Fundo no assunto A gratidão faz bem? Como comentamos no início, a gratidão parece estar na moda. A hashtag #gratidão foi usada mais de setenta milhões de vezes nas redes sociais brasileiras até o momento. Na academia, mais de 2.800 artigos científicos foram escritos sobre o tema, segundo uma revisão sistemática feita pelo professor Wanderley Marques Bernardo, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, para o Plenae. O que este sentimento tem de tão especial?
Sonja Lyubomirsky, professora de psicologia da Universidade da Califórnia e autora do livro The How of Happiness (“O Como da felicidade”, sem tradução para o português), explica que a expressão é praticamente uma meta estratégia para alcançar a felicidade. Em seu livro, ela relata que pessoas que são frequentemente gratas mostram maiores níveis de felicidade, mais energia, mais esperança e otimismo na vida, declarando sentir mais emoções positivas do que negativas.
Elas também têm a tendência de serem mais altruístas e empáticas, mais espiritualizadas e religiosas, perdoam com mais facilidade e são menos materialistas do que pessoas “menos gratas”. Ao mesmo tempo, quanto mais a pessoa está inclinada a agradecer, menos provável é que esteja deprimida, ansiosa, solitária, com inveja ou neurótica.
A ciência tem olhado para isso e busca entender como a gratidão afeta nosso cérebro e, consequentemente, nossa saúde. Segundo o neurologista Fabiano Moulin, em entrevista para o Plenae, quando nos sentimos gratos, nosso cérebro ativa uma série de neurotransmissores que nos ajudam a pensar (os opióides) e a sentir prazer (a dopamina). Adentrando um pouco mais no funcionamento do cérebro, estudos mostram que a área do córtex pré-frontal medial é ativada, uma área conhecida entre neurocientistas por estar relacionada a comportamentos pró-sociais e a empatia, potencializando a formação de laços afetivos.
Ao mesmo tempo, esta área também está ligada a sentimentos de calma e tranquilidade, assim como a regulação emocional, atuando diretamente na redução do estresse. Aliado a estrutura pré-frontal medial, outros locais no cérebro que são ativados durante experiências de gratidão são o hipotálamo - relacionado a regulação de processos biológicos básicos, como a saciedade, a temperatura corporal, a frequência cardíaca, as emoções e o sono - e o sistema dopaminérgico, que está relacionado a processos de motivação e de prazer. Porém, estudos indicam que nem todas as expressões de gratidão têm o mesmo efeito. Altay de Souza, pesquisador doutor em ciência de dados, em seu podcast Naruhodo!, diz haver dois tipos dela: a preposicional e a proposicional. A gratidão preposicional se refere à situação em que um indivíduo A se sente grato a um outro indivíduo B por fazer algo X. Ou seja, existe uma relação concreta, uma tríade. A gratidão proposicional se refere a uma situação em que o indivíduo A é grato porque Y ocorreu. Por exemplo: sou grato porque choveu após um longo período de seca. Neste caso não existe um outro agente e o que aconteceu é algo que não depende de nenhuma relação, por isso é considerada uma díade.
Essa é uma diferença crucial quando falamos do tema, pois cada uma delas tem efeitos diferentes na nossa saúde e bem-estar. A gratidão que traz benefícios tanto para a saúde do indivíduo, ativando as áreas do cérebro citadas, como para a sociedade, por potencializar comportamentos pró-sociais, é a gratidão preposicional, em que existem duas pessoas e uma ação concreta entre elas. David Brooks, professor da universidade de Yales e colunista do New York Times, ao descrever a estrutura da gratidão coloca que, inclusive, nesta relação é necessário que a ação de B seja uma gentileza que exceda as expectativas de A para que este sentimento floresça.
Isso porque esse sentimento tem sua origem na reciprocidade, evoluindo como um sinal biológico que motiva os animais a trocarem coisas para benefício mútuo. Ele pode ser visto em vários contextos naturais, mas especialmente entre primatas. À medida que nosso cérebro ficou melhor em reconhecer as emoções, a gratidão se tornou uma vantagem evolutiva para a sobrevivência da espécie, já que levava as pessoas a se aproximarem, cooperarem umas com as outras e se protegerem.
Um estudo entre casais mostrou que não só o sentimento de agradecimento, mas a expressão dele ao outro, traz inúmeros benefícios e pode ser um termômetro da qualidade da relação, mesmo a médio e longo prazo. Nessa pesquisa, eles observaram que a expressão da gratidão altera de forma positiva a percepção da qualidade da relação tanto em quem a expressa como em quem a recebe, colocando a relação em um círculo virtuoso. Ao expressá-la, a pessoa toma consciência e acolhe a gentileza do parceiro, confirmando a si mesmo que está em uma relação de apoio mútuo, que se importa com o outro e aprecia seus atos. Para aquele que recebe, mostra que sua ação foi apropriada, desejada e apreciada, motivando que volte a agir de forma afetuosa, fortalecendo ainda mais a relação.
Mas, e a gratidão proposicional, qual o impacto dela em nossas vidas? Quais os benefícios que podemos encontrar ao desenvolver um olhar mais grato em relação a vida? Neste breve vídeo realizado pela Kurzgesagt, uma agência de animação alemã que tem como propósito divulgar estudos científicos de forma leve e cheia de beleza, podemos ver que a prática da gratidão proposicional, que é a capacidade de se sentir grato por um belo pôr do sol, pelas coisas que possuímos, pela simples existência de uma pessoa querida em nossas vidas, também pode ser fonte de muita felicidade. |
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