Para Inspirar
Crise que já acomete mais de 33 milhões de brasileiro, se dá sobretudo pela exaustão proveniente do trabalho – e pode gerar ansiedade e depressão
30 de Dezembro de 2020
Apatia. Falta de energia. Tontura. Dor de estômago. Enxaquecas. Rompantes de nervoso. Insônia. Falta de apetite. Sensação de incapacidade. Esquecimentos. Tristeza. Pálpebras que pulsam, pernas inquietas. Apesar de serem sintomas bastante diversos e que apontam para diversas comorbidades, há uma em específico que é capaz de reunir muitas delas de uma vez só: a Síndrome de Burnout.
Embora ela tenha ganhado cada vez mais notoriedade, o termo não é novo, e foi cunhado pelo psicanalista Herbert Freudenberger ainda em 1974. Segundo ele, que foi vítima dessa síndrome, o conceito pode ser definido como “um estado de esgotamento físico e mental com origem intimamente ligada à vida profissional”.
Como foi o caso da jornalista Izabella Camargo, personagem do último episódio da terceira temporada do Podcast Plenae - Histórias Para Refletir. Em seu relato, ela conta como a condição psíquica foi se instalando sem que ela percebesse, até que ela foi verdadeiramente acometida por uma pane, que resultou em um acompanhamento mais próximo e, enfim, o diagnóstico.
E assim é com a maioria das pessoas que sofrem da Síndrome de Burnout. Isso porque, antes de cravar o diagnóstico, diferentes outras áreas da vida do paciente são afetadas. Há ainda uma resistência não só dos demais indivíduos, mas também da ala médica, em reconhecer o distúrbio.
Além disso, há uma cultura fomentada pelo capitalismo de que nunca é o suficiente, e que você sempre pode fazer mais. É o mito da resiliência no mercado de trabalho,
como explica essa matéria
, aliada à meritocracia do quem quer, consegue. Isso pode acontecer até mesmo no ambiente familiar, como é
o caso do Burnout materno
, amplamente comentado por especialistas na pandemia, onde a mãe se vê na função maternal 24h por dia, 7 dias por semana, e se sente julgada caso reclame.
Macário Moraes Júnior é o que a sociedade consideraria uma pessoa bem-sucedida. Anos a fio trabalhando sem parar renderam a ele uma possibilidade de se aposentar aos 40, se quisesse. Mas ele não quis. Em partes, porque o trabalho tinha se tornado tudo que ele tinha, uma vez que via sua vida pessoal ruir.
“Naquele momento, meu casamento estava indo por água abaixo, numa crise conjugal muito grande. As palavras que ouvi da nossa terapeuta foi ‘você girou muito na alta ao longo de muito tempo e esgotou o seu cérebro para sempre’. Isso me marcou muito”. Foi em 2014 que ele percebeu a longa jornada que o aguardava até o fim dos seus dias.
Jornada, pois não se trata somente de medicar-se - assim como todas os demais desequilíbrios de ordem emocional. É preciso sim, uma medicação, no caso de Macário, uma que conseguisse compensar a química de seu cérebro que havia sido prejudicada. Essa área cerebral que sofreu baixa era o que lhe causava a extrema impaciência, os estopins de agressividade, e culminou em uma apatia sem fim, que lhe dificultava a realização de tarefas simples, como levantar da cama.
“Eu sentia uma falta de sentido, parecia que nada mais fazia sentido: pra que eu tenho essas empresas, pra que eu estou casado, pra que eu tenho filhos, pensamentos recorrentemente negativos. Passei a ter muito sono: tinha muita dificuldade para dormir, mas também para acordar” conta. Mas além de buscar ajuda para o físico, é preciso olhar para sua vida de forma 360. E esse olhar, claro, não foi imediato.
“Em 2014, para todo mundo eu estava muito bem, porque fiz 40 anos e atingi minha independência financeira, mas veio também a ausência de sentido. Então, de 2014 até 2016, foi muito intenso nas terapias, tanto em casal quanto individual” diz.
