Para Inspirar

Thais Renovatto em "Aids é uma coisa, HIV é outra"

O terceiro episódio da décima terceira temporada do Podcast Plenae é com Thais Renovatto, representando o pilar Corpo!

1 de Outubro de 2023



Leia a transcrição completa do episódio abaixo:

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Thais Renovatto: Quando eu soube que tinha HIV, eu me isolei por um tempo pra tentar digerir a notícia da maneira mais pragmática possível. Quais eram as opções que eu tinha? Eu podia encher a cara de droga pra tentar esquecer a minha condição. Podia acabar com a minha vida e, por tabela, com a da minha família. Podia ficar revoltada e sair passando o vírus para todo mundo. Ou eu podia me cuidar.

[trilha sonora]

Geyze Diniz:
Aos 31 anos, a vida de Thais Renovatto virou de cabeça para baixo. Ela descobriu de repente que tinha contraído o vírus da AIDS de um namorado. Apesar do medo inicial ela se cercou de bons profissionais de saúde, começou o tratamento médico e soube que era possível levar uma vida normal. Hoje ela é casada, tem dois filhos saudáveis e se dedica a combater o preconceito contra o HIV. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.

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Thais Renovatto:
Era uma quinta-feira, em São Paulo, no ano de 2013. Eu tinha trabalhado o dia inteiro e, à noite, saí pra conhecer uma balada nova na rua Augusta. Eu fui com uns amigos, mas uma hora me separei da turma pra pegar uma bebida no bar. O lugar tava lotado e eu tive que disputar espaço no balcão. Até que um cara que também tava por ali puxou papo comigo: “Cheio, né?”, ele falou.

Era um tipo comum e simpático. Eu adoro conhecer pessoas e tenho facilidade pra fazer amizades. Pra mim, um encontro rapidinho no balcão do bar é suficiente pra ir no aniversário da pessoa no fim de semana. O papo fluiu e a gente passou a noite conversando. Trocamos telefones e mantivemos contato pelos dias, semanas e meses a seguir.

A gente começou a fazer vários programas juntos. Parque, restaurante, bar… Ele era um cara romântico, do tipo que mandava rosas colombianas no meu trabalho e organizava viagens de fim de semana.
Não demorou pra eu me apaixonar.

[trilha sonora]

Depois de três meses de relacionamento, a gente começou a transar sem camisinha. O meu critério, como de muitas meninas e mulheres, foi a confiança.

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O primeiro sinal que a saúde dele não ia muito bem foi uma tosse persistente, que apareceu meses depois que a gente se conheceu. Ele parou de fumar e, mesmo assim, o sintoma continuava. Eu insistia pra levá-lo ao médico, mas ele não deixou. Ele foi sozinho à consulta e disse que tava com início de pneumonia, causada por uma mistura de cigarro, gripe mal curada e o desgaste físico das nossas viagens. Ele se tratou, mas não adiantou.

[trilha sonora]

Junto com a tosse veio um chiado no peito e uma febre alta. Ele foi pro hospital e acabou internado. Eu saía do trabalho e ia direto visitá-lo. Só que o quadro dele só piorava. Ele foi perdendo peso rapidamente e acabou sendo entubado na UTI. Eu ainda tinha esperança que ele fosse se recuperar, até que a mãe dele me chamou pra conversar na recepção do hospital. 


Ela me disse: “Esses dias aqui sempre teve tão lotado e eu não tive a oportunidade de te contar. Mas, a verdade é que ele tá morrendo de aids”. Ela contou desse jeito, pá pum! 


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É difícil explicar o que eu senti quando eu ouvi aquelas palavras, mas eu vou tentar. Em uma fração de tempo muito curta, passou pela minha mente um filme com flashes de toda a minha vida. Vieram lembranças antigas, recentes, numa linha do tempo contínua. As imagens se encaixavam rapidamente, até chegar àquele instante no hospital. Eu tava de pé e a minha canela ficou fria.

