Para Inspirar
Como enxergar as miudezas do dia a dia e fazer delas o seu próprio propósito pode te fazer atingir a felicidade? Especialista responde
25 de Junho de 2020
Apesar de muito usada, poucos conhecem a etimologia da palavra propósito . Conhecê-la pode fazer com que ela faça ainda mais sentido quando aplicada em sua vida. Proveniente do latim, proposĭtu pode ser desmembrada em pro (para mim) + positum (posto, colocado). Portanto, propósito é aquilo que está posto para mim, originalmente.
É claro que, com o tempo, o termo evoluiu. Hoje o utilizamos para designar tudo aquilo que é da ordem da intenção, do objetivo, da finalidade. É quase que um sinônimo para projeto, é aquilo que se busca alcançar todos os dias , segundo a definição da Oxford Languages .
Como diz o seu nome, o bem-estar subjetivo é subjetivo, portanto, pode variar de indivíduo para indivíduo, conforme o seu momento de vida. E o que se sabe sobre ele até então é algo muito próximo ao estudos acerca do estoicismo, também conhecido como “budismo do oriente”.
Esse apelido se dá por conta de suas semelhanças com a filosofia de vida: assim como Buda pregava, os estóicos também não vivem em uma busca exaustiva por essa experiência agradável constante. Para eles, é mais valioso cultuar o agora e a nossa capacidade de fluir conforme o ambiente. “Muito da sabedoria do Buda era também sobre não se amarrar às certezas, que eventualmente poderiam nos obrigar a ir contra o mundo. Mas parte-se do princípio que não se deve nunca deve ir contra ele, pois ele é sempre maior do que nossas expectativas e desejos. E por isso nos adequar é tão importante” continua Fabiano.
Essas filosofias não nasceram hoje, é claro. Desde muito antes de Cristo, existiu um sábio tibetano chamado Confúcio, que também pregava a máxima de “para ser feliz, basta querer ser o que és”. Portanto, feliz é aquele que ama o que tem, ou seja, aquilo que está posto para ele. Lembram do significado de propósito lá do começo do texto? Pois bem.
Parece confuso, mas não é! Enxergar a felicidade como um efeito colateral de outras atitudes e nunca como o objetivo principal é o que nos faz efetivamente atingi-la. E entender que ela não se dá de forma absoluta e suprema, como fomos ensinado, mas sim que ela mora nos momentos cotidianos da vida.
“Existem artigos de neurologia e psiquiatria que apontam que as pessoas que mais buscam felicidade são as mais adoecidas mentalmente. É super importante deixar isso claro: a felicidade é um efeito colateral de um propósito. Se tivéssemos uma fórmula para alcançá-la, ela basicamente só teria dois componentes: momentos de bem-estar no dia a dia e, de forma mais ampla, uma ideia que me dá sentido à vida” diz.
Qual é uma das maneiras mais efetivas de tornar o presente prazeroso? Sendo grato, como dissemos neste artigo . E qual é a maneira mais fácil de tornar minha vida mais adequada? Tendo um propósito. Se você juntar os dois, o efeito colateral será a felicidade.
Voltando um pouco ao sábio Confúcio, a felicidade tem mais a ver com desejar o que já se tem, com essa sensação, ainda que transitória, de completitude. A felicidade não se trata de uma viagem onde o que importa é o destino, mas sim um passeio onde o que importa é a trajetória.
“O cérebro tem uma capacidade muito grande e espontânea de desejar, mas muito pequena em se sentir satisfeito com o que tem. Isso não é só cultural, existe algo de biológico mesmo e hoje nós sabemos dos circuitos neurais e do processo que a gente chama de adaptação hedônica ” explica o especialista. E o que seria essa adaptação? “Vamos imaginar assim: você começa a namorar e no começo é tudo maravilhoso, mas passando um tempo, você começa a antecipar o comportamento do outro. Quando o cérebro começa a ter maior competência de previsibilidade, menor é a liberação de dopamina, portanto menor o prazer daquela ação de forma isolada” continua.
E aí, de repente, o trabalho que você queria tanto já não tem mais graça, assim como seu novo carro ou viagem. Essa confusão em achar que satisfação momentâneas são felicidades plenas é onde mora o erro: é preciso exercitar nossa mente e entender que não enxergamos o mundo como ele é, mas sim como nós somos. E por que isso é importante? Porque eu preciso entender que, sem essa compreensão, eu vou estar sempre nesse modo automático do desejo na falta, e não na presença.