Ele também participou de grupos que operam como o Alcoólicos Anônimos, pois não se sentia à vontade falando a respeito entre conhecidos - justamente pelo tabu tão presente quando o assunto é Burnout. As terapias também o levaram a registrar em um diário, todos os dias, suas emoções, para que com isso seja possível fazer um balanço final da semana, do mês, do ano, e perceber suas próprias evoluções.
Já em 2017, quando ele sentiu um avanço na terapia, calhou de participar também de um retiro espiritual cristão. “Foi ali que entendi que a minha fé e minha espiritualidade iriam me ajudar, ela tinha que estar integrada na minha vida”. Importante ressaltar que Macário já era adepto ao Yoga, e passou a meditar ainda mais.
Uma vez cuidando da mente e do espírito, Macário buscou conhecimento não só acerca do seu problema, que hoje já conhecia o nome, mas outras fontes intelectuais que podiam lhe engrandecer de alguma forma. “Fiz curso de liderança, fiz coaching, estudei marketing digital e até inteligência emocional. Posso dizer que tudo contribuiu de alguma forma”.
Foi só então que se sentiu pronto para encarar a parte física, dessa vez, não só por meio das medicações. Ainda refém do tempo, o empresário incluiu práticas que cabiam na sua rotina, no caso, pular corda dentro do escritório mesmo. Depois, passou a correr pelas manhãs. De 2018 - ano onde introduziu o exercício em sua vida - até hoje, sua evolução foi surpreendente. “Hoje eu sou maratonista, treino todos os dias, de segunda a segunda, é como se fosse uma medicação” conta.
Por ser um problema crônico, a Síndrome de Burnout infelizmente não conta com um tratamento exato e uma cura imediata. Há especialistas que já trabalham até mesmo com a possibilidade de ela não ter uma cura definitiva, pois pode ser engatilhada novamente na vida da pessoa.
Izabella Camargo, inclusive, menciona isso em seu episódio. Para ela, o gatilho é o trabalho, e é possível ter recaídas, como já teve anteriormente. É um trabalho constante de autoconhecimento e autocontrole, mas com o tempo, a ideia é que se torne inerente à vida da pessoa.
No caso de Macário, funcionou. A técnica dos “4 capitais”, como o mesmo define, foi tão eficiente que hoje ele passa adiante esse conhecimento aos empreendedores que mentora na ONU e em outras frentes. Ela consiste em estar em equilíbrio e atenção ao físico, emocional, espiritual e intelectual - bastante semelhante aos pilar Plenae.
Mas, para ele, não basta somente malhar, rezar, estudar e fazer terapia. É preciso acoplar todos esses aprendizados no seu cotidiano, de forma que não haja mais o “você” do trabalho e o “você” de casa. Macário passou a levar todos os ganhos subjetivos que adquiria em suas práticas para seus dias, seus funcionários e suas finanças.
“Hoje minha principal prioridade é me sentir bem. A minha intensidade de trabalho ainda é muito grande, mas eu entendi que eu posso gerar uma energia dentro de mim, um combustível, que me dá mais controle de tudo isso. Como eu faço um planejamento semanal desses 4 capitais, eu não entro mais em nada que vai me drenar a energia se eu não enxergar que vai acabar em determinado momento”.
Seu propósito de vida passou a ser espalhar essa mensagem de que é possível se entregar com intensidade à sua carreira sem perder-se no personagem e abandonar a si mesmo. “O grande problema do Burnout é a pessoa entregar a vida para o ambiente externo e deixar de ser protagonista da própria vida. A maioria dos trabalhadores acham que é normal trabalhar longas horas para enriquecer sem olhar para si mesmo. Olhe para seu corpo como uma grande ferramenta de teste, esteja atento às suas emoções, use sua crença como mola propulsora e se coloque sempre no estado de aprendizagem”. E você, tem olhado para si?
