A depressão
não é brincadeira: estima-se que mais de 300 milhões de pessoas no mundo, de
todas as idades, sofram com esse transtorno, sendo a principal causa de
incapacidade mundial e afetando mais as mulheres do que os homens. Mas, há uma
camada ainda mais fina, sutil e preocupante nesses dados, trazidos pela Organização Mundial da Saúde: em seu pior desfecho, ela pode levar ao suicídio.
Cerca de 800 mil pessoas tiram suas próprias vidas a cada ano, sendo essa a segunda principal causa de morte entre pessoas com
idade entre 15 e 29 anos. E é sobre isso que vamos falar hoje. Inspirados pelo relate potente de Luciane Zaimoski, que abre a décima quarta temporada do Podcast Plenae, fomos
entender um pouco mais sobre depressão infantojuvenil, doença que acometeu
seu filho.
Sabemos que o assunto pode ser difícil e delicado, mas ele se faz igualmente
necessário. É preciso reconhecer os sinais enquanto há tempo e saber o que
fazer a partir disso. Conversamos com três especialistas para te ajudar nessa
jornada!
A depressão na primeira infância
Sim, você leu corretamente: infância e depressão na mesma frase, essa
triste realidade que não pode mais ser ignorada. Das 300 milhões de pessoas
afetadas por ela, cerca de 2% são os pequenos.
Um estudo exploratório buscou entender as manifestações
clínicas dessa condição, que difere em alguns pontos dos
adultos.
Segundo essa pesquisa, os sintomas giram principalmente em torno do transtorno
do déficit de atenção e hiperatividade, baixa autoestima, tristeza, medos,
distúrbios do sono, enurese, dores abdominais e sintomas somáticos. Outras
queixas podem aparecer e serem tratadas inicialmente sem serem
identificados como depressão.
São as dores de cabeça, diarreia, falta de
apetite ou apetite exagerado, insônia, irritabilidade, agressividade ou
passividade exagerada, choro sem razão aparente, dificuldades cognitivas,
comportamento antissocial, indisciplina, ideias ou comportamento suicidas.
Realizar esse
diagnóstico não é fácil, já que as crianças apresentam dificuldade para nomear esses
sintomas, que aparecem de forma multifacetada, e ainda estão em desenvolvimento. Além disso, o tema só ganhou
força de investigação somente em 1970 – o que é historicamente recente -, pode
trazer grandes prejuízos futuros no desenvolvimento desse indivíduo que se
tornará um adulto em algum momento.
“Em crianças muito pequenas, pensando de 1 até 7 anos, a gente identifica uma possível depressão ou ansiedade ou essas
questões clínicas de acordo com o comportamento”, explica Carolina Bifulco, pedagoga
e psicóloga especializada em primeira infância, professora bilíngue e educadora
parental em Disciplina Positiva. “São alguns pontos de atenção:
uma criança que não se sente capaz de realizar as tarefas, que não se
sente parte do grupo ou que está mais excluída
e brinca mais sozinha”, diz.
Além disso, Carolina ainda destaca dois pontos muito relevantes nessa
investigação: um comportamento agressivo com os outros e consigo e a apatia. “A
automutilação – criança que se arranha o corpo ou o rosto quando se desregula
emocionalmente ou a agressividade com o outro: aquela criança que começa
a brigar muito com os colegas e começa a usar violência para conseguir o que quer”, explica.
Uma criança que não quer fazer atividade, não quer brincar, ou só quer dormir
também é preocupante – e esse, como frisa Bifulco, talvez seja o maior ponto
de atenção. “Quando ela não demonstra vontade de ser criança é quando a gente
tem que parar e tentar entender o porquê que ela está agindo daquela maneira”,
diz.
Sandra Evangelista, psicóloga especializada em família, casal, luto, primeiros
socorros psicológicos (situações de crise), prevenção e pósvenção do suicídio,
reforça a importância de diferenciar uma tristeza comum de uma depressão. “Vamos
dar um exemplo: a mãe que não deixa com que o filho faça uma atividade específica. O que essa criança vai
manifestar como emoção? A tristeza. Só que essa tristeza vai durar algumas
horas, talvez um dia, ela não vai durar a semana ou o mês todo”, diz.
Para Evangelista, a definição do que é ser criança é ser uma “exploradora do
mundo”. Então, a falta de curiosidade, a apatia, o isolamento e a
agressividade, são realmente pontos que merecem essa atenção, como Bifulco havia pontuado.
A dificuldade em separação e ainda a criança que se machuca de
propósito também preocupam.A depressão na adolescência
Da mesma forma que o transtorno mental e emocional pode acometer crianças pequenas, ele pode se dar na adolescência e é ainda mais comum. As
condições de saúde mental são responsáveis por 16% da carga global de doenças e
lesões em pessoas entre 10 e 19 anos, segundo dados da Organização Mundialda Saúde.
Metade de todas as condições de saúde mental, continua o
estudo, começam aos 14 anos de idade, mas a maioria dos casos não é detectada
nem tratada. E as consequências de não abordar o tema com seriedade se estendem
à idade adulta, prejudicando a saúde física e mental e limitando futuras
oportunidades.
