Quais são suas memórias de criança? Acredita que teve uma infância feliz? Sente que algumas dores dessa fase ainda persistem com o tempo? Todos nós, sem dúvida alguma, carregamos internamente a criança que um dia fomos. Quando voltamos para dentro, podemos ainda ouvir as vozes que ecoam desse momento de nossas vidas e sentir o quão profundas são as marcas das experiências vividas. Isso porque a infância é a fase em que grande parte das nossas crenças e formas de se relacionar e lidar com o mundo são estabelecidas.  

Como adultos, entrar em contato com as memórias dessa fase pode não só nos ajudar a compreender melhor a nós mesmos, mas também, a estabelecer relações mais saudáveis com as crianças que fazem parte de nossas vidas. Seja com nossos filhos, sobrinhos, netos, alunos, ou até desconhecidos: todo encontro entre um adulto e uma criança é um encontro potencialmente educador e passível de deixar marcas positivas ou negativas nos pequenos. 


Como mães e pais, a responsabilidade se torna ainda maior e o desafio, por vezes, herculano. No processo da criação, é comum reagirmos às situações difíceis no piloto automático, nos conectando, muitas vezes de forma inconsciente, com sentimentos vivenciados em uma situação similar da nossa própria infância - e que pode nos levar a repetir a conduta de nossos pais. A partir desse entendimento, surge o movimento da parentalidade consciente, que propõe que o caminho para educar nossos filhos de forma saudável passa por cuidar primeiro da nossa própria criança interna, acolhendo suas dores e necessidades, para então atuar de forma mais amorosa e assertiva com nossos filhotes.    

No mês que celebramos as crianças, acreditamos que vale a pena revisitar esse momento tão precioso da nossa vida e compreender sua importância. Esperamos com isso te ajudar a cuidar com carinho da sua criança interior, assim como das que te rodeiam. Não temos dúvida de que este movimento te trará muita felicidade e bem-estar, afinal, a criança tem muito a nos ensinar sobre a alegria do bem viver. 

Fundo no assunto
Infância: a fase mais importante da nossa existência

Talvez esta informação possa soar um pouco angustiante, mas os primeiros anos da infância podem determinar o resto das nossas vidas. Angustiante por ser um período em que somos totalmente vulneráveis e dependentes de outro ser humano, tendo zero controle de como seremos tratados, cuidados e acolhidos. Essa vulnerabilidade nos torna especialmente sensíveis aos acontecimentos e deixam marcas tão profundas em nossa psique que chegam a moldar a própria arquitetura do cérebro.  

Esse período é tão importante que estudiosos acreditam que a personalidade começa a ser moldada já na gestação. A Psicologia Pré e Perinatal afirma que todo feto possui a capacidade de transformar experiências em memórias, que ficam arquivadas na mente inconsciente e terão influência sobre sua personalidade, conduta e comportamento para toda a vida. E como explicamos nesta matéria, quanto mais vulnerável, maior o impacto de situações estressantes e traumáticas no psiquismo da criança. 

Adriano Calhau, especialista em Psicologia Perinatal e criador do Mapa do Nascimento, afirma que “até recentemente, a maioria dos psicólogos concordavam que, antes dos três anos de idade, a experiência tinha uma influência limitada sobre a inteligência, as emoções e a estrutura do cérebro. Porém, as últimas descobertas da neurociência provam que essas ideias são incorretas. O cérebro é sensível à experiência ao longo de toda a vida, mas são as experiências tidas durante os períodos críticos da vida pré-natal e imediatamente seguinte ao parto que organizam o cérebro”. 



E se essa fase é tão crucial no desenvolvimento da nossa psique, é importante entendermos o que precisamos fazer para criar um ambiente adequado para que a infância possa ser vivida em plenitude. Como colocou Cecília Antipoff, psicóloga e educadora parental em disciplina positiva, neste Ted Talk, “criança e infância não são palavras sinônimas e nem sempre caminham juntas”. Ela explica que, cada vez mais, a infância tem sido “invadida” por uma agenda lotada de atividades, tarefas e cobranças de desempenho, roubando das crianças seu bem mais precioso: o tempo livre para criar, inventar, explorar, imaginar e experimentar. 