De repente, as minhas pernas já não sustentavam o peso do meu corpo. Me deu uma aflição tipo aquela que a gente sente quando anda na montanha-russa. Eu desmaiei. Quando retomei a consciência, tava com um copo de água com açúcar na mão. Um amigo querido tava comigo e perguntou: “Thais, pelo amor de Deus, o que foi? Você tá branca!”. Eu mal conseguia respirar. Mexi a boca e disse só pra ele: “Me tira daqui”.

Tava caindo uma chuva torrencial em São Paulo naquele dia. Eu tentei correr em direção ao carro, mas eu não tinha força. Meu amigo desacelerou o passo pra me acompanhar e foi caminhando de mão dada comigo. Quando eu contei pra ele o que tinha acabado de ouvir, ele fez uma cara de pânico. Pra ele também tudo fazia sentido agora.

[trilha sonora]

No carro, eu chorei. Chorei por ser burra. Chorei por entender que o meu namorado ia morrer mesmo. Chorei porque eu não tava entendendo mais nada. Chorei porque fiquei apavorada pelo meu provável diagnóstico. Logo a notícia se espalhou entre os amigos. Todo mundo ficou em choque. O peso da palavra aids é muito forte. Eu nasci no começo dos anos 80, então eu me lembro da morte do Freddie Mercury, do Cazuza, do Renato Russo. Eu sei muito bem o que é a aids.

Mas jamais imaginei que pudesse acontecer tão perto de mim. Eu fiquei revoltada e perguntava: O que eu fiz de errado? Por que esse castigo? Por que Deus me deu as costas? E eu logo fiz o teste e o resultado, como eu esperava, deu positivo. Quando eu saí do posto de saúde, entrei no meu carro e dei um grito, que com certeza foi ouvido pela rua inteira. Segurei o volante e a minha testa caiu em cima da buzina, mas eu ignorei o barulho. Chorei por alguns minutos, até eu retomar o fôlego, secar o rosto e seguir pro trabalho. Era o primeiro dia da minha nova vida.

[trilha sonora]

Procurei uma psicóloga e, com a ajuda dela, um infectologista. O médico me acalmou. Ele me explicou que aids é uma coisa, HIV é outra. O HIV é o vírus causador da aids. E uma vez que a pessoa é infectada, ela vai ter o vírus pro resto da vida. Só que, embora não tenha cura, tem tratamento. Se a pessoa se tratar, ela não vai ter aids e vai morrer por outra causa.

Nos últimos dias de vida do meu namorado, quase ninguém ia ao hospital. Mas que tipo de pessoa eu seria se o abandonasse no momento que ele mais precisava? Eu tinha que fechar aquele ciclo. Numa sexta-feira à tarde, eu entrei na UTI e peguei na mão dele. Ele tava pesando 35 quilos. Eu disse: “Ontem eu peguei meu exame e deu positivo. Eu só queria que você soubesse que eu te desculpo. Um dia conversaremos sobre isso, mas não nesse plano. Eu te perdoo, vá em paz”. No dia seguinte, ele morreu, aos 40 anos.

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Nessa fase, eu usei todo repertório que eu tinha. Ia na terapia, tomava remédio pra dormir, rezava, lia o Evangelho Segundo o Espiritismo e fazia meditações. Por orientação da minha psicóloga, eu dizia pra todo mundo que o resultado tinha dado negativo. Só as minhas irmãs e uma amiga sabiam a verdade.

Eu comecei a fazer o tratamento com antirretrovirais. E eu tomo um comprimido por dia e não tenho nenhum efeito colateral. Por causa do remédio, eu tenho pouquíssimo vírus circulando no corpo. E aí, tanto a doença não evolui quanto eu não passo o HIV pra ninguém, mesmo se eu transar sem camisinha.

Ainda assim, eu tinha muitos medos. Como seria a minha vida dali em diante? Como seria guardar esse segredo pra sempre? Como eu poderia realizar o sonho de casar e ter filhos? O que leva tantas pessoas com HIV a esconder essa condição é o medo do preconceito e a dificuldade de aceitação.

Até os 31 anos de idade, eu nunca tinha feito um exame de HIV na vida. Nenhum ginecologista tinha sugerido que eu fizesse. Eu achava, inocentemente, que era uma coisa muito distante de mim. O meu critério, que hoje eu entendo como absurdo, foi confiar num cara pelo fato de que ele tinha pós-graduação e morava num bairro legal. Nunca me passou pela cabeça pedir exames pro parceiro antes de tirar o preservativo. 

