Você tem algum ritual para se renovar?
O que você vai encontrar por aqui: 
  • O papel dos rituais em nosso cotidiano
  • O poder do símbolo
  • Como atos simbólicos afetam nossa saúde
  • 5 dicas para começar a ritualizar sua vida
Boa leitura! 
Chega um novo ano e vemos, no mundo todo, rituais dos mais diversos para marcar essa passagem simbólica. Usar branco, pular sete ondas, comer 12 uvas nas badaladas do relógio, criar uma lista de resoluções para o ano novo, jogar móveis pela janela: dos mais conhecidos aos mais peculiares, todas as culturas expressam seus valores e desejos por meio de gestos repletos de intenção e significado. Buscamos dar sentido à nossa existência a partir da ritualização de momentos importantes e o ano novo, sem dúvida, nos mobiliza coletivamente na busca dessa renovação. 

A palavra ritual vem do latim e pode ser compreendida como sinônimo de cerimônia. Apesar da conotação religiosa, os rituais fazem parte da nossa cultura para além dos espaços sagrados. São atos praticados com uma intenção e evidenciam o que nos é essencial. Das tradições festivas aos processos de luto, passando pelos ritos religiosos e as simpatias individuais, os rituais nos dão estrutura e fazem parte da nossa história desde o início da nossa civilização. Eles servem para assinalar pontos de transição e de mudança, concretizar propósitos, trazer significado ao cotidiano, dar profundidade aos sentimentos, ampliar nossa conexão com os outros e ajudar na travessia de momentos difíceis. 
Neste sentido, os rituais são de grande importância para nossa subjetividade e podem ser utilizados como uma poderosa ferramenta para gerar bem-estar. Por isso, acreditamos que vale a pena entender um pouco mais sobre o papel dos rituais na vida cotidiana e como eles atuam em nossa mente e nossas emoções. Esperamos com isso te inspirar a não só participar dos rituais e tradições que fazem parte da sua comunidade, mas também a encontrar pequenos rituais pessoais que possam renovar seu espírito e trazer mais conexão consigo mesmo. 
Fundo no assunto
O rito na origem de tudo


Desde que evoluímos de Neandertais para Sapiens, somos dotados de uma impressionante capacidade de imaginação. Para Yuval Harari, autor do best-seller “Sapiens: uma breve história da humanidade”, essa talvez tenha sido a habilidade mais importante e crucial na expansão e consequente dominação da nossa espécie em todos os cantos do planeta. A Revolução Cognitiva possibilitou a evolução da nossa linguagem e a criação de realidades imaginadas que influenciam nossas vidas nos mais diversos aspectos e nos unem enquanto comunidade humana.

A partir desta nova capacidade inventiva, criamos mitos para explicar a nossa existência e ritos para expressar os valores e crenças adquiridos enquanto sociedade. Segundo a professora Esther Jean Langdon, a vida social foi e segue sendo estruturada pelos ritos e, citando os estudos da antropóloga Mary Douglas, “o homem é um animal ritual e os ritos permeiam a interação social, criando uma realidade que não seria nada sem eles”. Os rituais são, assim, um tipo especial de evento, mais formalizados e estereotipados, que criam uma ruptura no fluxo das ações cotidianas, desenhando um marco temporal e, de alguma maneira, manifestando simbolicamente ideais sobre o mundo. 

                 


Ritos estão sempre permeados de símbolos, seja por meio da linguagem, de gestos ou objetos. Os símbolos possuem uma importância elevada pois comunicam mais do que somente seu significado manifesto, eles possuem um aspecto oculto, transcendente, que está fora do alcance da razão, como coloca Carl Jung em um de seus livros mais famosos, O homem e seus símbolos. Nesse sentido, os símbolos possuem uma enorme riqueza de sentidos, inerentes ao inconsciente coletivo e aos arquétipos, que explicamos em mais detalhes aqui, com um potencial transformador da psique. 

    

A mente humana ainda é um grande mistério para nós. Mas já é ponto pacífico que nossa psique contém uma parte consciente e outra totalmente inconsciente, ambas afetando profundamente nossos pensamentos, sentimentos e ações. Para Jung, nossa parte inconsciente se comunica através de símbolos e podemos ter acesso a este campo interpretando os símbolos que nos apresenta a partir dos sonhos, ou enviando mensagens a esta parte oculta a partir de atos simbólicos. E é aqui que os rituais e seus símbolos podem realizar verdadeiros feitos “mágicos”. Eles mudam nossa forma de perceber as coisas, criam novos sentidos, e isso influencia de forma significativa nosso inconsciente. 

Já falamos pra vocês, nesta matéria, sobre as doenças psicossomáticas, ou seja, como as emoções e pensamentos afetam nosso corpo físico e podem, ao longo do tempo, desenvolver doenças crônicas. Inclusive mostramos o exemplo da Wanessa Camargo em nosso podcast, que desenvolveu uma síndrome do pânico a partir do medo da morte. A origem destas emoções pode, muitas vezes, estar em nosso inconsciente. Dessa forma, é possível imaginar que, se mudarmos a semente que deu início nesse efeito dominó, é possível curar uma série de condições que nem tínhamos consciência que estavam causando tanto estrago. 


Após viver anos em meios aos “curandeiros” e “bruxos” do México, presenciando todo tipo de ritual de cura, Alejandro Jodorowsky, cineasta, ator, poeta, escritor e psicólogo (psicomago como ele se autodenomina) passou a se perguntar se aqueles “feitiços” sempre muito criativos e repletos de simbolismo, teriam o mesmo efeito sobre os pacientes sem toda a fé e misticismo que envolvia tais rituais. 