“O primeiro conhecimento que precisamos ter sobre o adolescente é: o seu
cérebro, suas conexões sinápticas, a carga máxima química e hormonal, não estão
prontos. Ele está em processo de amadurecimento e desenvolvimento e será finalizado em média aos 18/20 anos. O córtex frontal é responsável
pelas tomadas de decisões, controle inibitório e flexibilidade cognitiva - o último a ser formado.
Por isso, ele é naturalmente
impulsivo, com poucos recursos e manejos diante de situações e
pensamentos catastróficos, e não lida bem com o estresse. Exigir que ele haja como adulto é um erro.”, explica Thaís Malta Romano, neuropsicóloga e mestre em Ciências da Saúde pela UNIFESP.
Os sintomas do adolescente são próximos ao da criança: ainda mais irritabilidade,
o isolamento e a apatia. Aqui entra o segundo ponto levantado por Romano:
atenção a durabilidade e intensidade desses sintomas, pois isso fará toda a
diferença. “Sinais de ansiedade e depressão tem características semelhantes ao
comportamento base de qualquer adolescente.
O que vai diferenciar se é um
comportamento comum ou patológico é a duração e intensidade dos eventos,
prejuízo sociais, acadêmicos e físicos”, explica.
“
O adolescente, diferente do adulto, vai apresentar pior humor, acessos de
raiva e hostilidade, dores inexplicáveis na cabeça, estômago,
coluna e pescoço travados com frequência, uma altíssima sensibilidade a
críticas, podendo apresentar choros, crises de raiva e até automutilação, além
de uma vulnerabilidade extrema à rejeição e ao fracasso”, continua Thaís.
Há um isolamento exacerbado também que pode ocorrer, e não só aquele clássico
do quarto, jogando videogame, mas um isolamento dos melhores amigos também.
Isso pode ser o início de um comportamento evitativo com aqueles que o conhecem
melhor, cujo objetivo é esconder um machucado, um olho inchado ou somente uma
expressão de tristeza. A observação das microexpressões faciais aqui será muito
importante.
A queda no rendimento escolar ou pedidos de falta com muita frequência e uso de substâncias como álcool e drogas,
podem ser tanto consequências de um quadro psiquiátrico já instalado quanto um
gatilho para o desenvolvimento de um. “
O adolescente que está sempre muito cansado, uma exaustão extrema que não é
sobre o sono – afinal, é natural que eles durmam mais horas e, por sua vez,
será extremamente importante para a manutenção da saúde mental e física –
também são atípicas.
O abandono de atividades que gosta e não simplesmente
mudança de preferências, mudança no comportamento alimentar, tudo isso é relevante
nessa jornada da observação”, pontua.
E, por fim, chegamos à
automutilação. Ela pode começar com algo “leve”, como roer
unhas até sangrar, arrancar peles pequenas da boca, cutucar espinhas e causar
machucados menores pelo corpo ao menor sinal de ansiedade. Acontece que esse
comportamento pode levar a outro pior: se cortar ou se machucar de forma mais
intensa ou até atentar contra a sua própria vida, o estágio final e mais
preocupante de todos. “Essa automutilação é uma forma que o adolescente encontra para se autorregular
emocionalmente quando não tem recursos sociais e cognitivos suficientes para
lidar com o problema”, diz.
O papel da escola e dos especialistas na jornada da depressão infantojuvenil
Para as três entrevistadas, o papel da escola é fundamental. “O primeiro passo
a ser feito quando você começa a enxergar uma mudança de comportamento dessa
criança é marcar uma reunião com o coordenador e o professor dela para entender
se esse comportamento que você está observando em casa se mantém na escola.
Depois dessa reunião, se eles baterem na tecla que ela de fato está diferente,
o próximo passo é
procurar um psicólogo especializado em clínica infantil”, pontua
Carolina Bifulco.
É no ambiente escolar onde a criança será assistida por olhos diferentes e onde
o tema da saúde mental poderá ser promovido em sala de aula ou em atividades
extracurriculares. É por lá também que ela irá socializar,
atividade que pode escancarar alguns comportamentos que mencionamos, como o isolamento ou
a agressividade.
“As escolas precisam ainda promover formações para os seus
profissionais visando a questão da saúde mental, promover campanhas internas
para seus professores e funcionários, ensinando-os como identificar, como
intervir, etc. Tem que ser uma coisa maior, que faça parte do projeto político-pedagógico da instituição. Os pais também têm que ser
contemplados nessa campanha com palestras, debates, formações
sobre a prevenção, entre outros”, continua Bifulco.
Mas, é preciso cautela nessa transferência, pois a escola é parte de um todo, e
não a responsável total pelo problema, como reforça Thaís Malta. “Direcionar a
responsabilidade total aos educadores é sobrecarregar um profissional que não está
habilitado para tal função. A realidade é diferente do desejo, há professores
com dois turnos de trabalho, com três ou quatro salas de quarenta alunos. Há casos
que naturalmente chamam mais atenção, mas o que nos preocupa são os
adolescentes discretos com suas dores”, pontua.
