Para Inspirar

Desmistificando conceitos: o que é a Síndrome do Pânico?

O male que já atinge até 4% da população mundial, segundo a OMS, em sua maioria jovens, ainda pode estar cercada de tabus e preconceitos.

9 de Setembro de 2022


No quarto episódio da nona temporada do Podcast Plenae, conhecemos um lado da cantora Wanessa que nem todo mundo conhece: as profundezas de sua mente. Não por acaso, é esse o pilar que ela representa nesta edição. Em seu relato, a artista divide momentos pessoais da infância que criaram nela um profundo medo da morte. 

E esse medo evoluiu para a chamada Síndrome do Pânico, um quadro muito mais agravado e até mesmo clínico do que um simples “medo”. Mas do que se trata essa síndrome afinal? É importante começar pelos seus sintomas: ela é caracterizada por crises de ansiedade repentina e intensa com forte sensação de medo ou mal-estar, acompanhadas de sintomas físicos, como explica a biblioteca de saúde do Ministério da Saúde brasileiro.  

Ele pode ocorrer a qualquer momento do dia, possui uma duração média de 15 a 30 minutos e nem sempre possui um gatilho evidente, a ponto do paciente conseguir identificar o que desencadeou aquela crise. Um fato curioso e triste é que, muitas vezes, as crises que sucedem a primeira se dão justamente pelo medo de sentir aquilo de novo.

Ou seja, a experiência é tão desconfortável e até traumática, que as outras crises podem se dar pelo simples medo de experimentar toda essa montanha-russa de sentimentos novamente. É o medo de passar por isso que pode levá-lo a passar, por assim dizer. 

Mas isso não é uma regra, afinal, como foi dito, nem sempre o gatilho é evidente e ele pode ser múltiplo. O de Wanessa, por exemplo, era o medo de morrer acarretado de uma infância marcada por acidentes que, de certa forma, expuseram sua fragilidade humana desde muito jovem. 

E falando em jovens, eles são os mais atingidos: segundo a Organização Mundial da Saúde, a Síndrome do Pânico (ou Transtorno do Pânico, conhecido como TP) já atinge de 2 a 4% da população, uma parcela bastante alta, com pico entre os 20 e 24 anos de idade, sendo que normalmente acomete pessoas acima dos 14 anos.

O cérebro

Apesar de gerar sintomas físicos, quando os pacientes portadores da síndrome são submetidos a exames clínicos, geralmente nada é encontrado - e daí é que vem a frustração. Como assim eu não tenho nada se me senti à beira de um precipício? Pois é, porque todo esse desdobramento aconteceu somente em seu cérebro, mais especificamente na região central dele. 

Segundo o psiquiatra Cyro Masci, nosso cérebro foi sendo formado aos poucos, seguindo o processo de evolução de todos os seres vivos. "É como se fosse uma casa que foi ganhando "puxadinhos" para atender às necessidades que foram surgindo." A ansiedade, por exemplo, é um mecanismo de defesa natural muito utilizado por nossos antepassados para se prevenir de ataques, ou seja, era seu corpo avisando para que ele ficasse alerta.

Seguindo a explicação de Cyro, a primeira parte do cérebro surgiu para atender às necessidades básicas de sobrevivência e exigia poucas funções essenciais. "Por exemplo, colocar o corpo em movimento para ir em busca de alimento e também disparar um alarme de emergência diante de perigos no ambiente, como fugir de outros animais para não virar comida”.

Mas com o passar do tempo, a sociedade evoluiu e ganhou novos ares e até novas ameaças. Nosso cérebro, portanto, foi tendo que adaptar-se às mudanças e, em um processo evolutivo, desenvolveu uma nova região do cérebro, mais sofisticada por assim dizer: a amígdala cerebral. 

Trata-se de um grupo de neurônios localizados nas profundidades do lobo temporal (lateral), de tamanho pequeno e que fazem parte do sistema límbico, processando as emoções. A Síndrome do Pânico ocorre quando essa região está desregulada e emite falsos sinais de perigo. "Imagine um carro que possua alarme contra ladrões, que é a nossa amígdala cerebral. Esse dispositivo tem que existir para proteger o veículo”, diz o psiquiatra ao Terra,

Quando esse alarme estiver desregulado, ele irá reagir a estímulos errados ou então tocará 'do nada', sem motivo algum. "O sistema de alarme desregula, toca por motivos errados ou sem motivo algum e gera informação errada de que há um grande perigo acontecendo", complementa Cyro Masci.
É mais ou menos isso que acontece na Síndrome do Pânico: o seu cérebro entende que está sob ameaça e coloca todo o seu corpo para reagir diante dessa ameaça, ainda que ela não exista de fato ou esteja sendo superestimada. Mas como e por que essa espécie de alarma desregula?
Em geral, por excesso de estímulos, o que não seria uma grande novidade em uma sociedade tão acelerada. Mas ele pode ter sido acionado diversas vezes na infância, seja por excesso de situações traumáticas ou estressantes, como foi o caso de Wanessa, ou em outro período da vida. "A genética também contribui, mas até o momento a ciência não sabe exatamente qual gene está alterado", diz Cyro.