E qual era o meu crime? Transar sem camisinha com o cara de quem eu gostava? Eu nunca vou saber se ele me infectou de propósito. E se ele fez isso, ele é uma pessoa horrível, mas ele já pagou pelo crime dele. Eu de verdade não guardo nenhuma raiva, porque a culpa não foi só dele. Tem a minha parte também. Eu não me cuidei. A partir dessas reflexões, eu assumi a responsabilidade pelo meu erro e me absolvi. A pergunta que eu fazia lá atrás, “por que eu? por que eu?”, aos poucos virou “por que não eu?”.

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Aos poucos, eu comecei a me relacionar com outras pessoas. Só que eu não me sentia à vontade de ficar com um cara e já contar que eu tenho o vírus do HIV. Não existia a menor chance de eu infectar alguém, porque, além de eu não ter vírus circulante no meu corpo, eu sempre usava preservativo. Mesmo assim, os poucos homens pra quem eu contei sumiram do mapa. Eu não tenho raiva deles. Eu teria feito a mesma coisa no passado, antes de saber tudo que eu sei hoje.

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Isso mudou quando eu comecei a me relacionar com um colega de trabalho, o Rodrigo. Ele era meu amigo, a gente começou a sair e a coisa foi crescendo. Depois de alguns meses de relacionamento, ele pediu pra tirar o preservativo. Eu recusei e pensei numa estratégia pra falar a verdade. Primeiro, eu pediria pra ele fazer um teste de HIV. Ele veria que o resultado deu negativo e só então eu contaria tudo.

Mas o meu plano não saiu conforme o planejado. Antes que eu sugerisse o exame, a camisinha estourou durante uma transa. Eu fiquei desesperada. Ele falou: “Calma, você toma anticoncepcional e eu não tenho nada”. “Mas eu tenho!”, eu respondi.  E assim, depois de um susto, eu contei tudo que eu tinha ensaiado. Pra minha surpresa, ele me abraçou e disse que não ia cair fora. Disse que tava comigo pra tudo. Eu chorei de alegria e de alívio.

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Nós não só continuamos juntos, como nos casamos e tivemos dois filhos, o João e a Olívia. O Rodrigo e eu somos o que se chama de casal
sorodiferente, em que um é positivo e o outro negativo pra HIV. A gente engravidou pelo método natural e as crianças não têm o vírus, graças ao protocolo de tratamento feito durante a gestação e depois que os bebês nasceram.

Eu só não pude amamentar, porque o meu leite materno tinha uma carga viral. Os médicos tinham me garantido que, se a gente seguisse o tratamento à risca, a probabilidade de que eu passasse o HIV pros bebês era mínima. Mesmo fazendo tudo certinho, eu tinha muito medo. Uma das maiores alegrias da minha vida foi pegar o resultado negativo do João e da Olivia. 

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Com o apoio do meu marido, eu tomei coragem pra contar a minha história pra todo mundo. Eu acredito que o preconceito não é só externo. Ele começa pelas pessoas que têm HIV e se escondem. Eu fui me sentindo na obrigação de esclarecer as bobagens que eu ouvia por aí. Eu não podia ser omissa.

Tipo num happy hour do trabalho em que alguém fez uma piada: “Ah, tá magro, hein? Tá com aids?” E todo mundo riu. Eu me posicionei: “Gente, não é assim. Eu tenho HIV e não tô cadavérica”. Já aconteceu também de alguém não querer beber no meu canudo, por medo de contágio. Se em 2023 a pessoa ainda acha que o HIV se pega pela saliva, eu fico triste não com ela, mas por ela.

A epidemia de aids já tem 40 anos e a gente ainda enfrenta os mesmos preconceitos e tanto desconhecimento. Esses dias eu recebi uma mensagem no Instagram que eu fiquei assustada. A menina contou que comprou um vestido no brechó e tinha uma marca de sangue. Ela queria saber se era possível pegar HIV.

