O que tem para comer? 
O que você vai encontrar por aqui: 
  • O que é insegurança alimentar;
  • Qual o tamanho da fome no Brasil?
  • Algumas iniciativas existentes no combate a fome e o desperdício;
  • Quanta comida desperdiçamos;
  • Dicas para diminuir o desperdício em casa.
Boa leitura! 
Um dos problemas sociais mais trágicos que o mundo enfrenta hoje é a fome. O Brasil - que chegou a sair do mapa da fome em 2014 com o sucesso do programa Fome Zero e outras políticas públicas - volta a viver uma situação dramática, onde 55% de sua população se encontra em algum nível de insegurança alimentar, o que representa 116 milhões de pessoas. Desse montante, aproximadamente 20 milhões estão em situação grave, muitas vezes não conseguindo realizar nem mesmo uma refeição ao dia. É como se um país como o Chile estivesse inteirinho passando fome. 

Ao mesmo tempo, desperdiçamos uma quantidade exagerada de alimentos tanto aqui quanto no mundo. Estudos indicam que 30% de toda comida produzida é perdida. No Brasil, isso representa algo em torno de 55 milhões de toneladas todos os anos, um valor 10 vezes maior do que a quantidade necessária para mitigar a fome. Esse desperdício ocorre em todos os pontos da cadeia produtiva, que vai desde o produtor, passando pelo transporte e armazenamento, chegando às casas das pessoas e seus hábitos de consumo. 

Como esses temas se relacionam e como eles nos afetam? 

Na busca para entender melhor o contexto geral, Ana Maria Diniz e Geyze Diniz lideraram, em 2021, um projeto que pudesse trazer visibilidade do mapa da fome e desperdício de alimentos no país, para então discutir caminhos de atuação nos diversos segmentos da sociedade. O estudo levou o nome de Fome e Abundância -  Incoerência Brasileira e contou com a participação de Gabriella Marques, Integration e Consultoria do Amanhã, além de entrevistas com 27 especialistas nas esferas do governo, setor privado e terceiro setor. Ele também buscou respostas em pesquisas qualitativas e quantitativas de diversas fontes de informação. 

Nosso bem-estar está intimamente relacionado ao nosso contexto. Assim, uma sociedade faminta gera uma instabilidade social que afeta a todos nós, direta ou indiretamente. Acreditamos que vale a pena entender um pouco melhor sobre o mapa da fome e do desperdício e como podemos contribuir para reduzir essa contradição, criando um mundo em que todos tenham suas necessidades essenciais atendidas, gerando assim, mais saúde e qualidade de vida para todos nós. 
Fundo no assunto
O retorno do Homo Esuriens: o Homem Faminto


Insegurança alimentar é o termo utilizado para descrever a situação em que uma pessoa não tem acesso regular a alimentos em quantidade e qualidade suficientes para suprir as necessidades do corpo. Ela é um processo progressivo onde primeiro os adultos começam a pular refeições ou diminuir as porções de alimentos, para logo as crianças passarem pela mesma experiência. 

Existem 3 níveis de insegurança alimentar: insegurança leve (incerteza e preocupação - a família não sabe o que vai comer amanhã), insegurança moderada (redução quantitativa e qualitativa - a família começa a comer menos e pior, pulando alguma refeição), insegurança grave (escassez de alimentos a níveis perigosos para a sobrevivência - a família fica dias sem comer).

Uma das inúmeras consequências da fome é que o indivíduo passa a ter uma “visão de túnel”, onde só consegue pensar em estratégias para conseguir a próxima refeição. A razão lógica passa a ficar em segundo plano e o cérebro instintivo entra em ação. Segundo José Roberto de Toledo, editor executivo da revista Piauí, no podcast Foro de Teresina, essa visão faz o indivíduo entrar num ciclo de empobrecimento em direção à miséria, já que é impossível planejar o futuro se você precisa saciar a fome hoje. Socialmente, há um aumento expressivo da violência, uma sobrecarga do sistema de saúde (já que o mal estar causado pela fome se confunde com doenças) e a ampliação da desigualdade.

            

Entre 2004 e 2013, o país contou com uma série de políticas públicas voltadas aos mais vulneráveis que reduziram significativamente a população em situação de insegurança alimentar, chegando a marca dos 3,6% da população em situação grave em 2013. Apesar de um número ainda expressivo (7,2 milhões de pessoas), essa redução tirou o Brasil do mapa da fome mundial e transformou o programa Fome Zero em uma referência para diversos países que adotaram as mesmas práticas.

