O que você vai encontrar por aqui: 
  • Misinformation versus desinformation 
  • Por que acreditamos em fake news? 
  • O que são as deep fakes?  
  • Uma vacina contra a manipulação 
  • Dicas de como se proteger de notícias falsas
Você já acreditou em uma notícia para logo depois descobrir que era falsa?  

É bem provável que sim. Afinal, desde que o mundo é mundo, a desinformação circula na sociedade, seja de forma intencional ou não, e nem sempre conseguimos distinguir logo de cara suas inverdades. Porém, com o avanço da tecnologia, a velocidade e abrangência com que notícias falsas se espalham tem criado um cenário preocupante, com efeitos negativos em diferentes esferas sociais como a política, a economia e a saúde.  

Diferente da língua portuguesa, o inglês consegue distinguir duas formas distintas de desinformação: a misinformation, que está relacionada a disseminação de uma informação equivocada de forma não intencional, seja por descuido ou falta de informação suficiente, e a desinformation, que diz respeito a manipulação da verdade com a intenção de enganar as pessoas, conhecida como fake news.  
Estudiosos afirmam estarmos vivendo uma verdadeira epidemia delas no mundo, com impactos importantes na estrutura da nossa sociedade. Elas têm aumentado a polarização, desestabilizado a credibilidade em instituições sérias, influenciado eleições, impactado a economia e, com o uso das IA generativas, criado rupturas na realidade dignas de cenas do Black Mirror. 

Assim, acreditamos que vale a pena entender um pouco mais o que são as fake news e suas estratégias para manipular a opinião pública. Queremos com isso te ajudar não só a se proteger desse tipo de fraude, mas também contribuir no combate a desinformação que tanto afeta nosso bem-estar social. Nosso contexto é um importante pilar para nossa qualidade de vida. Assim, zelar pela verdade é fundamental para manter uma relação saudável com o mundo ao nosso redor.    
Fundo no assunto
O jogo da manipulação 
 
Com estratégias cada dia mais requintadas, não é de se admirar que quase 90% dos brasileiros reconheçam já terem acreditado em conteúdos mentirosos. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva e divulgada pela Agência Brasil, apesar de 62% da população confiar em sua capacidade de discernir informações falsas e verdadeiras, nove em cada dez brasileiros afirmaram já terem dado crédito a uma fake news.  

De produtos milagrosos, passando por teorias da conspiração, escândalos envolvendo políticos e celebridades, propostas mentirosas em campanhas eleitorais, golpes financeiros e até desinformação sobre políticas públicas como a vacinação, essas são apenas algumas das modalidades das fake news que se espalham diariamente nas redes.  

E o que torna uma informação falsa tão facilmente aceitável? Segundo a série Fato ou Fake do G1, uma das razões que nos leva a acredita nesse tipo de conteúdo é o “viés da confirmação”. O termo proposto pelo psicólogo inglês Peter Wason trata da tendência de buscarmos informações que confirmem nossas crenças. Assim, é muito comum pessoas acreditarem em uma fake news simplesmente porque estão de acordo com sua opinião.

     


Como explicou Joseph Issac nesse Ted-Ed, outro fator que contribui para acreditamos rapidamente em notícias falsas é sua narrativa simplista. Isso satisfaz nosso desejo por uma história clara e simples sobre o mundo ao nosso redor, uma qualidade nem sempre presente nas áreas às vezes complexas da ciência. E uma vez que ouvimos uma boa história, pode ser difícil mudar nossa maneira de compreender aquela informação, mesmo diante de novas evidências.  


“Uma mentira pode dar a volta ao mundo, enquanto a verdade está calçando os sapatos”. Essa frase, atribuída a Mark Twain mas, na realidade, de autoria incerta, expressa uma triste verdade: a mentira se espalha com uma rapidez extraordinária. Para entender esse fenômeno, o cientista de dados Sinan Aral compartilhou neste Ted Talk, os resultados de um estudo minucioso realizado junto a colegas da área, de mais de 126.000 notícias e boatos espalhados no Twitter entre 2006 e 2017.  
Publicado na revista Science em 2018, o estudo mostrou que as notícias falsas se espalham mais rápido, chegam mais longe e de forma mais ampla e profunda do que a verdade, seja qual for o conteúdo da informação. Com 70% a mais de chance de serem compartilhadas do que uma notícia verdadeira, uma possível explicação para que isso aconteça é a “hipótese da novidade”. A atenção humana é atraída por novidades e gostamos de compartilhá-las, pois nos faz parecer ter acesso a informações privilegiadas, ganhando assim status social. 

