Para Inspirar
O empresário conta como ressignificou toda sua vida e seus valores depois de sobreviver a dois acidentes de carro,
7 de Novembro de 2022
Leia a transcrição completa do episódio abaixo:
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Felipe Dib: Eu pesquisei os princípios da prosperidade nas escrituras sagradas das três maiores religiões do mundo: o hinduísmo, o cristianismo e o islamismo. O princípio número um é a gratidão. E eu descobri que a gratidão deve ser demonstrada não só com pensamento e palavras. Mas, principalmente, com atitudes. É na atitude que mostramos a gratidão.
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Geyze Diniz: O professor Felipe Dib aprendeu desde jovem a importância de ser grato por estar vivo. Depois de sofrer dois acidentes de carro, ele mudou a sua maneira de enxergar o mundo. O sonho de criança de se tornar milionário foi substituído pelo desejo de retribuir as bênçãos que recebeu na vida.
Ouça no final do episódio as reflexões do Historiador Leandro Karnal para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.
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Felipe Dib: Hello, my friend! Desde pequeno, eu tinha uma meta na vida: ser milionário. Eu sonhava grande, queria comprar um avião, relógios caros… Só coisas assim. Eu me dediquei muito pra isso acontecer. Comecei a trabalhar aos 13 anos, no restaurante dos meus pais, lavando copos, servindo bebidas, às vezes cuidando do caixa. Nessa época, eu ainda ganhava dinheiro como comerciante informal. Eu vendia bonés, que uma amiga da minha mãe trazia dos Estados Unidos e também vendia tacos de "bet" em sociedade com meu primo. "Bet" é um jogo de rua que a gurizada de Campo Grande gostava muito. Nós passávamos fita isolante no cabo de um pedaço de madeira e oferecíamos aos vizinhos que quisessem comprar. Tudo que entrava, eu juntava.
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Aos 16 anos, fui pra Nova Zelândia fazer intercâmbio depois de reprovar no curso de inglês e já cheguei trabalhando. Dei aula de capoeira na escola, cuidei do jardim da diretora do colégio, lavei pratos num café e varri cimento em obras. Para economizar, meu gasto diário eram 2 miojos por dia.
Quando eu voltei pro Brasil, fui dar aulas de inglês. Prestei vestibular para Relações Internacionais e, no primeiro semestre, comecei a lecionar no centro de idiomas da universidade. Eu seguia no meu plano de ser milionário, juntando dinheiro sem parar. Até que um acontecimento mudou meu jeito de pensar. Na verdade, foram dois eventos: dois acidentes de carro no intervalo de um mês. Eu tinha 24 anos e, a partir dali, a minha vida tomou outro rumo.
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No primeiro acidente, eu estava dirigindo sozinho de Campo Grande a Três Lagoas, uma cidade no interior daqui de Mato Grosso do Sul. Eu ia participar de uma troca de cordas de capoeira para receber a minha graduação de professor. Eram umas 5h15 da manhã. O céu estava cinza, meio amarronzado, começando a amanhecer. Eu dirigia a 180 quilômetros por hora, quando, de repente, eu vi uma moto a uns 100 metros na minha frente. Naquele segundo, minha decisão foi frear, porque se não, eu passava por cima do cara.
Eu freei com tanta força que o carro derrapou e começou a girar. O movimento parecia em câmera lenta. Enquanto o carro capotava naquele asfalto duro, eu grudei no volante e comecei a falar uma frase em árabe que toda família de muçulmanos conhece: "Bismi lérri rahmane rahim", que significa “Em nome de Deus, Clemente, Misericordioso”.
Eu aprendi essa frase com o meu pai, Elias Gazal Dib, e com a minha avó, Rosa, mãe dele. A minha sitê, como se diz avó em árabe, nasceu no Líbano. E meu vô veio da Síria, fugindo de uma perseguição. Eu cresci acordando todos os dias da minha vida ouvindo meu pai rezar. Todas as manhãs, todos os dias, não importa qual seja, ele amanhece lendo em voz alta o Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos. Isso é constante até hoje. Eu me levanto às 5h30 da manhã pra treinar. Depois da academia, eu passo na casa dos meus pais e, quando eu chego, meu pai está lendo o Alcorão. Ele lê o livro de capa a capa, várias e várias vezes ao ano.
