Para Inspirar
Na quarta temporada do Podcast Plenae - Histórias para Refletir, conheça o trabalho inspirador de Gabi e Kety, em Flores para os Refugiados
25 de Abril de 2021
Leia a transcrição completa do episódio abaixo:
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Gabriela Shapazian: Ninguém escolhe ser refugiado. São pessoas como eu, como você, com a diferença que sofreram um trauma que a gente nem consegue imaginar o tamanho. Eles perderam tudo: os bens, a dignidade, muitas vezes a família. Eles saem de casa e vão pra outro lugar desconhecido recomeçar a vida do zero. E ainda são mal recebidos quando chegam. Um homem do Iêmen me disse que era a primeira pessoa que olhava ele no olho, sem ar de superioridade. Eu trato os refugiados de igual pra igual, porque é assim que eu gostaria de ser tratada se tivesse no lugar deles. Quem disse que um dia eu não posso ser uma refugiada também? Eu não sei o que vai acontecer com o mundo daqui a 10, 30, 50 anos. Se eu tiver que entrar num bote de borracha pra fugir da guerra ou da miséria, eu quero que do outro lado do mar tenha alguém pra me receber com um abraço. [trilha sonora]
Geyze Diniz: A ativista Gabriela Shapazian se dedica a ajudar refugiados desde os 16 anos. Ela se apaixonou pela causa quando trabalhou como voluntária na Grécia ao lado da mãe, Kety. As duas recepcionavam pessoas que atravessavam o mar em condições precárias vindos do Oriente Médio, da África e da Ásia. Nessa viagem, Gabi mudou a sua visão de mundo. A vida confortável que ela levava em São Paulo deixou de fazer sentido pra ela. E para financiar o trabalho da filha nessa missão humanitária, Kety criou um negócio: o Flores para os Refugiados. Ouça no final do episódio as reflexões da especialista em desenvolvimento humano, Ana Raia, para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.
Kety Shapazian: Em 2015, as notícias sobre a crise dos refugiados na Europa me abalaram muito. Eu me sentia impotente vendo milhares de pessoas atravessando o mar em barcos precários. Vendo crianças morrendo afogadas. Vendo autoridades de braços cruzados. A minha filha, Gabriela, de tanto me ouvir reclamar, falou: “Faz alguma coisa, mãe, compra a passagem e vai pra lá ajudar”.
A gente começou a pesquisar sobre o assunto. Encontramos no Facebook um grupo de voluntários na ilha de Lesbos, na Grécia. Comprei uma passagem pra dezembro e reservei um hotelzinho numa praia chamada Skála Sykamineas. Naquela época, a maioria dos barcos com refugiados chegava naquele ponto.
Na mesma época em que eu ia pra Grécia, a Gabi tava de viagem marcada pra Itália. Ia passar duas semanas de férias em Roma e Milão, com a minha mãe. Mas ela começou a se empolgar muito mais com a minha viagem do que com a dela. Queria ir comigo de qualquer jeito.
Eu não estava pronta pro que eu ia ver na Grécia. E me perguntava: será que era certo levar uma menina de 16 anos junto comigo? Mas Gabi me convenceu e eu resolvi arriscar. Ela foi passear na Itália e depois pegou um voo sozinha pra me encontrar em Lesbos. O plano era a gente passar 10 dias juntas trabalhando. [trilha sonora] Gabriela Shapazian: Skála Sykamineas é uma vila de pescadores, com cerca de 100 moradores, a maioria idosos. Fica só a 10 quilômetros de distância da Turquia. Quando você olha pro mar, dá pra ver a Turquia do outro lado. A vila tem uma ruazinha com um hotel pequeno, um café, um restaurante e um mercadinho. Essa rua termina na praia e, à esquerda, vira uma estradinha paralela à costa. A vila estava lotada, o que não era normal, por ser inverno.
Eu cheguei num fim da tarde. E na manhã seguinte, me vi no meio da linha de frente da maior crise humanitária desde a Segunda Guerra Mundial. Os voluntários estavam divididos em dois grupos. Uma parte ficava na terra e outra em barcos de resgate. Era ilegal tirar os refugiados do bote e colocar eles no barco de resgate. Voluntários já foram presos por salvar pessoas que estavam morrendo afogadas. Então, o jeito era encontrar o barco clandestino no meio do caminho e acompanhar ele até a praia.