Ao mesmo tempo, fake news são especialmente desenhadas para enganar nosso cérebro, usando estratégias para ativar repostas automáticas e, com isso, nos fazer não só acreditar na informação mentirosa, mas compartilhá-la com mais rapidez. Dentre os truques mais eficazes está a tentativa de nos surpreender, chocar, despertar a raiva e o horror em nós, pois as emoções agem muito mais rápido do que a razão. Estudos mostram que conteúdos imbuídos de emoção recebem muito mais atenção e são muito mais compartilhados, assim como as pessoas são menos propensas a questionar se são verdadeiros ou não. 


Com o desenvolvimento acelerado da inteligência artificial generativa, veremos uma enorme onda de mídia sintética - vídeos e áudios falsos extremamente convincentes para olhos e ouvidos humano - conhecida como deep fake, inundando as redes.  

Segundo Sinan Aral, duas tecnologias irão potencializar esta onda e tornar as coisas ainda mais complicadas. A primeira é conhecida como “redes adversárias generativas”. Este é um modelo de aprendizado de máquina composta por duas redes: um gerador, cujo papel é criar mídia sintética; e um discriminador, que tem como papel determinar se algo é verdadeiro ou falso. 

É tarefa do gerador maximizar a probabilidade de enganar o discriminador para achar que o vídeo e áudio sintético que está criando é real. “Imaginem uma máquina em um superciclo, tentando ficar cada vez melhor em nos enganar”, colocou Sinan Aral em sua palestra.  

    


Isso combinado com a segunda tecnologia, que é a democratização da inteligência artificial, ou seja, que qualquer pessoa sem formação em IA ou aprendizado de máquina, tenha a capacidade de utilizar esses tipos de algoritmos para gerar mídia sintética, tornará muito mais fácil criar e disseminar deep fakes.  

Como colocou Leonardo Neiva em reportagem na revista Gama, com a chegada dessa nova possibilidade de falsificar imagens e áudios, estamos a ponto de cruzar uma fronteira perigosa. Em um mundo onde tudo pode ser manipulado, ficará impossível confiar em nossos olhos e ouvidos, tornando ainda mais fácil acreditar naquilo que é conveniente para cada um.  


E como se não bastasse nossa tendência inconsciente de acreditar em notícias enganosas, hábitos digitais estão “atrofiando” nossa habilidade de leitura e compreensão. Segundo a neurocientista cognitiva Maryanne Wolf, nossa exposição cada dia mais prolongada as telas e a prática de somente “passar os olhos” superficialmente em uma série de conteúdos online, pode estar prejudicando nossa capacidade de compreender argumentos complexos, de fazer uma análise crítica do que lemos e de abrir-nos para pontos de vista divergentes.  

Wolf explica à BBC News Brasil que nossa habilidade de ler e interpretar é resultado de um circuito cerebral que precisa ser desenvolvido. Esse circuito é moldado pela forma como lemos e o tempo gasto na leitura. Na medida que a leitura se torna cada dia mais superficial, “o circuito da leitura no cérebro não vai alocar tempo suficiente para um processamento cognitivo necessário para uma análise crítica”, diz a acadêmica.  

Segundo a pesquisadora, já é possível observar como os jovens, habituados desde os primeiros anos de vida a passar horas nos celulares e tablets e consumir ali toda sua informação, estão desenvolvendo o que ela chama de “impaciência cognitiva”, o que não favorece a leitura crítica. Com isso, “as pessoas ficam muito mais suscetíveis a fake news e demagogos que criam falsas expectativas”, opina ela.  
O que dizem por aí
Tem vacina pra isso? 


                               


É verdade que os avanços na tecnologia de comunicação trouxeram enormes benefícios para a sociedade, quebrando uma série de barreiras entre a informação e as pessoas. Mesmo a inteligência artificial generativa deve ser vista com bons olhos, podendo potencializar a criação de conteúdos para entretenimento, educação e publicidade com qualidades impressionantes. Utilizada com ética e responsabilidade, pode, sem dúvida, ser uma ferramenta incrível.  