“Todo bebe nasce com o potencial positivo para crescer e se desenvolver de uma forma madura e positiva do ponto de vista físico, emocional, social e cognitivo. Ele tem uma tendência à autorrealização”, diz. Para isso, é preciso dar a ela as condições que, quando aliadas às suas características inatas, o tornará um ser humano feliz, seguro, autoconfiante, resiliente, flexível, criativo e pró-ativo, que irá cuidar de si e do mundo do qual ele faz parte. Para ajudar a compreender que condições são essas, Cecília propõe algumas fórmulas matemáticas que ilustram muitas das questões cotidianas vividas na criação dos filhos.


Esta fórmula mostra que toda vez que um adulto cria uma expectativa com relação a uma criança, seja em como será seu temperamento, seu físico, seu desenvolvimento e aprendizagem, a chance deste adulto se frustrar duplamente e sentir raiva é quase certa. E aqui ela deixa uma chave importante: a compreensão de que “nossos filhos não serão quem nós esperamos que eles sejam, eles serão quem eles são”. Toda criança que se sente verdadeiramente aceita de uma forma positiva e incondicional crescerá feliz e segura sendo ela mesma, e esse é o caminho certo para a auto-aceitação, uma das grandes chaves para o bem-estar que muitos de nós passamos uma vida para conquistar. 

                       

Cecília demonstra com esta fórmula matemática o quanto nossas crianças são sensíveis e capazes de captar (ainda que de forma inconsciente) a energia e o humor dos adultos, respondendo prontamente a tal situação pelo comportamento. Assim, muitas vezes o comportamento desafiador de uma criança está refletindo o estado emocional e mental do adulto e o quanto este adulto está verdadeiramente disponível para simplesmente estar presente com esta criança. O caminho saudável, portanto, é a inversão da fórmula. Ou seja, quanto maior a disponibilidade física e emocional para seu filho, menor será a quantidade de choro, birra e conflitos em casa.  

                     

O uso abusivo de telas é, sem dúvida, um grande desafio dos tempos modernos. Mesmo nós, adultos, passamos horas demais conectados nos smartphones e sentimos as consequências formuladas nesta equação. As telas afetam a quantidade e qualidade do sono, reduzem nossa disponibilidade para realização de tarefas cotidianas e nos isolam socialmente, afetando nossas relações. Porém, as crianças - que estão em plena fase de desenvolvimento físico, emocional e cognitivo - são especialmente sensíveis a essa dinâmica tóxica e, como comentamos nessa matéria, é preciso estabelecer alguns limites de tempo de exposição de acordo com a idade.  

Cecilia alerta para o lugar que as telas e tecnologias têm ocupado na vida de crianças e adolescentes. Segundo ela, toda criança busca se sentir amada, aceita, pertencente e importante em tudo o que faz. Na ausência de pessoas que possam lhe proporcionar isso, as tecnologias (ao atuarem na área de prazer do cérebro) irão ocupar este espaço de forma potente. E se para um cérebro adulto o mundo virtual já é altamente viciante, imagina o quão vulnerável é um cérebro ainda em desenvolvimento para os prazeres imediatos que a tecnologia proporciona. 

        

O primeiro elemento dessa equação é sem dúvida uma grande chave para a saúde e a longevidade: relações de qualidade e intimidade, como já falamos em nosso portal. As crianças sentem essa sede de relação de intimidade, especialmente com aqueles que lhe são importantes e significativos, o que requer tempo juntos, olho no olho, toque e conexão. Segundo Cecília, “presença de qualidade de mãe e pai cura os sintomas que as crianças vêm desenvolvendo para sobreviver às condições adversas desse mundo cheio de cobranças que nós adultos estamos impondo para elas”.  

Outro ponto importante é a necessidade do contato com a natureza para um desenvolvimento saudável. Neste ponto, o jornalista e especialista em advocacy pela infância, Richard Louv, tem alertado para as consequências da perda do contato direto com o mundo natural que as crianças têm vivido, desenvolvendo uma série de sintomas que o levou a cunhar o termo Transtorno de Déficit de Natureza. Entre os sintomas estão: o aumento dos índices de doenças mentais; dificuldades de atenção; maior taxa de miopia; obesidade e deficiência de vitamina D.  