Eu fiquei no grupo da terra. Por rádio, o pessoal do mar avisava: “Tem um barco vindo pra praia de Skala. Vai chegar daqui a 20 minutos. Tem outro indo pra praia tal”. Eu lembro quando vi meu primeiro barco. Na verdade, foram dois, que chegaram quase ao mesmo tempo. Primeiro, vi um pontinho preto lá longe. Depois, outro. Quando chegaram mais perto, identifiquei que eram botes de borracha. Escutei grito, chora, reza. Era uma média de 100 pessoas em um barco feito pra caber umas 20. Na primeira vez que eu vi essa cena, eu quase comecei a chorar.
Quando o barco chegou, não sei muito como explicar, bateu um negócio em mim que aquela emoção se transformou em foco. Eu não podia entrar em desespero. A meta era tirar o povo do barco o mais rápido possível, sem que ninguém caísse na água. No nervosismo, as pessoas pulavam do barco e ficavam 100% encharcadas. Muita gente chegava literalmente morrendo de frio, com hipotermia. A temperatura variava entre 5 e 10 graus. Em alguns dias, fazia 0 graus, menos 1, menos 2. Por ser ilha, ventava muito, um vento gelado. Fui lá e ajudei a tirar primeiro as crianças, depois as mulheres e por último os homens. O procedimento é colocar todo mundo em terra firme e checar se alguém precisa de médico. Depois, ajudar a tirar os coletes salva-vidas e acalmar as pessoas, porque elas chegam super nervosas. Quando todo mundo percebe que tá bem, que os filhos estão bem, a mulher, o marido, os irmãos... É uma felicidade muito grande. Eu nunca vi felicidade que nem aquela e provavelmente nunca mais vou ver. [trilha sonora]
Kety Shapazian: Em um dos meus primeiros barcos, uma família chegou e quando viu que estava em terra firme, eles se abraçaram. E eu estava ali do lado e fui abraçada junto com eles, pai, mãe e filho. Eles choravam, gritavam, agradeciam a Deus por estarem vivos. Foi um momento lindo. Muita gente falava: “Vocês são as primeiras pessoas boas que a gente encontra no caminho”. A trajetória deles é longa. Esses refugiados não saíram da Turquia, eles saíram da Síria, saíram do Afeganistão, atravessaram todo o Irã e depois atravessaram a Turquia. Saíram do Paquistão, que é mais longe ainda. Tinha gente que chegava do Sri Lanka, de Bangladesh, de países africanos. As pessoas demoravam meses pra chegar naquela praia onde nós estávamos e finalmente pisar em solo europeu. [trilha sonora]
Gabriela Shapazian: Na cabeça dos refugiados, atravessar o mar era a parte mais difícil. E a gente sabia que eles ainda iam ter muitos desafios pela frente.
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Eles iam ter que ir pro campo de refugiados, que é um lugar horrível. Iam ter que dormir lá, passar frio, esperar autorização, depois atravessar não sei quantas fronteiras a pé até chegar na Alemanha, onde pediam asilo. É uma jornada longa. Mas, naquele momento, eles estavam muito felizes e aliviados por estarem vivos.
A nossa prioridade, depois de tirar todo mundo do barco, era levar as pessoas para um campo de transição, construído pelos voluntários no meio da estrada, e dar roupa e sapato seco para todo mundo. Depois a gente distribuía comida, água e chá. Os refugiados ficavam ali umas 2 ou 3 horas, antes de serem levados pro campo onde podiam se registrar.
Enquanto um grupo de voluntários cuidava de quem tinha acabado de chegar, outro já corria pra receber os barcos. Eu olhava pro mar e dava pra contar: um, dois, três, quatro, tudo ao mesmo tempo. A gente chegou a receber dez barcos, com cem pessoas dentro de cada um, no intervalo de uma hora, em uma praia minúscula. Minha mãe e eu acabamos ficando 45 dias, não dez. Não tinha a menor possibilidade de eu ir embora e passar janeiro inteiro de férias em casa, fazendo nada.
Por mim, eu largava a escola e nem voltava pro Brasil. Mas a minha mãe fez questão que eu terminasse o Ensino Médio. Eu voltei pra casa chorando e decidida a retornar para Europa na primeira oportunidade que eu tivesse. A minha cabeça tinha virado do avesso. Eu estava 100% focada na causa dos refugiados e só pensava em voltar para a Grécia.
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Kety Shapazian: Quando a Gabi falou: “É isso que eu quero fazer da minha vida”, eu comecei a pensar numa forma de ganhar dinheiro pra bancar o sonho dela. Ser voluntário é caro, porque você paga pra trabalhar. Eu tinha saído de um emprego e estava perdida, procurando o que fazer. Até que o destino se encarregou de me dar uma luz.
