Leia a transcrição completa do episódio abaixo:
[trilha sonora]
Batista:
Quando a gente começou, lá nos anos 80, era só nós dois na cozinha.
Claude: O
Batista foi o meu primeiro funcionário no restaurante. Ele chegou lavando
prato, virou chef e, principalmente, virou meu amigo. A nossa relação é, tipo
assim, um casamento. A gente se conhece só pelo olhar.
[trilha sonora]
Geyze Diniz: Ambos tiveram seus primeiros contatos com a culinária
através da vivência com suas avós, um em Roanne na França e outro em Gurinhém
na Paraíba. E por coincidência do destino, se encontraram no Rio de Janeiro. Há
mais de 40 anos Claude e Batista constroem uma relação de amizade e parceria.
Eu sou Geyze Diniz e esse é o podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.
[trilha sonora]
Claude: Eu cresci numa casa com doze pessoas em
Roanne, uma cidade a 90 quilômetros de Lyon, o coração da gastronomia francesa.
A gente morava praticamente dentro do restaurante da família, que ficava na
parte de baixo da casa.
O Troisgros, que foi inaugurado pelos meus avós paternos, existe até hoje e é
um lugar super famoso. Os meus pais, Pierre e Olympe, trabalhavam o dia inteiro
no restaurante. Então, eu passava o dia com a minha avó materna, a italiana
Anna Forte, que eu chamava carinhosamente de Mémé. Como boa “nonna” italiana, a
comida dela era maravilhosa.
Eu me lembro de ficar em cima de uma cadeira, encostada na mesa da cozinha,
enrolando basicamente todos os domingos aquelas tirinhas do nhoque. A casa da
minha avó tinha perfume de molho de tomate em qualquer lugar.
Batista: A minha infância foi em Gurinhém, uma
cidade de 14 mil habitantes no interior da Paraíba. Eu passava muito tempo com
a minha avó, Corina, enquanto minha mãe trabalhava como professora.
A minha avó tinha um restaurante de beira de estrada que servia comida para
caminhoneiros. Ela servia comida brasileira, tipo arroz, rabada e macaxeira na
manteiga. Eu comecei a ajudar ela na cozinha com 8 anos.
Eu descascava cebola, pimentão e picava coentro. Em troca, ela me dava um
dinheirinho pra mim comprar um sorvete, um geladinho. E também para ir no
parque de diversão.
[trilha sonora]
Batista: Quando eu tinha 6 anos, eu assinei um
“contrato”, obviamente de brincadeira, que dizia que eu ia trabalhar com um
amigo da família quando eu crescesse. Esse amigo era o Paul Bocuse, um dos
chefs mais famosos do mundo naquela época.
A brincadeira se tornou realidade aos 17 anos de idade. Eu comecei descascando
batatas, como muitos iniciantes, e fiquei na cozinha do Paul Bocuse por dois
anos. Depois, eu estagiei em vários lugares da Europa e voltei para o restaurante da família em Roanne.
Um belo dia meu pai entrou na cozinha e disse que o Gaston Lenôtre, um amigo e
chef muito famoso naquele momento, tava procurando alguém pra trabalhar no
restaurante que ele ia abrir no Rio de Janeiro. O meu pai perguntou: “Alguém
quer ir?” Eu respondi, olha, na hora: “Eu!”
Batista: Quando eu tinha uns 9 anos, meu avô
começou a me chamar pra ajudar ele na roça. Ele me pegava em casa umas 4h30 da
madrugada e eu trabalhava até meio-dia. Depois eu ia pra escola.
Na adolescência, eu passei a estudar à noite e eu ficava o dia inteiro com meu
avô. Eu ajudava ele a cuidar de cavalo e de boi. Ajudava ele na plantação de
algodão, milho e cana. Os meus tios tinham ido embora, então era só nós dois na
roça.
[trilha sonora]
Claude: Eu cheguei no Rio em 1979, com 23 anos de
idade.
[trilha sonora]
Eu não falava nada de português, mas o Brasil era como um sonho tropical,
sinônimo para mim de sol, Pelé, futebol, mulher bonita, caipirinha e praia. A
primeira coisa que eu me lembro ao sair do avião foi o cheiro. Era um aroma de
calor úmido, maresia, uma coisa muito diferente para um francês do interior.
