempo.  


Nessa época, eu tinha uma cunhada que vendia joias de prata. Ela me convidou pra vender as peças, em troca de uma comissão. Eu, que sempre fui muito comunicativa, comecei a oferecer as joias dentro da empresa e da faculdade. Em seis meses, percebi que esse negócio era mais rentável do que o meu emprego, e pedi demissão. 


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Eu fui vender as peças de porta em porta, em Colatina. Eu pesava 48 quilos e a minha bolsa pesava 30. Com as joias, eu paguei a minha faculdade e as contas da casa da minha avó. Aos 24 anos, eu engravidei do meu namorado, que era o gatão da cidade. Sabe aquela história, né, do pai rico, filho nobre e neto pobre? Ele era o neto pobre. Era um namoro doentio, marcado por brigas e pelo alcoolismo dele. Só mais tarde, depois de muita terapia, eu entendi que eu estava tentando repetir a trajetória dos meus pais. 


Aos 29 anos, eu não aguentei mais aquele relacionamento abusivo e me separei. Eu já tinha loja em Colatina, e decidi refazer a minha vida em Vitória. Na capital, eu comecei a entender que eu poderia ser mais do que uma vendedora. Eu poderia ser uma designer de joias. Eu já sabia muito sobre o mercado e conhecia as fábricas e os ourives. Eu fiz alguns cursos técnicos de desenho e passei a comprar revistas importadas. As minhas criações fizeram muito sucesso. 


Um dia, a Preta Gil foi pra Vitória fazer um show. A gente fechou uma permuta em joias e ela apareceu em um evento que eu organizei pras clientes. Eu contei pra Preta a minha história de vida e ela me encorajou a ir pro Rio de Janeiro. Com a ajuda dela, eu conheci vários artistas. As minhas joias começaram a aparecer na mídia e nas novelas da Globo. Essas eram as maiores vitrines que existiam, antes das redes sociais. Meu negócio decolou. Eu abri uma loja em São Paulo e outras em Brasília e Salvador.  


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Eu também consegui me refazer do ponto de vista pessoal. Me mudei pra São Paulo, me casei com um homem maravilhoso e tive uma linda filha. A minha vida estava ótima, até que chegou março de 2020.  


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Eu, meu marido e minha filha pegamos Covid bem no comecinho da pandemia. A gente está entre os primeiros 100 casos da doença no Brasil. Depois do período de isolamento, eu viajei pro Guarujá, pra minha casa da praia. Quando cheguei, a minha cozinheira me contou sobre um deslizamento de terra em uma comunidade carente pertinho da minha casa. Mais de 500 pessoas ficaram sem teto e a pandemia estava agravando muito essa situação. Tinha muita gente passando fome.  


Ela sugeriu que a gente fizesse marmitas e eu topei. Como eu já tinha tido covid, fiquei na linha de frente e fui distribuir numa igreja. No primeiro dia, a gente preparou 30 marmitas e apareceram 80 pessoas. No segundo dia, a gente fez 80 refeições e vieram 120 pessoas. Aí, a gente preparou 120 e apareceram 170. Até que eu montei uma cozinha industrial no Perequê, um bairro do Guarujá. Comecei a pedir doações pela internet e, durante a pandemia, a gente chegou a distribuir quase 30 mil marmitas.  


Dessa linda iniciativa acabou nascendo uma ONG: o Instituto Alimentando o Bem, que se dedica ao desenvolvimento territorial através das mulheres. A gente entende que a mulher é o pilar da família e quando bem estruturada consegue apoiar todas as pessoas do seu núcleo. 


O instituto tem várias frentes. A principal delas é a capacitação das mulheres pra que elas possam ter renda assumindo assim o protagonismo de suas vidas. A gente tem uma fábrica de cerâmica, uma de chocolate, uma de costura e uma de vela. Além disso, a gente tem um projeto de moradia pra resolver o problema de quem vive em lugares de risco. O Instituto já realocou 53 famílias que viviam em palafitas, em uma área de mangue e vai realocar mais 190 famílias.  


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Hoje, eu passo 70% do meu tempo batendo na porta dos outros.  


