Para Inspirar
Na quinta temporada do Podcast Plenae - Histórias para Refletir, inspire-se com a fé generosa de Fafá de Belém
13 de Junho de 2021
Leia a transcrição completa do episódio abaixo:
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Fafá de Belém: A primeira vez que eu senti uma grande manifestação Divina foi na minha Primeira Comunhão. Eu tinha uns 9 anos. Fiz a confissão sozinha, solitária, e fui orar. Em determinado momento, era como se eu não estivesse ali. Eu me lembro perfeitamente. Essa sensação se repetiu várias vezes na minha vida. Senti isso na igrejinha onde os 3 pastorinhos de Fátima foram batizados, em Fátima, Portugal. Senti em Santiago de Compostela, na Espanha. No Círio de Nazaré, em Belém do Pará, também é assim. De repente, eu começo a chorar sem saber o porquê. Na Porciúncula, em Assis, na Itália, o choro foi tão intenso, que eu não conseguia me controlar. Morri de vergonha, porque eu urrava. Vem uma onda de frequência Divina tão alta, muito, muito, muito alta, que me arrebata.
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Geyze Diniz: Ela nasceu como Maria de Fátima, nome em homenagem a uma promessa à Nossa Senhora de Fátima. Mas depois se tornou Fafá de Belém, em homenagem a sua terra natal, Belém do Pará. Fafá é peregrina, devota e, acima de tudo, dona de uma trajetória de fé que vai desde seus encontros com Papas, até suas conversas íntimas com Nossa Senhora de Nazaré.
Mergulhe na emocionante trajetória de fé e espiritualidade de Fafá de Belém. Ouça, no final do episódio, as reflexões do rabino Michel Schlesinger para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.
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Fafá de Belém: A minha relação com a fé começa antes de eu existir. Quando o meu pai tinha 7 anos, em Portugal, na década de 30, ele teve febre tifóide. Foi desenganado pelo médico e recebeu a extrema unção. E uma tia dele muito, muito religiosa, estava voltando de Fátima e então ele fez uma promessa pra Nossa Senhora. Ele beberia a água do Santuário e se recuperaria e a primeira filha que ele tivesse seria dela.
Eu acredito que nós temos um Deus interior muito, muito poderoso, que é a fé. Ela empurra a gente pra frente, mesmo quando todo mundo diz que não tem luz no final do túnel. Qualquer fagulha de um fósforo se apagando é luz, e luz é esperança. O meu pai criança tinha essa fagulha divina, de que ele ficaria bom bebendo a água de Nossa Senhora de Fátima, que já vinha carregada de emoção e fé. Ele se recuperou, teve 3 filhos antes de mim, meus irmãos, e eu fui obviamente dedicada à Nossa Senhora de Fátima, que me acompanha desde então.
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A minha relação com a fé é ainda mais forte, porque eu nasci em Belém do Pará, a cidade com a maior procissão mariana do mundo: o Círio de Nazaré. O Círio acontece no segundo domingo de outubro, desde 1793. A fé do paraense é tão próxima e poderosa que, quando chega final de setembro, ela é quase palpável. A frequência de Belém muda. É como se a cidade inteira brilhasse, num estado de amor absoluto.
A relação que qualquer paraense estabelece com a fé não é do medo, nem da punição. A nossa fé é FELIZ. Nós temos uma amiga, uma companheira, uma mãezinha, uma confidente que nos ouve, pra quem nós confessamos o inconfessável, pra quem nós pedimos o que não se pode pedir pra ninguém. Ela é Nossa Senhora de Nazaré. Ela é tão próxima de nós, que ela é Naza, Nazinha, Nazarezinha, Nazoca, e até Nossa Senhora de Nazaré, pra quem não tem muita intimidade. Eu entendo também que a fé não tem nada a ver com religião.
