O que você vai encontrar por aqui: 
  • O mundo está mais barulhento 
  • Como a poluição sonora afeta nosso bem-estar  
  • Os diferentes níveis de decibéis na vida cotidiana 
  • Os benefícios do silêncio 
  • Dicas de como criar mais silêncio em nossas vidas 
Você tem a sensação de que o mundo está mais barulhento? Pois saiba que essa não é só uma impressão sua. De fato, estamos evoluindo de forma bastante ruidosa e o barulho não só está mais alto, como ininterrupto. Ao mesmo tempo, à medida que as cidades crescem e estradas se estendem até as partes mais remotas, o silêncio se torna cada dia mais escasso no mundo. O som de serras elétricas e caminhões alcançam as profundezas da floresta amazônica. Buzinas de navios ecoam sobre o Oceano Ártico.  

Considerada a segunda maior forma de poluição, ficando atrás somente da poluição do ar, a poluição sonora está por toda parte e é capaz de causar impactos negativos importante no bem-estar de todos, humanos e não-humanos, terrestres e marinhos, ainda que muitas vezes nem nos damos conta disso. Sua intensidade é medida em decibéis (dB) e a partir de 50 dB já é possível observar alterações no organismo.   

Viver com barulhos constantes pode afetar áreas importantes do nosso cérebro, incluindo regiões ligadas à nossa capacidade de decisão. Conhecido como um importante estressor psicológico e fisiológico, pesquisas relacionam a poluição sonora a uma série de condições crônicas de saúde, incluindo baixa qualidade do sono e aumento do risco de doenças cardiovasculares.  
Isso sem falar que a exposição prolongada a sons com altos níveis de decibéis pode causar perda de audição permanente. Estima-se que mais de 1 bilhão de pessoas com idade entre 12 e 35 anos correm o risco de perder a audição por utilizarem fones de ouvido com volume alto, ou frequentarem locais que ultrapassam (as vezes muito) os níveis seguros para a audição, o que fez a OMS emitir um novo padrão internacional em 2022.  

E para além dos constantes estímulos sonoros do mundo exterior, vivemos imersos em uma contínua falação mental que também impacta nossa saúde. Nosso ruído interno pode ser tão ou mais prejudicial para nosso bem-estar, capaz de gerar tamanho desconforto que pode desencadear transtornos mentais como ansiedade e depressão. Não à toa, a prática de silenciar-se através da meditação tem sido tão estudada e já existem evidências robustas dos seus benefícios para nossa saúde como um todo.   

Assim, acreditamos que vale a pena entender um pouco mais a importância do silêncio e o que podemos fazer para cultivar este bem tão precioso em nossas vidas. Seja o silêncio exterior ou o interior, temos certeza de que quanto mais buscarmos momentos de quietude, mais bem-estar e qualidade de vida criaremos também. 
Fundo no assunto
Mundo barulhento 
 
À medida que a população global cresce, o ruído humano aumenta e alcança lugares cada vez mais longínquos. Mesmo refúgios de natureza selvagem agora recebem a interferência de barulhos humanos vindos de carros, aviões, lanchas, helicópteros ou mesmo pessoas que buscam o silêncio em parques e áreas protegidas, mas que levam consigo seus ruídos. Um estudo de 2017, realizado por pesquisadores da Colorado State University em parceria com o National Park Service, constatou que o ruído humano duplicou nos sons de fundo em 63% das áreas protegidas dos EUA. Em 21% dos parques, ele aumentou em 10 vezes, interferindo não só na própria experiência dos visitantes, como modificando o comportamento, a constituição física e comunitária da vida selvagem.  

Em grandes cidades, como São Paulo por exemplo, é possível observar este fenômeno com a cantoria cada dia mais cedo de pássaros, como o sabiá-laranjeira, o bem-te-vi e o sanhaço. A paisagem auditiva é um componente essencial de seu habitat, a partir do som eles localizam membros do grupo e encontram parceiros. Assim, para driblar a barulheira urbana e conseguir se comunicar, eles têm cantado entre 2h e 5h da madrugada.  