O muçulmano usa em diversas situações aquela frase que eu falei no momento da batida, em momentos tensos, para entrar em casa, para sair de casa, para começar uma oração, para fazer uma refeição, para ter uma conversa importante, antes de começar um jogo… Essa frase "Bismi lérri" é a mesma frase que começa as 114 suratas, ou capítulos, do Alcorão.
Eu não sei se foi o poder dessas palavras, mas o fato é que eu não me machuquei no acidente. O carro capotou várias vezes e parou com as rodas pra cima, a uns 100 metros da pista, do outro lado da rodovia. Minha porta não abria, eu consegui sair pelo lado do passageiro e eu ficava pensando: “Meu Deus do céu, o que foi isso? Obrigado, Senhor!”.
Aí eu escuto uma voz vindo lá da beira da rodovia: “Cê tá vivo?”. Era o cara da moto! Ele ouviu o barulho da pancada e voltou pra ver o que tinha acontecido. Eu falei pra ele: “Meu irmão, você tá com o farol apagado!”. Aí ele falou pra mim: “Cê quer carona?”. Eu perguntei pra ele: “Cê tem outro capacete?”. Aí ele falou pra mim: “Não tenho, mas não dá nada não, vambora”. Eu comecei a balançar a cabeça e dar risada. Falei pra ele: “Oh, meu irmão… Deus acabou de me livrar de uma, eu não vou pedir outra chance agora, não”.
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Peguei carona com um caminhoneiro de volta até Campo Grande e, quando eu cheguei em casa, meus pais ainda estavam dormindo, tranquilos da vida. Eu pensei comigo: "Obrigado, meu Deus". Dei um beijo neles e eles estranharam minha presença ali. "Ué, você ainda não foi?". Quando eu falei que já tinha ido e capotado o carro, os dois se levantaram da cama. Fomos pro hospital e eu fiz um monte de exames… E eu realmente não tinha machucado nada.
Naquele dia eu senti que eu precisava retribuir aquela bênção de alguma maneira. Eu estudei nas escrituras sagradas das três maiores religiões do mundo quais são os valores que trazem prosperidade. O valor número um é a gratidão.
Eu queria mostrar a minha gratidão com palavras e, principalmente, com ação. O que eu sabia fazer melhor era ensinar inglês, então eu decidi dar aulas de graça na internet, pra qualquer pessoa no mundo que quisesse aprender o idioma.
Com a indenização do seguro do carro que capotou, eu comprei um carro popular, bem mais simples que o anterior e paguei a produção de 300 vídeo-aulas que iríamos gravar para oferecer grátis online. Eu planejei essas aulas pensando em um aluno como eu, alguém que não tem facilidade de aprender. Nossas aulas são passo a passo. A aula 1 é como dizer “oi, bom dia, boa tarde, boa noite” em inglês. Aula 2, como se apresentar: “I’m Felipe Dib”, “Nice to meet you”. Aula 3: “How are you?”. Aula 4: “What's your name? First name, middle name, last name”. E assim nós vamos evoluindo.
Nós gravamos 20 aulas, mas tivemos que interromper as filmagens, porque um mês depois do acidente, eu bati o carro de novo. E dessa vez eu me machuquei MUITO.
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Era uma sexta-feira, depois do almoço. Eu estava no quarto respondendo e-mails, quando os meus pais me convidaram para fazer um passeio. Eles iam com uns amigos até Ponta Porã, uma cidade na fronteira com o Paraguai, onde muita gente da região faz compras. É um passeio comum para quem mora em Campo Grande.