E por fim, tempo livre, vital para a criança poder descansar, assimilar o que aprendeu, elaborar e ressignificar as experiências vividas no dia a dia. Uma das formas para a elaboração dessas situações, sejam as positivas ou negativas, é através do brincar livre. É no brincar que ela usa a imaginação, exerce a criatividade, experimenta regras e limites, desenvolve sua coordenação motora e aprende sobre respeito, empatia e diversidade. 


O que dizem por aí
Adultos conscientes, crianças felizes 


Sabemos que a parentalidade é uma tarefa desafiadora para muitos, senão para todos os que a exercem. Diante das dificuldades inerentes de criar filhos, diferentes abordagens surgem para auxiliar mães e pais na tarefa. Uma das mais recentes é a parentalidade consciente, que propõe uma educação focada mais nos pais do que nas crianças. Apesar de ser considerada controversa para alguns, ela tem atraído cada vez mais pessoas - e até celebridades como a Oprah, nos Estados Unidos, afirmam terem transformado totalmente sua visão sobre parentalidade após conhecer esta abordagem.  

A proposta deste modelo está ancorada na prática da meditação e da auto-reflexão constante, buscando primeiro entender e acolher as necessidades não atendidas da própria criança interna dos pais antes de reagir às situações apresentadas pelos filhos. Ou seja, ao invés de “corrigir” a criança, o adulto volta para si e busca compreender que memórias e sentimentos da própria infância aquela situação despertou. A partir desta consciência seria possível sair do piloto automático e atuar de forma mais empática e afetiva com a criança.  


Não existe uma forma correta de exercer a parentalidade consciente, até porque cada relação parental é única. Porém, é possível seguir algumas diretrizes nesta busca


As crianças não nascem como uma folha em branco. Desde muito cedo, elas são pessoas completas, com necessidades e preferências distintas. A única maneira de saber quais são elas é prestando atenção. Você provavelmente descobrirá que o que você quer e o que ele quer muitas vezes não são a mesma coisa - e tudo bem! 


Ser pai ou mãe não é algo que você faz "para" o seu filho. Como qualquer outro relacionamento, é uma via de mão dupla que requer ações que criem confiança, abram espaço para o diálogo e desenvolvam afinidade entre si. Busque enxergar o que seu filho tem para te ensinar também.  



É fácil se enrolar em situações delicadas com filhos. Afinal de contas, eles têm o hábito de atrair - ou criar - problemas onde quer que vão. Afaste-se da crise imediata e pergunte-se: "Qual é o motivo real da frustração deles? Como posso ajudá-los a conseguir o que precisam?" 



A partir do momento em que você descobre que será pai ou mãe, seus filhos começam a mexer com suas emoções. Eles podem fazer você rir, chorar e ter vontade de jogar coisas. Conhecer seus gatilhos te ajudará a manter a calma quando seus filhos começarem a lhe dar nos nervos. 



Apesar dos inúmeros benefícios que este modelo parental certamente proporciona, muitos pais o vêem como algo difícil a ser alcançado. Dentre os pró e contras, pode-se levar muito tempo para atingir a quantidade de autorreflexão e controle interno necessários. Ainda, pode ser um tanto caótico, já que é preciso dar espaço para as crianças errarem e se frustrarem sem dar soluções prontas para as deixarem felizes.  

Por fim, há situações que, até por segurança, exigem uma ação imediata e não é possível simplesmente parar e ficar refletindo. Isso nos leva a pensar que, talvez, o caminho da parentalidade passe por uma combinação de diferentes filosofias de criação de filhos, adotando aquela que faça mais sentido dependendo da ocasião. 


Criança precisa mesmo é de afeto 

Mas, se tem uma necessidade que todos nós, crianças e adultos, ansiamos, é a de sermos amados. Se colocarmos todo nosso esforço em suprir essa necessidade tão básica e profunda, já teremos dado passos importantes no estabelecimento de uma relação positiva e significativa com nossas crianças. E isso vale para a criança que somos também. Como adultos, somos responsáveis por darmos o amor e a atenção que a criança que nos habita anseia e isso é possível através do autocuidado, autocompaixão e autoperdão. Quando conseguirmos fazer isso por nós, certamente será muito mais fácil fazer o mesmo para as crianças em nossa vida. 

E para finalizar, deixamos aqui mais 3 passos, compartilhados pela educadora Telma Abrahão no Plenae Drops, para educar nossos filhos de forma positiva: