Em que você acredita? 
O que você vai encontrar por aqui: 
  • Como surgiram as religiões
  • As diferentes manifestações religiosas no Brasil
  • Da onde vem a intolerância
  • Como a fé atua no nosso bem-estar
  • 3 dicas para nutrir sua espiritualidade
Boa leitura! 
Qual o sentido de estar vivo? Deus existe? Há vida após a morte? Qual a origem do universo?

Essas e outras perguntas existenciais sempre fizeram parte dos questionamentos humanos, e milhares de credos surgiram ao longo da história para dar sentido ao grande mistério da vida e da morte. As religiões estão presentes em todas as culturas, desde tempos pré-históricos, e acompanhou a evolução da nossa sociedade moldando nossa forma de se relacionar com o mundo, com os outros e com nós mesmos. 

O Brasil é um país que possui uma rica diversidade religiosa. Em função da miscigenação cultural, fruto dos vários processos imigratórios, encontramos em nosso país religiões não só das mais diversas vertentes, como inclusive religiões que nasceram em solos brasileiros a partir do encontro de diferentes crenças. Apesar da grande pluralidade de manifestações espirituais no país, católicos e evangélicos juntos somam mais de 80% da população, segundo o mais recente levantamento feito pelo Datafolha. Ainda, apesar de vivermos em um país onde a liberdade de crença é um direito constitucional, a intolerância religiosa, especialmente dirigida às religiões de matriz africana, se faz cada dia mais presente e mais violenta. 

O preconceito normalmente está relacionado com a falta de informação e conhecimento a respeito do que é diferente. Assim, abrir nossa mente para conhecer a essência de cada credo e entender que todos buscam, de alguma forma, responder nossas inquietudes frente ao “Grande Mistério”, pode ajudar a diminuir nossos julgamentos e entender que “não existe Deus certo, existe Deus e ponto”, como afirmou Paulo Vicelli em seu episódio no Podcast Plenae

A espiritualidade, para nós, é um dos pilares fundamentais para se ter uma vida plena, e a religião, sem dúvida, pode ser um atalho importante para esse encontro transcendental consigo mesmo. Existem muitas formas de estabelecer esta conexão, para alguns é por meio das orações, para outros é por meio do canto, alguns se conectam a partir do som de tambores e há ainda quem encontre o sagrado no silêncio. 

Esperamos com a newsletter de hoje te ajudar não só a encontrar a linguagem espiritual que mais fala com sua alma, mas também aumentar o respeito e a tolerância com aquele que acredita em algo diferente de você, construindo assim uma sociedade mais amorosa, democrática e respeitosa a todos os modos de expressão da fé. 
Fundo no assunto
No princípio era o verbo


Religião, fé e espiritualidade são conceitos que, apesar de não terem o mesmo significado, são impossíveis de serem completamente dissociados. Isso porque toda religião envolve uma espiritualidade, mas a recíproca não é necessariamente verdadeira, como comentamos aqui. Mas, o que é a religião? 

Segundo o antropólogo e historiador Yuval Noah Harari,  autor do best-seller Sapiens: uma breve história da humanidade, a religião pode ser definida como “um sistema de normas e valores que se baseia na crença de uma ordem sobre-humana”. No início de nossa história, as religiões tendiam a enfatizar características singulares dos lugares, climas e fenômenos específicos de cada região. 

Eram classificadas como religiões animistas, que acreditam que tudo (plantas, animais e elementos da natureza) possui um anima, ou seja, uma alma. Assim, os habitantes de um determinado vale buscavam entender a ordem sobre-humana que regulava esse vale e adequar seu comportamento a tal ordem, onde a maioria das deidades eram locais.

À medida que as redes de comércio se expandiram, deuses locais passaram a ser substituídos por deuses cujo poder e autoridade abarcavam um reino inteiro, o que levou ao surgimento das religiões politeístas. Fundamentalmente, estas religiões acreditam em uma força suprema que governa o mundo, porém este poder é destituído de interesses e inclinações e, portanto, não atenderia os desejos mundanos dos homens. 

         

Para pedir auxílio a tais questões, hindus, por exemplo, se dirigem a deuses com poderes parciais como: Lakshimi, conhecida como a deusa da riqueza e da prosperidade,  Ganesha, patrono do intelecto, das letras e também dos obstáculos, ou Hanuman, conhecido como o deus das causas impossíveis. A pluralidade de deuses presente nas religiões politeístas se dá exatamente pelo fato de que, ao dividir o poder universal, chegamos inevitavelmente  em várias deidades. 