Na fase aguda, o indivíduo pode sentir até mesmo pontadas no peito e falta de ar, o que o leva a crer que está tendo um infarto, por exemplo. Há ainda outros sintomas, como sudorese excessiva, tontura acompanhado de náusea, formigamentos e tremores, sensação de pernas bambas, calafrios ou ondas de calor e, nos piores casos, até mesmo um desmaio pode acontecer. O tratamento é completamente individual, e precisa fazer sentido para a pessoa que sofre desse mal. Há diferentes abordagens psicoterapêuticas, com sessões de terapias específicas para isso, como a hipnose, ou uma abordagem psicanalítica para entender a origem do medo.  Há ainda as abordagens medicamentosas e, para isso, é preciso o acompanhamento de um médico psiquiatra. São muitas as opções de remédios no mercado e também não há uma resposta certeira de qual fará melhor para você, é preciso testar ao lado de um profissional.  Importante reforçar que, no caso da abordagem psiquiátrica, é sempre proveitoso ter um psicólogo acompanhando junto pois, enquanto o paciente não entender a origem dos seus medos e identificar os primeiros sinais de uma crise e seus gatilhos, ele não conseguirá lidar de forma mais profunda com a situação, somente irá gerenciar crises.  Ter uma rotina, sobretudo do seu sono, não só deve como pode te ajudar e muito a manter seu corpo mais controlado. Exercícios físicos, como sempre, ajudam principalmente na liberação de hormônios importantes para a sua sensação de bem-estar e também para fortalecer ainda mais sua rotina.  Para alguns pacientes, se afastar de substâncias como álcool e outras drogas será necessário, pois elas podem agir como gatilhos para novas crises. Vale ressaltar, ainda, que alguns medicamentos como anfetaminas (usados em dietas de emagrecimento) ou drogas (cocaína, maconha, crack, ecstasy, etc) podem aumentar a atividade e o medo, promovendo alterações químicas que podem levar ao transtorno do pânico, como ressaltou a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva em seu site. Não tenha vergonha de procurar ajuda, pois sem tratamento, a Síndrome só tende a piorar. É preciso estar acompanhado de bons profissionais e reconhecer seus gatilhos. Saúde mental é tão importante quanto a saúde física, como sempre reforçamos por aqui, e é parte do processo que pode te levar a uma qualidade de vida e, porque não, a uma longevidade.

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Carola Videira em "A inclusão é uma luta de todos"

Na décima primeira temporada do Podcast Plenae, ouça o relato emocionante sobre maternidade e inclusão de Carola Videira.

6 de Março de 2023



Leia a transcrição completa do episódio abaixo:

[trilha sonora]

Carola Videira: Desde muito nova, eu pressenti que teria filhos especiais. Eu estudei fisioterapia, o meu primeiro estágio foi na AACD, uma instituição que cuida de pessoas com deficiência. Durou só uma semana, eu liguei pra minha mãe e falei: “Mãe, vem me buscar porque eu não vou trabalhar aqui. Eu tenho certeza que eu vou ter um filho assim”. Não era hora de lidar com aquilo. A segunda vez que eu verbalizei esse pensamento foi quando o meu marido me pediu em casamento. Eu disse: “Eu só aceito casar com você, se eu souber o que você vai fazer se tivermos um filho com deficiência”. E ele respondeu que amaria igualmente. A terceira foi a caminho da maternidade. Eu escrevi uma carta pra minha mãe pedindo ajuda, caso alguma coisa acontecesse. Porque, apesar da gestação ter sido tranquila, eu sabia que tinha algo errado ali. 