De lá pra cá os números voltaram a aumentar, chegando a 9% da população em situação mais grave, regredindo quase duas décadas de avanço do combate à fome. Entre as razões para essa evolução está a crise econômica que se deu a partir de 2014 e que a pandemia só piorou. Houve aumento do desemprego no país, que deixou diversas famílias em situação de total precariedade. 

Hoje, aproximadamente 24 milhões de pessoas vivem com menos de R$275 per capita por mês e 14 milhões de pessoas desempregadas. A má notícia é que esse quadro tende a piorar sem programas bem definidos de geração de emprego e transferência de renda. Além do desemprego, outro fator que influenciou o aumento expressivo de famintos foi a diminuição significativa do orçamento para programas sociais de combate à fome e à miséria, assim como a extinção do CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), órgão responsável pelas diretrizes das políticas públicas relacionadas à segurança alimentar.  

Segundo o relatório, não é por falta de orçamento que não temos programas efetivos de segurança alimentar e transferência de renda. Um exemplo disso foi o Auxílio Emergencial que contou com um investimento de R$ 322 bilhões, o que representa 9 vezes o orçamento anual dos programas de segurança alimentar e diminuição da pobreza que tiveram sucesso no passado - como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) e o Bolsa Família. 

O novo Auxílio Brasil, criado pelo presidente Jair Bolsonaro para substituir o Bolsa Família, é um programa temporário, previsto para estar em vigor somente até dezembro de 2022. O programa levantou uma série de críticas e divergências, já que envolveu a PEC dos precatórios, feriu o teto de gastos para sua aprovação e deixou 22 milhões de pessoas de fora

Como cidadãos, podemos contribuir para a redução da fome em nosso entorno, seja participando de ações voluntárias ou fazendo doações a instituições sérias e transparentes. Porém, como colocou Tereza Campello, ex-ministra de Desenvolvimento Social, “ninguém vai conseguir dar conta de milhões de famintos com doações e trabalho voluntário, o central deve ser política pública, que pode dar escalada”. Nesse sentido, nossa ação mais efetiva para reduzir a fome e a miséria se encontra em nossa consciência política e na escolha de dirigentes que tenham esta pauta em sua agenda. 

Na contramão da fome está a questão do desperdício de alimentos. Perdemos uma quantidade absurda de comida boa para o consumo, seja por uma ineficiência na produção, no transporte e no armazenamento, seja pela cultura e hábitos de consumo da população. Por definição, a perda ou o desperdício de alimento acontece quando qualquer produto - seja um grão de soja ou uma fatia de pão - é perdido antes de ser ingerido por uma pessoa. 

        

Apesar de haver uma perda inerente à cadeia produtiva, que inclui o consumidor final, temos um potencial de reduzir o desperdício em 50 milhões de toneladas de alimentos no ano, sendo que 15% desse valor está no elo final: nossa casa. O fato mais crítico que nos leva a desperdiçar uma média de 7,5 milhões de toneladas de alimentos ao ano é nossa cultura de abundância de comida. Os brasileiros acreditam que é importante ter fartura e valorizam refeições frescas e feitas no mesmo dia. 

Como explicamos nesta matéria, o ato de receber familiares e amigos com excesso e variedade de alimentos nas refeições está associado não apenas ao zelo e cuidado familiar, mas também ao status. Em um país tão desigual, mesa farta é símbolo de riqueza. Ao mesmo tempo, 68% da população considera importante ter a despensa cheia, o que aumenta a probabilidade de perda de alimentos por prazo de validade. 

Como cidadãos, podemos e devemos usar da solidariedade e do consumo consciente para atuar no combate a esses problemas sociais tão urgentes. Para tal, precisamos aumentar nosso engajamento transformando nossa indignação em ação, começando por uma melhor gestão alimentar em nossos lares para diminuir o desperdício. 

Apesar da fome e do desperdício serem dois desafios independentes, e que resolver um deles não vai necessariamente resolver o outro, a redução do desperdício na cadeia de valor traz eficiências (sustentabilidade ambiental, redução do custo de produção do alimentos, maior disponibilidade de produtos) que afetam e contribuem para o combate à fome. 