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Mas agora, em vez de oferecer joias de prata, como eu fazia lá em Colatina, eu peço dinheiro para ajudar outras pessoas. Eu ainda trabalho como designer, é minha profissão e minha arte. Mas, nesta área eu já alcancei todos os meus objetivos. O meu grande amor agora é o Instituto.


Eu sinto que eu tenho duas missões com a ONG. Uma é devolver ao mundo o que o mundo me deu. Ao longo da vida, eu recebi muita ajuda de mulheres, e agora eu preciso dar as mesmas oportunidades pra outras mulheres que passam por dificuldades como eu passei. A segunda missão é conscientizar as mulheres que elas precisam olhar pra outras mulheres.


A gente pode começar a fazer isso no nosso entorno. As classes mais favorecidas têm funcionárias em casa. Quanto tempo essa pessoa gasta para chegar ao trabalho? Quem cuida dos filhos dela enquanto ela está fora? São perguntas que a gente tem que fazer e tentar ajudar. O dinheiro é uma ferramenta pra dar prazer e conforto. Eu vendo joias. Quem sou eu pra julgar como as pessoas gastam? Eu me considero capitalista, mas procuro ser uma capitalista consciente. 


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Eu sempre fui ligada à filantropia. Mas, quando eu olho o que eu tinha e a necessidade do mundo, eu vejo que o que eu fazia no passado não era nada. A filantropia, pra gente, tá ligada ao que sobra, ao que não fará diferença para mim. E não é assim. A pandemia me mostrou que não adianta a gente ficar esperando ter tempo e dinheiro sobrando pra ajudar o próximo. A hora de fazer é agora. 


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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae. 


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Para Inspirar

Henri Zylberstajn em "As boas surpresas do acaso"

O episódio de estréia da nossa primeira temporada do Podcast Plenae, "Histórias para Refletir", está no ar!

21 de Junho de 2020


Leia a transcrição completa do episódio abaixo: 

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Introdução: Bem-vindo ao Podcast Plenae, um lugar onde você encontra histórias reais para refletir. Ouça e reconecte-se. 

 

No episódio de hoje, o engenheiro e fundador da ONG Serendipidade, Henri Zylberstajn conta como a sua vida deu uma guinada a partir do nascimento do Pepo. Mais do que um filho, Henri ganhou um propósito, o pilar que ele representa neste podcast. No final do relato, você ouvirá reflexões do monge Satyanatha, nosso convidado especial dessa temporada, para ajudar você a se conectar com o seu momento presente. Aproveite este momento, observe seus sentidos e abra-se para uma nova visão sobre o mundo e sobre você mesmo.

 

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Henri Zylberstajn: A Marina e eu temos um ritual desde que a gente começou a namorar, em 2007. Entre o Natal e o Ano Novo, em um jantar a dois, a gente escreve bilhetes com os nossos desejos pro ano que vai chegar. Em voz alta, a gente lê também o que a gente pediu no ano anterior. Na virada de 2017 para 2018, os dois pediram pela saúde do bebê que ia nascer. A gente já tinha a Nina, de 5 anos, e o Lipe, de 2, quando ficamos grávidos do Pedro, o Pepo. Eu sempre quis ter três filhos. A Marina também. O que não escrevemos naquele fim de ano, e a gente nem poderíamos imaginar, era o presente que estava por vir.

 

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A gravidez do Pepo, como as outras duas, foi normal, sem nenhum tipo de intercorrência. A gente fez todos os acompanhamentos com a mesma médica, no mesmo consultório. Fizemos todos os exames possíveis e imagináveis que nos foram apresentados e nenhum deles apontou nenhum risco de anormalidade. Éramos pais jovens, saudáveis, que não consumiam drogas e nem bebidas alcoólicas, ou seja, todo um cenário pra que tudo caminhasse dentro do que são as situações mais típicas. 

 

Quando a Marina tava de 36 semanas, a gente começou a ter um acompanhamento um pouquinho mais de perto, porque ela passou a ter contração. A médica falou: “O fluxo do cordão umbilical de oxigênio não é que tá ruim, mas ele não tá como eu gostaria.” Dois dias depois, a mesma médica disse: “Já tem um pouquinho de dilatação, vamos induzir pro Pedro nascer de parto normal, se ele quiser”.