Mas não são só os animais que mudam seu comportamento devido a uma paisagem sonora mais barulhenta. O ruído cada vez mais alto e contínuo das cidades tem impactado nosso bem-estar físico, mental e emocional. Como te explicamos nessa matéria, estudos de fisiologia humana demonstraram os efeitos que uma onda sonora provoca em nosso corpo. O som vibra os ossos da nossa orelha, que transmite o movimento para nosso órgão sensorial de audição. Lá, a vibração se transforma em um sinal elétrico enviado ao cérebro, desencadeando uma série de respostas automáticas no corpo.  

                   

 

Todos os sons que percebemos são, na realidade, oscilações na pressão de ar que alcançam nossos tímpanos. Dependendo da intensidade com que essa vibração atinja esta membrana, ouvimos o som alto ou baixo. Para medir este volume, usamos a unidade decibel, abreviada em dB, e seu cálculo leva em consideração particularidades da audição humana. Nossos ouvidos evoluíram em um ambiente acústico bem mais silencioso do que temos atualmente e, por isso, somos capazes de distinguir claramente a diferença entre níveis sonoros baixos, enquanto nas faixas de decibéis mais elevadas, mesmo grandes diferenças de pressão sonora não são percebidas com tanta precisão. É também por isso que o volume que nos é agradável vai até 50 dB, nosso limiar de conforto está em torno dos 100dB e o da dor, a aproximadamente 120 dB.  

Um farfalhar de folhas ao vento ou computadores modernos podem chegar a 10 dB. Sussurros giram em torno de 30 dB e é o volume indicado para bibliotecas. Uma conversa alta pode alcançar até 60 dB e o trânsito em uma avenida movimentada chega a 80 dB. Sons de sirene de ambulância, avião decolando ou fogos de artifício podem ultrapassar nosso limiar de dor e até romper a membrana do tímpano se estiverem próximos demais. 
 
O ruído criado pelo homem é mais do que incômodo. Décadas de pesquisa mostram seus impactos na nossa saúde física e mental quando estamos expostos a ele por longos períodos:  

A partir de 50 dB: corpo entra em estado de alerta. Sensação de desconforto, irritabilidade e diminuição da concentração e rendimento. 

A partir de 65 dB: organismo acessa suas defesas para se adequar ao ambiente. Liberação de cortisol na corrente sanguínea, diminuição da resistência imunológica, aumento do colesterol.  

A partir de 70 dB: aumento de 20% no risco de doença cardiovascular, infecções e possíveis lesões no sistema auditivo. 

A partir de 120 dB: possibilidade de danos auditivos mesmo após uma curta exposição.  


Quanto mais altos e constantes forem os ruídos do ambiente, mais o nosso cérebro ficará em estado de alerta, mesmo quando estamos em sono profundo. Isso porque umas das regiões cerebrais ativadas pelas ondas sonoras é a amigdala, estrutura associada à formação de memória e processamento de emoções, especialmente ligadas ao medo e ansiedade.  

Essa ativação libera imediatamente cortisol, conhecido hormônio do estresse. À medida que essa condição se torna crônica, uma série de problemas se faz presente como: alterações de humor; aumento da frequência cardíaca; dor de cabeça; fadiga; irritabilidade excessiva; distúrbios do sono; distúrbios digestivos; problemas de memória e queda de rendimento; chegando ao aumento do risco de infarto, derrame, diabetes e até mesmo câncer.  

 

Em termos auditivos, a exposição prolongada ao som alto pode causar zumbidos nos ouvidos, dor, perda de audição temporária ou permanente e surdez. Para se ter uma ideia, a exposição ao excesso de barulho por mais de 4 horas ininterruptas, por 20 dias, pode resultar na perda de 3% da audição. Ainda, a permanência em espaços muito barulhentos pode causar misofonia e hiperacusia, uma condição rara de hipersensibilidade ao som. No primeiro caso essa sensibilidade é seletiva e se refere a sons específicos, que pode ser desde uma pessoa mascando um chiclete, o pisca de um carro ou mesmo um chuveiro pingando. Essa condição afeta não só o sistema auditivo, mas também o neurológico. Já no segundo caso, a sensibilidade se dá a determinadas frequências ou ao volume dos sons. Mesmo sons baixos podem se tornar extremamente desconfortáveis para quem sofre deste mal.  

Na busca por abafar tantos ruídos indesejados, muitas pessoas recorrem ao uso constante de fones de ouvido, seja com música ou ruídos coloridos (o mais conhecido é o ruido branco, mas temos também o som marrom e o rosa). Porém, mascarar os sons externos não é a solução definitiva e o uso constante de fones, e cada dia mais altos, pode prejudicar a audição a longo prazo. Além disso, pesquisas mais recentes mostram que sons que mascaram o ruído externo podem dificultar ainda mais a concentração, em vez de ajudar.  

Diante desse cenário, a poluição sonora tem sido considerada um problema de saúde pública, com uma previsão de que até 2050, 25% da população mundial – quase 2 bilhões de pessoas – terá algum nível de perda auditiva, segundo a OMS. A Agência Europeia do Ambiente atribuiu à exposição prolongada a ruídos acima dos limites toleráveis cerca de 18 mil mortes, 80 mil internações e 900 mil casos de pressão alta por ano.  

                        


Por isso, a OMS lançou, em 2022, a campanha “To hear for life, listen with care!” (“Para ouvir por toda a vida, ouça com cuidado!”, em tradução livre), emitindo um novo padrão internacional para audição segura em locais e eventos. Entre as recomendações estão: nível sonoro máximo a 100 decibéis, disponibilização de protetores auditivos individuais e zonas de silêncio para as pessoas descansarem os ouvidos.  

E na falta de um sonômetro (aparelho que mede os níveis de decibéis), para saber o quanto estamos expostos a um volume prejudicial de ruído, o conselho é simples: se você precisar aumentar o volume da sua voz para ser ouvido, provavelmente o som ambiente esteja acima do limite ideal.  


Se por um lado o ruído aperta o botão de alerta, o silêncio é profundamente reparador. Ele tem o potencial de reduzir consideravelmente a frequência cardíaca, ajudar no controle da pressão arterial e liberar a tensão no cérebro e no corpo. Ainda, aumenta nossa capacidade de reter informações, auxilia o raciocínio para resolução de problemas e potencializa a concentração e criatividade. O silêncio exterior ajuda a estar mais consciente do momento presente e traz paz interior. 

O efeito calmante do silêncio em nosso cérebro foi, inclusive, descoberto por mera coincidência, como te contamos aqui. Enquanto pesquisava os efeitos de diferentes tipos de música nos sistemas cardiovascular e respiratório, o médico e pesquisador Luciano Bernardi viu que era na pausa de dois minutos entre uma música e outra que os indicadores de relaxamento humano disparavam. Seu estudo, publicado na revista Heart, propõe que o efeito positivo do silêncio funciona por contraste.  

Um outro estudo, realizado pela cardiologista e neurologista Imke Kirste, intitulado Is Silence Golden? (O Silêncio é de ouro?) e publicado em 2013, mostrou que duas horas de silêncio por dia é capaz de ativar a região do hipocampo e promover a neurogênese (nascimento de novos neurônios e que te explicamos mais nesse tema da vez sobre neuroplasticidade) em camundongos.  

                      


O neurologista Pablo Irimia aponta para outra evidência incontestável do silêncio: ele predispõe aos benefícios de uma vida reflexiva. “O pensamento profundo e meditado gera novas conexões entre os neurônios. Ou seja, uma vida intelectual ativa, que exige concentração e, portanto, silêncio, desempenha um papel protetor em distúrbios neuronais”, afirmou para o El País. Ele afirma que essa busca não significa se isolar completamente, mas dar uma atenção especial para a calma, buscando uma rotina pouco barulhenta e pontuada por momentos de quietude.  
O que dizem por aí
Shiiiiiiuuuuuu 


                                   


A busca pelo silêncio tem uma longa trajetória. Desde que as pessoas passaram a viver mais perto umas das outras, elas reclamam do barulho do vizinho e anseiam pela quietude. Já no século 20, leis de proteção ao silêncio foram instituídas e organizações antirruídos surgiram no mundo todo. Mais recentemente, radares de barulho foram instalados em seis cidades na França, e veículos que ultrapassem 85 decibéis podem ser multados em  € 135 euros.  