Eu entrei no perfil dela e vi que ela era uma estudante de uma faculdade cara de São Paulo. É uma pessoa jovem com acesso à informação .E eu expliquei: “O HIV se pega pela relação sexual desprotegida, pelo compartilhamento de seringa e por transfusão de sangue. O vírus não sobrevive fora do corpo. Não tem a menor chance de você se infectar por um pingo seco numa roupa”.

Eu faço um trabalho de formiguinha, tentando ampliar o conhecimento sobre o HIV e quebrar o preconceito da sociedade. Eu tento mostrar que, mesmo com o vírus, é possível ser feliz, é possível ter saúde e é possível levar uma vida comum. A minha trajetória é igual a de qualquer outra pessoa: não é perfeita, mas é do jeito que tinha que ser.

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Geyze Diniz:
Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.

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Para Inspirar

Fabiana Scaranzi em "Seguindo a intuição"

O sexto episódio da décima sexta temporada do Podcast Plenae traz a história - ou histórias! - de Fabiana Scaranzi e sua sede por reinvenção.

8 de Setembro de 2024



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Fabiana Scaranzi: Eu me casei pela segunda vez aos 46 anos. Fiz uma transição de carreira aos 48. Entrei na minha quarta faculdade aos 54 e vou me formar aos 59. Em nenhum lugar tá escrito que eu não posso fazer isso.

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Geyze Diniz: É difícil rotular Fabiana Scaranzi, já que ela está sempre se reinventando. De dançarina a modelo, de apresentadora a mentora, de autora a empreendedora. Fabiana fez todas essas mudanças por ter certeza do que quer, e não ao contrário, como muitos pensam. Assim segue sua intuição e nunca para de aprender. Eu sou Geyze Diniz e esse é o podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.

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Fabiana Scaranzi: Quando eu tinha uns 5 anos de idade, minha mãe me colocou pra fazer aula de balé. Pouco tempo depois, eu fui aprovada num exame da Escola de Bailado, que ficava embaixo do Teatro Municipal. Pra mim, aquela escola era o lugar mais bonito do mundo. Eu ficava lá a tarde inteira, e não fazia só balé. Eu tinha aula de história da música, história da dança. Aprendi a solfejar e até a tocar piano. Eu venho de uma família de classe média baixa que não era muito ligada em arte. Então, a Escola de Bailado abriu a minha cabeça.

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Eu comecei a sonhar em ser bailarina clássica e a dançar no Balé Bolshoi. Mas, aos 13 anos, eu sofri um acidente de kart e quebrei vários ossos do corpo. Triturei o tornozelo, quebrei o braço, fraturei o fêmur em dois lugares. Quando a gente é jovem, a gente não tem noção do perigo. O lado bom disso é que você só foca no seu objetivo, sem se deixar paralisar pelo medo. E eu lembro que, no hospital, o meu objetivo era dançar no espetáculo de final de ano da escola, e só.

Eu fiquei três meses engessada até o quadril. Depois, tive que reaprender a dobrar o joelho e a andar. Com muito sofrimento, choro, sacrifício, eu consegui me apresentar no final do ano, oito meses depois do acidente. Só não consegui dançar de sapatilha de ponta, porque eu não tinha recuperado muito a força naquela perna.

Mas, eu me lembro que eu convidei os médicos pra sentarem na primeira fila do Teatro, e foi um momento muito emocionante para todos nós. Mas também foi um momento de encarar a realidade. O meu sonho de ser bailarina clássica fora do Brasil não ia se realizar. Então, eu decidi focar nos meus estudos. E pra mim era muito importante isso também, já que eu seria a primeira pessoa da minha família a entrar numa faculdade.

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Bem nessa época pré-vestibular, o meu único irmão, que é um ano e meio mais velho que eu, foi diagnosticado com uma doença neurológica progressiva. Em 20 dias, ele não conseguia mais mexer um lado do corpo. Em um mês, ele não conseguia mais falar. Eu fiquei tão obcecada em me aproximar do meu irmão de alguma maneira, que aí eu decidi estudar comunicação.

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Eu entrei na FAAP, que era uma das faculdades mais caras de São Paulo. O meu pai se ofereceu pra pagar uma parte da mensalidade, mas eu teria que ajudar. Mas como, se eu não tinha experiência em nada? Quem apontou um possível caminho foi um amigo, o Osvaldo.