 

Esse foi o único dia da gestação que a Marina teve um feeling ruim. Eu lembro que, quando a gente saiu da médica e entrou no carro, a Marina desabou, começou a chorar. E eu falei: “Fica tranquila, tá tudo bem”. Mas, por maior a confiança que a gente tivesse na obstetra, essa história de que o fluxo de oxigênio não tá bom, vamos adiantar o parto, tudo isso trouxe dúvidas: será que tá tudo bem com ele mesmo?

 

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Era meio de carnaval, 5 horas da tarde de uma segunda-feira, dia 12 de fevereiro de 2018. O Pedro nasceu prematuro, com 43 centímetros e 2 quilos e 200 gramas. A Marina ficou com ele no colo. Ele era tão pequenininho... 

 

Também percebi que a pediatra ficou examinando ele com um pouco mais de atenção, com um pouco mais de cuidado do que nos partos da Nina e do Lipe. Mas até aí tudo bem. Você tá eufórico, nasceu teu filho, é uma explosão de alegria! Toquei o hino do Corinthians. A gente recebeu a família, ficamos debatendo com ele parecia, com quem ele não parecia, como foi o parto...

 

A gente nem se preocupou quando a enfermeira levou ele pra UTI. A obstetra já tinha falado que, por ele ser prematuro, talvez tivesse que ficar uns diazinhos por lá, pra poder se reabilitar. Nesse dia, eu dormi do lado da Má, no sofazinho do quarto.

 

[trilha sonora]

 

No dia seguinte, acordei umas 6h da manhã e desci pra tomar um café. Quando eu tô voltando, encontro a obstetra no corredor: “Você tá indo pra onde?”, ela perguntou. “Ah, tô indo pro quarto”. “Então tá bom, vou lá com você”. 

 

Voltei pro quarto com a doutora, sentei na cama e ela disse: “Então”... E mudou o tom. “Vocês acreditam que o hospital tá desconfiando que o Pedro tem Síndrome de Down?” Eu me lembro como se fosse ontem do quente que me veio aqui dentro, uma sensação de calor, desespero. Eu falei: “como é que é?”

 

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Meu nível de informação sobre a trissomia do cromossomo 21, o nome técnico da Síndrome de Down, era praticamente nulo. Eu não tinha a menor ideia do que era. E o pouco que eu sabia não me deixava muito animado, pra dizer o mínimo. A real é que a minha primeira sensação foi a pior possível.

 

Eu falei, tremendo: “Doutora, como assim?”. E ela também assustada não tava acreditando. Acho que, apesar de tecnicamente ser magnífica, nessa hora ela vestiu o casaco de mãe. Aí me baixou o espírito de engenheiro e eu falei: “Calma. Quem falou que ele tem Síndrome de Down?”. E lá fui eu pelos corredores do hospital atrás da pediatra neonatal que tinha dito.

 

Quando ela me vê, ela para e petrifica. Eu cheguei perto e falei: “Doutora, eu sou o pai do Pedro. Ele tem Síndrome de Down?”. Ela se assustou com a pergunta e falou: “vamos ali no quarto conversar?”. Eu falei: “Não. Eu só quero saber o seguinte: além de você, alguém examinou ele?” 


E ela falou: “Examinou”. Quem? "Outros médicos, pediatras". Mas pediatras neonatais? "Sim" Quantos? "Mais cinco." Alguém teve alguma dúvida? "Não". Voltei pro quarto e falei: Marina, o Pedro tem síndrome de Down. 

 

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Eu nunca vi uma morte de perto. A não ser dos meus avós, que já estavam bem velhinhos e aí eu acho que é diferente. Receber a notícia de que o filho que você imaginou não é exatamente assim certamente foi o momento mais difícil da minha vida. Eu não sabia onde eu tava. 

 

Eu entrei na UTI e comecei a enxergar no Pedro - pela primeira vez - os traços da Síndrome de Down. Aí veio o pediatra da família. Ele chegou perto da incubadora e precisou de um segundo e meio, não mais do que isso, pra dizer: “Henri, a gente vai ter que esperar um exame de confirmação, mas o Pedro tem Síndrome de Down”.