O primeiro Círio de Nazaré a gente acompanha no colo de alguém, vestidinho de anjo. No segundo, você vai com alguém te segurando, sentadinho numa varanda ou numa cadeirinha, vestidinho de anjo, com a sua coroa. Pelo resto da vida INTEIRA, todos nós paraenses temos um grande amor pelo Círio. Eu participei de todos, nos meus 64 anos. Quando eu não podia tá lá presencialmente, alguém me avisava pelo telefone: “Lá vem a Santa! A santa tá chegando!”. Aí eu me ajoelhava, onde quer que estivesse. Cantava o hino Vós Sois o Lírio Mimoso, rezava uma Ave Maria, agradecia à saúde, à família, aos amigos, pedia paz, pedia amor. Depois da internet, eu podia acompanhar virtualmente. Mas sempre que foi possível, eu estive lá.
A igreja católica vai à frente do Círio, claro, mas a procissão é ecumênica. Todo mundo tá lá: candomblé, umbanda, muçulmano, judeu, espírita, e até os ateus. Entre os evangélicos, a Adventista de Sétimo Dia e a Igreja Batista abrem seus templos para distribuir água e receber peregrinos ou romeiros, que precisam de um acolhimento. Todos pedem bênçãos à Nossa Senhora de Nazaré, aquele ser de luz que passeia em forma de uma imagem, pequenina, pelos rios e ruas de Belém.
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Há 10 anos, eu organizo a Varanda de Nazaré, um espaço pra receber pessoas de outros lugares e mostrar pra elas a nossa fé alegre. Eu levo amigos, artistas, teólogos, jornalistas, intelectuais, pessoas que não necessariamente têm conexão com a espiritualidade. Eu quero que eles sintam o que é ver 2 milhões de pessoas em estado de fé, felicidade e gratidão.
O historiador Leandro Karnal escreveu que a Varanda de Nazaré foi uma das experiências mais bonitas que ele já teve. Ele, que já foi coroinha, mas é ateu, de repente rezando Salve Rainha e cantando todas as músicas religiosas, de Maria de Nazaré a Oração de São Francisco. Essa é a grande transformação do Círio. O Círio não exige nada de ninguém. Basta você estar aberto pra sentir a experiência.
Quem vai na procissão, diurna ou noturna, não consegue andar. Tem que soltar o corpo e sentir aquela grande onda que navega pelas ruas de Belém. O corpo não pode oferecer resistência, porque quem comanda o ritmo é a procissão. Isso, por si só, já é um poder muito grande. Todas as casas, prédios chiques ou simples, barracas de feira, comércios, todos têm o cartaz do Círio. A gente ouve histórias de cura, de livramento. Relatos de milagres temos todos os dias. Eu acredito que tudo que a gente quer com muita fé e que vem do fundo da alma acontece.
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Em 1995, eu tive um ano muito difícil. Profissionalmente foi ótimo, mas enfrentei o final de um relacionamento muito doloroso. Custei a me recuperar. E um ano depois, ainda abalada, eu estava em Portugal e fui passar uns dias na Itália com a minha filha, Mariana, uma amiga, Marluce e a filha dela, Roberta. Achei estranho, porque eu não estava conseguindo achar lugar em nenhum hotel. Mas finalmente conseguimos 2 quartos geminados, na Piazza di Spagna. Chegamos na quinta-feira e eu falei: “Meu Deus, que coisa linda tá a cidade”. E minha amiga, que é muito mais conectada do que eu, que sou muito desligada, respondeu: “Fafá, a gente tá na Páscoa! Na Itália, em Roma!”. Cara, eu estava passando por um período tão complexo, que eu nem me dei conta da data.
No dia seguinte, sexta-feira da Paixão, fomos jantar num restaurante próximo ao Vaticano, uma trattoria que eu adoro. E na saída, ouvíamos cantos gregorianos, cânticos, e fomos atrás daquele som que vinha pelas ruas. A gente foi andando até o Vaticano e aí, nas muralhas do Vaticano, nas arcadas, havia centenas de peregrinos com violão, outros só em coral, outros só abraçados acompanhando, cantando em louvor ao Nosso Senhor Jesus Cristo. Estava uma Lua cheia, uma coisa linda, e nós voltamos pro hotel e eu fiquei com aquela imagem na cabeça. No sábado, a gente assistiu tudo pela televisão, a cidade tomada de gente e no domingo, domingo de Páscoa, eu acordei bem cedo, comecei assistir a missa pela televisão e eu disse: “Não, eu vou”. Tentei chamar a Mariana, acordar, não conseguia. Liguei pra minha amiga que também não atendia o telefone e a filha dela atendeu e disse: “Tia, eu vou com a senhora”.
