O ponto central de todas as questões ligadas aos relacionamentos amorosos, sejam eles monogâmicos ou não, é a forma como lidamos com nosso desejo. É esse complexo emaranhado de fantasias, o que desperta atração ou não, onde está a lealdade, como eu me sinto com relação ao desejo do outro, que leva uma pessoa a decidir por uma relação de exclusividade sexual e afetiva (monogamia), outra por separar a afetividade da sexualidade e permitir a exploração de relações sexuais com mais pessoas (relações abertas, swing, etc.), ou quem decida viver a pluralidade afetiva (poliamor).
Compreender que o que consideramos aceitável em um relacionamento é produto de um conjunto de processos sociais, culturais e históricos, pode nos ajudar a revisitar nossas crenças e encontrar, a partir da nossa própria investigação pessoal, o que nos faz mais sentido e, por fim, mais felizes. Ao mesmo tempo, nos ajuda a normalizar a pluralidade de acordos consensuais que surgem atualmente entre as pessoas, em suas buscas pela expressão do afeto e do desejo, reduzindo preconceitos e estereótipos sobre o que é certo e adequado moralmente.
A não-monogamia é um termo guarda-chuva para modelos de relacionamentos que defendem que amor, desejo e compromisso não precisam ser vivenciados exclusivamente entre duas pessoas. Contudo, ainda que muitos livros, oficinas, congressos, lives, profissionais e experiências diversas com relações não-monogâmicas estejam pipocando em nossa sociedade, esse é um tema que ainda pode gerar muita confusão. Isso porque entrar nos mares ainda pouco explorados dos relacionamentos éticos não-monogâmicos exige não só uma enorme disposição para romper padrões, mas muito diálogo entre todas as partes envolvidas para que funcione. Além disso, historicamente ainda é um tema relativamente novo.
Como colocou Miguel Vagalume, “não é passar de uma relação de dois para três, senão de dois a fazer as coisas de forma diferente”. O que pode, o que não pode, com quem pode, quero saber, não quero saber, o que quero saber, são somente alguns exemplos dos acordos que precisam ser definidos antes de começar um relacionamento não-monogâmico. É preciso compreender até onde vai a liberdade individual e o cuidado mútuo, ser cúmplices nesta mudança radical de paradigma para que gere crescimento pessoal e união.
O mapa da não-monogamia (ainda sem tradução para o português), produzido por Franklin Veaux e divulgado em seu blog Tacit, nos mostra um panorama geral da realidade complexa dos modelos de relação não-monogâmica. Além dos acordos, a falta de limites claros entre um tipo ou outro também pode gerar incertezas e conflitos. Mas, o que fica claro é que estamos vivendo um momento em que nunca se viu tanta diversidade e alternativas aos modelos tradicionais, o que pode ser considerado um ganho social, pois à medida que se tornam mais visíveis, aumentam o respeito e a aceitação a todas as formas de amar.
Em um momento em que a fidelidade e a exclusividade estão sendo questionadas, é comum encontrar pessoas que criticam a monogamia, colocando-a em uma posição de “modelo ultrapassado”. Porém, como colocou Rita von Hunty, personagem drag queen do professor e ator Guilherme Terreri Lima Pereira, em seu canal no youtube, se por um lado a monogamia pode parecer negativa por nos fazer abrir mão de parte de nossos desejos e vontades, por outro pode trazer o reconhecimento de que o outro não está aqui para nos satisfazer, de que não precisamos ter tudo e é possível ser feliz com pouco. Neste sentido, “a monogamia é uma receita de amadurecimento interpessoal” e de autoconhecimento.
Renato Nogueira, professor de filosofia e autor do livro “Por que amamos”, defende que a monogamia pode ser revolucionária. Em uma conversa com Carol Tilkian, no canal Soltos, ele explica que o começo de um relacionamento sempre está imerso em fantasia e paixão. Mas, após um tempo de relação, essa fantasia acaba e a intimidade toma conta, revelando vários afetos e sentimentos nem sempre agradáveis. Para ele, a intimidade de um relacionamento monogâmico nos obriga a entrar em contato com nossa humanidade e mostrar ao outro não só nosso lado mais bonito, mas o mais tenebroso também. |
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