Eu animei de ir, inclusive porque eu queria colocar um "toca-CDs" no meu carro "novo" entre aspas, que não tinha nem som. Meus pais foram na frente e eu combinei de pegar a minha namorada e ir com o meu carro.
Era a primeira vez que eu pegava estrada depois do acidente. Eu estava com muito medo, muito inseguro por causa da batida anterior. Eu fui bem devagarzinho. Eu dirigia a 60 quilômetros por hora, e o tempo começou a fechar, começou a chover forte. O limpador do parabrisa estava na velocidade máxima e, mesmo assim, a visibilidade era ruim. Essa viagem normalmente dura 3 horas, mas naquela velocidade e com aquela chuva, eu falei pra minha namorada: “Meu amor, nós vamos chegar lá só amanhã”. Ela falou pra mim: “Se a gente chegar pro café da manhã, eu já tô feliz”.
Aí, numa curva onde já aconteceram alguns acidentes, nosso carro aquaplanou e atravessou a pista. Dessa vez, eu não rezei. A única coisa que saiu da minha boca foi: “Caraaa…”. E aquela palavra foi interrompida pelo maior barulho que eu já ouvi na minha vida. O meu carro bateu de frente com outro, que vinha no sentido contrário. Foi uma pancada tão violenta, que eu apaguei. A frente do carro amassou igual a uma sanfona e me espremeu pra dentro do carro, que virou uma bola de ferro amassado. Eu admito que no primeiro acidente eu estava errado, eu tive 100% de culpa, mas no segundo não.
Quando eu acordei, acho que alguns segundos depois da batida, a Cy, hoje minha esposa, já tinha sido retirada do carro. Só que eu estava preso nas ferragens. Com o impacto da batida minhas pernas dobraram até ficarem grudadas no meu peito, com os meus pés em cima do volante. O meu primeiro pensamento foi checar se eu tinha ficado paraplégico. Eu tinha pouquíssima mobilidade naquela posição, mas consegui me mexer um pouquinho e percebi que eu não tinha fraturado a coluna. Naquele instante, eu comecei a agradecer a Deus. Morrendo de dor nas pernas, nos pés, o corpo inteiro queimando, ardendo, mas eu já estava agradecendo.
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Enquanto os bombeiros tentavam me soltar das ferragens, alguém pegou o meu celular e ligou pros meus pais. Eles, que também estavam na estrada, só que mais à frente, voltaram em direção a Campo Grande. Mas o acidente tinha bloqueado a rodovia, então eles desceram do carro e caminharam um tempão até chegar no local da batida. De repente, eu vejo minha mãe, chegando desesperada e gritando: “Meu filho! Meu filho!” Eu fiz um sinal de joia pra ela com o polegar, sinalizando que estava tudo bem, mas não estava.
Deve ter demorado umas 3 horas até os bombeiros conseguirem me soltar das ferragens. Quando eles esticaram o meu corpo na maca, o grito que eu dei deve ter chegado a Campo Grande. A dor era insuportável. No hospital, descobriram que eu fraturei 6 costelas, calcâneo, fêmur, um osso na face. Minha boca não se mexia, meus olhos ficaram pretos. Depois, eu soube que eu tinha fraturado um osso na coluna também.
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Eu passei 29 dias internado, sentindo dor sem parar um minuto, sem conseguir dormir. Por causa das fraturas, eu não conseguia me mexer, talvez em alguns meses eu conseguiria me levantar. Eu tinha que fazer as necessidades na cama. O código para fazer o "number 2" era chocolate. Minha mãe colocava um lençol como cortina e eu ficava um tempão pra conseguir, precisando de ajuda para me limpar… E aí eu fui tendo a constatação de que o dinheiro não compra as coisas que têm mais valor na vida. A grana que eu tinha no banco não tirava a minha dor, não me dava mobilidade, não me ajudava a dormir. O dinheiro é fantástico para um monte de coisas, mas ele não seria a causa da minha felicidade, como até então eu acreditava.
