|
|
O que você vai encontrar por aqui: - Raça é uma construção social
- O que é a branquitude
- As três dimensões do racismo
- Dicas de como ser antirracista
|
|
|
Você se considera uma pessoa racista? Se sua resposta foi um rápido, “claro que não!” Pense de novo. Talvez você seja, de fato, completamente avesso a toda violência contra pessoas negras, acredite na luta pela igualdade racial e seja a favor de ações afirmativas. Porém, especialmente se você for uma pessoa branca, é possível que carregue concepções socioculturais racistas sem nem mesmo se dar conta disso. Não à toa, a maioria das pessoas concordam que existe racismo no Brasil, mas ninguém se considera racista. Como colocou Djamila Ribeiro, “o processo envolve uma revisão crítica profunda de nossa percepção de si e do mundo. Implica perceber que mesmo quem busca ativamente a consciência racial já compactuou com violências contra grupos oprimidos”.
Isso porque o racismo possui sutilezas que, na maioria das vezes, passam desapercebidas, em especial para quem não vive o estresse racial. Ele está tão impregnado nas estruturas da sociedade que moldam necessariamente a forma como enxergamos e nos relacionamos com o mundo, e não se resume somente a atos de violência e discriminação contra pessoas negras.
Assim, seja naturalizando a ausência de pessoas de cor em posições de poder, acreditando que tudo é uma questão de mérito e esforço pessoal, nos silenciando diante da discriminação cotidiana que sofrem, assumindo que uma pessoa negra está necessariamente em situação de vulnerabilidade ou mesmo acreditando que o racismo é um problema somente de negros, é praticamente impossível não ser racista tendo sido criado em uma sociedade racista. |
|
|
Já falamos neste outro Tema da Vez sobre os povos originários o quanto nossa cultura é capaz de moldar nossa individualidade. A partir dela, obtemos visões de mundo, códigos de conduta, juízos e valores. Como brasileiros, somos herdeiros de uma história que tem como parte de sua origem a escravização de africanos sequestrados, recebendo mais de 4,86 milhões de homens, mulheres e crianças nesse período que durou 388 anos. Inclusive, o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão, que completou 136 anos no último 13 de maio.
Entretanto, apesar de já se ter passado mais de um século desde este momento histórico, ainda perduram certas visões e valores desse período que mantem a sociedade profundamente dividida e desigual segundo o critério de raça, onde as pessoas brancas são as beneficiárias dessa desigualdade. A manutenção desses privilégios tem o racismo como estratégia, manifestado em três grandes dimensões: o racismo individual, institucional e estrutural.
Acreditamos que vale a pena olhar com profundidade para o racismo presente em nossa sociedade, não só para compreender sua complexidade e profundidade, mas para que também possamos deflagrar o preconceito existente em cada um de nós. Somente desse modo é que iremos desconstruir padrões que contribuem para a desigualdade. O Contexto é um pilar importante de nosso bem-estar. Portanto, viver em uma sociedade racista e segregada gera impactos negativos mesmo àqueles que não são diretamente discriminados por sua cor, ainda que não percebam isso. A construção de uma sociedade democrática passa necessariamente pela luta antirracista em todas as suas dimensões, e essa, sem dúvida, é uma luta de todos nós. |
|
|
Fundo no assunto A raça é uma construção social Muitos de nós fomos ensinados a acreditar na existência de diferenças biológicas e genéticas entre raças. Essa concepção errada está profundamente arraigada no imaginário coletivo até os dias de hoje e facilita que a maioria das divisões que vemos na sociedade sejam percebidas como “naturais”. Porém, as diferenças que detectamos com nossos olhos – textura capilar, cor de pele e olhos – são superficiais e emergiram como adaptações geográficas. Ou seja, por baixo da pele não existe raça biológica de verdade.
Segundo Robin Diangelo, professora e consultora em questões de justiça racial e autora do livro White Fragility, (“Fragilidade branca”, em tradução livre, mas que na edição brasileira recebeu o título “Não basta não ser racista, sejamos antirracistas”), a ciência racial, do final do século 19, foi impulsionada para justificar a dominação e exploração de corpos negros em uma época que ideais de liberdade e igualdade se contrapunham a uma economia baseada na escravização de africanos. A partir da concepção de inferioridade racial biológica, estabeleceu-se uma série de “normas culturais e a regulação legal que legitimava o racismo e o status privilegiado dos que eram definidos como brancos”.
Porém, raça é um construto social, ou seja, “um conceito teórico não observável diretamente”, em evolução, onde o racismo representa a hierarquização das raças. Ela moldará todos os aspectos de nossa vida, influenciando se sobreviveremos ao nascimento, onde provavelmente iremos viver, que escolas frequentaremos, quais são nossos amigos e parceiros, que carreiras seguiremos, quanto dinheiro ganharemos, o quão saudáveis seremos e até mesmo nossa expetativa de vida. Normalmente, pessoas brancas não se enxergam em termos raciais e, portanto, não costumam pensar o que significa pertencer a este grupo. Porém, em uma sociedade tão dividida pelo critério de raça, ser branco extrapola simples diferenças físicas. Está relacionado a uma série de vantagens e privilégios que acompanham a sua cor e lhe garantem recursos como autoestima, visibilidade, expectativas positivas, liberdade psicológica das amarras da raça, liberdade de movimento, senso de inclusão e um sentimento de ter direito a tudo isso.
