O que você vai encontrar por aqui: 
  • Os riscos da automedicação 
  • Automedicação versus autoprescrição 
  • As superbactérias 
  • A febre do Ozempic 
  • Dicas de segurança quando se automedicar
O que você faz quando está doente?  

Uma resposta esperada seria: “procuro um médico para informar meus sintomas e receber orientações de tratamento”. Porém, mais comum do que se imagina, uma parcela importante da população toma remédios com base em tudo, menos em um profissional de saúde qualificado.  

Mas, que atire a primeira pedra quem nunca acordou com uma dor de cabeça e tomou um analgésico, sentiu uma azia e recorreu ao antiácido ou mesmo tratou uma febre somente com um antitérmico, sem consultar um médico. Não tem nada de errado com isso, desde que feito de forma responsável. A automedicação é uma prática comum, considerada, em certa medida, uma forma de autocuidado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e que evita um colapso do sistema público de saúde pelo atendimento de casos transitórios.   
O problema é quando ela é feita de forma imprudente, podendo levar a dependência, mascarar sintomas de doenças mais graves e até sendo confundida com a autoprescrição, que é quando a pessoa toma remédios tarjados (vermelho ou preto) sem orientação médica – prática altamente perigosa e desaconselhada. Além disso, existem muitos riscos de interações medicamentosas que as pessoas têm pouco ou nenhum conhecimento. Algumas combinações podem alterar o efeito de determinados remédios, provocar alergias, ou pior, causar uma intoxicação tão grave a ponto de levar o indivíduo a óbito.  

Outro problema que tem preocupado autoridades é o aumento das superbactérias, hoje considerada umas das 10 maiores ameaças à saúde pública mundial pela OMS. O uso indiscriminado de medicamentos é um dos fatores que tem contribuído para este cenário, assim como o uso excessivo de antibióticos pela população e, especialmente, pela pecuária extensiva.  

Assim, acreditamos que vale a pena entender os riscos da automedicação e como criar uma relação de respeito e cuidado com os remédios. Sem dúvida, eles estão a nossa disposição para auxiliar na saúde, mas como diz a celebre frase de Paracelso: “a diferença entre o veneno e o remédio está na dose”. Portanto, saber quando, porque e como utilizá-los é um ato em benefício não só a si mesmo, mas a toda a humanidade.  
Fundo no assunto
A cultura da automedicação 
 
A automedicação é conceituada como “a prática de ingerir substâncias de ação medicamentosa sem o aconselhamento e/ou acompanhamento de um profissional de saúde qualificado”. Para muitos, a dificuldade e o custo de se conseguir uma opinião médica, o desconforto desencadeado por determinados sintomas ou o medo de um possível agravamento e adoecimento, tornam a ida à farmácia em busca de medicamentos sem receita médica a primeira opção de tratamento para as mais variadas condições de saúde.   

Ao mesmo tempo, a propaganda massiva da indústria farmacêutica em contraste com as tímidas campanhas de conscientização dos riscos da automedicação, contribuem para uma cultura que tem a internet, o “boca a boca” e a "farmacinha” em casa como principais aliados nas tomadas de decisão a respeito da saúde. Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade revelou que o número de pessoas com 16 anos ou mais que tomam remédios por conta própria no Brasil chegou a quase 90% em 2022. Ela também mostrou um uso cada vez mais frequente da internet não só para entender os sintomas (51% das pessoas), como para encontrar qual remédio deveriam comprar na farmácia (47% das pessoas).  

               


É verdade que um certo grau de automedicação pode ser benéfico não só para o indivíduo, tratando com mais rapidez enfermidades leves de fácil diagnóstico, mas para toda a população ao reduzir a pressão sobre o Sistema Nacional de Saúde. Nesses casos, o farmacêutico tem um papel chave na orientação do uso racional de medicamentos isentos de prescrição. Esse profissional possui um conhecimento que o permite indicar, desaconselhar e informar o paciente sobre os aspectos de cada remédio.   

Porém, cada dia mais as pessoas fazem o uso de medicamentos de forma equivocada. "A pessoa que não tem informação técnica lê um texto sobre um determinado assunto e a tendência de ela entender aquilo de maneira inadequada e seguir as instruções de maneira inadequada é muito grande. A gente estuda anos para tentar dominar isso e tem dificuldade, mesmo sendo médico, imagina quem não tem nenhuma informação”, alerta Tarso Mosci, membro da Sociedade Brasileira de Geriatria. Ainda, dados da OMS mostram que mais de 50% de todos os medicamentos receitados são dispensáveis ou vendidos de forma inadequada.  


