Fundo no assunto (Re)aprendendo a se comunicarA comunicação não violenta, ou CNV como ficou conhecida, foi desenvolvida pelo psicólogo norte-americano Marshall Rosenberg, inspirada nas ações de grandes líderes como Martin Luther King Jr. e Gandhi, que incorporaram uma nova possibilidade de convivência social mais pacífica, enquanto também lutavam contra injustiças. Desde então, tem sido utilizada em organizações não-governamentais, mediação de conflitos, justiça restaurativa, escolas, empresas e está presente em mais de 65 países. Seu objetivo é colaborar na construção de uma cultura de paz e de um mundo mais justo.
Segundo Dominic Barter, uma das principais referências em comunicação não violenta no Brasil, em entrevista para o podcast Gama, a CNV nasceu da interação entre os movimentos sociais por direitos civis no sul dos Estados Unidos, no final dos anos 50 e começo dos anos 60, junto a uma proposta de transformação das escolas e os avanços no entendimento da psique humana na psicologia.
Marshall B. Rosenberg, em seu livro, “Comunicação Não Violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais”, coloca que a CNV se baseia em habilidades de linguagem e comunicação, sejam elas verbais (escrita ou falada) e não verbais (gestos, expressões faciais ou corporais, imagens e códigos) que fortalecem a capacidade de nos mantermos compassivos, mesmo em condições adversas. Nossas palavras, em vez de serem reações automáticas, tornam-se respostas conscientes, firmemente ancoradas no que estamos percebendo, sentindo e desejando. Segundo ele, muitos dos nossos conflitos surgem porque não conseguimos expressar com clareza nossos sentimentos e necessidades, ou mesmo reconhecê-las em nós e nos outros.
A CNV entende que reações de raiva e violência são expressões de desespero de uma pessoa quando suas necessidades não são atendidas. Assim, a comunicação para ser eficaz, precisa ver além das palavras e ações, precisa prestar atenção às necessidades emocionais que não estão sendo satisfeitas para poder estabelecer uma conexão sincera e compassiva com o outro e consigo mesmo.
Dominic Barter, em entrevista com Isabella Camargo, descreve a CNV menos como um método, e mais como uma pesquisa interna, uma série de perguntas e questionamentos sobre como criar mais empatia e compreensão nas relações tanto pessoais como interpessoais: o que eu preciso fazer para que o outro me compreenda? O que eu preciso fazer para que eu compreenda o outro, independentemente de como ele se expressa?
Ao reconhecer as necessidades por trás das palavras e ações, conseguimos também reconhecer nossa humanidade compartilhada. E podemos, então, entender que “estar juntos” não significa que precisamos “concordar com tudo”, e tudo bem.
Não podemos confundir a proposta da comunicação não violenta com o desejo de evitar o conflito a todo custo. Segundo Dominic, o conflito é um aspecto saudável de qualquer relação que vale a pena, é o que dá voz à diversidade e às diferenças e nos convida a reavaliar acordos. Fomos criados para ter pavor ao conflito, pois aprendemos que ele é o último estágio antes da violência. Por isso, a forma que encontramos para lidar com situações em que uma das partes se sente ferida é com distanciamento e separação.
Seja no casamento, na criação dos filhos, no trabalho coletivo ou na sociedade, este pavor ao conflito tem consequências muito negativas, impossibilitando, muitas vezes, uma convivência democrática. Dominic afirma que, “quem teme conflito tem fantasias totalitárias. Quem tem medo de conflito está sonhando ocultamente com a chegada de uma solução única. De um grande mandante que vai dar um basta, que vai impor ordem, que vai limpar aquilo que é sujo, aquilo que é confuso."
A CNV pode, então, ser entendida como uma postura ética no momento em que nos comunicamos, ajudando-nos a nos conectar uns aos outros e a nós mesmos, tendo a compaixão como ponto central das relações. Ela nos guia no processo de reformular a maneira pela qual nos expressamos e escutamos os outros, mediante a concentração em quatro áreas: o que observamos, o que sentimos, o que necessitamos e o que pedimos para enriquecer nossas vidas, como comentamos nesta matéria:
O que estamos vendo os outros dizerem ou fazerem que é enriquecedor ou não para nossas vidas?
Aqui, é necessário suspender todo e qualquer julgamento, comparações e avaliações. Trata-se simplesmente de observar o que afeta nossa sensação de bem-estar. Segundo Marshall Rosenberg, julgamentos moralizadores fazem parte de uma comunicação alienante da vida, nos prendendo num mundo de ideias sobre o certo e o errado, tornando nossa linguagem rica em palavras que classificam e dicotomizam as pessoas e seus atos. Nesse sentido, o primeiro componente da CNV é separar observação de avaliação, evitando generalizações estáticas. As observações devem ser feitas de modo específico, em um contexto e por um tempo determinado. Por exemplo, em vez de dizer “João é um péssimo jogador de futebol”, mudar para “João não marcou nenhum gol em vinte partidas”.
Como nos sentimos ao observar aquela ação?
O segundo ponto é identificar os sentimentos que surgem no momento, podendo ser tanto emocionais como físicos. Para tal, é importante ampliar nossa inteligência emocional aumentando nosso vocabulário e a habilidade de reconhecer as emoções em si e no outro, como mostramos nesta matéria.
É importante expressar os sentimentos verdadeiros, distinguindo-os de palavras que manifestam pensamentos e interpretações dos outros. Por exemplo, “sinto-me ignorado” é mais uma interpretação das ações dos outros do que uma descrição clara de como estou me sentindo.
Quais necessidades estão ligadas aos sentimentos que emergem?
A terceira fase é a mais difícil, pois é preciso identificar as necessidades por trás dos sentimentos que surgem, e não estamos acostumados a fazer isso. Quando essas necessidades não são atendidas, elas são expressas em emoções hostis, tais como medo, raiva ou tristeza. O reconhecimento de nossas necessidades nos ajuda a desenvolver responsabilidade emocional, pois passamos a entender a raiz de nossos sentimentos. Aumentamos nossa consciência de que aquilo que os outros dizem e fazem pode ser um estímulo para nossos sentimentos, mas não a causa.
Como expressar nosso pedido de modo que os outros estejam dispostos a responder compassivamente a nossas necessidades?
O quarto componente da CNV é fazer um pedido que satisfaça sua necessidade não atendida. Aqui, é necessário evitar frases vagas, abstratas ou ambíguas, usando uma linguagem de ações positivas, declarando o que estamos pedindo ao invés do que não estamos. Porém, é crucial que o pedido não seja recebido como uma exigência, em que a pessoa sente que será criticada ou punida caso não atenda. Para tal, é importante deixar o outro à vontade para atender às suas necessidades, aumentando a empatia para a necessidade do outro também. |
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