O restaurante do Gaston Lenôtre chamava Le Pré Catelan e fez um sucesso imenso.
Quando o meu contrato de dois anos acabou, eu tinha planos de voltar para
França. Só que a vida tinha outros planos pra mim. Decidi ficar no Brasil,
pensando em novos desafios.
Peguei o telefone e liguei para meu pai,
falei: "Pai, eu decidi ficar no Brasil. Ele respondeu: "Ah é, meu
filho, então se vira". Ele não apoiou minha decisão então eu tive que me
virar e decidi abrir o meu primeiro restaurante. Eu vendi os bens que tinha
naquele momento, que eram poucos. Aluguei um espaço de 30 metros quadrados no
Leblon, coloquei seis mesas e 18 banquinhos. O restaurante recebeu o nome da
minha cidade: Roanne.
Batista: Quando eu tinha 17 anos, eu viajei proo Rio de Janeiro com
a minha vó, pra passar duas semanas. A gente ficou hospedado na casa do meu
tio, na favela da Rocinha.
Ele trabalhava como porteiro num prédio no Leblon e soube que um restaurante
novo tava precisando de alguém pra lavar pratos. Este restaurante era o Roanne,
que era do Claude.
Fui contratado pelo Claude. Um ano depois, a gente se mudou pra um restaurante
maior, lá no Jardim Botânico, que se chamava Claude Troisgros e depois passou a
chamar Olympe.
Claude: Duas vezes por semana, o Batista ia
comigo comprar peixe no mercado de Niterói. Depois do serviço, todo mundo ia
pra casa bem de madrugada. Mas eu e o Batista ficava lá no restaurante, porque
tinha de estar lá em Niterói pelas 5 da manhã. A gente compara o peixe, tomava
um café, comia um sorvete, voltava e sempre na subida da ponte ponte
Rio-Niterói a minha "fiorina" velha, que o Batista chamava de carro
dos Flintstones, quebrava. Eu falava: "Batista, sai do carro! Empurra
aí!". E o Batista empurrava suando, e eu tentando ligar aquele carro. A
gente chegava no restaurante lá 8, 8 e meia da manhã. Deixava o peixe e naquele
momento a gente tinha um tempinho para ir para casa e dormir um pouco, porque
às 4 e meia da tarde a gente tava lá de novo no restaurante, pra começar o
turno da noite. Nossa amizade começou assim, no trabalho duro.
Batista: Aos poucos, virei aprendiz do Claude.
Comecei preparando as entradas. Depois, passei pros legumes, pros peixes e as
carnes, pra confeitaria e pros molhos.
Conviver dentro da cozinha de um restaurante não é fácil. É muito prato pra
servir e muita gente pra agradar. Não pode atrasar e nem errar.
Só que, quando o serviço acaba, todo mundo relaxa e se ajuda. Depois que a
gente fechava o restaurante, lá pelas 2 da manhã, eu levava o Claude e o resto
do pessoal pra dançar forró. Fui que ensinei ele a dar os primeiros passos.
Hoje até que ele dança bem.
[trilha sonora]
Claude: O Batista virou meu intérprete. O
restaurante tinha muita rotatividade e a maioria dos funcionários era de origem
nordestina. Eles diziam que não entendiam absolutamente nada do que eu falava,
porque naquela época eu tinha muito sotaque, não é?. Hoje eu quase não tenho,
não é?
Eles perguntavam o que eu tinha falado e o Batista, malandro, às vezes
inventava.
O Batista sempre me acompanhou nos
eventos que faço por todo o Brasil. Um dos primeiros foi um casamento em
Vitória, no Espírito Santo. Quando a gente chegou na cidade, de manhã, foi
direto pra casa do cliente. A gente só foi pro hotel lá pelas 2 da madrugada,
depois do evento. Quando abri a porta do quarto... surpresa! Só tinha uma cama
de solteiro e nenhuma outra vaga no hotel. Tava um frio de cão e não tinha como
um de nós dormir no chão, impossível. O jeito foi dividir a cama com Batista:
um, obviamente, com os pés para um lado e o outro, claro, na posição contrária.
Foi a nossa primeira noite juntos.
