Para Inspirar
O que carregamos dentro de nós desde que somos crianças até a nossa maturidade – e como mudar esse panorama
2 de Julho de 2021
No quarto episódio da quinta temporada do Podcast Plenae, nos emocionamos com a história da empreendedora social, Ana Lúcia Villela, que desde muito jovem se viu órfã e diante de episódios que evidenciavam o seu privilégio socioeconômico perante a sociedade.
O que poderia ter passado despercebido para muitos, nela reverberou por anos. Tanto que, quando decidiu escolher sua profissão, ela se guiou justamente nos problemas da infância e na busca por solucioná-los. Assim nasceu o Instituto Alana e todos os seus outros braços sociais, como o Criança e Consumo.
Inspirados por essa história, investigamos como os acontecimentos ocorridos na primeira infância de um sujeito podem ecoar por toda a vida do adulto. Há, é claro, os fatores positivos, mas há diversos negativos também.
Para iniciar essa reflexão, é preciso antes de mais nada, cravar: o que é a primeira infância? Segundo o Marco Legal da Primeira Infância , lei federal promulgada no ano de 2016, trata-se do período que se inicia ainda na gestação e se mantém até os seis anos de idade da criança. Há ainda suas subdivisões: a primeira primeiríssima infância, dos 0 aos 3 anos de idade e o restante até os 6 anos.
A chamada “maturação do cérebro” segundo esse artigo , é um movimento que começa ainda intrauterino, ou seja, quando a criança ainda não nasceu. É nesse estágio, até os dois anos de idade, que acontece a produção de mais de 100 bilhões de células nervosas, deixando o órgão vulnerável às influências do ambiente.
“O desenvolvimento do cérebro pode ser afetado por meio dos canais sensoriais tais como som, tato, visão, olfato, comida, pensamentos, drogas, lesões, doenças e outros fatores”, relata o artigo. O estudo ainda revelou que o volume total do cérebro aumenta em 101% ao longo do primeiro ano de vida e mais 15% durante o segundo ano, mas que o estresse pode afetar esse crescimento.
É ainda nessa fase que a criança inicia também o seu desenvolvimento emocional e cognitivo, se percebendo no mundo e também percebendo o outro. Na psicanálise, há um nome para esse período: o Estádio do Espelho, que contamos melhor nesse artigo sobre como é formada a sua autoimagem.
Ainda na primeira infância, mas agora em um período mais avançado (dos 4 aos 6 anos), esse sujeito em formação também começará a desenvolver a sua autonomia. Uma vez que ele conseguiu se enxergar como uma unidade completa - e também ao outro - é hora de entender o mundo que o cerca.
Para além da neurociência infantil, há também as marcas psicológicas que esse período crava no indivíduo. Para entendermos melhor, conversamos com a psicóloga e mestra em orientação e mediação familiar, Camilla Viana Gonçalves Pereira, que cria conteúdos específicos no tema para sua conta no Instagram .
“O ponto principal é a construção da personalidade que é feita nessa primeira infância. E nessa construção, com certeza vão existir diferentes autores com suas propostas divergentes, mas eu gosto de me embasar muito na questão do apego: quais são as referências de relacionamento que vamos encontrar e que vão reverberar na vida adulta?”, diz.
Essa influência, como explica Camilla, vem toda da relação com os cuidadores - que podem ser terceiros, não necessariamente só pai e mãe. Além do apego, há também a questão da autenticidade. “Crianças foram expostas a negligência, violência, abandono ou até superproteção, tem a sua autenticidade minada. E isso é levado pra vida adulta: esse sujeito certamente terá muita dificuldade de saber quem é ele”, explica.
Todo esse caminho de maus tratos, rejeição, abandono irá se configurar como um trauma, e traumas, como explicamos nesta matéria , são capazes de afetar desde fatores como concentração e elevação de massa branca até mesmo o nosso sistema imunológico. E qual seria o caminho para combatê-lo? Com a terapia, é claro.