A Gabi estava enlouquecida em São Paulo, querendo ajudar os refugiados. Aí a gente foi até uma ocupação de palestinos e sírios, no centro da cidade. Na primeira porta que a gente bateu, conheceu um rapaz e a mulher dele, grávida de 6 meses. Ela não estava fazendo pré-natal, não tinha enxoval. Aí eu levei ela no médico, organizei um chá de bebê na minha casa. E nesse chá de bebê, eu ganhei uma garrafinha com umas florzinhas. Na hora eu falei: “Nossa, é isso que eu vou fazer. Eu vou vender flor." [trilha sonora]
Só que eu não sabia nada sobre arranjo de flor. As únicas vezes que eu comprei flor na vida foi pra enfeitar numa casa em festa de Natal. Eu não sabia quanto pagar, quanto cobrar, nem onde vender. Aí eu comprei umas garrafinhas, umas florzinhas, montei os arranjos e fui vender por 15 reais num farol perto de cada. Aí pronto. Por causa disso, a minha mãe parou de falar comigo. O rapaz que passeava com os cachorros me viu e perguntou se eu estava bem. Um menino da escola comentou com a Gabi que tinha me visto vendendo flor na rua. A Gabi achava o máximo, e foi isso que me deu força. Porque estar no farol foi uma experiência alucinante. As pessoas fechavam o vidro na minha cara, faziam sinal de “não” com a mão. Eu me sentia muito mal. Hoje, eu tenho receio de fechar a janela do carro e magoar alguém na rua.
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Eu sempre falo: eu preciso fazer um arranjo tão bonito quanto o trabalho da minha filha. O Flores para os Refugiados não existe sem a Gabi. E o trabalho dela não existe sem o Flores para os Refugiados. São duas coisas que andam de mãos dadas. Tem cliente que nem quer saber sobre o projeto. Mas também tem gente que compra e fala: “O arranjo é lindo, mas o trabalho da sua filha é maravilhoso e eu quero apoiar”.
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Gabriela Shapazian: Eu voltei pra Europa várias vezes. Muitas das pessoas que foram pra Grécia em 2015 fundaram organizações não-governamentais. Como eu conheço elas, sou convidada pra vários projetos. Já trabalhei em escolas, dei aulas de inglês, ajudei os refugiados a fazer currículo, dei informações, organizei logística para receber doações… Enfim, várias atividades.
Em 2017, trabalhei em campos de refugiados na Sérvia. As pessoas eram torturadas pela polícia quando tentavam cruzar a fronteira para sair do país. Elas chegavam com braço, perna, costela quebrados, com mordidas de cachorro no corpo inteiro. A maioria era formada de menores desacompanhados. Eu não aguentei ficar lá. Nessa viagem, descobri que eu preciso fazer pausas, de tempos em tempos. Tenho que sair de cena pra esfriar a cabeça. Tudo isso é muito pesado emocionalmente. [trilha sonora] Mesmo com todas as dificuldades, eu sou muito feliz no meu trabalho. Os meus valores mudaram completamente. Fico super brava quando a minha mãe reclama que não tem dinheiro. Penso 6 meses antes de comprar qualquer coisa. Eu reflito: “Preciso mesmo disso?” Vi famílias prontas pra atravessar a Europa a pé com uma sacola de plástico, porque perderam absolutamente tudo. E dentro da sacola tinha uma garrafa de água e uma fruta.
Trabalhar com refugiados abriu o meu olhar para todo o resto, como o morador de rua que mora perto da minha casa desde sempre. A gente nunca tinha conversado com ele. E quando voltamos de Lesbos pela primeira vez, minha mãe foi perguntar se ele precisava de alguma coisa. No convívio com pessoas tão diferentes de mim, eu aprendi que o estranho não é ruim. Ele é só desconhecido.
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Kety Shapazian: Uma vez me perguntaram: “A Gabi não vai pra faculdade? Não vai um dia dar entrada no apartamento? Comprar carro? Ficar noiva?” Eu falei: “Não sei, pode ser. Mas isso não tem importância pra gente”. Eu me sinto muito sortuda de ser mãe da Gabi, mas eu também permiti que ela se tornasse esse ser humano maravilhoso que ela é. Eu vejo muito pai e mãe reclamando de filho, mas só exige do filho que ele vá pra faculdade. E de repente o futuro daquele jovem não tá numa sala de aula.
