Fundo no assunto O amor para além do romantismoVocê já observou que não existem escolas que ensinam a amar? Aprendemos sobre as mais diversas habilidades, mas quando se trata dessa especificamente, todo mundo supõe que saberemos, instintivamente, como fazê-lo. Aqueles que não experimentam o amor no núcleo familiar, espera-se que o encontrem no relacionamento romântico. Porém, o que acontece normalmente é a repetição dos dramas vividos na infância e, diante da decepção da idealização não alcançada, passamos uma vida inteira tentando desfazer os danos causados pelo desamor que experimentamos.
Bell Hooks, em seu livro “Tudo sobre o amor: novas perspectivas”, declara que precisamos reconhecer quão pouco sabemos sobre isso na teoria e na prática para que possamos abrir nossos corações novamente. “Devemos encarar a confusão e a decepção em relação ao fato de que muito do que nos foi ensinado a respeito da natureza do amor não faz sentido quando aplicado à vida contidiana”. Na busca por encontrar uma definição significativa, Hooks se apoia nas palavras de M. Scott Peck, psiquiatra e autor do livro, “A trilha menos percorrida”, que diz:
Ao encarar o amor como uma ação, ao invés de um sentimento que foge do nosso controle, podemos entender que o amor não está dado, mas é uma construção cotidiana, que ganha sentido a partir de escolhas conscientes nesta direção. Para amar verdadeiramente, precisamos aprender a misturar vários ingredientes: carinho, afeição, reconhecimento, respeito, compromisso, confiança, honestidade e comunicação aberta. Cada aspecto isolado corresponde a uma dimensão do amor, mas não ao amor em si. É por isso que muitas vezes, em nossas relações, podemos nos sentir cuidados, podemos até sentir afeto, mas não nos sentimos amados.
Fato é que não há muitos debates públicos a respeito do amor em nossa cultura hoje. Assim, nos voltamos aos livros, aos filmes, músicas e poesias para ver nossos anseios amorosos expressos. Na ótica ocidental, segundo o professor Renato Noguera, autor do livro “Por que amamos?”, o amor romântico se tornou o formato fundamental dessa expressão e, por isso, sempre que pensamos no sentimento como um todo, acabamos colocando as lentes do romantismo. Ainda, por um longo período, as histórias, mitos e cânticos sobre ele estavam sempre imersos em paixão, o que consolidou uma perspectiva de que amor é sinônimo de estar apaixonado.
Porém a paixão, como muito, é considerada apenas uma etapa desse complexo mistério, normalmente presente no começo de uma relação, onde o outro ainda é um enigma e estamos embriagados pela intensidade dos sentimentos despertados por esta profunda atração, como te explicamos neste artigo: O que acontece com o nosso cérebro quando estamos apaixonados?
Alimentados pela fantasia romântica, pautada na crença de que o amor depende apenas de “química”, acreditamos que o vivenciaremos quando encontrarmos uma paixão arrebatadora, que nos tire do controle, nos deixe sem escolha. E para dificultar ainda mais, falsas noções sobre o amor nos ensinam que ele acontece sem esforço, sendo intensamente e constantemente prazeroso. Assim, quando as primeiras dificuldades aparecem, quando o outro se revela em toda sua imperfeição, nos decepcionamos e acreditamos que o relacionamento acabou.
Na realidade, amar dá trabalho, não é essa história perfeita de “felizes para sempre”. Exige empenho, a cura das dores da infância, coragem para correr riscos e um pacto sincero com a verdade. É preciso disposição para refletir sobre as próprias ações, para abrir mão do desejo de controle sobre o outro, para se revelar em sua inteireza e aceitar o outro no nível em que se expressa agora, mantendo um compromisso constante e genuíno com o próprio crescimento e o da pessoa amada.
Na escola do amor, o ABC começa com autointimidade, o que ultrapassa a categoria do autoconhecimento. Significa ir além do raciocínio intelectual, da análise, entrando em conexão com os próprios sentimentos e emoções. Autointimidade, segundo Renato Noguera, é “a habilidade afetiva por estar em conexão com os próprios afetos, reconhecendo limites e o caráter inseparável do que pensamos, do que sentimos e do que fazemos”.
Sem essa intimidade consigo mesmo, fica difícil entender as próprias necessidades emocionais e como atendê-las. Quando o desejo de conexão não acontece, tendemos a substituí-lo pelo desejo de possuir e acabamos nos relacionando com o mundo a partir da perspectiva do consumo, transformando tudo em coisa, objetificando inclusive as pessoas. E não há como o amor prevalecer em situações em que uma das partes quer ter poder sobre a outra.
Mas engana-se quem pensa que esta jornada interior é simples. Segundo Brené Brown, pesquisadora norte-americana que ganhou notoriedade especialmente após seu Ted Talks “O poder da vulnerabilidade”, uma das razões que dificulta o conhecimento das nossas emoções é a falta de vocabulário para nomear o que sentimos. |
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