O filtro que temos do mundo é um processo ativo, influenciado pela nossa família e pela cultura onde estamos inseridas. Para mudar esse cenário interno e passar a enxergar a vida com mais propósito, é preciso enxergar os pequenos bem-estar subjetivos cotidianos que, quando juntos, resultam em um ser humano feliz e satisfeito.
O propósito do sujeito pode ser somente individual, mas quando aliado à uma preocupação com o bem-estar coletivo, ele é potencializado. “Vivemos no Ocidente, lugar onde o grande alvo da felicidade é o indivíduo. No Oriente, mesmo hoje em dia, é o coletivo que importa. Nem sempre a felicidade de uma pessoa tem a ver com o propósito de toda uma sociedade. Mas a evidência maior é a de que, quando agregamos um propósito pessoal à um acréscimo de bem-estar para humanidade , a felicidade é ainda maior” continua.
“Então considerarmos o outro nesta fórmula é muito importante, porque de novo, eu acho que esse ponto é super importante dialogar no texto. O outro importa muito, nós não somos uma ilha, fazemos parte de um contexto. E importar-se com esse contexto torna seu propósito muito mais forte” conclui Fabiano.
Atente-se às miudezas do seu próprio cotidiano, enxergue valor nelas e faça disso o seu propósito. A felicidade virá como consequência para sua vida e sua rotina.
Para Inspirar
Entenda os benefícios dessa prática que é quase tão antiga quanto a humanidade e porque ela é tão positiva para a nossa mente
9 de Junho de 2023
Você certamente já ouviu ou contou uma história ao longo de sua vida - é impossível passar imune a essa experiência. No Podcast Plenae, o objetivo é literalmente contar histórias que te façam refletir sobre a sua jornada. Daí o seu nome: Histórias para Refletir.
Por lá, já acumulamos mais de 60 histórias inspiradoras, sem data para acabar. Nessa décima segunda temporada, conhecemos a trajetória do renomado surfista Carlos Burle que, dentre os vários temas relevantes que ele comentou, um em particular marcou: o poder de saber contar uma história.
Esse poder, no caso de Burle, era focado em fortalecer o seu esporte e quebrar todo o preconceito que havia ao redor dele. Contando para o mundo de forma coesa e sincera, as pessoas se aproximariam do surfe e entenderiam mais, deixando para trás velhos estigmas.
Mas, e em outras frentes da nossa vida? Qual o benefício de contar histórias? É sobre isso que vamos falar a seguir!
Por muito tempo, a linguagem oral era a única linguagem que o ser humano tinha à sua disposição. Havia, é claro, a linguagem corporal, para que um semelhante entendesse aquilo que o outro estava passando sem sequer falar. Esse tipo de comunicação é tão automático e espontâneo que nem mesmo nos damos conta do que estamos fazendo e o que estamos demonstrando com o nosso próprio corpo.
Já a linguagem oral não entra nessa dinâmica. Há sempre uma intenção por trás dela. Você precisa raciocinar, ainda que por um milésimo de segundo, antes de formular uma frase. Isso, por si só, já a difere da linguagem corporal. Mas, mais do que isso, ela se tornou uma ferramenta. A comunicação e o poder de contar histórias nos levou longe, como conta o antropólogo Yuval Noah Harari, em “Sapiens: uma breve história da humanidade”.
Segundo Priscila Gabriele Martins Silva, mediadora do Núcleo de Ações Educativas e Acessibilidade da Universidade Federal de Minas Gerais, o ato de ouvir e contar histórias contribui muito para o desenvolvimento do pensamento crítico dos sujeitos. Em artigo, ela relembra um pouco da história da própria história.
“Nos tempos antigos, era comum as pessoas se reunirem ao redor do fogo para contar histórias. Até hoje, podemos encontrar nas calçadas, nas praças, na casa dos parentes e vizinhos e durante as festividades, pessoas contando e repetindo histórias, preservando velhas tradições e costumes. Em muitas culturas africanas, por exemplo, o hábito de contar e escutar histórias é uma atitude que se mantém valorizada e ensinada de pais para filhos”, diz.