 

Ele começou a me dar uma série de elementos no meu filho: Falta de tônus muscular, uma linha na mão, a orelhinha implantada mais baixa, os olhinhos amendoados, a falta de osso nasal ou o osso nasal muito pequeno, a língua pra fora...

 

Quando os meus pais chegaram no hospital, eu levei eles na salinha da UTI neonatal e dei a notícia. A minha mãe é que nem eu: chorona, emotiva. Se um neto tocar DO RE MI FA, ela vai chorar, então, eu já estava acostumado. Mas meu pai, que estava prestes a fazer 70 anos, eu nunca tinha visto chorar. Nem quando o pai dele morreu. Eu acho que os avós sentem em dobro, pelos netos e pelos filhos.

 

Eu até me arrepio, porque talvez tenha sido um momento tão difícil quanto o de receber a notícia. A médica tinha conversado comigo umas 7 horas da manhã, isso já eram 3h da tarde. Então, eu já tinha de alguma forma absorvido o baque, nem que fosse um pouquinho. Mas quando eu vi o meu pai chorar pela primeira vez, foi muito, muito, muito difícil. Me veio uma sensação de culpa.

 

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A primeira vez que eu fiquei no quarto só com a Má, a gente se abraçou e chorou muito. E essa cena se repetiu por várias vezes, até o Pepo sair da UTI, 22 dias depois. Desde antes do Pedro nascer, a gente não planejava anunciar o nascimento dele nas redes sociais. Porque a gente não estava querendo no terceiro filho receber muita gente no quarto. Tanto é que não tinha nem brigadeiro, lembrancinha, nem nada.

 

Só que eu comecei a encontrar pessoas, conhecidos no corredor do hospital. E passei a ficar incomodado com o fato dessas pessoas poderem imaginar que eu estivesse escondendo a Síndrome de Down do meu filho. Então, decidi postar um texto no Facebook.

 

E a partir de então eu comecei a receber muitas mensagens. Muitas clichês, do tipo:  “Filhos especiais são para pessoas especiais”; “Deus não confia missões mais difíceis do que as pessoas podem carregar”; “Vocês são uma família do bem, então nada vem por acaso”;

 

Só que essas mensagens, apesar de me confortarem, não tocavam o meu íntimo. Até então - eu confesso - eu estava encarando aquilo como um castigo. Eu questionei Deus muitas vezes. Do por que que ele tinha me mandado um filho com Síndrome de Down, se eu me considerava uma pessoa boa? Eu não tenho vergonha de falar isso, porque é a verdade, era como eu estava encarando a situação.

 

Até que chegou a mensagem da Silvia, uma amiga que também tem uma filha com Síndrome de Down. E a Silvia me falou, baseada na experiência dela que, na verdade, ter um filho com Síndrome de Down não é uma coisa ruim. É o contrário, é uma oportunidade de vida. De poder tê-lo do nosso lado e poder enxergar o mundo através de uma outra perspectiva. Poder valorizar as pequenas coisas. Poder respeitar as individualidades alheias. Poder entender que talvez o mundo não seja como a gente enxerga e que existam outras possibilidades. E que tudo isso fazia a vida valer a pena. Eu fiquei em prantos quando ela falou isso para mim. E foi ali, oito dias depois que o Pepo nasceu, que tudo começou.

 

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Pedro saiu do hospital, tomou as vacinas e a gente começou a levá-lo pra passear, pra ver gente. Parte dos meus amigos não conseguia me olhar no olho. Não conseguia tocar no assunto “Pedro”. A outra parte nos abraçavam como se a gente tivesse de luto. Foram muitos abraços, tapinhas nas costas, falando: “Que barra, conta comigo”. E eu pensava: conta comigo para quê?

 

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Apesar de ninguém escolher ter um filho com deficiência, a gente tava tentando extrair o melhor daquela situação. Eu acredito que as pessoas vão encarar o teu filhos da mesma forma como você encara ele. Então, se eu estava encarando o Pedro como alguém capaz, repleto de possibilidades, era muito provável que as pessoas também iam enxergá-lo da mesma maneira. 


Aí então a gente resolveu abrir uma conta de Instagram pra dividir um pouco do nosso dia a dia. Eu queria que a gente fosse no clube e as pessoas não precisassem falar: “Ah, ele tem Síndrome de Down”, diminuindo o volume quando falassem a palavra Síndrome de Down no final da frase. 