Batista: Eu me casei, tive três filhos e me
separei. E fui morar num apartamento em Botafogo. Mas aquele bairro não é pra
mim. Eu gosto mesmo é da Rocinha, aonde eu moro até hoje com a minha atual
mulher e meu filho Bernardo de 5 anos.
A Rocinha parece uma cidade à parte do Rio de Janeiro. Tem tudo e todo mundo me
conhece. Eu gosto de chegar do trabalho, bater um papo e tomar uma cervejinha
com os meus amigos.
[trilha sonora]
Claude:
Eu tinha total
confiança no Batista e por isso deixei o Olympe nas mãos dele quando tive uma
proposta de abri um restaurante em Nova York chamado CT, a minhas iniciais: CT.
Nos Estados Unidos, eu conheci o canal de TV Food Network, que só passava
gastronomia. Quando eu voltei ao Brasil, fiquei pensando por que não tinha mais
programas de culinária por aqui. O que existia na época era o programa da
Ofélia, da Palmirinha, Ana Maria Braga e o Olivier Anquier tava começando.
Um dia, a Marluce Dias da Silva, que era
superintendente executiva da Globo, foi comemorar o aniversário de casamento no
Olympe. Eu, na maior cara de pau, eu perguntei pra ela por que não tinha
gastronomia na televisão brasileira. Ela olhou para mim sem rodeios e disse:
“Porque? Você quer tentar?” Eu respondi assim na hora: “Quero, sim!” e ganhei
um quadro num programa que já existia na GNT. Foi um sucesso, tá? Não sei se
pelo meu sotaque ou por outras razões.
Um tempo depois, eu ganhei um novo programa com Renato Machado, o Menu
Confiança. Foi aí que o Brasil conheceu o Batista.
Batista: Eu que preparava os ingredientes pras
receitas e arrumava as bancadas nos dias de gravação. Mas eu sempre esquecia de
alguma coisa. O Claude tava gravando e, na hora de pegar a cebola, aí não tava
lá. Aí ele gritava: “BATIIIIIIISTAAAAAA!!! Cadê a cebola?!” Aí a gravação
parava ou a edição cortava depois.
Claude:
Só que, numa
temporada do Menu Confiança, o diretor decidiu deixar a cena. E o resultado foi
que a audiência subiu. A cena em que o Batista entrava meio atrapalhado virou
uma marca registrada do programa. Ele começou a aparecer mais e mais. Acabou
que ele virou apresentador junto comigo. Mais tarde vieram os reality shows The
Taste Brasil e Mestre do Sabor.
Batista: Por causa da televisão, eu viajei pra
fora do Brasil pela primeira vez. A gente passou 10 dias em Nova York pra
gravar e eu fiquei impressionado com a beleza da cidade. Na Times Square, tinha
uns telões lindos, passando várias coisas. Uma hora, mostraram eu e o Claude.
Era uma ação de publicidade. Quando eu vi, eu chorei muito. Veio toda a
lembrança das minhas origens.
Outra temporada especial pra mim foi
quando nós gravamos um especial de Natal com a minha família, na Paraíba. Eu
levei o Claude pro forró e almoçamos na casa dos meus parentes. Foi uma festa.
[trilha sonora]
Claude:
Já são 41 anos
de convívio. Hoje, somos irmãos, temos muitas histórias para contar, porque a
gente passou por muita coisa junto. É isso que constrói uma história, é isso
que constrói a confiança e uma amizade, assim, sólida como a nossa. O Batista é,
acima de tudo, o meu grande amigo, meu grande parceiro. Como ele diz, “nosso
sangue bateu, hein chef?” desde o início. E isso não tem preço, mas tem um
valor incalculável.
Batista:
Quando eu
cheguei no Rio, aos 17 anos, eu não imaginava que eu seria chef de cozinha,
muito menos apresentador de TV. Hoje em dia, as pessoas me reconhecem na rua,
pedem selfie e autógrafos.
O Claude mudou a minha vida em muitos sentidos. Eu ganhei uma profissão, um
trabalho na TV e um sócio pro meu primeiro restaurante, que se chama Do
Batista. Acima de tudo, eu ganhei um amigo.
[trilha sonora]
Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos
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