O mercado também olhou para esta crescente demanda e cada dia lança um novo produto com a promessa da tão sonhada tranquilidade. De fones de ouvido com cancelamento de ruído, carros com tecnologia de isolamento acústico, como o Cadillac CTS, passando por mini-robôs capazes de criar um “enxame acústico”  e separar as diferentes conversas em um mesmo ambiente, o silêncio tem se tornado artigo de luxo. 
A demanda por experiências mais calmas e silenciosas também tem impulsionado o turismo para lugares mais remotos. A Finlândia, inclusive, promove o silêncio como um de seus bens naturais mais preciosos, na busca por atrair visitantes. Em 2012 inaugurou a Capela do Silêncio, um templo não religioso com isolamento acústico e existem vários programas de retiros silenciosos na Lapônia. 


Como afirmou o ativista do silêncio e vencedor do Emmy, Gordon Hempton, para a revista Gama, “o silêncio não é a ausência de som, mas uma presença, aquilo que se escuta quando cessam os ruídos e barulhos gerados pelo ser humano”. Mas, mesmo que você se retire para os recônditos escondidos dessa terra, o silêncio começa, antes de tudo, dentro de cada um de nós.  

Erling Kagge, explorador e escritor norueguês que passou 50 dias caminhando sozinho pela Antártida, pode dizer isso com propriedade. Autor do livro “Silêncio na era do ruído”, retornou de sua aventura com reflexões importantes sobre o valor do silêncio e assegura que sua maior proeza não foi ir ao polo Sul, mas  “saber encontrar o silêncio na vida cotidiana”. Em entrevista para a National Geographic, afirmou que a chave não é evitar o ruido exterior, mas encontrar a quietude interior capaz de neutralizar todo ruído que nos perturba.   

                  


Porém, aquietar-se em um mundo de estímulos constantes não é uma tarefa fácil. Exige dedicação e comprometimento, já que nossa própria mente tem uma natureza extremamente ruidosa. Sem dúvida, a meditação é uma poderosa ferramenta para nos auxiliar nessa busca e seus benefícios já foram estudados em universidades renomadas como Harvard e Stanford, nos Estados Unidos. 

A prática reduz o estresse e a ansiedade, melhora o sono, aumenta o foco, retarda o envelhecimento cognitivo, ou seja, é exatamente o antídoto para os males de um mundo barulhento. Ainda, a meditação é tão potente que mesmo 10 minutos por dia já são suficientes para obter seus benefícios e nessa matéria te ensinamos 3 passos simples para transformá-la em um hábito diário.  
O silêncio é ouro 

               
     
 
Existimos em meio ao barulho acústico, visual e mental do mundo moderno. Não só somos o tempo todo convidados a permanecer nessa cacofonia da vida, mas muitas vezes, buscamos por ela. Sim, queremos a quietude e ao mesmo tempo temos certa vertigem da ausência de som. Por isso deixamos a televisão ligada mesmo sem ter ninguém assistindo, preenchemos o vazio nos conectando constantemente nas redes sociais ou apagamos qualquer sinal de silêncio com uma música que combine com a trilha sonora de nosso cotidiano. É verdade que somos perturbados com os ruídos dos outros, mas temos pavor de nosso próprio silêncio.  

Evitar esse vazio é bem humano. A quietude nos convida a entrar em contato com nossos pensamentos e emoções e nem sempre estamos prontos para isso. Porém, o silêncio é capaz de nos transformar, e seus defensores afirmam que é quando experimentamos sua força que nos damos conta de seu valor. Ele é, sem dúvida, a chave para uma vida plena.  

Ao mesmo tempo, vimos como o barulho indesejado aciona nosso mecanismo de defesa, criando tensões desnecessárias e com consequências importantes para nosso bem-estar. Por isso, acreditamos que vale a pena adotar um estilo de vida menos ruidoso e deixamos aqui algumas dicas de como cultivar mais silêncio em seu dia a dia:

Quer saber mais? Separamos alguns conteúdos que podem te ajudar
a fazer um mergulho ainda mais profundo, não deixe de conferir!

Podcast: A poluição sonora afeta muito a qualidade de vida - Gama 



Filme: O som do silêncio - Prime