“É muito importante que essa pessoa primeiro tenha informações de que aquilo que ela sente, se configura como um trauma. E aí entramos em uma questão de autoconhecimento, de saber quais âmbitos de sua vida essas marcas reverberam”. É preciso, para isso, praticar e melhorar uma autoescuta e não negligenciar as próprias emoções.
“Essas pessoas normalmente escondem muito as emoções porque nunca foram vistas ou acolhidas, então é muito comum que esse adulto não consiga demonstrar seus sentimentos. Ele observa a si mesmo ou está se rejeitando? Se aceita como ele é? Abraçar suas inseguranças e se valida? Sabe impor limites? Tudo isso é muito importante”, reflete a psicóloga. Por isso a psicoterapia é tão importante nesse processo. Se relacionar e sair com amigos é positivo, mas não é o suficiente.
Há também o lado positivo da influência da infância, que se dá justamente de maneira oposta dos sintomas mencionados anteriormente. “A gente consegue observar que uma pessoa que veio de um lar acolhedor se torna uma pessoa que valida suas emoções, escolhe relações saudáveis que a nutrem e são recíprocas e amorosas, ela não se anula e não se cerca de pessoas que a anulem”, explica Camilla.
Isso não impede que uma pessoa que nasceu de lares com problemas não desenvolva esses fatores tão positivos: a terapia é justamente pra isso, para que essa criança que se tornou um adulto com traumas também tenha a possibilidade de mudar esses padrões. “Um adulto saudável é aquele que aceita seus erros, se acolhe nessa vulnerabilidade e consegue lidar com isso sem se martirizar, sem se culpar ou se colocar em situações e ciclos de autoviolência”, diz.
É a autocompaixão que irá agregar nessa construção tanto de si, quanto de um lar mais acolhedor, como disse Adriana Drulla em matéria para o Plenae . Filhos que observam seus pais se perdoando e sendo gentis consigo mesmo, tendem a sentir seus erros mais acolhidos e sentem mais espaço para crescer.
É nesse crescimento que ela poderá se deparar, por exemplo, com o seu verdadeiro propósito ainda bem jovem - como aconteceu com Ana Lúcia Villela. É claro que esse processo é individual e que nossos propósitos podem mudar ao longo da vida. Mas da mesma forma que muitos jovens buscam seguir profissões que não verdadeiramente amam apenas para satisfazer seus pais, em caso de lares mais seguros e afetuosos, ele se permite tentar outras possibilidades e enxergar além do que se vê.
“Propósito vem da natureza da admiração. E é possível sim que uma criança de qualquer classe social ou circunstâncias e contextos emocionais, sinta admiração por algo e queira trabalhar com isso. Mas há casos em que essa admiração pode vir justamente para buscar o amor de alguém”, pontua a especialista.
Por isso o amor, a escuta e o olhar se fazem tão necessários nesse período. “Os pais são seres humanos e vão errar em algum momento. Para que isso não se torne um trauma em seus filhos, é preciso que eles tenham espaço para verbalizar seus desconfortos, dar nome às suas emoções, e que esses pais consigam acolher todas essas emoções oferecendo afeto em troca”, conclui.
Esteja atento à sua parentalidade. A perfeição não é almejada - ou sequer é possível. Falhas acontecerão durante a árdua trajetória do educar. O que irá diferenciar é o que fazer com esses erros tão humanos, que habitam em cada um de nós. Você está pronto para tratar a dor com afeto?
Para Inspirar
A sétima temporada do Podcast Plenae está no ar! Confira a história da atleta Verônica Hipólito. Aperte o play e inspire-se!