Nós saímos correndo pela Piazza di Spagna, não tinha táxi, não tinha nada que nos levasse a lugar nenhum, e aí fomos a pé até o Vaticano. E foi incrível. Era uma concentração de fé tão forte, que me arrebatou fisicamente. Parecia que eu estava trocando de pele. Eu, que sempre tive grande admiração pelo Papa João Paulo II, porque eu acredito que ele foi o primeiro, pelo menos do que eu tenha memória, a não se colocar como Deus, mas como homem, de repente, ele apareceu na janela. Foi aquela comoção, gritaria, choro. Eu desejei do fundo da minha alma um dia abraçá-lo. E falei pra Beta, filha da minha amiga: “Tudo que eu queria na vida era um dia poder abraçar esse homem”.
[trilha sonora] Um ano depois, eu estava voltando de Angola, no dia 25 de agosto de 1997. Quando o avião aterrissou, peguei o celular e a caixa postal estava lotada. Tinha 10 mensagens de um amigo, muito amigo meu falando “Fafá, onde você tá!? O Papa quer falar contigo!” e coisas nesse tom, e eu achei que era aquela brincadeira "ninguém consegue te achar, é mais fácil falar com o Papa". Mas, a última mensagem era ele me dizendo numa voz mais séria: “Fafá, por favor, me liga assim que você pegar essa mensagem”. Eram 7h30 da manhã, ele é uma pessoa que acorda tarde, mas eu telefonei assim mesmo. Ele falou: “Graaaaças a Deus, porque eu não aguento mais tá atrás de ti. O Vaticano quer falar contigo”. E eu: “Você tá brincando comigo, né?”. Ele falou: “Não, não estou brincando com você. E eles queriam te fazer um convite. Mas o interlocutor disse que tem que falar com você antes, porque não se pode dizer ‘não’ ao Vaticano. E o Vaticano não pode retirar um convite feito”. Aí eu pensei: “Meu Deus do céu, só falta ser uma oportunidade pra eu assistir à missa do Papa! Eu falei com tanta gente pra descolar um convite pra ver o Roberto Carlos cantar pra ele!”. Nunca podia imaginar que o convite era pra EU cantar. Eu cantar pro Papa. [trilha sonora] Era 25 de agosto de 1997. E do dia 25 ao dia 4 de outubro, eu não tive uma noite completa de sono. Eu acordava a meia noite angustiada e incomodei todos os meus amigos. Eu tirava o tom, voltava com o tom, achava que estava tudo errado. Era muito, era muito pra mim. Sabe, uma menina, nascida na beira do Igarapé, em Belém do Pará, que tem Nossa Senhora de Fátima como a proteção desde antes de nascer, receber um convite do Vaticano. Aquele convite significava muita coisa. O Papa, naquele momento e naquele ano, estava reconhecendo a importância da mulher. E além do mais, ele era devoto de Nossa Senhora de Fátima. Eu queria aproveitar a oportunidade pra realizar meu grande sonho e dar um abraço nele. Pedi para a organização, pedi para a Guarda Suíça, mas todo mundo dizia que não podia, não podia, não podia. Aí, no dia do evento, aconteceu um negócio muito louco. Cheguei no Maracanã e dormi até a hora que eu tinha que subir no palco pra cantar. Quando eu comecei a cantar a Ave Maria, em determinado momento, eu não via mais o Maracanã. Eu via a campanha das Diretas. Eu via o povo brasileiro. Eu via o Brasil. E no intervalo do solo da orquestra, eu desliguei completamente e quando eu voltei, eu estava abraçada com o Papa. Eu voltei a mim, abraçada com o Papa, e lembrei que não podia, eu tinha aprendido isso, eu não podia, ajoelhei e beijei o anel dele. [trilha sonora] Eu fiquei fora do ar uns 3 ou 4 dias, em estado de êxtase. Eu via a cena pela televisão e chorava e me perguntava: “Por que eu?”. [trilha sonora] Eu sempre fui uma pessoa fora do convencional. Usava e uso decote, tenho uma filha que eu tive sem me casar, nunca fiquei militando de carola, com bandeiras, pregando a favor da castidade, ou contra não sei o quê, eu sempre fui muito privada na minha fé. Eu perguntava pra mim: por que eu? Não tinha uma resposta.