Ele me falou o seguinte: “Olha, a minha irmã trabalha numa agência de modelos. Ela falou que vem uma gringa fazer um teste pra levar algumas meninas pra trabalhar fora do Brasil. E parece que essas meninas ganham bem, porque elas recebem em dólar”. Aí eu falei: “Mas, eu nunca fui modelo, Oswaldo. Não tenho fotos, eu não tenho um book”. Ele me disse: “Fala que roubaram”. Eu disse: “Mas eu vou mentir?”. E ele me devolveu com uma pergunta que eu me faço até hoje, em várias situações: “Você tem outra opção?”

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Eu fui no teste, não entendia quase nada do que a gringa falava. Mas traduziram pra mim: “Anda pra frente, anda pra trás, dá uma volta, vira”. Essa gringa pediu meu book e eu contei que tinham roubado. Aí ela mandou tirarem umas fotos minhas e me dispensaram naquele dia. Depois de 10 dias, me ligaram da agência dizendo que eu tinha sido uma das 5 modelos do mundo escolhidas pra aquela temporada.

Eu fiquei muito feliz e aí que eu soube que essa agência de modelos era a Ford, uma das melhores do mundo. Aí me contaram logo em seguida que eu ia pro Japão. Eu entrei no avião sozinha, apavorada aos 17 anos. Eu me lembro que durante o voo eu pensava assim: “Por que meus pais me deixaram ir?” Lá no fundo, parece que eu não queria que eles tivessem deixado, porque aí eu não teria que ser responsável pela minha escolha.

Lá no Japão, eu conheci uma realidade muito diferente da minha. Eu ouvi histórias que eu não gostaria de ter ouvido, histórias de sexo, de drogas das outras modelos. Eu aprendi a me proteger, aprendi a me virar e segui firme ali no meu objetivo de ganhar dinheiro pra pagar minha faculdade.

Então eu trabalhava lá por três meses, que era a duração do visto, e voltava para o Brasil fazia um semestre de faculdade. Daí eu trancava o curso e viajava de novo. Fui pra Alemanha, pra Espanha, pra Nova York e pra outros países. Eu comecei depois a trabalhar muito também no Brasil. No total, eu fiz 120 capas de revista e peguei uma aversão por balança até hoje.

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Quando eu acabei a faculdade, eu não quis mais ser modelo. E as pessoas não entendiam muito minha decisão. Por que eu estava abrindo mão de uma carreira de sucesso, com muitos anos pela frente? É que, pra mim é muito claro, quando alguma coisa não faz mais sentido, eu paro de fazer. É claro que tem um sofrimento envolvido numa decisão dessas. Mas eu preciso me sentir feliz com aquilo que eu faço. Fora isso meu objetivo era cursar a faculdade de Comunicação. E eu tinha conseguido.

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Na minha terceira reinvenção da vida, eu fui trabalhar como publicitária na agência W/Brasil. Quem entrevistava os candidatos paras vagas era o próprio Washington Olivetto, dono da agência. E eu me lembro que ele me perguntou: “Por que você quer trabalhar aqui?” Eu respondi: “Ah, porque tudo que vocês fazem é a minha cara. Eu acho que eu vou poder contribuir muito com a agência”.

E aí o Washington falo: “Nossa! Você é muito cara de pau. Porque, se você acabou de sair duma faculdade, você não sabe nada! Mas eu vou te contratar pela sua autenticidade e autoconfiança.” E lá fui eu. Fiz um estágio na direção de arte e fiquei trabalhando lá por dois anos. E apesar de todo o aprendizado, eu tive que reconhecer em algum momento que eu não seria um grande talento ali, eu não teria potencial pra me destacar na agência.

Eu queria me comunicar sim, mas, de outra maneira, por outro caminho, mas não sabia como. Alguns dias depois, na própria agência eu conheci o Roberto Talma, amigo do Washington Olivetto e diretor de TV, que disse que eu era muito comunicativa e perguntou se eu queria fazer um teste para apresentar um programa na TV Bandeirantes chamado Memória Band. Fiz o teste e passei.