Mas, é também verdade que muitos não possuem essa ética e buscam somente satisfazer seus interesses pessoais, seja pelo meio que for. Assim, cabe a nós nos proteger deste tipo de conduta e fazer nosso papel para frear a manipulação. E foi pensando em como nos proteger de fake news que pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, resolveram testar uma abordagem diferente do assunto: tratá-las como um vírus.   

Em entrevista para a revista Gama, Jon Roozembeek nos conta sobre algumas das “vacinas psicológicas” desenvolvidas por ele e seus colegas com a intenção de criar “anticorpos cognitivos” e, assim, reduzir a probabilidade de pessoas serem convencidas pelas notícias falsas. Para ele, a checagem de fatos pode ser muitas vezes complicada e pouco eficiente para desmascarar uma fake news. Através de games e vídeos, ele busca expor a pessoa a pequenas doses de desinformação, mostrando as técnicas mais comuns utilizadas para espalhar e viralizar este conteúdo. 


  
Conceito de fundo de jornal


Nos games Bad News, Harmony Square e Go Viral!, o jogador assume o papel de divulgador de fake news e precisa conquistar não só o maior número de seguidores possível, mas construir credibilidade falsa com um site de notícias. O site Inoculation Science apresenta também uma série de vídeo curtos, cada um dos quais "inocula" as pessoas contra uma técnica de manipulação específica ou um dispositivo retórico enganoso comumente encontrado on-line. 


Estar ciente das estratégias utilizadas para nos persuadir pode, sem dúvida, nos deixar mais alerta quando recebemos uma notícia. Dentre as mais comuns temos:  

Linguagem emocional: as emoções são ferramentas poderosas de persuasão. Pesquisas mostram que o uso de palavras emocionais, especialmente aquelas que evocam emoções negativas, como medo ou indignação, aumenta o potencial viral do conteúdo da mídia social. 

Falsos especialistas: muitos posts utilizam um pseudocientista ou mudam o nome de figuras importantes de forma quase imperceptível (como aumentar ou trocar uma letra do nome, por exemplo) para apoiar argumentos enganosos, sabendo que a maioria das pessoas não irão checar sua veracidade.  

Informações incoerentes: a incoerência ocorre quando alguém usa dois ou mais argumentos para defender um ponto de vista que, logicamente, não podem ser verdadeiros ao mesmo tempo. É uma técnica mais comumente vista em discussões mais longas sobre um determinado tópico (geralmente muito polarizado). 

O bode expiatório: é quando uma pessoa ou um grupo recebe uma culpa injustificada por um problema específico. O bode expiatório é comumente visto ao longo da história, mas continua sendo comum até hoje. 

Amplificação: aumentar artificialmente o alcance do conteúdo no intuito de ganhar credibilidade nas redes sociais. Isso é feito através de perfis falsos (bots) que espalham a notícia, dando a sensação de que muita gente apoia aquele argumento.
 
Ataques Ad Hominem: quando uma pessoa traz um argumento e o outro lado, ao invés de atacar o argumento, ataca a pessoa que o trouxe, desfocando do assunto e criando uma verdadeira cortina de fumaça. Isso redireciona a atenção para o ponto que essa pessoa má intencionada quer e não para o verdadeiro foco do que estava sendo discutido. 
Fique de olho

                                 

     
Nessa era de mídias digitais, somos todos editores e, portanto, responsáveis pela disseminação ou bloqueio das fake news. Afinal, somos nós que compartilhamos histórias online. Notícias falsas existem desde que o mundo é mundo, mas o que a torna ainda mais perigosa atualmente é justamente a velocidade com que ela pode viajar.  

Pensando no coletivo, atente-se sempre ao que você irá compartilhar. O primeiro passo certamente é acalmar nosso desejo por respostas rápidas, analisar criticamente informações suspeitas e sempre rastrear a fonte original da informação. Nós já falamos em nosso portal sobre como checar se uma notícia é falsa e deixamos aqui novamente alguns passos simples que podem te ajudar nesse processo: 



Quer saber mais? Separamos alguns conteúdos que podem te ajudar
a fazer um mergulho ainda mais profundo, não deixe de conferir!

Podcast: Fake News não Pod – Jornal da USP




Série: Não olhe para cima - Netflix