Diferentes culturas possuem diferentes formas de ritualizarem o luto.
26 de Fevereiro de 2024
Diferentes culturas possuem diferentes formas de ritualizarem o luto. Há quem ofereça uma festa, comida, flores. Há quem se feche por semanas ou abra as portas de sua casa por dias para visitas. Há quem leia um texto, há quem ofereça o silêncio em troca dessa eternidade pacífica. Mas não há quem tenha tornado esse momento tão definitivo em um acontecimento corriqueiro.
Porque a verdade é que dar tchau para quem se ama não é fácil para ninguém. E apesar de ser a única certeza humana, é também o nosso movimento mais caro e provavelmente o sentimento que mais nos une enquanto espécie. Ver o outro partir é dar um abraço longo em nossa própria finitude e entender que o que deixamos precisa ser construído ainda hoje, porque esse é o verdadeiro tesouro.
E, nesse aspecto, nosso fundador e maior inspiração, Abilio Diniz, deixou aos montes. Longevo por essência, ele entusiasmou todos ao seu redor a querer chegar mais longe com qualidade e nos lembrava que para alçar esse voo tão alto é preciso conservar bons hábitos todos os dias. Ele nos inspirou com a força de sua fé, que não enfraqueceu nem em seus piores momentos, e nos lembrou que espiritualidade é chama que precisa se manter acesa, porque é o combustível que nos movimenta sem que a gente veja.
Nos inspirou com seu esporte, essa força motriz que o impulsionava a querer ser sempre mais. Serviu de inspiração a todos os empresários já consolidados, mas também àqueles que tinham apenas um sonho e não sabiam por onde começar. Nos estimulou a olhar para a mente muito antes desse tema enfim ganhar a luz que merece. E nos instigou a ter um propósito que nos tirasse da cama e fizesse do mundo um lugar melhor.
Mas, eis o seu legado mais importante: cultivar as relações. Porque, antes de ser tudo isso, Abilio era pai presente, marido amoroso e filho eternamente saudoso. E parecia guardar dentro de si parte do segredo do universo: são as nossas conexões que dão sentido à nossa existência e serão elas a nossa eterna ponte para esse mundo. Que ele possa sempre vir nos visitar por meio das lembranças deixadas em quem o amará para sempre, na esperança infinita de que esse adeus seja apenas um até logo. Obrigada, Abilio!
Para Inspirar
Conheça a história de uma mãe que transformou o luto em luta, na décima quarta temporada do Podcast Plenae.
12 de Novembro de 2023
Leia a transcrição completa do episódio abaixo:
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Luciane Zaimoski: Eu não achava que depressão era frescura. Então quando o meu filho recebeu esse diagnóstico, eu entendi que era uma doença que precisava de tratamento. Mas, mesmo assim, na minha cabeça, se o Samuel se esforçasse um pouco, ele resolveria esse problema.
Se ele saísse de casa pra passear, por exemplo, ficaria melhor. Foi só na primeira tentativa de suicídio do meu filho, que eu entendi, de verdade, que melhorar da depressão não é uma questão de força de vontade.
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Geyze Diniz: Desde que recebeu o diagnóstico de depressão de seu filho, Luciane Zaimoski se dedicou a cuidar dele e a entender mais sobre a doença. Infelizmente seu esforço não evitou que Samuel tirasse sua própria vida, mas Luciane transformou sua dor em uma causa pessoal e hoje, ajuda pessoas para que elas não passem pelo que ela passou. Eu sou Geyze Diniz e esse é o podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.
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Luciane Zaimoski: Eu tenho três filhos: a Carol, o Samuel e o Tiago. O do meio, foi planejado. Foi tipo: O pai do Samuel e eu olhamos no calendário e falamos: é agora!
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Desde pequenininho, o Samuel se destacou tanto em casa como na escola. Ele era muito inteligente. No primeiro ano dele na creche, ele desenhava tão bem e aprendia tão rápido, que as professoras falavam assim: “Nossa, quando ele for pra educação infantil, vai ter que fazer uma avaliação. Ele provavelmente vai passar na frente das outras crianças”. Elas achavam que ele era superdotado. Dali pra frente, o Samuel sempre foi considerado o melhor aluno da sala.
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O Samuel tinha alguns amigos mais chegados, mas não fazia o tipo popular. Ele era mais introvertido e isso se acentuou a partir dos 15 anos. Naquela idade em que os jovens começam a sair, namorar, festinha, ele fez o movimento inverso. Ficou mais caseiro do que já era. Eu estranhei, mas achei que fosse pelo jeito tímido dele. O Samuel era doce, sensível… E fechado.
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No ensino médio, pela primeira vez, as notas dele começaram a cair. Os desenhos do Samuel se tornaram sombrios. É como se ele tivesse deixado de desenhar o sol pra desenhar a escuridão. Ele passou a não dormir, a não tomar banho, a não ter energia para ir para escola. Eu fui várias vezes ao colégio, mas ninguém notou nada anormal no comportamento dele.
Cheguei até a ouvir de uma professora que o meu filho fazia parte da geração mimimi. Ela disse que ele não precisava de psicóloga, e sim de trabalhar, já que ele não queria estudar. Eu não concordei com ela. Tinha alguma coisa estranha.
Chegou um momento que eu falei: “Filho, eu acho que você precisa de ajuda. Vamos procurar uma psicóloga?” Ele concordou.
Eu participei de algumas sessões da terapia e questionei a mudança de comportamento do Samuel. Mas a psicóloga dizia que nunca tinha notado nada anormal. Ela falava: “Se eu perceber que ele está correndo algum risco, eu te conto. Mas, fica tranquila, porque tá tudo dentro do esperado pra idade dele”.
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Com a terapia, o Samuel começou a conversar mais comigo. A gente falava sobre sexo, sobre droga e sobre outros assuntos considerados tabu. Mesmo assim, era um papo mais superficial, eu diria. Meu filho nunca me contou sobre as angústias que ele sentia de verdade. Por que ele andava tão triste?
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Depois de um ano e oito meses, ele não quis mais continuar com a terapia. A psicóloga achou que ele estava bem e deu alta. Só que aí veio a pandemia e o Samuel piorou muito. Ele começou a se mutilar e a se queimar. Eu desconfiei quando vi ele de calça e blusa num dia muito quente. Fui conversar com ele de maneira tranquila, sem que parecesse cobrança ou briga. Eu perguntava: “Tem alguma coisa errada aí, né, meu filho? Vamos conversar?” Daí ele me mostrava as cicatrizes.
Ele passou a ter crises de ansiedade também. As primeiras causavam uma sensação de falta de ar. Daí ele começou a ter espasmos, como se fossem ataques epiléticos. Eu procurei um neurologista e o Samuel fez uma bateria de exames. Só que os resultados deram todos normais. O meu filho foi encaminhado pra um psiquiatra e com provável diagnóstico de depressão.
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Uns dias depois que o Samuel iniciou o tratamento com antidepressivo, ele tentou tirar a própria vida. Ele tinha acabado de começar a estudar na faculdade e a trabalhar na prefeitura de Curitiba. Foi no emprego que ele se machucou. O meu filho foi levado pra uma unidade de atendimento médico e, de lá, transferido pra um hospital psiquiátrico.
Eu fiquei sem chão. Eu era muito ignorante sobre a depressão. Não tinha nenhum caso anterior na família. E eu nunca tinha convivido com alguém que tivesse a doença. Nunca tinha nem sequer lido a respeito. Foi a partir da tentativa de suicídio do Samuel, que eu comecei a estudar sobre o assunto.
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Antes, eu achava que se o meu filho tivesse amigos alegres, se fosse à igreja comigo, se saísse mais, ele resolveria o problema dele. Eu não sabia que a doença causava um sofrimento tão profundo na pessoa. O meu filho ficou 48 dias internado no hospital psiquiátrico. No começo, o Samuel também concordou com a internação. Eu me enchi de esperança nesse período.
Achei que ele sairia curado. Mas foi o contrário. Depois de uns 20 dias, meu filho só chorava durante as visitas. O psiquiatra do hospital me explicou que, na realidade, o Samuel tinha transtorno bipolar. Até hoje, eu não tenho certeza sobre o verdadeiro diagnóstico.
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Dentro da clínica, o meu filho, que era um doce de pessoa, se tornou agressivo. Ele se revoltava com o tratamento e chegou a ser amarrado. Depois que ele saiu da clínica, me contou os horrores que ele viveu lá dentro. Ele não dormia, porque tinha medo de ser atacado por pacientes com registros criminais. Eu praticamente larguei o trabalho pra me dedicar ao meu filho. Eu dormia com ele, às vezes segurando a sua mão, pra que ele não fizesse nada contra a própria vida.
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Quando fez um mês que ele estava em casa, ele pediu pra voltar pro trabalho e pra faculdade. Ele realmente parecia melhor. A gente chegou até a comentar que o antidepressivo estava fazendo efeito. Mal eu sabia que a felicidade era porque ele tinha descoberto uma forma de encerrar a dor absurda que ele sentia.