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Era tudo muito novo pra mim, mas eu estava amando fazer aquilo! Paralelamente, eu prestei vestibular para jornalismo porque eu gostava da prestação de serviços, de contar histórias, de escrever e também de estudar. A essa altura, eu tinha me casado, me separado e tinha um filho pequeno, de um ano e meio. Muita gente foi contra a minha decisão de fazer outra faculdade.

É impressionante, né, a quantidade de pessoas que falam que não vai dar certo quando você ousa fazer uma coisa que elas não tiveram coragem de fazer. No primeiro mês da faculdade, eu fui a um cabeleireiro e encontrei a Sandrinha Annenberg, que eu conhecia dos testes de modelo. Eu contei que eu estava estudando jornalismo e ela me disse que sabia que iam fazer um teste para o jornalismo na TV Globo, mas que as pessoas precisavam estar cursando ou ter a faculdade de jornalismo.

Eu tinha acabado de entrar na faculdade! Eu estava no timming certo! Eu passei no teste e fui contratada pela emissora. Fiquei muito feliz! E eu acho que, quando a gente ouve nosso coração e mira no que faz sentido pra gente, as coisas fluem. Eu fiquei mais de 11 anos na TV Globo. Comecei apresentando a previsão do tempo, depois fui repórter e apresentadora de vários telejornais. Eu saí de lá quando eu recebi uma proposta irrecusável pra mim na época da TV Record para ser apresentadora do Domingo Espetacular, que era o principal concorrente do Fantástico, onde eu fiquei mais 5 anos.

[trilha sonora]

Eu sempre gostei muito de trabalhar. Eu comecei aos 17 anos e nunca parei. O trabalho moldou o meu caráter, me deu disciplina e me ensinou a ter responsabilidade. Me proporcionou conhecer pessoas, aprender línguas e culturas diferentes que eu jamais teria tido essa oportunidade.

Mas eu percebi que, num certo ponto, eu estava trabalhando no piloto automático. Eu não ficava mais nervosa, nem ansiosa pra apresentar um programa de 4 horas ao vivo, por exemplo. Eu apresentava com a técnica que havia aprendido, mas eu não sentia mais aquele frio na barriga. E eu comecei a me questionar: será que isso ainda fazendo sentido para mim?

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Mesmo sabendo que tinha algo errado, eu fui empurrando aquele desconforto pra debaixo do tapete. Eu tinha um super salário, estava numa posição de destaque, era reconhecida nacionalmente pelo que eu fazia. Então, eu falava pra mim mesma: “Fabiana, nem pensa em fazer nada diferente porque tá tudo certo. Quantas pessoas não gostariam de tá aqui no seu lugar? E eu me sentia muito culpada só de pensar naquilo!” Eu dizia: “Calma, Fabiana, amanhã você vai acordar melhor.”

Só que aquela sensação estranha não passava. Até que um dia eu senti uma dor aguda no estômago e fui levada de ambulância pro hospital. Fizeram muitos exames e o meu médico me perguntou: “Fabiana, o que que tá acontecendo, hein?”. E na hora eu respondi: “Eu que te pergunto o que tá acontecendo. Eu senti uma dor horrorosa e quase desmaiei”. Ele falou: “Bom, você tá com uma úlcera aberta no estômago. E é muito sério você não ter sentido nada até hoje”. 

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Naquele momento, eu tive um ataque de choro porque eu percebi que corpo, mente e espírito estavam cada um pra um lado. E eu precisava juntar todos novamente. Eu acho que o meu desequilíbrio emocional se manifestou numa doença física. Eu acredito, realmente, nesses fenômenos psicossomáticos. E aí não dava mais pra eu me enganar ou fingir que nada estava acontecendo.

Então, eu decidi que, quando o meu contrato terminasse, e faltava um ano e meio praquilo acontecer, eu não o renovaria. Eu fiquei quase 20 anos na televisão. E foi uma trajetória linda demais! Onde eu pude aprender muito e me tornar uma das melhores no que eu fazia. Mas eu acho que os humanos têm ciclos, assim como a natureza. A gente gosta, né, de acreditar em estabilidade e permanência, só que a vida não é assim.