Nove anos depois, eu recebi outro convite do Vaticano, dessa vez pra cantar pra Bento 16, em Valência, na Espanha. Seria eu e a cantora lírica Montserrat Caballé. Quando o meu olhar cruzou com o do Papa Bento 16, eu fiquei fascinada. Eu vi nos olhos dele todo o mar. E mais uma vez eu perguntei: mas, por que eu?
Levei essa dúvida pra Dom Romer, que durante muito tempo esteve ao lado do arcebispo do Rio de Janeiro, e ele me disse: “Minha filha, você foi a escolhida porque tem um discurso que é absolutamente coerente com as suas ações". Segundo ele, haviam vários nomes na mesa e o fator decisivo foi a coerência entre o que eu faço e o que eu falo, porque é isso que a Igreja precisa.
Eu nunca imaginei que esse ponto teria sido fundamental pra minha escolha. E pra mim foi muito importante, porque eu defendo essa coerência desde que me entendo por gente. Eu cresci tendo que administrar muitos “nãos”. Saí de casa aos 17 anos. Eu nunca era a mais bonita, eu não era a menina que queria ser miss, eu não era aquela que estava atrás de um casamento, eu não era magra e vinha do Norte, um lugar completamente fora do eixo artístico convencional. E mesmo assim, eu achei o meu lugar, sem abrir mão do que eu sou e do que eu acredito.
Eu ainda cantei para um terceiro Papa! Em 2013, quando eu soube que o Papa Francisco vinha pra Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, eu me ajoelhei diante de Nossa Senhora de Fátima e disse pra ela: “Agora TEM que ser eu”. E fui escolhida novamente e tive a honra, a graça e a glória de levar o Círio de Nazaré pro Papa Francisco e para todo mundo conhecerem o que é a fé da minha terra.
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Acho o Papa Francisco um grande ser humano. Estou lendo um livro dele, em que ele diz que a gente, quando se confessa, não é para ser punido, é pra conversar com Deus, para refletir junto com ele sobre os nossos atos. Deus não manda o pobre se ajoelhar no milho, nem o rico construir um templo pra poder perdoá-los. Quando a gente reza dez Ave Marias ou dez Pai Nossos, é porque isso vai fazer a gente refletir sobre o que nos levou a tomar uma atitude contrária à nossa natureza, ao que julgamos correto e ao que é correto. E a minha fé é assim, a minha fé é leve, intuitiva, e é puro amor. Sou Fafá de Belém, sou católica, mas a minha religião é a fé.
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Miguel Schlesinger: Cada religião tem a sua linguagem, os seus rituais. Mas a fé, a espiritualidade, é algo que extrapola as doutrinas e as diferenças entre elas. Quando a Fafá de Belém fala sobre a presença de várias religiões no Círio de Nazaré, é sobre este elo em comum a que ela se refere. Tanto faz se o seu ritual é um pouco assim ou um pouco assado, o que importa é essa busca por um sentido da vida, é a crença em algo maior.
Existe um conceito judaico que se chama Tikun Olam, em hebraico, a ideia se refere ao aprimoramento do Universo. Esse conceito está presente em todas as religiões. A gente tem o dever de fazer do mundo um lugar melhor. O sentido da vida está justamente em aproveitar essa nossa passagem por aqui para deixar uma marca, uma pegada, e essa pegada que a gente deixa é o aprimoramento do indivíduo, da sociedade e do mundo.
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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.
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Para Inspirar
Fomos investigar quais são as diferenças deste órgão tão complexo que é o cérebro e como isso pode refletir em nossos comportamentos e habilidades
18 de Julho de 2023
Recentemente, a participação de atletas trans em competições olímpicas gerou debates e polêmicas ao redor do mundo. Sobretudo quando se trata de uma mulher transsexual que está competindo na categoria feminina e que, frequentemente, é acusada de ter mais aptidão ou vantagens física do que outras por já ter sido homem antes.
É fato que há diferenças entre os corpos, mas o debate é legítimo e todos os lados possuem um ponto. Mas nós fomos além: será que há uma diferença entre o cérebro de uma mulher e de um homem? A resposta é: sim. Isso não quer dizer que um seja melhor do que o outro. São apenas diferenças pontuais que te contaremos a seguir!
Vamos começar pelo começo. Primeiro, é preciso distinguir a ideia de sexo biológico e morfológico versus a ideia de gênero. Enquanto o primeiro está relacionado a uma combinação de genes e órgãos respectivos a homens ou mulheres, o segundo é uma identidade construída socialmente.
Sendo assim, gênero está relacionado à ideias antiquadas, como as de que homens gostam de azul e meninas gostam de rosa, por exemplo. Isso nada tem a ver com ciência de fato e muito menos com os nossos cérebros, já que são estímulos somente sociais e que não só podem, como devem ser desconstruídos.
A ideia de gênero nos atravessa tanto, desde que somos crianças, que isso pode gerar uma não-identificação por parte de algumas pessoas que, apesar de terem nascido com um determinado sexo biológico, se identificam mais com os papéis atribuídos ao seu oposto.
São as pessoas transsexuais, ou seja, que optam por se transformarem em outro sexo para assim, se reconhecerem mais. Mencionamos elas logo no começo desse artigo, por serem alvos de críticas relacionadas ao esporte, mas não para por aí: são vários os mitos e verdades acerca do tema, como trouxemos neste artigo aqui, e que continuam violentando essa população.
Separados os conceitos, vamos entender agora a diferença entre o cérebro masculino e feminino segundo seu sexo biológico. Essas disparidades, vale dizer, não tornam um melhor do que o outro, apenas com mais aptidões específicas em frentes diferentes.
A primeira diferença é referente a memorização e capacidade motora. Neurocientistas da Universidade da Pensilvânia fizeram uma pesquisa analisando cerca de mil jovens para concluir que a conectividade entre diferentes partes do cérebro se desenvolve de forma distinta entre os dois.
Nas mulheres predominam as conexões entre os dois hemisférios do cérebro, e nos homens prevalecem as conexões interiores de cada hemisfério. Isso resulta em algumas características mais predominantes em um e em outro. Essa dinâmica parece ficar mais evidente após os 14 anos, o que leva os pesquisadores a acreditarem que há influência dos hormônios da puberdade envolvidos nesse processo.
Mas, o que tudo isso significa? Que as mulheres exibem melhor pontuação no conhecimento social, na memória, na inteligência linguística e até na compreensão dos sinais. Já os homens têm, em média, mais habilidades motoras, capacidade de trabalhar focado em um tema só e uma maior percepção espacial.
Segundo Fabiano de Abreu Rodrigues, neurocientista e neuropsicólogo com extenso currículo, para o jornal Estadão, apesar do cérebro feminino ser ligeiramente menor que o do homem - até pela sua estrutura corporal -, o fluxo sanguíneo e a proporção de substância cinzenta delas são mais avantajados.
Ainda segundo ele, quando a mulher fala, os dois lados dos lobos frontais são ativados e no deles apenas o lado esquerdo. O hipocampo (região relacionada à memória) delas é maior, quando a amígdala (reguladora das emoções e memórias relacionadas a emoção, comportamentos sociais e excitação sexual) é menor.
O sistema dos neurotransmissores serotonina, dopamina e GABA das mulheres é mais robusto, com maior concentração na própria corrente sanguínea. Por isso, elas podem sentir mais as variações de humores, por exemplo, que também está relacionado, claro, às questões hormonais inerentes do sexo feminino.
Como tudo na ciência, há controvérsias. Afinal, se não houvesse quem provocasse o pensamento contrário ou instigasse a revisitação de certos dados, não seria a ciência. É o caso da neurocientista e escritora Gina Rippon. Sua principal bandeira é refutar uma teoria que, inclusive, já caiu por terra há tempos e nem foi trazida aqui nesse artigo: a de que homens possuem mais massa cinzenta e, por isso, são cognitivamente superiores às mulheres.
Para ela, as diferenças psicológicas ou sociais que elas veem entre homens e mulheres não podem ser explicadas em termos de diferenças biológicas. “Não estou negando eventuais diferenças. Um cérebro nunca é exatamente igual ao outro! O que eu quero dizer é que, no que diz respeito às habilidades cognitivas, por exemplo, o sexo biológico do indivíduo terá pouca influência sobre a estrutura ou o funcionamento de seu cérebro”, diz ela à Veja Saúde.
Rippon sustenta que a criação às quais nós expomos homens e mulheres é o que acaba por fim a diferenciá-los de maneira imposta - mais ou menos o que falamos no começo deste artigo sobre gênero e identificação.
“Há tantas construções sociais que acabam por estabelecer uma diferença inevitável entre meninos e meninas. Qual é o problema disso? Significa que devemos tratá-los de maneira diferente. Que eles devem se comportar de maneira diferente. Que terão habilidades e temperamentos diferentes. E, como o cérebro em desenvolvimento é muito flexível e impressionável, marchamos para o reino das profecias autorrealizáveis”, complementa.
Lisa Mosconi, outra neurocientista muito respeitada na área, também refuta alguns velhos pré-conceitos. "Posso garantir que não existe um cérebro de gênero. Rosa e azul, Barbie e Lego. São invenções que nada têm a ver com a forma como nossos cérebros estão formados", assegura em reportagem à BBC.
O que Mosconi defende, na realidade, é que há sim diferenças entre o processo de envelhecimento das mulheres e dos homens, principalmente, mas isso está mais atrelado às situações que as mulheres vivenciam ao longo da vida do que ao órgão em si.
Além disso, ela denuncia a falta de estudos mais aprofundados que foquem somente em mulheres pois, segundo elas, há particularidades femininas em todo o corpo e comportamento que refletem ou que dão indicativos importantes sobre o nosso cérebro.
“Os cérebros das mulheres passam por mudanças significativas em pontos críticos específicos, aos quais me refiro como os "3 Ps": puberdade, gravidez (pregnancy, em inglês) e perimenopausa”, diz. Se há um encolhimento aparente no cérebro da mulher nessas situações, é para que ele se torne, na verdade, mais eficiente.
O estrogênio, hormônio feminino importantíssimo para uma série de funções do corpo da mulher, também acaba afetando o cérebro em sua falta - que, no caso, se dá na perimenopausa. A alta incidência de Alzheimer em mulheres, por exemplo, pode ser um reflexo da falta do estradiol que, outrora, protegia o cérebro. E se o assunto é memória, o fato de as mulheres serem mais afiadas pode ser prejudicial na hora do diagnóstico de algumas demências, que ficam mascaradas.
A conclusão é que não há um melhor nem um pior, mas há ainda um traço machista predominante na ciência que acaba não só por invalidar muitas mulheres cientistas e suas teorias, como também parece ter se aprofundado, ao longo da história, muito mais nos homens do que nas mulheres.
O que sabemos hoje é que há algumas questões nem tanto da ordem anatômica, mas do funcionamento do cérebro, que pode privilegiar algumas capacidades para eles e outras para elas. Mas, também sabemos que o nosso cérebro é um órgão plástico - a neuroplasticidade que te contamos aqui - e que, se for devidamente estimulado, é capaz de feitos incríveis.
Portanto, todo comportamento social engajado e incentivado a uns, devem ser a outros também, para que haja a equidade entre homens e mulheres e para que ambos sejam devidamente celebrados. Nenhum cérebro é exatamente igual ao outro, e isso é o que há de mais belo dentro de nós.
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