No dia 22 de agosto de 2022, eu ainda lembro da última vez que ouvi a voz do Samuel: “Tchau mãe. Tô indo trabalhar. Te amo”. Algumas horas depois, eu recebi uma ligação com alguém dizendo que ele tinha se machucado no trabalho. Quando eu cheguei lá, não me deixaram ver o Samuel.
Um enfermeiro me falou: “Mãe, faz 37 minutos que a gente tá tentando reanimar o seu filho”. A minha vista sumiu. Eu perdi o chão e desmaiei. De repente, acordei com alguém me chamando: “Lu, Lu, vamos, o Samuel voltou. Ele tá indo pro hospital”. Os batimentos cardíacos tinham voltado, mas a atividade no cérebro, não.
Três dias depois, um médico me chamou numa sala, junto com toda a família, e deu o diagnóstico de morte cerebral. Eu sou uma mulher de fé e até o último minuto eu acreditei que um milagre traria o meu filho de volta. Mas o milagre que eu esperei veio de outra forma.
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No momento em que eu recebi a notícia da morte do meu filho, alguém recebeu uma ligação para receber vida. Nós doamos todos os órgãos possíveis do Samuel. Com isso, algumas pessoas receberam a esperança de viver. Mais de 500 pessoas foram ao velório e ao enterro. Eu fazia questão de contar pra todas, principalmente pros jovens, a verdade, para que de repente essa tragédia não acontecesse de novo.
Um amigo dele me contou que o Samuel já tinha tentado tirar a própria vida pelo menos mais uma vez. E eu nem tinha ficado sabendo. Um dia depois do enterro, algumas pessoas vieram na minha casa. A gente estava numa roda de conversa e eu falei: “Quantas mães ainda vão chorar por um filho que cometeu suicídio? Quantas pessoas ainda vão tirar a própria vida por falta de informação? E se a gente criasse uma ONG que alcançasse pessoas com depressão e os familiares dessas pessoas?”.
Assim, nasceu o Instituto Samuel Caetano. Logo depois que o Samuel foi enterrado, começou a campanha do Setembro Amarelo, dedicada à prevenção do suicídio. A Câmara Municipal de Colombo, uma cidade perto de Curitiba, estava fazendo um evento sobre isso. Eu fui convidada pra ir e dei o meu depoimento.
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Depois desse evento, a notícia se espalhou e pessoas que eu nem conhecia começaram a me procurar. A gente criou um grupo no WhatsApp e o projeto do instituto foi crescendo. Eu comecei a virar referência pros outros. Era assim: “Lu, uma amiga minha acabou de perder a filha e precisa de ajuda”. Ou: “Fulano tá com depressão”.
E assim eu fui fortalecendo outras mães e ajudando jovens com a doença. O suicídio acontece não porque a pessoa quer tirar a própria vida. Na realidade, é uma saída pra uma dor que a pessoa suporta mais sentir.
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Atualmente, o Instituto Samuel Caetano tem cerca de 51 voluntários que prestam atendimento gratuito pra quem precisa. A gente faz ações em praças, pistas de skate, parques, ruas. Fazemos um trabalho de acolhimento para quem precisa, desde um abraço até uma conversa individual.
Eu dedico a maior parte do meu tempo ao instituto, sem ganhar nada por isso. Nós temos dois projetos em andamento. O Projeto Girassol atua no ambiente escolar, da educação infantil até a universidade. Recentemente, nós demos palestra sobre saúde mental pra 800 alunos de uma escola na periferia de Curitiba. Já o Projeto Life, que ainda está em fase de discussão, prevê apresentação de música, teatro, dança.
A ideia é ter um cantinho da conversa, onde especialistas acolhem e encaminham pra tratamento se houver necessidade. Tudo de forma gratuita. O Instituto Samuel Caetano ainda não possui espaço físico. Mas eu sonho com uma sede espaçosa para acolher e tratar os pacientes de forma humanizada. Seria um lugar mais parecido com uma casa do que uma clínica. Quem tá doente precisa receber escuta sem julgamento, uma coisa que muita gente não encontra na própria família.
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Na minha experiência de dor, nasceu a vontade de ajudar o próximo com amor. O Samuel se foi, mas a vida continua. Eu tenho tantos outros filhos pra cuidar. A Carol, o Tiago e tantos filhos e filhas que nasceram de outras mães e que necessitam de acolhimento. O nosso mundo precisa de pessoas dispostas a doar alegria e esperança ao próximo.
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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.
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