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A minha vontade de devolver todas as bênçãos que eu tinha recebido veio com mais força ainda. Eu me lembro de uma noite lá no hospital, segurando as mãos dos meus pais e chorando, eu falei pra eles: “Deus foi muito bondoso comigo. A partir de agora eu vou dedicar minha vida pra agradecer, vocês vão ver. Enquanto eu não fizer a diferença na vida de cem mil pessoas, eu não vou sossegar”.
Quando eu tive alta, fui levado de maca pra casa dos meus pais, ainda sem me mexer da cintura pra baixo. Eu liguei pro produtor que eu tinha contratado antes, pedindo pra gente dar sequência nas gravações. Eu não podia sair da cama, e por isso ele ia em casa. Eu gravava as aulas ali, sentado na cama dos meus pais. Segundo nossos alunos eu estava muito arregalado e muito amarelo naquelas primeiras aulas. E eles têm razão, eu estava feio demais.
Depois de meses de fisioterapia, dedicação, graças a Deus eu voltei a andar. Eu sabia que esse gesto de gratidão duraria pra sempre, não seria algo passageiro. Já se passaram 10 anos desde que eu comecei a postar as aulas na internet. De lá para cá, a equipe cresceu e nós criamos uma plataforma própria, o Você Aprende Agora.com. Já são 41 milhões de aulas lecionadas para alunos em 181 países.
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Há dois anos, nós começamos a produzir conteúdo do currículo de inglês da BNCC pro Ensino Fundamental e Médio. Nosso curso hoje é transmitido pela TV aberta, chegando a milhões de pessoas que não têm nem celular, muito menos internet. Meu sonho é levar o Você Aprende Agora pros estudantes das escolas públicas. Eu ainda não consegui, mas um dia eu chego lá.
Eu trago o exemplo que eu tive em casa, de me preocupar em como eu posso ajudar as pessoas, o que eu posso fazer para retribuir a bênção de estar vivo. Eu sou um muçulmano que crê que todas as religiões pregam a mesma mensagem, com palavras diferentes. Todas buscam uma ligação com algo superior, que cada um chama do jeito que quiser: Cristo, Jeová, Krishna, Alá… Tanto faz. O importante é se conectar com essa força e agradecer pelo nosso bem mais precioso: a vida. Thank you very much. I'm Felipe Dib. See you next class!
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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.
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Para Inspirar
Foi com a ajuda dos livros na infância que ele se encontrou e mudou de realidade - e agora busca fazer o mesmo para outras crianças.
28 de Novembro de 2022
Leia a transcrição completa do episódio abaixo:
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Tiago Silva: Se eu tivesse seguido o caminho normal para uma pessoa com a minha origem, eu não estaria aqui contando essa história para você. Para minha sorte, a minha mãe, que é semianalfabeta, dizia: “Você tem que estudar”. Desde cedo, eu percebi que a educação era o único caminho para contrariar a trajetória de pobreza e subverter a realidade a minha volta.
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Geyze Diniz: Foi na biblioteca que Tiago Silva descobriu o poder dos livros. Através da leitura, ele ganhou confiança para defender suas ideias e ter suas próprias convicções. Hoje, ele é empreendedor social e através de seu projeto "Mochileiro pela Educação" procura contribuir para que mais jovens possam ter acesso à educação, mudando o próprio destino. Conheça a trajetória de Tiago, que já distribuiu mais de 11 mil livros em 83 cidades do Brasil.
Ouça no final do episódio as reflexões do historiador Leandro Karnal para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.
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Tiago Silva: Eu nasci numa cidade chamada Junqueiro, no interior de Alagoas. É uma cidadezinha de 20 mil habitantes, a 130 quilômetros da capital, Maceió. Cresci ouvindo que meu estado tinha alguns dos piores índices do país em relação a analfabetismo, desigualdade social, IDH e mortalidade infantil.