Com o tempo, os seguidores de divindades politeístas apegaram-se tanto a seu deus que passaram a acreditar que era o único Deus, dando origem às religiões monoteístas.  Seu  grande avanço ocorreu quando adotaram um caráter missionário e conquistaram a fé de grandes reinos, como o Cristianismo no Império Romano e o Islamismo que se tornou a principal religião de toda a Península Arábica expandindo-se até a Índia.

Como afirmou Harari em seu livro, “a teologia monoteísta tende a negar a existência de todos os deuses exceto o Deus supremo e a condenar ao fogo do inferno qualquer um que ouse cultuá-los. [...] Nos últimos dois milênios, os monoteístas tentaram, repetidas vezes, se fortalecer exterminando de maneira violenta toda a concorrência”. 

Nossa história está marcada por uma série de perseguições de cunho religioso, nos deixando confusos de como religiões que pregam o amor e o respeito possam conter expressões tão contraditórias de ódio e violência. Hoje, a maioria das pessoas fora do leste da Ásia segue alguma religião monoteísta e a ordem política global foi erguida sobre essas bases.

Brasil

O Brasil é considerado a maior nação católica do mundo e isso se dá, especialmente, pelo fato de que esta foi a religião oficial do Brasil no período colonial até 1890, quando foi instituído o Estado laico e o direito pleno à liberdade religiosa. Em 1970, 91,8% da população brasileira ainda era católica e de lá pra cá, passamos a presenciar uma transição religiosa no país, com uma aceleração na última década, que prevê que até 2032 o percentual de evangélicos no país supere os católicos
Esse evento tem sido considerado uma “revolução silenciosa” e poucos pesquisadores foram capazes de antecipar a dimensão deste fenômeno e os impactos que irá gerar na cultura de nosso país. Por um lado, essa transição tem trazido um cenário religioso mais plural e diverso, onde, garantida a proteção da liberdade de culto, pode maximizar a satisfação espiritual das pessoas, com ganhos efetivos para toda a sociedade. Por outro, nos últimos anos, a inserção das igrejas na política e a defesa de dogmas religiosos no contexto de um Estado laico tem gerado um certo desconforto social e o receio de que surja no futuro um novo monopólio religioso com perfil teocrático

Segundo Rui Luis Rodrigues, professor de História Moderna na Unicamp, “as religiões lidam  com as convicções mais profundas dos seres humanos, mobilizando o que nos é mais caro (tradições ancestrais, afetividades, expectativas para o presente e para o futuro)” e desempenham um papel fundamental na nossa compreensão do mundo e do nosso papel enquanto indivíduo e coletividade. 

Assim, como comentamos nesta matéria, religião é identidade, é a projeção de tudo que o sujeito acredita ser mais importante para sua formação e que ele almeja ter uma dia. “Na expressão religiosa o ser humano encontra condições para se autotranscender, para ir além de si mesmo”, e devemos defender a liberdade religiosa como um direito à nossa busca individual por dar sentido à própria existência. 

Ainda podemos celebrar a pluralidade de credos no Brasil e as principais manifestações religiosas podem ser divididas em:

Correspondem a aproximadamente 50% da população brasileira atualmente. Com sede no Vaticano, tem como liderança máxima a figura do Papa e foi trazida ao Brasil pelos jesuítas na época da colonização. Suas principais crenças estão pautadas na existência de um único Deus verdadeiro, que integra a Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo) e sua origem está relacionada ao nascimento de Jesus Cristo. Creem que a Virgem Maria e os santos podem interceder por nós. 

Representam 3% da população, sendo que a comunidade espírita brasileira é a maior do mundo. O Espiritismo surgiu na França no século XIX, iniciada por Allan Kardec, que uniu filosofia, ciência e religião como forma de compreender o mundo material e metafísico. Embora a religião possua diferenças estruturais com as doutrinas clássicas do cristianismo (como a crença na mediunidade, por exemplo), os espíritas consideram-se cristãos. Eles acreditam que Jesus Cristo não é filho de Deus, mas um espírito mais evoluído e inspiração para o desenvolvimento moral e para a prática da caridade. Acreditam que a vida na Terra serve para a elevação espiritual e que os espíritos reencarnam após a morte até que cumpram seu objetivo determinado por Deus.

Segundo este artigo, o Evangelicalismo é um termo amplo para designar o movimento cristão surgido após a Reforma Protestante no século XVII. Embora tenham uma raiz comum,  muitas religiões surgiram a partir de diferentes correntes teológicas e podem ser bastante diferentes entre si, podendo ser categorizadas em três grandes grupos: pentecostais e neopentecostais (a principal corrente no Brasil), evangélicos de missão (oriundas do protestantismo clássico - Batistas, Presbiterianos, Metodistas, Anglicanos e Luteranos) e o evangélicos não determinados. 