Em seu livro Psicomagia, que hoje se tornou também um filme, ele nos conta sobre o desenvolvimento de sua terapia "psicomágica", em que receita atos teatrais para a cura de diversos males, a partir do entendimento do papel do inconsciente na saúde e como ele pode atuar voluntariamente como nosso aliado, quando acessado através de atos simbólicos, ou seja, de rituais. 

Ele entende que o inconsciente aceita tais atos como se fossem acontecimentos reais, de modo que um ritual “mágico-simbólico-sagrado” poderia modificar o comportamento do inconsciente e, portanto, se bem aplicado, curar certos traumas psicológicos. Logo, a  partir de ações que estimulam a mente a cruzar a ponte entre realidade e sonho, a pessoa é capaz de vivenciar metaforicamente seus traumas e inserir um novo elemento, uma ação nunca antes realizada, que a libera da antiga narrativa criada. 


Mesmo pequenos estresses do nosso cotidiano podem ser aliviados com rituais. Estudos realizados pela Harvard Business School mostraram que a realização de um ritual antes de uma situação de incerteza e potencialmente estressante ajuda o cérebro a recuperar seu senso de controle e previsibilidade, assim como aumenta nossa autoconfiança, reduzindo os batimentos cardíacos, a ansiedade e, consequentemente, melhorando nossa performance diante da situação. 

É por isso que muitos atletas são conhecidos por seus estranhos rituais pré-jogos, como Rafael Nadal, famoso também por sua lista de pequenos rituais praticados na quadra. Te contamos neste artigo ainda algumas pequenas superstições de torcedores e jogadores que, em uma leitura geral, envolvem muito do universo ritualístico que estamos debatendo nessa newsletter.  

Afinal, o que torna uma atividade qualquer em um ritual, um ato simbólico, é o olhar que colocamos nela, são os sentidos mais profundos que lhe proferimos. E isso tem poder, pois nos traz estrutura, novos propósitos, esperança e nutrem nosso ser, ainda que seja de forma ficcional. Como coloca Maria Homem em entrevista à Revista Gama, “o simbólico não é nem verdadeiro nem falso, mas uma ferramenta de ancoragem, de ordenação”. Assim, não importa se o ritual vai funcionar ou não, mas como ele te faz sentir e quais os significados mais profundos que ele desperta em você.
O que dizem por aí
Um verdadeiro legado da humanidade


           

Em 2018, a BBC lançou uma série documental que explorou rituais extraordinários ao redor do mundo. Ainda sem tradução para o português, a série percorreu rituais singelos, como as canções de amor, datadas do século VII, que até hoje são cantadas por adolescentes chineses em um ritual de namoro, mas também falou sobre os grandes ritos de passagem que exigem extrema coragem, já que chegam ao limiar da resistência humana. Nas mais diversas culturas, realizamos rituais que vão desde cerimônias íntimas até grandes peregrinações em massa que reúnem milhões de adeptos.

Das mais antigas tradições aborígenes e suas cerimônias de fogo com mais de 50 mil anos, aos modernos templos construídos no festival Burning Man, onde 70 mil pessoas deixam suas memórias dolorosas para serem queimadas como um ritual de libertação, mantemos vivos ritos ancestrais que contam nossa história, fazemos releituras e adaptamos alguns elementos e estamos constantemente criando novos rituais que se tornarão as tradições do futuro.  

O antropólogo Wade Davis já esteve duas vezes no Ted Talks compartilhando seus estudos e nos mostrando a impressionante diversidade de rituais que nos tornam humanos. Segundo ele, é essencial conservar essa riqueza, um dos maiores legados deixado por nossos ancestrais, que hoje se perde junto à extinção de idiomas, ferramentas essenciais para a transmissão da cultura. Só no Brasil, 215 idiomas estão ameaçados de extinção. Precisamos desses rituais, eles nos inspiram, nos unem e mantêm nossas comunidades vivas. 
Um ritual para chamar de seu

Em nossa vida frenética, os rituais são como respiros, marcos temporais que nos ajudam a satisfazer necessidades da alma, a renovar. Trazem instantaneamente nossa atenção para o momento presente, quebram a automação, nos fazem valorizar o pequeno e o essencial, conectam. Podem ser simples e modestos, como grandes e pomposos, a chave para receber seus efeitos positivos é honrar sua significância. Até mesmo a filosofia japonesa do IKIGAI, que te contamos aqui, acredita que esses pequenos rituais diários podem ser uma espécie de propósitos diluídos no dia a dia. 

Você pode adotar um ritual já conhecido ou até mesmo criar seu próprio ritual: não importa, os resultados no seu bem-estar estão garantidos, já que eles nos ajudam a desfrutar da jornada e proporcionam senso de propósito na vida. Crie rituais que sejam só seus, assim como faça parte também de rituais coletivos, para receber todos os benefícios que eles podem oferecer. Deixamos aqui 5 dicas para começar a ritualizar sua vida desde já:

    
Quer saber mais? Separamos alguns conteúdos que podem te ajudar
a fazer um mergulho ainda mais profundo, não deixe de conferir!

Livro: Rituais de poder para a vida: encontre sentido em seus momentos cotidianos - Meera Lester


Série: O poder dos rituais - Globoplay

Podcast: A importância dos rituais - A gente vai se falando, episódio #36 



Vídeo: 10 tradições interessantes no mundo que ainda são praticadas hoje