A utilização indevida de fármacos, mesmo os mais comuns, pode desencadear uma série de danos à saúde do indivíduo. Segundo estimativas feita pela Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas (Abifarma), cerca de 20 mil pessoas morrem por ano no Brasil em consequência da automedicação. Isso porque o uso indiscriminado de qualquer medicamento pode causar reações alérgicas, dependência, mascarar doenças graves e provocar uma intoxicação, que é hoje uma das principais causas de morte por medicamento no Brasil.  

Ainda, a interação medicamentosa chegou a levar 1,7 milhão de brasileiros a procurarem atendimento ambulatorial em 2022. “A questão do acúmulo de medicamentos acontece devido a alguns deles influenciarem as enzimas hepáticas que metabolizam outros remédios, causando concentrações anormais no organismo; potenciais reações alérgicas; riscos cardiovasculares; problemas no sistema nervoso central, gerando sedação excessiva e confusão mental; desenvolvimento de resistência a certos tratamentos, especialmente em casos de antibióticos e antivirais; e em casos mais graves, riscos de morte”, alerta Simone de Paula Pessoa Lima, a médica geriatra da Saúde no Lar. 

                 


Dentre os riscos da automedicação, também vale citar: o consumo de medicamentos fora do prazo de validade (alguns medicamentos se tornam tóxicos com o passar do tempo); tomar uma dosagem incorreta (o que pode não resolver o problema e/ou levar a uma sobrecarga do organismo) e o uso de medicamentos tarjados sem orientação. Essa prática é conhecida como autoprescrição e é altamente perigosa para a saúde, como exemplificou Dráuzio Varella neste breve vídeo em que fala sobre o uso prolongado de corticoides e o abuso dos antibióticos. 

Listamos a seguir algumas combinações medicamentosas que podem ter um efeito negativo no corpo, compartilhada no portal O Tempo:  

O antibiótico é uma classe de medicamentos que busca eliminar ou impedir a multiplicação de bactérias no organismo. Ele é utilizado no tratamento de infecções bacterianas, não tendo nenhuma eficácia contra infecções virais. Seu uso exagerado e, muitas vezes, feito de forma inapropriada, causa uma série de problemas tanto a nível individual como coletivo.  

Como comentamos nesse Tema da Vez sobre microbiota, somos habitados por milhões de micro-organismos (bactérias em sua maioria, mas também fungos, vírus e arqueias) que realizam uma série de tarefas para dar suporte e manter a saúde do nosso corpo. Ao tomar um antibiótico, eliminamos não só bactérias patógenas, mas uma boa parte das bactérias benéficas também. A redução drástica tanto no número como na diversidade da nossa microbiota tem sido associada à ascensão das doenças crônicas do século XXI.   

Ao mesmo tempo, o uso recorrente de antibióticos tem gerado mutações em bactérias, tornando-as mais resistentes ao efeito desses medicamentos. Durante a pandemia, o aumento de internações em hospitais e do uso de antibióticos agravou ainda mais o problema, triplicando o número de superbactérias detectadas pelos laboratórios. Atualmente, estima-se que 700 mil pessoas morram todos os anos de infecções causadas por elas. De acordo com a OMS, até 2050 o número pode chegar a superar as mortes causadas por câncer.  

                


O caminho para driblar as superbactérias passa pelo uso consciente de antibióticos e requer a atuação de diversos atores, que vão desde a população em geral até profissionais da saúde e indústria farmacêutica. Ainda vivemos no Brasil uma “cultura do antibiótico”, em que tanto pacientes esperam receber este medicamento, como médicos banalizam sua prescrição. É preciso reduzir seu uso para casos mais graves, e não para tratar qualquer sintoma como muitas vezes acontece. Assim, vale seguir as recomendações do Ministério da Saúde do Reino Unido: mais descanso e menos antibióticos.  
O que dizem por aí
O fenômeno Ozempic 


       


E como falar de automedicação sem citar o mais novo fenômeno global: a canetinha azul. O Ozempic, remédio inicialmente formulado para o tratamento de diabetes tipo 2, logo passou a ser prescrito também para o tratamento da obesidade (com uma nova dosagem e sob o nome de Wegovy) devido a um efeito colateral bastante interessante: a perda acentuada de peso. Um de seus ativos é a semaglutida, que atua no sistema nervoso central responsável pela regulação do apetite e retarda o esvaziamento do estômago, gerando uma sensação de saciedade por períodos prolongados, o que leva a uma redução na ingestão de alimentos. O remédio ainda estimula a liberação de insulina pelo pâncreas, retirando o açúcar da corrente sanguínea e enviando para as células, onde será usado como fonte de energia.  