Como afirmou Diangelo, “ser percebido como branco produz mais que mera classificação racial; trata-se de status e identidades sociais e institucionais imbuídos de direitos e privilégios legais, políticos, econômicos e sociais negados aos demais”. A branquitude passa a ser um termo utilizado para denominar essas construções de identidades raciais brancas a partir de suas relações, historicamente construídas como relações de poder da estrutura social na qual está inserida.
A socióloga britânica Ruth Frankenberg (1957 – 2007) propõe que a branquitude é um “ponto de vista” que permite aos brancos um lugar de conforto para olhar ao seu entorno, pensando a si mesmo como norma e/ou padrão de humanidade a ser seguido, onde pessoas de cor são um desvio dessa norma. O próprio privilégio de passar uma vida sem nunca precisar refletir sobre o que é ser branco é próprio dessa ideia. O branco não tem raça, quem tem raça são os outros.
Mas, se raça é uma construção social, a definição de quem é branco irá variar entre locais e seus significados podem parecer simultaneamente maleáveis e inflexíveis. Como colocou Lia Vainer Schucman em seu artigo, no Brasil, por exemplo, a branquitude tem características diferentes em regiões diferentes.
Uma pessoa negra de pele clara poderá ser considerada branca no Sudeste, porém será imediatamente considerada negra no Sul, já que na região a categoria branco está ligada à questão étnica. “Ou seja: para ser considerado branco no Sul do Brasil precisa ter, além do fenótipo demarcador da raça, a origem europeia”. Igualmente, uma pessoa branca no Brasil poderá não ser considerada branca nos Estados Unidos, devido a sua origem latina.
Para entender o racismo e suas diferentes manifestações, é preciso fazer uma diferenciação do que é preconceito, discriminação e racismo. Nessa entrevista com o professor – e agora também Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil - Silvio Almeida, a importância de entender estes conceitos é reforçada, pois possuem a função de captar aspectos da realidade e sua complexidade, e assim será possível entender o racismo em sua totalidade. |
|
|
Para ele, preconceito se define como uma ideia pré-estabelecida sobre o comportamento do outro a partir de algum tipo de característica própria do seu pertencimento social (raça, etnia, gênero, nacionalidade etc.). O preconceito trabalha com estereótipos, que podem ser tanto prejudiciais ou mesmo atribuir vantagens a determinado grupo. Por exemplo, temos a tendência em acreditar que pessoas de origem asiática possuem naturalmente facilidade com matemática, o que é um tipo de preconceito.
A discriminação já é um ato de poder. Ele visa excluir, separar e estabelecer diferenças e pode ter como motivação a raça, a sexualidade, crenças religiosas, entre outros. É o caso de proibir um negro de frequentar determinado ambiente apenas pela cor de sua pele.
Já o racismo, apesar de envolver discriminação e preconceito, não se encerra em um ato ou evento, ele é um processo histórico e sistemático de constituição de vantagens e desvantagens sociais a determinados grupos raciais, que podem acontecer independentemente de haver uma violência explicita ou não. Assim, ele engloba todas as relações sociais, políticas, jurídicas e econômicas que desfavorecem uma pessoa ou grupo por conta de sua raça.
Em seu livro Racismo Estrutural, Silvio explica ainda como o racismo opera em três grandes dimensões: individual; institucional e estrutural. Entender cada uma dessas concepções de racismo é fundamental para que possamos elaborar ações mais efetivas no seu combate e perceber que um não está desvinculado do outro. O racismo individual se caracteriza pelo comportamento hostil e violento entre indivíduos. É a manifestação mais explícita, passível de ser filmada, denunciada e é vista como uma patologia social, um desvio de caráter moral e ético. Quando reduzimos o racismo somente a sua concepção individualista, acreditamos que o racismo será sempre um ato consciente e deliberado.
É por esta razão que muitas pessoas entram na defensiva diante de qualquer tentativa de vinculá-las a um sistema racista, pois tomam isso como uma ofensa moral perturbadora e injusta. Também podemos acreditar que ações como criminalizar esses comportamentos e educar as pessoas seriam suficientes para acabar com o racismo.
Mas, podemos ver que estas ações não são eficazes. E por quê? Ao avançar nas análises veremos que o racismo também opera na dimensão institucional. Ele não está restrito somente aos indivíduos, mas está presente nas instituições como escolas, universidades, igrejas, hospitais, meios de comunicação, o sistema legislativo, judiciário, executivo, prisional e até na própria família.
Em cada uma existirá regras e normas que irão conferir estabilidade para essa desigualdade sistêmica a partir da dominação. Cargos de poder serão então ocupados, em sua maioria, por pessoas brancas que irão atuar em favor da manutenção de seus privilégios, negando direito aos demais.