 

Eu não queria que os outros tivessem dedos para falar da deficiência do meu filho. Porque a deficiência faz parte da personalidade dele, faz parte das características dele, mas não é o que o define. Eu e a Má criamos a conta de Instagram dentro de um táxi, indo pro aeroporto. Um dia depois, tínhamos 3.500 seguidores. Em cinco dias, 10.000. E hoje, são mais de 115 mil.

 

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Eu nasci numa família que sempre me educou a respeitar a diversidade, mas ela não fazia parte do nosso dia a dia. Eu nunca tive preconceito, no sentido ruim da palavra, mas ao mesmo tempo eu achava que aquilo não me pertencia. Quando você vive uma vida inteira com pessoas da mesma cor de pele que a tua, da mesma classe social e com as mesmas condições físicas e cognitivas, você pode até não ter preconceito, o que já é um bom começo. Mas certamente você vai sentir uma barreira quando cruzar com alguém que não se encaixe nesses padrões.

 

Então, eu fico aflito quando eu penso que meu filho vai sofrer com essas barreiras. Porque eu sei que ele vai encontrar algumas. E, por mais racional, por mais preparado que você esteja, imagino que deva ser algo que te tire do prumo. 

 

Depois que o Pepo nasceu, eu tirei um sabático de 6 meses pra me dedicar a estudar a deficiência intelectual. Comecei a contribuir na APAE São Paulo e ter contato com a realidade brasileira do tema. Eu e a Má criamos uma ONG, chamada Serendipidade, que vem do inglês Serendipity, que quer dizer o ato de descobrir coisas boas ao acaso. Foi exatamente o que aconteceu conosco quando o Pedro nasceu. 

 

A gente fala de uma maneira leve e positiva sobre o tema, sem esconder nada e sem falar que é a melhor coisa do mundo ter um filho com deficiência. Mas a gente mostra que, se isso acontece, dá para você viver e enxergar um outro lado incrível da vida.

 

A nossa missão é fazer com que a inclusão não seja encarada como uma caridade, mas sim como algo bom para todos que se envolverem com ela. A gente atua para que as pessoas não tenham que ter um filho com Síndrome de Down ou esperar 38 ou 70 anos, como foi o caso do meu pai, para conhecer mais sobre o assunto.

 

Eu não tenho a menor dúvida de que o contato com a inclusão engrandece a nossa essência, faz com que as pessoas abram a mente. A diversidade nada mais é que a liberdade que as pessoas têm de viver como elas são ou como elas querem ser. O Lipe ainda é pequeno pra entender o que é a Síndrome de Down, mas a Nina já entende. Outro dia, ela me perguntou se o Pedro vai ter filhos. Aí eu falei: “Filha, ele vai ter se ele quiser e se ele puder. Mas se ele tiver, você gostaria que o filho dele nascesse com ou sem Síndrome de Down?”. Ela me disse: “Papai, tanto faz”.

 

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Satyanatha: Chegamos ao fim do relato do Henri. A gente costuma achar que o futuro é perigoso. Por isso, criamos um cenário hipotético e se convence de que é o único panorama viável e seguro. Mas a vida tem uma criatividade extraordinária. Muitas vezes ela nos conduz para um caminho diferente - e melhor - do que imaginávamos. Os temperos de alegria, de criatividade e de propósito são muito superiores a qualquer dor causada - até porque não existe caminhada sem dor. 

 

A solução pra evitar o sofrimento não é imaginar vários futuros, e sim viver o agora. Se hoje eu for aberto, verdadeiro, amoroso e dedicado ao que eu sinto, eu vou criar um futuro positivo. Foi isso que o Henri começou a descobrir, quando transformou a condição do Pepo em um propósito. 

 

Muita gente vê o propósito como uma tarefa. Na verdade, ele é um estado de espírito, no qual você se predispõe a estar alinhado com um tema e a vibrar, no presente, aquilo que você quer para o futuro. 

 

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Finalização: Nossas histórias não acabam por aqui. Acompanhe semanalmente novos episódios e confira nosso conteúdo em plenae.com e no perfil @portalplenae no Instagram.

 

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