No último episódio da décima terceira
temporada do Podcast Plenae, conhecemos a história de Alexandra Loras. Ela, que
vivenciou o racismo ainda dentro de casa, e outras situações degradantes ao
longo de sua vida, se lançou em uma jornada de autoconhecimento sem volta e com
várias etapas e faces.
Em uma dessas etapas, seus caminhos se cruzaram com um ritual dos mais antigos:
a ayahuasca. “Foi a noite mais linda da minha vida. Eu já fui seis vezes ao
Burning Man, um evento colaborativo que acontece no meio de um deserto dos
Estados Unidos. Já participei de mais de 100 retiros de desenvolvimento
pessoal. Na Europa, as experiências são muito focadas na racionalidade. Mas a
ayahuasca me conectou diretamente com o meu coração”, relembra.
“Nas visões da ayahuasca, eu vi uma
mulher negra na frente de um caldeirão com um turbante branco na cabeça. É como
se fosse uma entidade minha. Eu enxerguei a força dela. Enxerguei o meu poder
de transformar vidas e de poder impactar mulheres. Depois que eu tive essa
epifania, o mundo conspirou. Quando você está na sua essência, os portais se
abrem. Através das plantas sagradas indígenas eu me encontrei”, conclui.
Vítima de muito tabu, o ritual ainda é mal compreendido por muitos. Hoje, vamos
desmistificar esse conceito e te contar um pouco mais sobre a ayahuasca e
porque tanta gente procura por esse caminho para se reencontrar.
O DNA do chá: o que é a ayahuasca?
A ayahuasca – também conhecida como chá ou cipó
– é uma bebida feita com a mistura das folhas do arbusto Psychotria viridis
junto com os caules da videira Banisteriopsis caapi. Em português, elas
são chamadas de o cipó mariri e as folhas de chacrona. Mas, outras plantas e
ingredientes também possam ser adicionados.
O cipó é limpo e amassado antes de ser fervido para aumentar a extração de seus
compostos medicinais. Depois, acrescenta-se água fervendo à essa mistura,
preparada tradicionalmente pelo xamã (também conhecido como curandeiro). Essa
figura é sempre uma pessoa já experiente no ritual e que lidera as cerimônias
de ayahuasca.
Quando
a bebida estiver reduzida ao gosto desse xamã, a água é retirada e reservada, desprezando
o material vegetal. Este processo é repetido até que um líquido altamente
concentrado seja produzido e já coado, pronto para ser consumido ao esfriar
Mas,
afinal, por que a escolha desses dois ingredientes? Ambos, tanto a
Banisteriopsis
caapi quanto a
Psychotria viridis, possuem propriedades
alucinógenas. No caso da
Psychotria viridis, ela é composta por
N,N-dimetiltriptamina (DMT), uma substância psicodélica que ocorre naturalmente
na planta.
Trata-se de um poderoso produto químico alucinógeno que, no entanto, apresenta
baixa biodisponibilidade, pois é rapidamente decomposto por enzimas chamadas
monoamina oxidases (MAOs), presentes no nosso fígado e trato gastrointestinal. Por isso esse DMT deve ser combinado com algo que contenha inibidores da MAO,
os IMAO. É aí que o
Banisteriopsis caapi entra: ele possui IMAOs potentes,
chamados β-carbolinas, que também têm seus próprios efeitos psicoativos.
Quando as duas plantas são combinadas, uma poderosa mistura psicodélica que
afeta o sistema nervoso central é formada, levando a um estado alterado de
consciência que pode incluir alucinações, experiências fora do corpo e euforia.
O uso aplicado da ayahuasca
Esta bebida, ao longo de muitos anos, foi e é usada para fins espirituais e
religiosos por antigas tribos amazônicas. Até hoje ela é considerada sagrada
por algumas comunidades religiosas no Brasil e na América do Norte, incluindo o
Santo Daime.
Para além de rituais religiosos, ela tornou-se popular em todo o mundo entre
aqueles que procuram uma forma de abrir as suas mentes, curar-se de traumas
passados, ou simplesmente experimentar uma viagem alucinógena que, como te falamos nesse Tema da Vez, pode oferecer
benefícios variados para pacientes com comorbidades variadas.
Mas, é extremamente importante a supervisão de um xamã experiente, já que não
se trata de uma experiência leviana: uma viagem de Ayahuasca leva a um estado
alterado de consciência intenso, que dura muitas horas. Além
disso, antes de participar de uma cerimônia de Ayahuasca, algumas recomendações
são feitas aos participantes, a fim de “purificar” seus corpos, como
abstinência de cigarros, drogas, álcool, sexo, cafeína e até uma dieta só de
vegetais.
Uma dieta leve antes da cerimônia pode ser realmente interessante, já que um
dos efeitos da Ayahuasca são os enjoos. Depois de consumir a preparação, a
maioria das pessoas começa a sentir seus efeitos dentro de 20 a 60 minutos, que
irão depender da dose tomada, e essa viagem pode durar de 2 a 6 horas.
Além dos vômitos e diarreia, sentimentos de euforia e fortes alucinações
visuais e auditivas podem ser sentidas, bem como efeitos psicodélicos que alteram
a mente e podem trazer uma sensação de medo. Mas, vale lembrar que as pessoas
reagem à Ayahuasca de maneira diferente: enquanto uns experimentam euforia e
uma sensação de iluminação como Alexandra, outros passam por forte ansiedade e
pânico.
Em uma só cerimônia, aliás, a pessoa pode visitar os dois polos de sentimentos,
os negativos e positivos, e cada vez que a pessoa tomar, o resultado será
diferente. As cerimônias geralmente são realizadas à noite e duram até que os
efeitos passem. O xamã e outros com experiência na Ayahuasca oferecem orientação espiritual aos
participantes durante toda a experiência e monitoram a segurança dos
participantes. Alguns retiros também contam com equipe médica disponível, em
caso de emergência.
Para colher os benefícios reais dessa experiência tão intensa, é preciso estar
disposto e entregue ao momento. Por isso, confiar no local onde a cerimônia
será feito é um passo importantíssimo. Outro ponto é ir com as expectativas
controladas, afinal, não se sabe o que virá, não há uma garantia, e alguns
participantes optam em voltar algumas vezes para novos mergulhos.
Contraindicações da ayahuasca
Se
você faz uso de medicações controladas ou possui algum transtorno psicológico
ou neurológico, a prática demanda ainda mais cuidado e observação, correndo o
risco de intensificar seus sintomas. Apesar de ter se tornado bem popular por
aqui, o consumo é autorizado pelo Conad (Conselho Nacional de Políticas sobre
Drogas) somente em cerimônias religiosas.
Portanto, desconfie se a finalidade for somente recreativa, isso pode indicar
que o lugar é despreparado. Pacientes cardiopatas, hipertensos, renais crônicos
e diabéticos também podem observar piora em seus quadros durante o uso da
substância.
Crianças nunca devem tomar a substância, já que o seu cérebro ainda está em
formação – e isso vale para grávidas pelo mesmo motivo (colocar a vida do bebê
em risco). Idosos também devem evitar o consumo porque já apresentam uma baixa
nos neurotransmissores, como explica este artigo do UOL.
De qualquer forma, o ritual exige intenção e cautela. Nenhum caminho de
autoconhecimento deve ser trilhado de forma leviana, mas especialmente aqueles
que envolvem substâncias demandam ainda mais cuidado e, claro, respeito,
afinal, trata-se de um ritual religioso. Faça somente aquilo que você se sentir
confortável e seguro, pois acredite: a sensação de confiança afetará a sua
viagem.