Você também tem a sensação de que agosto é um mês interminável? 

Chegamos naquele momento do ano em que chove memes na internet lamentando a demora da passagem do tempo. Onde as horas parecem ser mais longas, os dias arrastados e, em um mês normal, passam-se anos. Repleto de curiosidades, lendas e datas históricas, o mês “mais longo do ano” nos faz refletir sobre esta curiosa relação entre o tempo do relógio e o tempo mental. Afinal, quem nunca teve a sensação de um período demorar demais para passar ou acabar em um piscar de olhos? 

Nossa percepção do tempo é, sem dúvida, uma das coisas mais intrigantes do cérebro, sendo inclusive considerado o seu “código oculto”. É um elemento fundamental da consciência humana, moldando nosso próprio senso de identidade a partir de uma percepção em looping, que conecta memórias do passado, sensações presentes e expectativas sobre o futuro. Estudos mostram que a forma que o cérebro registra a passagem do tempo é totalmente flexível e individual, levando em consideração nossas emoções, expectativas, idade, sentidos, a atenção dedicada a determinada atividade e até mesmo a temperatura do ambiente! 


Existem uma série de teorias que tentam explicar este fenômeno e alguns estudiosos acreditam que, quanto mais compreendermos a forma que nossa mente percebe o tempo, mais capazes seremos de manipulá-lo a nosso favor. E esse pode ser um caminho para gerar muito bem-estar, já que muitas vezes temos a sensação de que a vida está passando rápido, o que pode gerar frustração e ansiedade. 

Assim, acreditamos que vale a pena conhecer um pouco mais sobre esse misterioso mecanismo e como podemos incluir estratégias em nosso dia a dia para expandir um elemento tão essencial a vida: o tempo. Afinal, quem não gostaria de controlá-lo ou, no mínimo, aproveitá-lo ao máximo? 

Fundo no assunto
O cérebro é uma máquina do tempo

Você com certeza já viveu experiências em que estava completamente absorvido por uma atividade e nem viu o tempo passar ou sentiu um certo nervosismo quando o relógio simplesmente não se movia, esperando por uma notícia importante. Já deve também ter observado que conforme envelhece, os anos parecem encurtar-se, enquanto na infância o Natal parecia não chegar nunca.

Nossa obsessão pelo tema é antiga e, apesar de muitos estudos, o tempo segue sendo uma entidade misteriosa. Talvez porque definir sua natureza é extremamente difícil e nosso cérebro busque criar analogias de espaço para compreendê-lo. Assim, o tratamos como um objeto em movimento, pois nossos sentidos não conseguem captá-lo e ele acaba sendo percebido de forma subliminar a partir da mudança do estado das coisas. É por isso que pesquisadores, como o neurocientista David Eagleman, afirmam que o tempo é, na verdade, uma construção psicológica

Para Dean Buonomano, autor do livro Your brain is a time machine: the neuroscience and physics of time (“Seu cérebro é uma máquina do tempo – a neurociência e a física do tempo”, em tradução livre), para compreender a mente humana é preciso, necessariamente, entender como o cérebro conta, percebe e representa as etapas para ele, nossa capacidade de pensar sobre o passado para prever o futuro torna o cérebro uma verdadeira máquina do tempo, possuindo vários relógios capazes de contar os ciclos em diferentes escalas e encontrar padrões que nos informam o que acontece dentro e fora de nós. 


Primeiramente, é preciso entender que existem três tempos diferentes: o objetivo (aquele do relógio), o subjetivo (baseado no ritmo de cada cérebro) e o eterno presente. Mas, é impossível separá-los quando tentamos assimilar nossa experiência de realidade. Existem algumas teorias que buscam explicar porque o tempo é percebido de forma tão maleável, e nenhuma chegou a uma resposta absoluta. Por isso, acabam se mesclando para formular explicações mais robustas, que explicaremos mais a seguir.



Uma das teorias do porquê o cérebro pode esticar ou encolher o tempo está relacionada a uma necessidade desse órgão: compilar todos os sinais que chegam por meio dos sentidos e transformá-los em uma história final antes de enviar para nossa consciência. Esse processo não é imediato, mas sim, demorado. Portanto, quanto mais informações são processadas, mais longo o evento parece durar

Essa teoria nos ajuda a entender porque novas experiências nos dão a sensação durarem mais (já que estão repletas de novas informações a serem processadas) e dias rotineiros passam como um flash. Também explica porque à medida que envelhecemos, temos a sensação de que tudo passa mais rápido. Conforme os anos avançam, tendemos a fazer menos coisas novas. O mundo se torna cada dia mais familiar para o cérebro, que acaba processando tais informações com mais rapidez e armazenando menos memórias.




Essa teoria fala sobre possuirmos um suposto relógio interno, responsável por medir a duração real dos eventos e compará-los com nossas expectativas. De acordo com essa hipótese, quando a duração real é diferente da esperada, o cérebro ajusta sua percepção temporal, seja acelerando-a ou diminuindo-a. A atenção e a memória também são consideradas fatores que impactam no processo, e eventos que recebem mais atenção tendem a ser lembrados como mais duradouros do que os que não prestamos atenção.

                     

Do ponto de vista neurobiológico, estudos buscam localizar as áreas cerebrais responsáveis pelo relógio interno e propõem que a percepção temporal depende da interação entre as estruturas ligadas a ele e as envolvidas em uma atividade específica. Aqui, também encontraremos explicações para nossa percepção de encolhimento do tempo com o passar dos anos, já que o envelhecimento causa mudanças na produção de substâncias neurotransmissoras que controlam esse relógio interno, assim como uma diminuição na quantidade de sinais captados pelos sentidos.