O Brasil é o maior país do mundo em população afrodescendente fora da África, com 56,2% da população declarada preta ou parda. Ainda assim, de 302 instituições públicas de ensino superior, 294 possuem reitores brancos, 97% do total, segundo dados do Observatório da Branquitude de 2022.
Outro estudo, publicado este ano, mostrou que escolas públicas onde a maioria dos estudantes é negra têm a infraestrutura pior do que aquelas em que a maior parte dos alunos é branca. A chance de uma mulher negra não receber anestesia durante o parto é 50% maior em relação as mulheres brancas. E, segundo dados do Observatório de Seguranças de 2021, a cada quatro horas uma pessoa negra é morta em ações policiais. Esses são somente alguns exemplos do racismo institucional, que tem suas raízes no racismo estrutural. Segundo Silvio Almeida, o conceito de racismo institucional representa um grande avanço, ao demonstrar que o racismo transcende o âmbito da ação individual. Porém, se restringimos o racismo somente as instituições, podemos acreditar que políticas de ações afirmativas ou a promoção de debates raciais dentro dessas instituições seriam suficientes para solucionar este problema.
Sem dúvida, assim como a criminalização de atos racistas, as políticas de cotas e o debate são muito importantes para combater o racismo, mas é preciso avançar, e aí a necessidade de entender o racismo estrutural. O racismo “não é algo criado pela instituição, mas é por ela reproduzido”.
Para o professor, o ponto crucial para o entendimento na sociedade passa pela compreensão de que seguimos vivendo sob uma estrutura que tem a raça como parâmetro de sociabilidade, sendo assim uma forma de racionalidade. Por isso, o racismo é sempre estrutural e suas manifestações, tanto na instituição quando no indivíduo, são somente facetas da crença fundante e estruturante dos sujeitos em que “as pessoas são forjadas a naturalizar a existência de uma sociedade racializada”. Ele é, portanto, o normal da vida social e não uma exceção, um fenômeno patológico ou que expressa algum tipo de anormalidade. |
|
|
O que dizem por aí “Não basta não ser racista, é necessário ser antirracista” Angela Davis Esta frase, proferida por Angela Davis, importante ativista pelos direitos da população negra nos Estados Unidos, mostra a importância de nos engajarmos ativamente para acabar com o racismo. Não ser racista significa não compactuar com a violência e inferiorização de determinados grupos. Porém, para que possamos de fato lutar contra o racismo, essa postura não basta.
Para sermos antirracistas é preciso adotar uma postura incômoda. Como colocou Djamila Ribeiro em seu livro Pequeno Manual Antirracista, é entender que “ainda que uma pessoa branca tenha atributos morais positivos – por exemplo, seja gentil com pessoas negras -, ela não só se beneficia da estrutura racista, como muitas vezes, mesmo sem perceber, compactua com a violência racial.”
Seja através do silenciamento, da solidariedade branca, seja naturalizando a ausência de negros ou mesmo utilizando expressões que carregam em si valores sociais racistas, como “a coisa tá preta”, que associa preto com uma situação desagradável, difícil e perigosa; “preto de alma branca”, no intuito de atribuir dignidade a pessoa; “negão” para se referir aos homens negros (ninguém diria “brancão” para falar de homens brancos); precisamos estar sempre atentos.
Também é preciso estar disposto a enxergar os privilégios que acompanham a cor branca, para que eles não sejam naturalizados ou considerados apenas esforço próprio. Mas a verdade é que não há uma receita de bolo, como colocou Lia Vainer em entrevista para o jornal Nexo. Para ela é preciso perguntar-se “em que lugar da sociedade estou?” para pensar em como contribuir.
E isso pode ser feito questionando a ausência de autores negros em uma lista de referências bibliográficas de um curso, mostrando desenhos e filmes a nossos filhos que tenham protagonistas negros para reduzir o imaginário do branco como padrão de humanidade, seguindo influenciadores negros nas redes sociais para se familiarizar com as pautas da comunidade negra e buscando o próprio letramento racial. |
|
|
Como afirmava Simone de Beuvoir, “não há crime maior do que destituir um ser humano de sua própria humanidade, reduzindo-o a condição de objeto”. O racismo, sem dúvida, é uma das maiores mazelas da nossa sociedade, tão complexo e profundo que pode nos fazer sentir impotentes diante dele. Ou pior, pode fazer pessoas justificarem seus comportamentos problemáticos por ser algo estrutural, como se fugisse do seu controle.
Estamos em um momento em que é impossível negar a existência desse mal, o que já representa um grande avanço. Mas, ainda acreditamos que racistas são sempre os outros e acabamos nos afastando do tema. Deflagrar nosso racismo não é nada fácil, mas é exatamente o incômodo que nos permitirá refletir e superar os condicionamentos dessa herança racial que todos recebemos.
Precisamos nos comprometer nessa transformação social, e ela, sem dúvida nenhuma, começa pela transformação de nós mesmos. Assim, deixamos aqui algumas dicas, proposta no livro Pequeno Manual Antirracista, de Djamila Ribeiro, para começar este processo: |
|
|
Quer saber mais? Separamos alguns conteúdos que podem te ajudar a fazer um mergulho ainda mais profundo, não deixe de conferir! |
|
|
| | |
|