20 de Fevereiro de 2022
Leia a transcrição completa do episódio abaixo:
[trilha sonora]
Verônica Hipólito: Eu tenho 25 anos e já passei por quatro cirurgias, três no cérebro e uma no intestino. Também sofri um AVC, que deixou uma sequela de paralisia no meu corpo. Mas eu não só isso. Eu também sou campeã mundial nos 200 metros rasos, tenho sete medalhas parapan-americanas, duas medalhas paralímpicas, uma de prata e outra de bronze. Sou uma das oito mulheres mais rápidas do mundo de todos os tempos do esporte paralímpico. Há quem diga que as minhas conquistas são fruto do destino, mas eu não compro essa história. Eu acredito em criar e aproveitar as janelas de oportunidade, se arriscar, sair da zona de conforto.
[trilha sonora]
Geyze Diniz: Exemplo de resiliência, a atleta paralímpica Verônica Hipólito, ao longo da sua infância, adolescência e vida adulta, teve sempre que driblar seus problemas de saúde para ultrapassar seus recordes, desafios e, literalmente, correr atrás dos seus sonhos. Verônica se abala com as frustrações como qualquer um de nós, mas não se permite cair no lugar do vitimismo. Para ela, a chave do sucesso é aprender a jogar com as cartas que a vida lhe dá.
Conheça a história da velocista e orgulho nacional Verônica Hipólito. Ouça, no final do episódio, as reflexões do especialista em desenvolvimento humano, Mark Kirst, para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.
[trilha sonora]
Verônica Hipólito: O esporte sempre fez parte da minha vida. Por incentivo dos meus pais, pratiquei de tudo um pouco. Natação, volêi, futebol, ginástica, futsal, basquete, tênis de mesa, de quadra, judô, karatê…Ufa! Os meus pais nunca pensaram em me transformar numa atleta profissional. Eles são professores de história e acreditam na educação e no esporte como ferramenta pra formação de caráter. Essa era a motivação deles.
[trilha sonora]
Eu era ruim em quase todas as modalidades, mas me encontrei no judô. Fui pro campeonato municipal, de lá pro estadual, depois pro estadual do interior e então consegui a tão sonhada vaga pra disputar o nacional. Umas semanas antes da competição brasileira, descobri que eu tinha um tumor na cabeça e precisava operar com urgência. Eu tinha 12 anos.
Minha mãe me disse na época pra fazer o que deveria ser feito. Eu operei, e depois da cirurgia soube que não poderia voltar pro campeonato nacional. Na verdade, eu nem sequer poderia lutar judô novamente, nem praticar qualquer modalidade de impacto.
[trilha sonora]
[trilha sonora]
Resiliência é a capacidade de se adaptar às más condições. Ou, nas minhas palavras, é a vida te derrubar, te encher de porrada e você se levantar.
Meu pai viu que eu tava muito triste e me inscreveu num festival de atletismo, pertinho de casa. Era domingo, umas 7 horas da manhã, e eu não queria ir, mas ele me levou mesmo assim. Eu corri pela primeira vez, e levei uma surra. Não liguei pra derrota e saí de lá falando que queria ser a menina mais rápida da cidade. Meu pai disse: “Então, se esforce para isso”. Parece cena de filme, eu sei, mas aconteceu desse jeitinho.
[trilha sonora]
Eu comecei a treinar atletismo e me empolguei. Tava indo tudo bem, até que uma noite, aos 14 anos, senti um formigamento no braço e na perna. Eu tava em casa. Tentei falar pro meu irmão, mas a frase não saía da minha boca. Caí no chão e acordei no hospital, com a parte direita do meu corpo paralisada. Me disseram que eu tive um AVC e não poderia voltar a correr, talvez nem caminhar. Na alta, na porta do hospital, meu pai me disse pra eu não aceitar que alguém dissesse o que era possível ou impossível pra mim. Eu voltei pra fisioterapia e pra fonoaudiologia. Reaprendi a falar, a andar, a trotar, a correr e a correr mais rápido.
Procurei a melhor equipe de atletismo da cidade, fiz um teste e passei. Mas, por mais que eu treinasse, eu continuava mancando. Eu tinha espasmos e meu braço ficava extremamente rígido. O treinador da época disse que provavelmente eu era uma atleta paralímpica, que estava competindo com os olímpicos.