Os evangélicos hoje correspondem a 31% da população brasileira e o aumento acelerado dos últimos anos tem chamado a atenção de pesquisadores locais e estrangeiros. Creem que somente a Bíblia é a fonte da revelação de Deus, considerando o esforço de conversão como uma de suas principais missões. Acreditam que Jesus sofreu e morreu como forma de expiação dos pecados da humanidade e, diferentemente dos católicos, não acreditam em santos, acreditam que a pessoa pode ser salva somente pela fé em Cristo e oram exclusivamente à Jesus. As igrejas neopentecostais adotam, ainda, a teologia da prosperidade, que valoriza a riqueza material e defendem que a bênção financeira é o desejo de Deus para os critãos. 

Segundo a pesquisa do Datafolha, 2% dos brasileiros são praticantes de religiões afro-brasileiras. Estas religiões são adaptações e reinvenções de diversas formas de crer dos povos africano, trazidos ao Brasil no período da escravatura, que, pela diversidade de etnias e locais de origem, gerou uma mistura cultural, linguística e religiosa entre essas pessoas. Dentre os mais conhecidos destaca-se o Candomblé (termo genérico para nomear diversas tradições, especialmente vindas de Angola, Nigéria e República do Benim) e a Umbanda, mas também existem adeptos de tradições como jarê, terecô, batuque e xangô de Pernambuco. Neste quiz, preparado pelo Nexo jornal, você pode checar quanto sabe sobre o tema.

A Umbanda faz um sincretismo entre elementos do culto aos Orixás africanos da nação Nagô, elementos de religiões indígenas e algum sincretismo com o catolicismo. Em seu livro, “Umbanda, uma história do Brasil”, Luiz Antonio Simas narra a pluralidade e dinamicidade desta manifestação religiosa, considerada a primeira religião brasileira fundada em 1908, que se adaptou constantemente ao longo do tempo, chegando a fazer parte de crendices populares. Como bem colocou o autor à Revista Gama, “sua avó católica apostólica romana, afinal, bem podia depois da missa ir pra casa para receber a Vovó Maria Conga, tomar um café amargo e benzer a meninada da vizinhança suburbana com arruda”,  e quem nunca pulou sete ondas  no final do ano, não é mesmo? 
                                    
O Brasil também possui diferentes manifestações religiosas de matriz americana, que trazem elementos das religiosidades indígenas em sincretismo com elementos cristãos, como o Santo Daime (de influência católica romana) ou a União do Vegetal (de influência espírita). São conhecidas como religiões “hoasqueiras” que se originaram na Floresta Amazônica e no Sertão e hoje se expandem nos grandes centros urbanos. Entre elas, as mais representativas e organizadas são o Santo Daime, o Xamanismo Catimbó, a Jurema Sagrada e a União do Vegetal. 

É difícil mensurar a número de seguidores dessas manifestações religiosas no país  já que, como colocou Luis Fernando Tófoli, psiquiatra, professor e estudioso da ayahuasca e suas manifestações, “os membros destas práticas espirituais ainda se declaram como ‘católicos’, ‘espíritas’ ou ‘espiritualistas’ quando questionados sobre sua filiação religiosa, em vez de nomear suas igrejas específicas”.

        

O Brasil possui ainda uma grande variedade de religiões com um número pouco expressivo de seguidores. Há religiões das mais diversas possíveis que podem encontrar ecos e adeptos por toda a parte do mundo, como te contamos neste artigo. Muitas não possuem um caráter missionário e, talvez, este seja um dos motivos de serem minoritárias. Somadas chegam a um máximo de 2% da população. 

Entre elas, há algumas mais famosas. Vale destacar o Judaismo, que tem o Torá como sua principal escritura sagrada; o Budismo, que segue os ensinamentos deixados por Buda; o hinduísmo, que não tem um sistema unificado de crenças, mas engloba a pluralidade de fenômenos religiosos baseados nas tradições védicas; o Islamismo (segunda maior religião monoteísta do mundo), que tem o Alcorão como seu livro sagrado e Maomé como seu profeta; as manifestações religiosas dos povos indígenas e as religiões esotéricas.
O que dizem por aí
Exu não é diabo


          

Em nome de Deus, muitas guerras foram travadas em nossa história, apoiadas na crença fundamentalista e maniqueísta de uma batalha entre o bem e o mal.  Atualmente no Brasil, ainda que a intolerância religiosa seja considerada um crime e possa estar direcionada a diferentes credos, crescem as ameaças às lideranças católicas

Fica claro que as religiões de matrizes africanas também têm sido o principal alvo de ataques por fanáticos. Dados compilados pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro mostram que mais de 70% das ofensas, abusos e atos violentos são contra seus adeptos e templos, e pesquisadores afirmam que estes números podem ser ainda maiores devido à subnotificação. 