Junqueiro é rodeada por canaviais. No período da queimada da safra, a cana vira um pó, que se dissipa no ar e entra nas residências. A gente colocava uma lona entre o telhado e as vigas de madeira do teto pra barrar essa fuligem. Mas não adiantava muito. O chão de cimento queimado ficava imundo e eu acordava cheio de pó. Aí eu tomava banho de cuia no quintal, porque a gente não tinha chuveiro.
Em casa também não tinha televisão. Em 1994, quando eu completei 5 anos, a prefeitura instalou uma TV na rua vizinha. Foi o ano em que o Ayrton Senna morreu, ano também em que o Brasil ganhou o tetra na Copa do Mundo de futebol. Eu me lembro do pessoal assistindo aos jogos e gritando. Tudo isso tá guardado na minha memória, porque foto da minha infância eu só tenho uma. Sou eu neném, sentado numa cadeirinha. A minha mãe diz que ou a gente tirava uma foto ou comia, então ela preferia gastar com comida.
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A minha mãe criou os 4 filhos com a ajuda da minha avó. Eu e meus irmãos temos pais diferentes. Eles conheceram os pais e foram registrados por eles. Eu nem isso. A nossa infância foi marcada pelo julgamento alheio por essa característica familiar. As pessoas me perguntavam: “De quem você é filho?”. E eu respondia: “Da dona Quitéria”. “Mas quem é seu pai?”. Essa pergunta me deixava sem jeito, porque ela não tinha resposta.
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Durante muito tempo, a minha mãe trabalhou como gari, varrendo as ruas. Ela conta que muitas pessoas perguntaram se ela não queria dar os filhos pra outras famílias com mais condição de criar. Era uma coisa comum na minha região. Mas, apesar das dificuldades, ela nunca cogitou fazer isso.
Em casa, a comida era contada. Todo dia, no café da manhã, a minha avó abria um pacote de biscoito de água e sal. Em cada embalagem vinham 28 biscoitos. Dava sete pra cada criança. A mensagem da minha avó era: “Coma bastante na escola”. Eu fazia isso. Forrava o estômago com merenda, para aguentar o rojão do dia. Quando tocava o sino do intervalo, eu saía em alta velocidade para ser o primeiro da fila e, depois, repetir o prato. A comida era boa demais, com coisas que a gente gosta aqui no nordeste, tipo cuscuz com ovo, macaxeira e inhame.
A minha avó era analfabeta e mais voltada pro trabalho. Ela dizia: “Vocês têm que trabalhar, porque filho de pobre não estuda, filho de pobre trabalha”. Não é que ela não acreditasse no nosso potencial. Ela ouviu isso durante muito tempo e foi repassando a crença. Mas a minha mãe pensava de outro jeito. Apesar de também não ter tido acesso aos estudos, ela acreditava que a educação poderia mudar o nosso destino. E insistia pra gente estudar.
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Eu ia bem na escola, só tirava 9 e 10. Era o melhor aluno da classe em matemática. Só que eu conversava demais na aula e, por isso, era convidado a me retirar da classe com frequência. Um dia, quando eu tinha 13 anos, um professor me viu no corredor e disse: “A partir de hoje, você vai ser monitor da biblioteca”. E eu: “Biblioteca, professor? Nada a ver isso! Nem combina comigo, porque eu nem gosto de ler”. Ele retrucou: “Você vai ser monitor da biblioteca, vai catalogar e limpar livro. Você vai ler um livro por mês e me entregar um relatório”.
Eu não tinha como dizer não, porque não era um pedido, era uma ordem. Então eu fui para biblioteca, com uma sensação de “meu Deus, que que eu tô fazendo aqui?”. Mas aos poucos aquele universo foi me cativando. O primeiro livro que me chamou atenção foi Os Miseráveis. Quando eu li o título, pensei: “É, tudo a ver comigo, vou ler esse livro”. Mal sabia eu que tava pegando na obra mais clássica do escritor Victor Hugo. Era uma versão resumida, adaptada pelo Walcyr Carrasco, com 130 páginas e uma capa vermelha. Quando eu comecei a ler, eu me identifiquei com as personagens, com o contexto, com a estética literária. E fiquei imaginando como seria viver na época da Revolução Francesa, como seria viver em outro país.