Algumas possibilidades sugeridas por Thaís para driblar esse impasse são os dias temáticos, atividades extracurriculares, palestras, rodas
de conversa. “Dessa forma, podemos instrumentalizar os adolescentes a reconhecer
sinais em si e nos colegas, prevenir o bullying, o assédio, as brigas. Um educador
físico que ensine consciência corporal, respiração, relaxamento, meditação. Ter
uma equipe de acolhimento, com um espaço seguro para que eles possam se
expressar sem julgamentos ou ameaças.”
A escola, como dito anteriormente, trabalhará em conjunto com os especialistas.
Mas, quem são eles? “São duas abordagens mais utilizadas nesse
caso: a psicanálise e a comportamental. A segunda é mais específica para ensinar
novos comportamentos, mudar uma fobia ou atender crianças atípicas. Se a questão for de comportamento
emocional ou de pensamento, a psicanálise Winnicottiana seria ideal para começar a investigar e entender o que essa criança
está sentindo”, explica Carolina.
O papel dos pais na jornada da depressão infantojuvenil
Se a escola e a escuta profissional são parte do caminho, a outra parte, é
claro, fica aos tutores. E vale dizer, uma parte bastante significativa. Sabemos
que há um fator genético importante envolvido em vários casos de depressão. Mas, há outros
vários casos que se dão por conta de um ambiente estressor ou
algum gatilho específico, uma situação vivida por aquela criança ou
adolescente, por exemplo.
“Se eu tenho um ambiente familiar disfuncional com muita agressividade, brigas
entre o casal, violências físicas, psicológicas e às vezes até um abuso sexual,
esses fatores todos vão marcar significativamente essa criança e esse
adolescente, aumentando a possibilidade do desenvolvimento de um transtorno”,
revela Sandra Evangelista.
“O que nós temos hoje são os pais provedores da família, que saem para trabalhar e ficam distantes dos seus filhos. Oferecer boas
oportunidades para seus filhos é importante. Porém, mais importante ainda é garantir o afeto e a segurança emocional. E como a
gente faz isso? Sendo presença. Estando perto. Brincando junto. Entendendo como
está sendo o dia a dia deles, quais são as dificuldades”, pontua.
Sandra menciona também os benefícios da previsibilidade e da rotina: ter horas
para as atividades e ter regras torna o lar um ambiente seguro, com limites, contorno e bem-estar. Para Thais, tratar a dor de seu
filho como “mimimi” é parte do problema. Dizer frases como “na sua época eu já
trabalhava e não tinha tempo para pensar nisso” não são um mérito, pois esse cuidador
deve se perguntar: o que eu passei me tornou um adulto hoje feliz? Era
necessário ter vivido aquela situação?", questiona Thais.
“Estamos falando de pais que, em sua adolescência e até mesmo na vida adulta, não tiveram e não têm suas emoções e sentimentos acolhidos e validados. Como é que eu acolho meu filho, meu neto, meu sobrinho, se eu não tive essa experiência? Mas há alguns passos possíveis de serem feitos por todos”.
Legitimar e validar os
sentimentos do seu filho é um passo importante na Disciplina Positiva, assunto
que abordamos por aqui em um Plenae Drops. “A disciplina positiva consiste
em uma forma de se criar crianças com base em firmeza e gentileza sem o uso de
punição. Não se trata de não impor limites, mas de colocá-los sem violência. O primeiro passo de tudo é criar esse ambiente seguro em casa onde a
criança pode se expressar, falar o que ela pensa, conversar, se expor e principalmente,
ser levada a sério", explica
Carolina Bifulco.
Outros passos importantes dessa filosofia é parar de buscar culpados e
procurarem juntos uma solução, além de dar o peso devido às coisas. “Se um amigo seu
adulto derruba um copo, você não grita com ele. Por que fazer isso com uma
criança que, ao contrário do seu amigo, está aprendendo a ter equilíbrio e coordenação motora?”, questiona Bifulco.
Por fim, um ambiente seguro e acolhedor é também um ambiente onde as crianças
são encorajadas a testarem, se arriscarem e, claro, errarem. Essa confiança fará
a criança se sentir capaz de tudo e isso, no futuro, irá refletir em um adulto que
expressa suas ideias sem medo, autônomo, livre e com uma boa autoestima.
Aos pais de adolescente: resista fortemente a qualquer impulso de criticar ou julgar
o quando ele estiver falando – e isso inclui sem caras e bocas. Demonstre,
enfatize, fale sobre o interesse em ouvi-lo, reconheça, acolha e valide seus
sentimentos. Persista no diálogo, mas com respeito.
"Dificilmente
o adolescente vai te procurar, mas nenhuma conversa deve cair num limbo. Retome
semanalmente, quinzenalmente, até se tornar um hábito o diálogo entre vocês”,
explica. “Tenha a curiosidade sobre o adolescente, pergunte sobre suas
referências públicas nas redes sociais, conheça os seus amigos, promova
encontro entre eles. E por fim acredite: você está dando o seu melhor". Você é capaz de abraçar essa causa e tornar a vida do seu filho muito melhor: acredite!