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Uma noite indo pra praia com meu marido, peguei um caderno e uma caneta e comecei a rabiscar mais ou menos como seria a estrutura de um livro, que depois veio a se chamar Mulheres, Muito Além do Salto Alto. Mal sabia eu que, daquele rascunho, sairiam muitas possibilidades profissionais que se concretizariam depois. Eu estava com novos desafios e isso me encheu de energia! A minha úlcera cicatrizou e os meus olhos voltaram a brilhar.

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Eu me reinventei! Eu comecei a fazer palestras pra mulheres e a criar um trabalho mais autoral, diferente de quando você apresenta telejornais onde você tem que falar o que a emissora quer que você fale. Através do livro, que eu escrevi, eu comecei a ajudar mulheres maduras que também queriam fazer transição de carreira. Nesse meio tempo, eu virei colunista da revista Forbes onde escrevo sobre comportamento feminino e comunicação.

Eu sempre tive muito interesse no comportamento humano. Eu fazia muitas matérias de comportamento na TV, para o Fantástico. As pessoas falavam que eu era uma psicóloga de botequim, por eu ser uma boa ouvinte. Os meus amigos psiquiatras falavam: “faz uma faculdade de Psicologia, Fabiana”.

Eu achava que ia perder muito tempo fazendo uma faculdade que levaria mais 5 anos pra terminar. Então, eu resolvi fazer uma pós-graduação em Psicologia Positiva na PUC, que levaria só dois anos. Mas, quando eu acabei, eu achei que não era suficiente estudar só a felicidade. Porque a gente tem um lado sombra muito importante. E eu precisava aprender também sobre esse nosso lado. Eu sou uma dessas pessoas adeptas do lifelong learning, do aprendizado contínuo. Estudar alimenta a minha alma. 

Durante a pandemia, eu prestei vestibular e entrei sim no curso de psicologia. No meu aniversário de 59 anos, eu postei um vídeo que tem mais de 3 milhões de visualizações e mais de 12 mil comentários. Nesse post eu conto sobre uma pergunta que uma jornalista me fez uma vez. Ela me falou, o seguinte: “Você já foi bailarina clássica, modelo, apresentadora de TV e agora tá fazendo a quarta faculdade. Isso quer dizer que você não sabe o que você quer?”.

E eu respondi: “Não, muito pelo contrário, é porque eu sei o que eu quero. Mas eu quero muitas coisas. Eu tenho muitos interesses. E não é um número na minha idade nem ninguém que vão me impedir de realizar todos os meus sonhos. Se Deus quiser. Eu levei muitos anos pra me sentir confiante e livre pra fazer o que eu quiser.” 

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A autoconfiança é algo que se aprende na prática. Quando eu fui pro Japão aos 17 anos, chorando, ali eu estava ganhando autoconfiança. Quando eu voltei a estudar, divorciada e com um filho pequeno, eu estava construindo a convicção de que eu sou capaz. Quando eu me reinventei depois da televisão, eu estava reafirmando que eu acredito sim em mim mesma.

Existe um estigma de que as pessoas fazem transição de carreira porque elas não sabem o que querem. Ou porque não elas tiveram sucesso com as escolhas que fizeram. E isso não é verdade.  Eu acho que o meu post viralizou, inclusive, porque as pessoas se sentiram validadas pela minha fala, ainda mais com 59 anos. É como se elas dissessem: “Nossa, mas eu também posso?” É óbvio que você pode. Volte a estudar, se isso vai te fazer bem. Vai ler, fazer um curso. Não precisa ser uma faculdade longa como eu fiz, mas vai fazer o que te faz feliz.

A gente fica muito presa à idade. Quanto mais a gente racionaliza um número, mais a gente desanima. E eu não pensei nisso, só vou fazendo o que me deixa bem e feliz. Hoje tenho mais projetos do que quando eu tinha 18 anos.  Dou mentorias de comunicação e de transição de carreira ara mulheres, tenho uma startup de liderança feminina, sou colunista da Forbes e agora, com o fim da faculdade de Psicologia, eu vou poder ajudar ainda mais as mulheres a terem a vida que elas querem e merecem ter. 

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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.

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