Aos 16 anos, fiz uma classificação pra saber se eu tinha legitimidade ou não pra entrar no movimento paralímpico. E eu tinha, pela sequela do AVC. No campeonato regional, conquistei 3 medalhas de ouro. Depois, mais três no nacional. E no meu primeiro mundial, me tornei campeã e recordista dos 200 metros rasos. Naquele momento, eu não era só a mais rápida da cidade, eu era a mais rápida do planeta!
[trilha sonora]
É claro que, como atleta, eu sempre quero mais. Eu tava voando e mirando nos ouros que eu queria conquistar em Tóquio. Mas o tumor no cérebro voltou. Eu operei. Em 2018, tive que repetir a cirurgia, por causa de erro médico. Dessa vez, o baque foi imenso, o maior de todos.
Eu já não tinha uma parte da minha hipófise, que é uma das glândulas que produz hormônios. Por causa dos remédios, o meu peso foi de 47 quilos pra mais de 70. Eu vestia PP com folga e, de repente, passei a usar GG. De repente, eu tava cheia de estrias, com uma barriga enorme. Eu não aceitava aquele corpo.
[trilha sonora]
[trilha sonora]
[trilha sonora]
A gente tem a mania de só considerar o sucesso quando traça um plano e aquele plano dá certo. Eu entendi que não é bem assim. O sucesso não necessariamente vem da maneira que a gente desenhou. E aí entra, de novo, a resiliência. Eu aprendi a jogar com as cartas que a vida me dá. É chato ter operado tantas vezes? É chato. Eu fico chateada? MUITO! Mas a vida não foi feita pra gente ficar chorando e resmungando. Eu sinto a raiva e a tristeza, mas depois enxugo as lágrimas e busco a solução. Para que complicar? De uma maneira inesperada, recebi um convite do canal SporTV pra comentar os Jogos Paralímpicos de Tóquio. Eu me diverti e aprendi MUITO. Foi uma maneira diferente de ir pra competição, sem o peso de antes.
[trilha sonora]
[trilha sonora]
Mark kirst: A história de infinitas superações de Verônica é capaz de nos demonstrar, na prática, um dos maiores segredos no uso da nossa mais perigosa e potente ferramenta humana: a mente. Nesta existência atual, duas forças convivem a todo momento. Um pulso evolutivo e expansivo, que nos estimula a crescer, superar os nossos limites e conquistar mais vida a cada oportunidade. A outra força é a da resistência, que busca poupar energia, preservar o conhecido e defender a famosa zona de conforto.
A mente é o filtro que determina qual dessas forças vencerá a prova de cada dia. O segredo aberto para todos, mas compreendido por poucos, é o poder de decisão que todos temos ao alcance a todo momento. Veronica define a virada de perspectiva com simplicidade: “vou encarar a situação como problema ou solução”? Fomos inspirados a nos permitir sentir a potência da raiva para depois poder transmutar a dor em força de evolução. Independente da magnitude do obstáculo ou desafio, se cedermos a reatividade automática e negativa da mente, cairemos numa espiral descendente que nos leva a questionar a própria capacidade, sabotar as possibilidades e paralisar qualquer ação. Ao encarar desafios de tamanhos inimagináveis para a maioria de nós, e continuar mesmo assim escolhendo pela volta por cima, Verônica nos convida a perceber que a nossa realidade é sim produto da nossa liberdade de interpretação. Qual é a sua corrida? E quais são os seus obstáculos? Sua vitória mora no ouro, ou na capacidade de cair e levantar?
[trilha sonora]
Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.
[trilha sonora]
Conteúdos
Vale o mergulho Crônicas Plenae Começe Hoje Plenae Indica Entrevistas Parcerias Drops Aprova EventosGrau Plenae
Para empresas