Geyze Diniz: Carolina Videira sempre soube que teria um filho com deficiência. E, claro, ela sabia que esse filho mudaria sua vida pessoal. Ela só não imaginava que ele lhe traria um novo propósito profissional.  Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se. [trilha sonora] Carola Videira: O parto foi tranquilo, João nasceu saudável. Mas, quando ele tinha 3 meses, eu percebi que ele estava demorando pra firmar o pescoço. O corpo do João continuava bem molinho. Passou mais de um mês até o pediatra concordar comigo e pedir um monte de exames. O João fez o teste do pezinho ampliado, que rastreia mais de 50 doenças. A gente investigou de erros inatos do metabolismo até problemas oftalmológicos e todos os resultados davam normais. O médico pediu exames mais complexos. E foi em uma ressonância magnética de crânio que detectamos a falta de mielina, que é a substância que encapa nossos neurônios.  Existem mais de 8 mil síndromes catalogadas pela ciência. E pra fechar o diagnóstico de uma delas, é preciso ter ao menos três indícios diferentes. E o João só tinha um, a falta de mielina. Mesmo sem saber qual era o problema dele, a gente começou um processo de intervenção precoce. Aos 6 meses, João já fazia fisioterapia, fonoaudiologia, Terapia Ocupacional e integração sensorial. Ele foi crescendo como um bonequinho de pano. Os músculos não se firmavam, ele também não conseguia falar, porque a fala também dependia de força muscular.  [trilha sonora] Quando João completou 2 anos, chegou a hora de colocá-lo numa escola. Os médicos me disseram que, com sorte, eu encontraria vaga em uma instituição especial. Só que eu queria um colégio comum. Isso aconteceu em 2010, antes da promulgação da Lei Brasileira de Inclusão, que obriga, de fato, as escolas a aceitarem crianças e adolescentes com algum tipo de deficiência.  Eu consegui uma vaga em um colégio particular porque eu conhecia a dona. A babá ia junto com o João pras aulas, porque ele precisava de cuidado integral. Assim que ele entrou na escola, eu me deparei com diversas barreiras de preconceito das outras pessoas. Alguns pais não queriam a presença do João na sala. E o meu filho não fazia mal a ninguém. Ele ficava no cantinho, na cadeira de rodas, não mordia nem batia nas outras crianças. Mas mesmo assim, ele não era bem-vindo por todo mundo. [trilha sonora] Mas não foi só o meu filho que foi excluído. Eu também me sentia excluída da sociedade. [trilha sonora] Os lugares que eu frequentava eu deixei de frequentar, porque não tinham nem rampa. Muitos amigos se afastaram. Vários convites deixaram de chegar, porque as pessoas não sabiam como lidar com o João. E ao invés de me perguntarem o que fazer, era muito mais fácil sumir. Eu fui descobrindo que ser mãe de uma criança com deficiência é uma experiência duplamente solitária. [trilha sonora] Na escola, embora aceitassem a presença do meu filho, não acreditavam no desenvolvimento pedagógico dele. Por exemplo, todas as crianças levavam pra casa atividades uma vez por semana. E quando eu chamei uma reunião pra perguntar porque que não tinha atividade pro João, me perguntaram se queriam que mandassem lição para eu fazer, porque meu filho não era capaz.  Eu, que já tinha um mestrado em neurociência, pensei: “Acho que alguém vai ter que rasgar o diploma. Afinal aquela fala ia contra tudo que eu estudei. Todo cérebro tem capacidade de aprender. Se o João ainda não aprendeu, é porque a gente não tá sabendo ensinar”. [trilha sonora] Um dia, a Cláudia, a babá, me contou que, toda vez que o João chorava, as professoras pediam para ele sair da sala. E aí ela me disse: “Por que que a senhora paga escola? Se é pra ficar passeando no corredor, deixa que eu levo ele no parque”. E quando eu fui questionar o colégio, a presença da babá foi proibida em sala de aula. Disseram que eu precisaria contratar uma acompanhante terapêutica ou uma professora só pra ele. O João não se comunicava com palavras, só que ele tinha compreensão das coisas. Ele ria na hora que era pra rir. Ele chorava quando tinha algum desconforto. A risada e o choro não eram aleatórios. Mas só a Cláudia e eu acreditávamos no potencial do João. Ninguém mais acreditava, nem mesmo o meu marido.  [trilha sonora] Quer dizer, isso entre os adultos. Porque as crianças tinham muito interesse pelo João.  [trilha sonora] Um dia, a professora leu um livro chamado “A História de João Jiló”. Que é a história do fruto, o jiló, que é amargo e que ninguém gostava dele, mas também nunca ninguém tinha experimentado pra saber. O João dava gargalhadas com esse livro. E aí, toda vez quando ele ficava incomodado com alguma coisa, os colegas começavam a contar essa história para fazer ele rir. E os alunos apelidaram o João de João Jiló.  Pro meu filho ter amigos, eu comecei a convidar esses colegas para irem na minha casa. As crianças começaram a entender a dinâmica e passaram a insistir pros pais convidarem o João também. O primeiro convite chegou quando ele tinha quase 4 anos. Uma mãe me ligou e falou: “Olha, me desculpa se eu não souber usar as palavras certas. Mas a minha filha quer muito que o seu filho venha brincar aqui em casa. Você deixa? O que que eu preciso fazer?”. Eu desliguei o telefone e chorei. Talvez ela não faça a menor ideia até hoje do significado daquele convite. [trilha sonora] Foi mais ou menos nessa época que eu decidi engravidar de novo. As pessoas achavam uma insanidade, mas eu fui em frente. Procurei um geneticista que me pediu um exame de genoma do João. E foi assim que a gente finalmente recebeu um diagnóstico. O João tinha uma alteração no DNA, que levava a uma síndrome chamada Pelizaeus-Merzbacher like. “Like”, de “como”, em inglês, porque não era exatamente a mesma síndrome, mas a que mais se aproximava. É uma alteração tão rara, mas tão rara, que na época só existiam 18 casos catalogadas no mundo. Um detalhe curioso da história foi descobrir que eu tenho a mesma alteração genética. A doença só não se manifestou em mim porque eu sou mulher. Então, o médico recomendou que eu fizesse uma fertilização in vitro e implantasse o embrião de uma menina. Esse procedimento é permitido pela lei, nesses casos. Nós fizemos a inseminação e assim nasceu a Maria Cecília, uma criança sem nenhuma deficiência.  [trilha sonora] Minha filha ainda era pequena quando nos mudamos para Boston, nos Estados Unidos. Fomos pra lá, porque encontramos um médico que estava estudando a mesma alteração genética do João em Harvard. Esse pesquisador incluiu o João em um estudo que usava uma tecnologia chamada estimulação transcraniana. O objetivo era aumentar o nível de mielina do cérebro dele. O que de fato aconteceu e melhorou a capacidade de resposta do corpo do João. Os cientistas colocaram no João um equipamento chamado tobii eye, que faz rastreamento ocular. A gente descobriu que o João conseguia controlar as pálpebras. Quando ele piscava, era como se ele clicasse num mouse. Com muita dificuldade, o meu filho mostrou que ele entendia tudo o que a gente falava, coisa que eu nunca tinha duvidado. O que faltava era ferramenta de comunicação. Foi através do computador e das piscadas que ele conseguiu interagir com a gente. E aconteceu uma coisa incrível. Ele clicou as letras “j-o-a-o” e escreveu o nome dele no computador.  Quando a gente voltou pro Brasil, eu levei o equipamento pra escola. As pessoas se emocionaram, choraram e acharam que aquilo fosse um milagre! Mas eu falei: “Não, não é milagre não. Isso é falta de formação e de informação. Se ele é capaz de identificar as letras mesmo sendo retirado da sala de aula, pensem no que ele pode aprender se vocês acreditarem nele do mesmo jeito que eu acredito?”.  [trilha sonora] Foi a partir dali que eu falei pra mim mesma: “Eu vou incluir o João na escola. Eu vou incluir João no mundo”. E eu me vi num cenário de muito privilégio. Primeiro, porque tenho formação acadêmica. Segundo, porque tenho condições financeiras. Terceiro, porque tive força, coragem e saúde mental pra lidar com aquela barra toda. Mas, aí que eu comecei a me questionar: “Cadê as outras crianças com deficiência? Por que que eu não vejo elas no Brasil? Nas escolas? Nas ruas?”. Eu parei e refleti: “Caramba, não é só pelo João que eu tenho que lutar. Tem milhares de outros Joões e Marias nesse Brasil que precisam de ajuda. É isso que eu vou fazer. Se eu incluí o João, que é o mais difícil, pelas questões das múltiplas deficiências, eu vou incluir todo mundo. Eu quero que todas as escolas tenham crianças diversas, com e sem deficiência, com diversidade racial, religiosa, cultural. Foi assim que eu entendi o que ia fazer para o resto da minha vida.  [trilha sonora] Eu fui me capacitar pra trabalhar nessa causa. Porque, apesar da neurociência, eu nunca tinha trabalhado no ambiente escolar. Quando eu trazia os meus aprendizados pro colégio, me botavam de canto, e falavam: “Aqui você é mãe, nós os educadores”. Ok. Então, eu fiz uma especialização em práticas inclusivas e gestão das diferenças. Depois, entrei num doutorado pra estudar violência escolar. Aí, eu não era mais apenas a mãe do João. Eu era uma neurocientista, educadora, mãe do João e da Maria.  [trilha sonora] A essa altura nós estávamos em 2014. A Lei Brasileira de Inclusão estava sendo redigida. Essa lei garante o que tá na nossa Constituição desde 1988: o acesso à educação para todas as crianças. O texto é lindo, só que se a gente colocar esses alunos para dentro da escola, sem preparar os professores,  retirar as barreiras isso vai ser inserção. Não vamos estar incluindo ninguém. Foi aí que eu criei uma ONG pra fazer essa legislação ser de fato cumprida. Foi assim que nasceu a Turma do Jiló. [trilha sonora] Eu gosto desse nome. O “turma” é porque eu não faço nada sozinha e eu tive um bando de amigo que me ajudaram desde sempre. E “jiló” não é só por ser o apelido do João, mas pela analogia com o fruto. O jiló é muito gostoso, se você souber preparar. É a mesma coisa com a inclusão. Muita gente ainda acha que esse assunto é mimimi, chato. Só que a inclusão é boa para todo mundo, se a gente souber fazer. Criamos uma metodologia a partir dos meus estudos sobre escolas inovadoras que vi pelo mundo. Adequamos o processo pra realidade brasileira, fomos atrás dos melhores educadores do país. Procuramos o Ministério Público, conseguimos autorização pra aplicar o método em uma escola pública em Santana do Parnaíba, na região metropolitana de São Paulo. Era um colégio com um índice de violência absurdo, tinham 63 alunos com alguma deficiência. O índice de evasão escolar era em torno de 40%. Confesso que tomei um baita susto, eu estava acostumada com o ambiente privado e eu sabia que o desafio seria gigantesco. [trilha sonora] Foi um projeto de um ano inteiro, que envolveu funcionários, professores, alunos e as famílias. O Ministério Público fez uma pesquisa na região pra medir a evasão escolar daquele colégio que caiu para menos de meio por cento.  [trilha sonora] Daí, o método virou política pública, a ONG nasceu de fato e a Turma do Jiló se expandiu pra outras escolas públicas e privadas e também chegamos nas empresas. A gente já atendeu mais de 100 mil pessoas, entre estudantes e funcionários, e já formamos mais de 3 mil professores. [trilha sonora] Conciliar o trabalho da ONG com a maternidade ficou bem mais difícil quando o João chegou na adolescência. Por causa dos hormônios e o metabolismo dele qualquer resfriado virava uma pneumonia. Passamos três anos entrando e saindo de UTIs. Nesse processo, o João foi perdendo o pouco que ele tinha. Já não podia mais comer pela boca, já não podia mais entrar no mar nem na piscina. O momento mais difícil foi ter que tirar o João da escola. Eu levei um tempo para entender, pra aceitar, me preparar. Mas, quando o João era bebê, teve um médico que me disse: “Não precisa gastar seu tempo nem o seu dinheiro. Deixa ele bem cuidado, dentro de casa, porque ele não vai viver nem dois anos”. O meu filho já estava com 13. [trilha sonora] No dia 28 de novembro de 2021, um domingo, eu coloquei o João pra dormir e na segunda-feira ele não acordou.  Quando ele morreu, pela primeira vez, eu me questionei se deveria continuar o trabalho da Turma do Jiló. Eu não sabia se eu ia ter força. Mas aí, a única vez que eu sonhei com o João desde então, ele me disse: “Mãe, esse não era o meu propósito. Era o seu propósito”. E é mesmo. Então, desistir não é uma opção. E aceitar a exclusão não é uma opção.  [trilha sonora] Mas, o mais bonito disso tudo é que, depois da morte do meu filho, eu passei a ter mais tempo pra cuidar da Turma do Jiló e da Maria Cecília. 2022 tá sendo o ano mais incrível da minha vida. Eu ganhei um prêmio extremamente importante no terceiro setor, que é o Empreendedor Social do Ano. E também venci o prêmio das Nações Unidas pelo trabalho que eu faço frente a redução das desigualdades.  O João me ensinou muitas coisas. A lição mais importante de todas foi a de ser humana. A gente não nasce humano, a gente se torna humano. E aceitar o diferente é parte fundamental desse processo, porque a gente aprende a acolher as contradições que todos nós temos. Mas essa luta não pode ser só do excluído. Ela tem que ser de todos nós.  [trilha sonora] Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae. [trilha sonora]

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