O cientista social e professor universitário Luis Mauro de Sá Martino reforça essa ancestralidade da história em vídeo para a Casa do Saber. “Contar histórias é uma das atividades mais antigas da humanidade, e nós fazemos isso por várias razões. Uma delas é nos sentirmos parte de alguma coisa, justamente quando a gente precisa saber quem a gente é, da onde a gente veio, não só no sentido individual, mas também como grupo, como profissão e até mesmo como país”, reflete.
Para ele, o que chamamos de realidade nada mais é do que um grande entrelaçado de histórias, sejam as pequenas ou as grandes, porque cada vez que se conta algo, estamos produzindo um conhecimento e criando um pedacinho da realidade. “Por exemplo, a começar do seu nome. O seu nome tem uma história, os seus pais não deram esse nome pra você aleatoriamente, eles têm uma razão. E, quando isso aconteceu, você sem saber já foi envolvido ou envolvida em uma história: a história do pertencimento à sua família”, diz ele.
É também contando e ouvindo histórias que resgatamos nossas memórias culturais e afetivas, fundamentais para descobrir quem somos e como lidamos com os outros - como conta a Priscila. “Diz-se muito que as pessoas que desenvolvem bem a habilidade de ouvir se tornam pessoas mais capazes de lidar com as diferentes questões do cotidiano. É aprendendo com as experiências dos outros que construímos melhores experiências no futuro”, pontua.
Por fim, a história nos coloca em uma posição ativa perante a vida, uma atitude intencional de analisar os fatos, organizá-los e então, produzir uma narrativa a respeito dele. A história tem o valor cultural, pessoal e educacional - e tudo de maneira sutil, sem que a gente perceba.
Ao contar um fato ou ouvir, várias áreas do seu cérebro são ativadas. Como explica este artigo no UOL, esse mecanismo é semelhante a um quebra-cabeça, onde peça por peça se encaixa dentro de suas próprias ideias e experiências e assim, a assimilação de fatos melhoraram o poder de fixação na sua mente.
A atividade é tão intensa e complexa que há até mesmo um nome para esse processo: neural copling, ou acoplamento neural, em tradução livre. É ele que faz com que todos os envolvidos naquela história - do narrador aos ouvintes -, experimentem as mesmas sensações, pois as atividades cerebrais são similares.
Mas, antes, é preciso dar um passo para trás, já que essa dinâmica se inicia ainda nos olhos. Isso mesmo, as informações que captamos por meio do olhar e, aí sim, são encaminhadas para diferentes partes do córtex visual, uma região específica do cérebro.
Em seguida, essa mensagem captada é enviada para outra região cerebral: o córtex frontal, aquela região que já te contamos em outros artigos ser a responsável pela cognição, comportamento social e tomada de decisões. Ele recebe informações que são chamadas de operacionais e que são de curto prazo, para serem utilizadas de forma imediata.
Essas informações são encaminhadas ainda para uma terceira região do cérebro: o hipocampo. Ele é que será o responsável pelo armazenamento, dessa vez a longo prazo, dessas informações. E será ali também que fatores emocionais individuais serão vinculados às informações ouvidas, para que elas possam ser reativadas quando precisamos lembrá-las.
Esses fatores emocionais nos auxiliam no processo de memorização e são formados por conexões neurais localizadas na amígdala, uma estrutura muito pequena em nosso cérebro, mas a responsável pelo processamento e regulagem de nossas memórias, emoções, estruturação e armazenamento de recordações.
Quando então processamos os fatos e histórias que escutamos depois de todo esse processo, duas áreas do cérebro são, por fim, ativadas: a broca (responsável pela produção da linguagem) e wernicke (responsável pelo conhecimento, interpretação e associação das informações) - sem contar as outras áreas que uma boa história pode ainda ativar.
Parece complexo - e é! Mas, é um processo automático e extremamente rápido que não nos damos conta de que ele está acontecendo. É por isso que você pode se emocionar, ficar eufórico ou até irritado ouvindo algo: esse mecanismo tem como destino final as suas emoções e a criação de memórias e significados na sua mente.
É como aprender matemática: nem tudo que você ouviu em sala de aula será de fato utilizado em sua vida, mas tudo contribuiu para a formação do seu raciocínio a longo prazo. Somos constituídos pelas histórias que ouvimos, tanto a nível emocional, cultural, comportamental, cerebral, individual e até como sociedade. Por isso mesmo, trata-se de uma atividade milenar e que faz mais parte da sua vida do que você imagina!
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