Para Inspirar
Em um especial Dia dos Namorados, investigamos como base em diferentes análises de especialistas como deverá ser o futuro dos relacionamentos pós-pandemia
11 de Junho de 2020
O mundo preparava-se para concluir mais uma volta ao Sol e encerrar sua segunda década deste milênio quando uma ameaça invisível surgiu. Apesar de ainda estar em processo de investigação o país que registrou o primeiro caso de coronavírus, já se sabe que ela se trata de uma zoonose (doença que afeta tanto a humanos quanto a animais), proveniente da carne de morcego.
Publicamente, a China foi a que despontou mais rapidamente e com ineditismo nos casos diante do mundo todo. Foi por lá que a Covid-19 ganhou o caráter de epidemia e, posteriormente, quando se alastrou para outros países, de pandemia. O fato é que esse vírus, tão novo para a ciência e para a população, obrigou ambos a responderem rapidamente aos perigos que ela demonstrava ter.
De um lado, cientistas correndo contra o tempo para entender tudo acerca do tema em tempo recorde, e estarem assim prontos para encontrarem uma cura ou algum tipo de resposta. Do outro, nós, indivíduos comuns, presos subitamente dentro de nossas próprias casas, praticando o tão temido isolamento social em uma tentativa de conter o rápido avanço da doença.
Esse período, chamado de quarentena - mas bem mais longo que 40 dias -, veio para nos ensinar, sobretudo, a força que a natureza possui. Ao passo em que ela cura, ela também possui um poder fatalístico, capaz de enclausurar humanos de um dia para o outro. Mas, para além da profundidade mística do assunto, a quarentena também foi um período de mudanças, tanto internas quanto externas.
Escritórios precisaram encontrar um novo modelo de trabalho home office, e descobriram que ele pode sim apresentar a mesma eficiência dos escritórios. Lojas tiveram que adaptar seu modelo de vendas para o e-commerce, e pasmem: algumas lucraram ainda mais. Restaurantes renomados viraram experts em marmitas e artistas se viram diante de câmeras, desfilando suas super produções antes performadas em grandes palcos, dessa vez em uma democrática live no Instagram.
Artistas de pequenas produções, como saraus e slams, também conseguiram seu espaço , propagando a palavra da arte e da cultura por aí. Luvas, máscaras, álcool gel: esses itens se tornaram poderosos aliados e até mesmo indispensáveis para nossos dias. Vai sair de casa? Impensável deixar sua máscara de proteção para trás. Precisou ir ao mercado? Na volta, álcool gel nas mãos e também em todos os seus produtos.
A telemedicina ganhou força e psicólogos também passaram a atender por vídeo. Assim como os educadores físicos, que montaram treinos específicos para serem feitos em casa, sem deixar desculpas para ninguém ficar parado. Mais do que isso: quantas pessoas tinham preguiça e hoje veem os resultados positivos que a ginástica pode trazer para a saúde mental?
Até mesmo o meio ambiente apresentou níveis de recuperação recordes, que encantam a qualquer um. Os canais de Veneza ficaram claros e receberam visitas de golfinhos, e o tráfego marítimo no Mar Mediterrâneo quase desapareceu. Animais terrestres também fizeram a festa, seja aqui no Brasil , mas também pelo mundo afora , sendo vistos com mais frequência e liberdade.
A boa notícia é que o ser humano, tão plenamente adaptável e racional, tem conseguido na medida do possível adaptar-se a mais essa nova realidade. Não sem alguns percalços no caminho, mas buscando alternativas dentro de si e em seu ambiente ao redor. A má notícia é que teremos de nos adaptar ainda mais.
As projeções de alguns especialista
s é de que, por dois anos, teremos de nos alternar entre períodos de quarentena e não quarentena, até que o vírus desapareça de vez. Mais do que isso, teremos de estar preparados, graças aos nossos aprendizados dessa pandemia,
para possíveis surgimentos de novos vírus
ainda desconhecidos no futuro. E como ficam então as relações nesse vai e vem?