Com isso, o Ozempic atraiu a atenção de uma enorme parcela da população que deseja perder peso rápido (quem nunca), mesmo que apenas alguns poucos quilos. Seu uso off label (ou seja, fora da recomendação da bula) passou a ser amplamente divulgado em redes sociais por celebridades, influenciadores digitais e todos aqueles que orgulhosamente mostravam seu resultado “milagroso” por aí. E assim, a injeção semanal para tratar diabetes e obesidade transpôs fronteiras e receituários médicos, provocando uma ebulição tão grande no mercado que seu laboratório, a Novo Nordisk, ganhou o posto de mais valioso da Europa, engordou o PIB da Dinamarca e movimentou as drogarias a ponto de causar desabastecimento.  


O sucesso da canetinha não veio isento de polêmica. Sem dúvida seus benefícios são inegáveis, porém seu uso fora da bula e sem acompanhamento médico tem gerado preocupação. Sua venda sem a necessidade de receita facilita que uma enorme parcela da população se automedique sem orientação adequada, muitas vezes motivados por questões puramente estéticas. 

           


Não há estudos sobre os impactos do uso prolongado da medicação em pessoas saudáveis que só querem perder alguns quilos, assim como nenhuma garantia da manutenção do peso uma vez interrompido seu uso. Por outro lado, náuseas, dores de cabeça, constipação, vômitos, dores abdominais, cansaço, mal hálito e até complicações mais sérias como pancreatite, cálculos na vesícula biliar e tireoide, são alguns dos efeitos colaterais associados ao Ozempic que não devem ser negligenciados. Recentemente, tem sido investigado sua relação com alterações importantes de humor, depressão e até pensamentos suicidas.  

Outro efeito desagradável tem se popularizado nas redes pela expressão “face de Ozempic”. Ela se refere ao aspecto flácido e “caído” no rosto de pessoas que emagreceram de forma acelerada após o uso do medicamento. A perda rápida de peso (e isso pode acontecer com ou sem o uso de um medicamento) leva a uma redução das camadas de gordura do rosto, que lhe dão sustentação, assim como perda de colágeno e musculatura. Além da face, as pessoas também começaram a relatar o mesmo efeito nos dedos e no bumbum, levando muitos a um círculo vicioso de procedimentos estéticos na busca pelo corpo perfeito.  

Assim, fique sempre atento a qualquer promessa milagrosa sobre perda de peso. O caminho para um corpo saudável sempre foi a construção sólida de hábitos que favorecem a saúde física e mental. Alimentação adequada, atividade física, sono de qualidade e controle do estresse segue sendo a receita mais segura para alcançar este desejo. 
“Sofro, logo me medico” 

     

 
O título sugestivo desse estudo, publicado na revista de Psicologia Id on Line,  nos faz refletir sobre um comportamento cada dia mais comum em nossa sociedade: a medicalização da vida como enfrentamento do mal-estar. Faz parte de nossa natureza buscar soluções para o desconforto físico, mental e emocional. Mas, quanto estamos fazendo dos fármacos a resposta para tudo o que nos aflige? Será que nossa relação com os medicamentos está saudável ou estamos abusando de substâncias que deveriam ser usadas para recuperar nossa saúde, quando nossos recursos internos não são suficientes? 

Os medicamentos são grandes aliados, porém devem ser respeitados e sempre utilizados com muita cautela. Toda e qualquer substância tem um impacto no organismo e pode alterar o equilíbrio dinâmico do seu ser. E se tudo está conectado, como falamos nessa matéria, tudo o que você fizer ao seu corpo irá afetar sua mente, se desdobrar em emoções e criar um efeito cascata nos outros pilares de sua vida. Assim, deixamos aqui algumas dicas de segurança para os momentos em que você sentir a necessidade de tomar um medicamento sem prescrição de forma responsável e cuidadosa, sugeridas pela Dra. Marli Sileci:  


Quer saber mais? Separamos alguns conteúdos que podem te ajudar
a fazer um mergulho ainda mais profundo, não deixe de conferir!

Podcast: # 930 – Ozempic – a caneta do emagrecimento – O Assunto



Série: Dr. House – Netflix, Prime e Globoplay