Até a cantora Anitta, reconhecida mundialmente por sua trajetória no funk e na música pop, sofreu duros ataques em suas redes sociais após postar uma foto ao lado de seu babalorixá em dezembro de 2021, vestida com roupas tradicionais do Candomblé. É impossível dissociar os ataques aos terreiros e seus seguidores do racismo estrutural enraizado em nossa cultura, que naturaliza a violência contra as pessoas negras e busca apagar a cultura africana da nossa sociedade. No campo religioso, um caminho é a “demonização” de suas divindades, valendo-se de mitos e preconceitos para insuflar a perseguição aos umbandistas e candomblecistas. 

Na busca por combater a discriminação, as escolas de samba, tanto do Rio como de São Paulo, fizeram do carnaval de 2022 “o mais macumbeiro de todos”, como afirmou a cientista política Nailah Neves. Marcado por enredos que enalteceram os orixás, trouxeram símbolos da cultura africana e colocaram em evidência a resistência do povo negro ao processo histórico de embranquecimento, assistimos a celebração da ancestralidade africana abrindo alas na avenida

De todas, vale destacar a Grande Rio que se tornou campeã homenageando Exu na Sapucaí, exatamente com o intuito de desmistificar os estereótipos negativos associados à entidade mais mal compreendida do panteão dos Orixás e a demonização da cultura afro. 
Tudo o que move é sagrado

                

Acreditamos que somos seres espirituais por essência e que a prática espiritual é um retorno contínuo para si mesmo, um processo poderoso de autoconhecimento. Muitos estudos já mostram como a fé atua em nosso cérebro e seus benefícios para nosso bem-estar, ativando regiões cerebrais que atuam diretamente nas nossas emoções e nos sistemas de recompensa.  

Há diferentes caminhos para encontrar a espiritualidade dentro de si e isso pode ser feito, é claro, através de uma religião. Como colocou o monge beneditino Dom Laurence Freeman em sua palestra no evento Plenitude, “todas as religiões possuem em seu coração esta sabedoria contemplativa, apesar de muitas vezes ficar encoberta por dogmas, instituições e sistemas de crenças que desviam a atenção de seus adeptos”. Para ele, o maior desafio das religiões hoje em dia é retornarem a esta sabedoria, deixando de competir uma com as outras, trabalhando em comunhão para o bem-comum. 

Deixamos aqui três dicas de como alimentar sua fé e espiritualidade, nutrindo este pilar tão importante na busca da plenitude e da longevidade: 


Procure saber mais sobre o tema, seja com leituras, conversando com pessoas que tenham diferentes práticas espirituais, ou mesmo refletindo sobre a conhecida frase “não somos seres humanos tendo uma experiência espiritual, somos seres espirituais tendo uma breve experiência humana”. 


Dedique tempo para a prática da contemplação, ainda que uma vez por semana, seja através da meditação (e aqui deixamos 3 passos para incluí-la em sua rotina), através da oração, recitando um mantra ou mesmo em conexão com a natureza. Encontre a forma mais adequada para você.


Tenha como ambição se tornar espiritualmente maduro, o que requer abertura de mente para todas as manifestações da fé, podendo, inclusive, mudar de opinião a respeito de suas verdades. Segundo Steve McSwain, líder religioso, palestrante e escritor, precisamos deixar espaço para as incertezas e entender que nenhuma religião tem a patente de Deus e assim, um dia poder dizer: “eu amo todas as religiões, mesmo estando apaixonado pela minha”. 
Quer saber mais? Separamos alguns conteúdos que podem te ajudar
a fazer um mergulho ainda mais profundo, não deixe de conferir!

Livro: Crer ou não crer - Pe. Fábio de Melo e Leandro Karnal


Podcast: Não existe Deus errado. Existe Deus e ponto - Podcast Plenae 

 

Documentário:  Intolerância e Fé no Brasil -  TV Brasil
 

Livro: Palavras de poder: entrevistas instigantes com grandes mestres da atualidade - Lauro Henrique Jr.