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Eu me interessei por literatura clássica e nunca mais parei de ler. O livro foi um ponto de virada da minha trajetória. Por causa da leitura, o meu vocabulário foi melhorando. Eu fui ganhando confiança e comecei a defender as minhas ideias em público. Eu, que antes me sentia uma criança invisível pros outros e até para mim mesmo, comecei a me tornar uma pessoa com convicções próprias.
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Quando eu cheguei no Ensino Médio, os meus amigos da rua já não estavam mais interessados em estudar. Eles queriam se casar, ter filhos e conseguir um emprego para sustentar a família. Muitos deles já cortavam cana-de-açúcar. No período da entressafra, eles iam pro Paraná ou pra São Paulo cortar cana, e voltavam 6 meses depois.
Mas eu tinha um outro grupo de amigos com mais grana. Eles moravam no centro da cidade e eram filhos de comerciantes, tipo o dono da sorveteria, o dono do mercadinho. Essa turma tinha um discurso diferente, queria fazer faculdade. E foi assim que eu soube que existia outra possibilidade de futuro.
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A essa altura, as minhas irmãs mais velhas tinham engravidado na adolescência e só completaram o ensino médio. Era a repetição da história familiar. Mas eu queria outra vida pra mim. A minha mãe, que nem sabia o que era universidade, apoiou a minha decisão de continuar estudando.
No período pré-vestibular, eu trabalhava de manhã como garçom, estudava à tarde e à noite fazia cursinho numa cidade vizinha. Chegava em casa à meia-noite e, no outro dia, acordava às 5 da manhã, pra começar tudo de novo.
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Eu passei numa universidade pública e mudei de cidade pra estudar Medicina Veterinária. Consegui me manter com bolsa de estudo, mas percebi que a minha vocação era outra. Prestei vestibular de novo e entrei num curso tecnológico de Recursos Humanos, em Maceió.
Eu fui a primeira pessoa da minha família a fazer faculdade. Eu sabia que ter um diploma seria um divisor de águas e romperia o ciclo da pobreza. Por isso, ainda durante o curso, o meu plano era devolver a educação o que ela fez pela minha vida. E assim nasceu um projeto chamado Conversando sobre Carreira. Eu convidava profissionais de várias áreas pra falar com os jovens de escolas públicas, pra contar como a educação transformou suas vidas. O meu objetivo era dar pra esses adolescentes o que eu não tive: a oportunidade de conversar sobre o futuro. E nada melhor melhor do que o exemplo de pessoas com histórias reais e inspiradoras.
Os jovens ficavam encantados nas palestras. Muitos deles nunca tinham visto um médico fora do hospital. Nunca tinham conversado com um engenheiro, um bombeiro, um veterinário. Carreira e ensino superior eram sonhos distantes para os mais pobres.
Durante 2 ou 3 anos, eu consegui levar os convidados, todos voluntários, para lugares próximos a Maceió. Mas a minha ideia era atingir lugares mais longínquos, comunidades mais carentes, chegar a quilombos e aldeias indígenas. E aí eu não encontrava quem quisesse ir, porque a pessoa não queria perder um dia de trabalho. Eu pensei: “Meu Deus, como esse projeto vai andar agora?”. Aí eu me lembrei: o livro! As personagens estão lá, as histórias estão lá. Eu posso dar uma palestra e distribuir livros.
Então eu fui num alfarrábio, num sebo, e comprei 10 livros. Dois exemplares d’A Menina que Roubava Livros, dois O Pequeno Príncipe, dois Alice no País das Maravilhas, dois O Caçador de Pipas e dois O Menino do Pijama Listrado. Não foram escolhas aleatórias. Com essas obras, eu poderia trabalhar competências sócio-emocionais e valores, como amizade, coragem e amor.