Esse contato não provoca somente as sensações boas que já conhecemos (e sentimos saudades!). Ele é importante também para um bom desenvolvimento cognitivo, emocional e social.
“Segundo a Teoria da Mente, uma grande região do cérebro humano (e de alguns primatas) se chama cérebro social: temos neurônios-espelho que se ativam quando estamos em contato com outros; ou seja, o confinamento é uma medida excelente contra as pandemias, sabe-se há séculos, mas pode afetar as pessoas que têm grandes necessidades empáticas (o que não significa que não se justifique)”, explica ao EL PAÍS a neurologista clínica Teresa Cristina Guijarro Castro. Para se ter ideia, se não somos abraçados o suficiente quando somos bebês, seja pelos nossos pais ou algum cuidador, nosso cérebro se desenvolve mais lentamente e com menos potencial que as demais crianças, segundo Kory Floyd, pesquisador da Universidade do Arizona nas áreas de funções psicocognitivas.
Portanto, fique calmo: ao sentir essa saudade do contato humano, você não está sozinho e nem exagerando. É o seu cérebro que deve estar ativando seus modos mais profundos de sobrevivência. Sendo assim, como será o futuro das relações pós-pandemia? Difícil de prever.
Apesar de toda essa saudade, os cientistas ainda buscam respostas para esses novos contatos humanos. Os próprios encontros, por exemplo, já sofreram alterações, e o “ webdate ”, ou seja, o encontro online e por vídeo, já tem recebido cada vez mais adeptos . Até mesmo o sexo já tem se provado adaptável à distância. Uma pesquisa revelou que 31% dos brasileiros cederam ao “ sexting ”, que é aquele bate papo mais pessoal e íntimo entre um casal. Para pesquisadores, isso não é de todo ruim: as relações que vinham se tornando cada dia mais líquidas e frágeis, hoje se veem capaz de driblar grandes obstáculos.
Mais do que isso, elas atingiram níveis de profundidade em conversa que em um cenário normal, poderiam não ter atingido, pela simples falta de necessidade. Será difícil lidar com a falta do toque, é o diz Robin Dunbar, professor emérito de psicologia evolutiva da Universidade de Oxford, à reportagem da BBC . "O contato físico faz parte do mecanismo que usamos para estabelecer nossos relacionamentos, amizades e afiliações familiares", diz ele.
Nosso sistema complexo de endorfina pode ser desencadeado ao simples toque de outra pessoa, e isso vem desde nossa história como primatas, quando o toque na pele peluda nos fazia sentir quentes e positivos. O que haverá, enfim, segundo especialistas, é um pequeno limbo de distanciamento físico, ainda que temporário, mas um nível de profundidade nas relações interpessoais ainda maior. Sem o toque, estaremos fadados a procurar outras saídas para suprir essa falta de contato. E a conversa, a genuína preocupação com o outro, a vontade de estar por perto, ainda que de maneira digital - tudo isso já faz parte do “novo normal”.
Essa não é a primeira vez que passamos por isso. No século XV , o rei Henry VI proibiu beijos para deter a peste bubônica. No surto de HIV, de Tuberculose, Hanseníase e tantos outros, houve o medo de se relacionar e até de um simples aperto de mãos com qualquer um que pudesse estar infectado, até por pura desinformação. Mas superamos tudo isso. Voltamos a nos relacionar. Nos encaixamos, nos adaptamos e, mais do que isso, confiamos na ciência e buscamos conhecimento. Afinal, descobrimos que AIDS não se transmite por espirro, dentre outros mitos que caíram por terra.
As relações humanas foram fundamentais para que a espécie atingisse tanto êxito histórico, pela sua capacidade de se manter em grupo, cooperar e se reproduzir. Ao longo dos anos, muito teve de ser revisto, tanto a níveis culturais como de saúde. Esse período será lembrado no futuro somente como mais um dos obstáculos vencidos da humanidade.
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