Existem desafios fundamentais em termos logísticos e financeiros ao se tentar conectar o desperdício com as pessoas passando fome e, ainda segundo o relatório Fome e Abundância -  Incoerência Brasileira, um modelo de atuação pouco explorado atualmente e com grandes potenciais, é a organização do setor privado. A partir da articulação entre diferentes atores desse segmento, é possível criar uma maior mobilização para redução do desperdício, criar uma coordenação de abastecimento, aumentar o cooperativismo na Agricultura Familiar e dar apoio profissional a economias criativas. 

Por meio do ESG (Environmental, social and corporate governance, em português Governança Ambiental, Social e Corporativa), o setor privado pode e deve utilizar seus recursos e influências para contribuir no combate aos dois problemas: fome e desperdício. 
O que dizem por aí
O único remédio para fome é comida


      

Existem muitas iniciativas de combate à fome e ao desperdício hoje no Brasil. Elas estão distribuídas em 5 modelos de atuação: geração de dados (SemDesperdícioCren); escoamento alimentar (Mesa BrasilBanco de alimentosRefettorio GastromotivaAção da Cidadania); consumo consciente (GastromotivaFavela OrgânicaAkatu); geração de renda (Gerando FalcõesCufapolvo lab) e políticas públicas (Agenda BetinhoLemobsVetor Brasil). 

Durante a pandemia do coronavírus, surgiu o movimento UniãoSP, capitaneado por Ana Maria e Geyze Diniz. Ele uniu diversos grupos da sociedade civil na busca por minimizar o impacto da crise sanitária nos grupos mais vulneráveis, onde as consequências foram ainda mais severas. A campanha, até o momento, conseguiu arrecadar mais de 40 milhões de reais e distribuir mais de 750 mil cestas básicas no estado. 

Nessa luta, o padre Júlio Lancelotti se tornou um ícone. O líder religioso ficou conhecido especialmente durante a pandemia por seu trabalho com a população em situação de rua na cidade de São Paulo. Aos 71 anos de idade, ele parece ter uma energia infinita para auxiliar aqueles que mais precisam. 

Atualmente, ele lidera uma campanha de conscientização sobre o medo e rejeição aos pobres, conhecido como aporofobia. O termo, criado pela filósofa espanhola Adela Cortina na década de 90, foi eleito a palavra do ano em 2017 pela Fundación del Español Urgente. Esta patologia social é expressa pela hostilidade com que pessoas pobres são tratadas e, inclusive, pelo preconceito com relação às políticas públicas em favor desta população. Precisamos entender que a pobreza não é uma escolha, é uma condição que tem como raiz a extrema desigualdade social na qual estamos imersos. 
Fazendo a nossa parte

      

Reconhecer nosso lugar de privilégio é importante para podermos atuar em prol dos desfavorecidos. Isso não significa sentir culpa ou mesmo ressentimento, significa somente usar deste privilégio para contribuir na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Podemos atuar no combate à fome, fortalecendo projetos já existentes, mas podemos, especialmente, atuar no combate ao desperdício, já que este depende de nossos hábitos. Deixamos aqui algumas dicas de como reduzi-lo em casa e fazer parte desta mudança: 

1- Planeje o que vai comer e faça listas de compras com os ingredientes necessários.
Muitas vezes vamos ao mercado e compramos alimentos sem ter um cardápio em mente. Esta atitude pode nos fazer comprar mais do que conseguimos consumir, dentro dos prazos de validade dos alimentos.

2 - Prepare a quantidade de comida necessária para não faltar nem sobrar.
Aqui deixamos algumas dicas do blog Arquitetando Estilos, usando as mãos para calcular a quantidade de alimento por pessoa: 



3) Congele alimentos de forma apropriada.
Esta é uma ótima opção para conservar a comida e evitar desperdícios, mas vale seguir algumas dicas para não perder nem o sabor nem os nutrientes neste processo. 

4) Reaproveite tudo em novas receitas 
Muitas vezes, por não saber como consumi-los, acabamos jogando fora partes dos alimentos que podem ser consumidas e que muitas vezes contêm mais nutrientes do que aquelas que utilizamos - como talos, cascas e folhas. É possível fazer o aproveitamento integral dos alimentos com algumas receitas simples, diminuindo significativamente o desperdício e aproveitando tudo o que estes alimentos tem a oferecer para nossa saúde. 
Quer saber mais? Separamos alguns conteúdos que podem te ajudar
a fazer um mergulho ainda mais profundo, não deixe de conferir!