E aí eu comecei a colocar livros na mochila e levar para as escolas, mesmo que eu fosse sozinho. Eu postava essas fotos no Facebook e um amigo comentou assim: “Tiago, você é um mochileiro pela educação”. E não é que o nome pegou?
Já são 10 anos de trabalho, 83 cidades visitadas em 13 estados brasileiros e 11 mil livros distribuídos. O Mochileiro pela Educação se consolidou como um negócio de impacto social, balizado em três grandes frentes, que são: construir um mundo onde os mais jovens leem, construir um mundo onde mais jovens inspiram e construir um mundo onde mais jovens empreendem.
Quando eu chego numa escola, eu começo contando a minha história. A minha palestra se chama “O fracasso não suporta jovens que sonham”. Os estudantes veem que eu sou uma pessoa igual a eles, com uma origem parecida com a deles, e começam a alimentar a esperança. Tipo: se esse cara consegue, eu também consigo. No fim da palestra, eu digo: “Mas não é uma história isolada. Também tem a história do Pequeno Príncipe”. E dessa maneira eu introduzo o livro. Cada aluno ganha um exemplar e a tarefa de ler a obra, pra gente discutir depois.
Com essa estratégia, eu sinto que eu consigo mostrar pros jovens que a educação salva vidas. E educação não é só português, matemática e outras competências técnicas. É também o olhar sensível de um professor, como aquele que me mandou pra biblioteca. É conhecer novos mundos através do livro. E, claro, é a chance de ter um diploma universitário. Porque uma coisa é você ir pra faculdade, entender que aquilo não é para você e escolher outro rumo. Você teve a oportunidade. Outra coisa é nem sequer sonhar com essa possibilidade, por não acreditar no seu potencial ou porque alguém disse que não é pra você. A universidade é para todos, desde que a pessoa queira, acredite e conheça os caminhos pra chegar lá.
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A educação transformou não só a mim, mas a minha família também. A minha mãe sentia vergonha de andar com a gente, porque ela era xingada por ter um filho de cada pai. Hoje, as pessoas pedem para tirar foto com ela, por ser a mãe do Mochileiro pela Educação. Ela é tímida e fica sem jeito, mas no fundo ela adora. De tudo que a gente conseguiu, o que me deixa mais feliz é a felicidade da mãe. É ver o orgulho que ela sente por ter acreditado na educação como ferramenta pra mudar as nossas vidas.
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Leandro Karnal: Tiago Silva tem uma história muito bonita. Vindo de uma realidade de muito desafio, de pobreza, em meio a cultura do corte de cana, em meio a falta de perspectiva e de esperança. Pessoas honestas, trabalhadoras, mas que dada a formação e a sua realidade imaginavam que o grande destino era formar família, casar e trabalhar na lavoura. O Tiago foi tocado por alguém que o obrigou a ler e leu uma adaptação do Walcyr sobre a grande obra do Victor Hugo, Os Miseráveis. E a partir dali o livro acendeu nele a vontade de crescer, a vontade de ser mais. E ele foi enfrentando os desafios, fez a faculdade, tornou-se a primeira pessoa da família a fazer faculdade e criou um projeto, primeiro, Conversando sobre a Carreira, levando pessoas formadas para conversar com jovens de escolas públicas onde eles podiam ver que, sim, era possível ser médico, veterinário, era possível ser engenheiro, era possível sonhar. Porque se é verdade que toda função é digna, todo trabalho honesto é digno, como é bom oferecer um horizonte, uma esperança. E ele quis repetir a experiência que os livros representaram para ele, de transformação. Então ele passa a distribuir e passa a visitar escolas e vira o Mochileiro pela Educação, transformando a realidade dele, a realidade de outras pessoas. Ele consegue com isso, não apenas deixar claro para os outros que é possível, mas ressignificar sua própria história. Ele transforma dificuldade em oportunidade, de fato em todos os sentidos o Tiago é um vencedor, é um modelo, é uma história muito inspirada pra gente refletir.
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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.
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