Pesquisas mostram que as emoções influenciam de forma significativa nossa percepção do tempo. Uma série de estudos conduzidos na Universidade do Alabama demonstrou que, ao nos aproximarmos de uma atividade ou evento com motivação elevada e empolgação, o período parece encurtar, pois esses sentimentos focam nossa atenção e reduzem pensamentos e sentimentos irrelevantes. Eles ainda são a porta de entrada para o famoso estado de flow, termo cunhado pelo psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi para descrever um estado mental que ocorre quando ficamos totalmente imersos em uma atividade que gostamos, de tal modo que você não vê o relógio andar.

Outras emoções positivas podem ter o efeito contrário. Pesquisadores das Universidades de Stanford e de Minnesota sugerem que o sentimento de admiração e deslumbramento tornam o tempo mais longo. Participantes dos estudos conduzidos por eles relatam se sentirem mais “no momento presente” nestas situações.

Mas não são só as emoções positivas que alteram a passagem do tempo. O medo, uma das emoções mais estudadas nessa relação, é o que mais impacta nesse mecanismo. Ao nos sentirmos ameaçados, a região da amígdala (nosso centro de controle em situações de emergência) é ativada e nossa memória é armazenada de forma diferente. Com isso, o cérebro desacelera, nos dando uma sensação do evento estar ocorrendo em “câmera lenta” para nos preparar para agir o mais rápido possível.


O que dizem por aí
Estou sem tempo!


Como vimos, nossa percepção do tempo é totalmente variável, mas ainda que seja uma experiência múltipla e individual, a sensação de que falta para fazer tudo aquilo que precisamos e gostaríamos tem sido cada vez mais comum entre nós. Abarrotados de atividades e demandas, vemos o dia esvair-se em meio a rotina, restando pouco (ou nenhum) momento para o lazer. 

A tecnologia tem nos permitido fazer mais coisas em menos minutos, nos dando uma falsa sensação de que podemos aproveitar mais nossos dias. Porém, a “infoxicação” (o excesso de informação que recebemos diariamente por meio de dispositivos eletrônicos) pode nos superestimular e minar nossa capacidade de atenção, fazendo com que estejamos em tudo e em nada simultaneamente.

Já comentamos neste Tema da Vez que passamos longos períodos conectados no celular (uma média de 5 horas diárias) e não seria exagero estimar que boa parte desta navegação acontece em redes sociais. Isso porque elas são altamente viciantes, liberando pequenas doses de dopamina em troca da nossa atenção. Porém, essa atividade pode ser a porta de entrada para um hábito bastante prejudicial, o doom scrolling, que explicamos nesta matéria

Ainda, o desaparecimento dos limites entre trabalho e vida social nos deixou com a sensação de estarmos mais ocupados hoje do que nunca. A pandemia agravou ainda mais essa situação e, como colocou a professora Martha Hübner, do Instituto de Psicologia da USP, para a revista Gama, “a noção de tempo mudou. Está mais confusa, ilógica, menos unânime. Em geral, a pessoa trabalha mais, se cansa mais, vive menos e, no fim do dia, não percebe que não fez nada daquilo que queria.”


Mas nossa sensação de falta de tempo não é nova.  Cristina Benito, economista e autora do livro Time mindfulness, afirma que a falta de tempo está relacionada à forma como gerenciamos nossa agenda, tanto no trabalho como nas horas livres, em que tendemos a preencher todas as nossas horas disponíveis com algum compromisso. 


Benito aponta três motivos principais para este comportamento. O primeiro é uma fixação equivocada pela produtividade, a partir da ideia de que o “cheio” agrega valor. Pessoas muito ocupadas e inacessíveis acabam ganhando um status superior, onde seu tempo se torna valioso. O segundo motivo é uma obrigação autoimposta de agradar os outros. Assim, preenchemos os vazios de nossas agendas com solicitações de outrem , muitas vezes por medo de perder sua consideração. E por fim, o medo de se encontrar consigo mesmo. Uma agenda cheia preenche nosso espaço mental e evita perguntas existenciais incômodas. Estarmos ocupados, até mesmo com as redes sociais, é a desculpa perfeita para não pensar.

Porém, “ainda que pensemos que correndo e ocupados estamos fazendo muito mais e sendo mais virtuosos, a ciência do comportamento descobriu que a escassez de tempo cria um fenômeno chamado túnel”, diz Brigid Schulte, autora do livro Sobrecarregados: trabalho, amor e lazer quando ninguém tem tempo, e diretora do laboratório Better Life Lab at New America. Isso significa que nossa visão se estreita e não conseguimos ver o todo, dificultando tomadas de decisões acertadas, gerando sentimentos de confusão e frustração. 


 “Somos o tempo que nos resta”


Já cantava Caetano Veloso, em sua Oração ao Tempo, a beleza deste Senhor tão bonito. Sempre soberano, nos dá esperança de dias melhores e cura qualquer ferida quando tudo o mais falhou. Das diferentes dimensões do tempo, é no presente que se encontra a fonte primária de felicidade. A atenção é o seu freio, quando passa por nossa vida com toda velocidade. Para esticá-lo, busque o novo. Para fazê-lo desaparecer, mergulhe com toda sua energia e interesse em uma atividade. E, principalmente, tome seu tempo para os pequenos prazeres da vida.

Para finalizar, deixamos algumas dicas para que você estabeleça uma boa relação com o tempo e possa aproveitá-lo mais e melhor: