Para Inspirar

Falta de amigos é tão nocivo à saúde quanto fumar

Não fazer amigos afeta o organismo, envelhece o cérebro e desfavorecem o bem-estar na maturidade.

6 de Fevereiro de 2019


Ser popular aos 20 anos e solidificar as amizades aos 30 é uma das receitas para a longevidade. Segundo pesquisadores da Universidade de Rochester, as interações sociais nessa fase ajudam a construir uma série de ferramentas importantes para solidificar valores e ajudar a lapidar a personalidade, fatores que favorecem o bem-estar na maturidade. “Geralmente é na juventude que conhecemos pessoas de origens diversas, com opiniões e valores diferentes dos nossos, e aprendemos a melhor forma de lidar com essas diferenças”, disse a psicóloga Cheryl Carmichael, líder do estudo. Não fazer amigos afeta o organismo. “Ter poucas conexões sociais é tão nocivo como fumar cigarros, é pior do que ingerir quantidades excessivas de álcool ou sofrer de obesidade”, disse ela. Três observações importantes:
  1. Chegar aos 30 anos com muitos amigos não garante benefícios psicossociais futuros. Mas quem chegou lá, com relacionamentos de qualidade – definidos como íntimos e satisfatórios – relatou depois altos níveis de bem-estar na meia-idade.
  2. Ser um jovem de 20 anos socialmente ativo também não garante boas conexões aos 30 – quando o engajamento social de qualidade parece impactar mais no futuro.
  3. Interagir com mais pessoas – até mesmo com conhecidos casuais – dá um sentimento de pertencimento, que leva à felicidade, de acordo com estudo de 2014 publicado no Boletim de Personalidade e Psicologia Social.
Método. Carmichael contatou indivíduos que foram colegas de faculdade na década de 1970 e dez anos mais tarde participaram do Rochester-Interaction Record (RIR), estudo sobre a natureza e o impacto das experiências.  Dos 222 integrantes que passaram pelas duas fases do estudo original, a psicóloga acompanhou 133. Leia o artigo completo aqui .

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Para Inspirar

Itamar Vieira em "A literatura é um instrumento de humanização"

A oitava temporada do Podcast Plenae está no ar! Confira a história do autor Itamar Vieira. Aperte o play e inspire-se!

15 de Maio de 2022


Leia a transcrição completa do episódio abaixo:


Itamar Vieira Junior: Ninguém na minha família tinha o hábito de ler. Mãe, pai, avós, tios, primos, muito menos os meus irmãos, que são mais novos do que eu. O único livro que existia em casa era a Enciclopédia do Estudante, que ficava numa prateleira baixa, de fácil acesso pra mim.

Quando aprendi a ler, eu pegava esse livro e lia e relia os verbetes com muito interesse. Aprendi sobre Madame Curie, sobre os planetas do Sistema Solar, sobre um quadro de Repin, que é “Ivan, o Terrível e seu filho Ivan”, sobre a biblioteca de Alexandria, sobre o mapa do Brasil e de outros países. Aquela enciclopédia era o meu refúgio, e foi o meu primeiro contato com um livro. 

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Geyze Diniz: O premiado escritor baiano Itamar Vieira Junior, com seu olhar e sensibilidade, transformou em romance a Bahia que poucos conhecem. Na sua premiada obra “Torto Arado”, traduziu em páginas como o contexto ao redor pode ter muitas nuances.

Conheça a história do soteropolitano Itamar Vieira Junior. Ouça no final do episódio as reflexões do rabino, escritor e dramaturgo Nilton Bonder para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.

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Itamar Vieira Junior: Eu nasci na Cidade Baixa, um bairro histórico e portuário de Salvador, onde fica o Mercado Modelo. Depois, morando próximo ao centro da cidade,  vizinho à nossa casa, existia um armazém de secos e molhados, que parecia saído da década de 1940. Ele tinha cestos de ovos no teto, uma caixa registradora antiquíssima, fardos de feijão e arroz no chão, com uma canequinha que pegava pra pesar o grão naquelas balanças bem rudimentares. A filha do dono desse armazém era a professora Marlene, e foi ela quem me alfabetizou, quando eu tinha 5 anos.  


Na minha escola, não tinha biblioteca. Mas, um vizinho que estudava numa escola melhor que a minha fazia empréstimo de livros pra mim. Eu lia a obra num dia e devolvia, aí ele trazia outra coisa. Virou quase um vício naquele período. Um desses livros foi O Caso da Borboleta Atíria, de Lúcia Machado de Almeida. Eu fiquei fascinado pela história em que borboletas, grilos e outros animais que eu via no bairro e em casa falavam.

Como aquilo era possível? Eu entendi que aquele livro tinha sido escrito por alguém. Fiquei tão inspirado, que escrevi uma história que emulava a da Lúcia Machado de Almeida, só que mudando os insetos. Esse foi o primeiro texto que eu escrevi, aos 7 anos, e nunca mais parei. Mas esse hábito virou um segredo que eu guardaria até dos meus amigos.


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Na infância, eu li muito Luiz Puntel, Marcos Rey e outros autores da Coleção Vaga-Lume, uma série de livros infanto-juvenis que formou uma geração de escritores e leitores. Por falta de conhecimento e de alguém que me indicasse leituras, eu comecei muito cedo a ler autores maduros. Com 10, 11 anos, eu li Machado de Assis. Fiquei tão impactado, que eu queria devorar tudo dele, inclusive as obras que hoje as pessoas não dão muita importância, como Iaiá Garcia e Helena.

O meu exemplar de
Helena eu comprei juntando o dinheiro que meu pai dava para o lanche, quando ele podia. Foi nessa época também que eu conheci Eça de Queiroz e fiquei impressionado com O Primo Basílio, que eu ainda considero um dos grandes romances de língua portuguesa. Depois, descobri Jorge Amado, Érico Veríssimo e o meu primeiro livro de poesia, do João Cabral de Melo Neto. 


Eu só fui saber da importância dessas pessoas, quando comecei a ter aula de literatura na escola, lá pelos 15 anos. A minha professora, Teresinha Accioly, era apaixonada pelo tema e falava sobre os livros com paixão, com brilho nos olhos. Por influência dela, eu li Graciliano Ramos e Raquel de Queiroz. Esses autores me apresentaram o mundo rural, que eu só conhecia pelas memórias do meu pai, criado no campo até os 15 anos.

Nessa época, eu escrevi 80 páginas do que seria o primeiro esboço de
Torto Arado, uma história sobre duas irmãs que viviam numa propriedade rural e tinham o pai como uma figura importante. O manuscrito se perdeu numa mudança de casa, mas o enredo ficou na minha cabeça até se tornar um livro, 25 anos depois.

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A situação em casa era tão difícil, em termos financeiros, que eu achava que eu não conseguiria fazer universidade e que a minha vida ia ser igual à dos meus pais. 

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Minha mãe estudou somente até a oitava série do Ensino Médio, e o meu pai era técnico em contabilidade. Mas aí, quando eu estava no 3º ano, agora em uma escola melhor, eu descobri na biblioteca, depois de ler tudo o que tinha de literatura, os livros de geografia e história. Eu gostei muito da ideia de conhecer outros lugares e culturas, ainda que de maneira teórica, e prestei vestibular para geografia, com o intuito de me tornar professor.

Durante a universidade, o meu interesse pela literatura permaneceu. Eu continuava escrevendo e acumulando histórias pra talvez contar algum dia no futuro, mas já sem a esperança de me tornar um escritor. Depois da graduação, prossegui com um mestrado e quis seguir carreira como professor universitário.

Fui chamado para ensinar na Bahia e em Sergipe, mas na época eu prestei um concurso para o Incra, o
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, e dei preferência para essa vaga. O trabalho parecia desafiador, sem rotina e com a chance de sempre conhecer lugares e pessoas novas. 


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Como servidor do Incra, acompanhei muito de perto a vida de mulheres e homens em assentamentos de reforma agrária e também em terras quilombolas e indígenas. Eu descobri que as histórias que meu pai contava sobre a infância dele eram reais e atuais. O campo ainda tem uma certa natureza preservada, uma paisagem social e econômica que se modificou pouco ao longo do tempo. Até hoje, estão lá o conflito entre a modernidade e a tradição e as relações sociais que remontam, muitas vezes, o período do Brasil Colônia.

Sempre que eu conversava com as pessoas da zona rural, elas manifestavam uma espécie de declaração de amor à terra. Muitas se recusavam a ir pra cidade, porque achavam que não conseguiriam sobreviver sem as coisas que a terra proporciona. É um ambiente de amor e ódio, porque há muita violência, mas também há muita solidariedade.


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Já estava trabalhando no Incra, quando publiquei um livro de contos, em 2012. Foi só aí que meus amigos e minha família souberam que eu tinha o hábito da escrita. As vivências acumuladas como servidor foram crescendo dentro de mim e serviram de material pra construir a narrativa de Torto Arado.

A história das duas irmãs e da relação delas com o pai ainda estava muito viva em minha mente. À medida que eu fui mergulhando no campo e conhecendo as batalhas d
as pessoas, as personagens que eu criei na adolescência ganharam densidade e profundidade.


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Sempre me perguntam se eu me inspirei em alguém para criá-las. Eu digo: sim e não. Não, porque não é uma pessoa só, e sim, porque muitos indivíduos que eu conheci atravessaram as personagens de alguma maneira. Torto Arado também reúne elementos da minha formação acadêmica como geógrafo. Eu nunca penso que as personagens estão num palco, num cenário inanimado.

Elas interagem com as construções, com o vento, com a chuva, com o sol, com a estiagem. No doutorado, eu me aproximei da antropologia, e esse conhecimento me deu repertório, como autor, pra eu me despir da minha moral, da minha ética e compreender que as personagens são seres autônomos. 


Quando o livro ficou pronto, em 2018, eu não tinha editora nem muito conhecimento a respeito do meio editorial. Fiz uma pesquisa na internet sobre concursos literários e o primeiro resultado que apareceu foi o Prêmio Leya, que eu nem conhecia. Mandei o arquivo faltando cinco dias pra encerrar as inscrições, e só depois fui pesquisar sobre o prêmio. Olhei os vencedores, o júri e vi que o concurso era voltado para o público português.

Não acreditei que ia dar em nada, nada mesmo, mas aí, seis meses depois, recebi um telefonema do poeta Manoel Alegra, dizendo que o livro era o vencedor. 
Eu fiquei surpreso. Enquanto eu escrevia Torto Arado, imaginava em contar uma história pras pessoas à minha volta, as pouquíssimas pessoas que já liam as pouquíssimas coisas que eu escrevia. Nunca passou pela minha cabeça que o livro venceria prêmios, conquistaria público e teria boa vendagem. Nunca, nunca, nunca. Tudo isso foi surpresa, uma boa e grata surpresa.

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É muito difícil, pra alguém que escreve, responder porque uma obra sua faz sucesso. Eu já tentei ler entrevistas de pessoas do mercado editorial, agentes literários e editores falando sobre o sucesso de livros. Nenhum deles tem uma explicação plausível. No caso de Torto Arado, eu me baseio no que os leitores me dizem. A história é muito brasileira, mesmo para um país bastante diverso. A memória do campo é recente no Brasil, porque o país se urbanizou tardiamente. Então, você não viveu no campo, seus pais não viveram no campo, mas é possível que seus avós ou bisavós tenham vivido. De alguma maneira, a história captura o leitor por esse lado afetivo.


O livro toca em traumas que não foram superados por nossa sociedade, como a chaga da escravidão. A gente costuma pensar que esse assunto está no passado, mas na realidade, é muito presente no nosso cotidiano. A gente vê toda semana, na imprensa, notícias sobre o resgate de trabalhadores em situações de escravidão. A população negra ainda persiste como a mais vulnerável e mais pobre, um resquício de uma falta de política que integre essas pessoas concretamente a sociedade. Essa é a única razão que eu encontro para o percurso que o livro vem fazendo. 

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A literatura é uma arte com uma expressão muito poderosa. Por isso, eu procuro fazer com as crianças ao meu redor o mesmo que professores fizeram comigo. Eu dei de presente pra minha sobrinha O Caso da Borboleta Atíria, a obra que tanto me fascinou na infância. Ela leu, fez até uma resenha, e passou pra outra sobrinha mais nova. As duas adoraram a história, mesmo tendo sido escrita há tanto tempo. 

Aos 40 anos, eu penso que minha vida não basta pra mim, ela é pouca. Eu preciso viver outras coisas, e a leitura me proporciona esse contato com o mundo, com personagens, com dilemas humanos, com tanta coisa que a minha existência nunca alcançará. A literatura é um poderoso instrumento de humanização, porque quando nos engajamos em  uma leitura, vivemos a vida dessas personagens.

A história se desenrola em nossa imaginação, não numa tela de TV, nem de cinema, nem em um palco de teatro. A gente imagina pessoas, lugares, situações. Isso é de tanta força, que é inevitável não se colocar no lugar do outro, não sentir empatia. Como leitor, eu me sinto pleno e realizado. Ler um livro e embarcar numa história e descortinar novos mundos, pessoas e coisas que na minha vida não irão ocorrer, mas que eu vou viver, porque a literatura me permitiu. 


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Nilton Bonder: Esse relato, do percurso de Itamar a sua obra, é tão rico em emoções e contemplações quanto sua escrita. Arar a literatura em um campo assim árido, seja pela falta de modelos, ou pelo contexto onde o consumo é tão precário, admitindo apenas itens de necessidade básica e imediata, nos revela um improvável processo para colher este celebrado fruto. Algo que tanto o surpreende. Por tudo isso, a humildade de Itamar ganha outro quilate, pois não é a mera humildade da simplicidade, mas a humildade de princípios.

Essa, que vê mais relevância em presentear uma leitora infantil, introduzindo-a na literatura, do que ao próprio leitor, que celebra sua obra. 
Muito diferente do processo de imaginar um público alvo, de customizar o seu trabalho a algum agrado ou objetivo qualquer, há uma lição sobre a legítima criação aqui, aquela que escuta a si e a suas sensibilidades, e o outro, o leitor, deixa de ser um freguês, para tornar-se um cúmplice do mesmo amor. 


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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.


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