A coisa mais certa que eu fiz na vida foi ter levado a Gabi comigo pra Grécia. Eu me arrependeria profundamente se ela não tivesse ido. Hoje, eu vejo que era ela que tinha que estar lá, não eu. [trilha sonora]
Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae. [trilha sonora]
Para Inspirar
O que carregamos dentro de nós desde que somos crianças até a nossa maturidade – e como mudar esse panorama
2 de Julho de 2021
No quarto episódio da quinta temporada do Podcast Plenae, nos emocionamos com a história da empreendedora social, Ana Lúcia Villela, que desde muito jovem se viu órfã e diante de episódios que evidenciavam o seu privilégio socioeconômico perante a sociedade.
O que poderia ter passado despercebido para muitos, nela reverberou por anos. Tanto que, quando decidiu escolher sua profissão, ela se guiou justamente nos problemas da infância e na busca por solucioná-los. Assim nasceu o Instituto Alana e todos os seus outros braços sociais, como o Criança e Consumo.
Inspirados por essa história, investigamos como os acontecimentos ocorridos na primeira infância de um sujeito podem ecoar por toda a vida do adulto. Há, é claro, os fatores positivos, mas há diversos negativos também.
Para iniciar essa reflexão, é preciso antes de mais nada, cravar: o que é a primeira infância? Segundo o Marco Legal da Primeira Infância , lei federal promulgada no ano de 2016, trata-se do período que se inicia ainda na gestação e se mantém até os seis anos de idade da criança. Há ainda suas subdivisões: a primeira primeiríssima infância, dos 0 aos 3 anos de idade e o restante até os 6 anos.
A chamada “maturação do cérebro” segundo esse artigo , é um movimento que começa ainda intrauterino, ou seja, quando a criança ainda não nasceu. É nesse estágio, até os dois anos de idade, que acontece a produção de mais de 100 bilhões de células nervosas, deixando o órgão vulnerável às influências do ambiente.
“O desenvolvimento do cérebro pode ser afetado por meio dos canais sensoriais tais como som, tato, visão, olfato, comida, pensamentos, drogas, lesões, doenças e outros fatores”, relata o artigo. O estudo ainda revelou que o volume total do cérebro aumenta em 101% ao longo do primeiro ano de vida e mais 15% durante o segundo ano, mas que o estresse pode afetar esse crescimento.
É ainda nessa fase que a criança inicia também o seu desenvolvimento emocional e cognitivo, se percebendo no mundo e também percebendo o outro. Na psicanálise, há um nome para esse período: o Estádio do Espelho, que contamos melhor nesse artigo sobre como é formada a sua autoimagem.
Ainda na primeira infância, mas agora em um período mais avançado (dos 4 aos 6 anos), esse sujeito em formação também começará a desenvolver a sua autonomia. Uma vez que ele conseguiu se enxergar como uma unidade completa - e também ao outro - é hora de entender o mundo que o cerca.
Para além da neurociência infantil, há também as marcas psicológicas que esse período crava no indivíduo. Para entendermos melhor, conversamos com a psicóloga e mestra em orientação e mediação familiar, Camilla Viana Gonçalves Pereira, que cria conteúdos específicos no tema para sua conta no Instagram .
“O ponto principal é a construção da personalidade que é feita nessa primeira infância. E nessa construção, com certeza vão existir diferentes autores com suas propostas divergentes, mas eu gosto de me embasar muito na questão do apego: quais são as referências de relacionamento que vamos encontrar e que vão reverberar na vida adulta?”, diz.
Essa influência, como explica Camilla, vem toda da relação com os cuidadores - que podem ser terceiros, não necessariamente só pai e mãe. Além do apego, há também a questão da autenticidade. “Crianças foram expostas a negligência, violência, abandono ou até superproteção, tem a sua autenticidade minada. E isso é levado pra vida adulta: esse sujeito certamente terá muita dificuldade de saber quem é ele”, explica.
Todo esse caminho de maus tratos, rejeição, abandono irá se configurar como um trauma, e traumas, como explicamos nesta matéria , são capazes de afetar desde fatores como concentração e elevação de massa branca até mesmo o nosso sistema imunológico. E qual seria o caminho para combatê-lo? Com a terapia, é claro.
“É muito importante que essa pessoa primeiro tenha informações de que aquilo que ela sente, se configura como um trauma. E aí entramos em uma questão de autoconhecimento, de saber quais âmbitos de sua vida essas marcas reverberam”. É preciso, para isso, praticar e melhorar uma autoescuta e não negligenciar as próprias emoções.
“Essas pessoas normalmente escondem muito as emoções porque nunca foram vistas ou acolhidas, então é muito comum que esse adulto não consiga demonstrar seus sentimentos. Ele observa a si mesmo ou está se rejeitando? Se aceita como ele é? Abraçar suas inseguranças e se valida? Sabe impor limites? Tudo isso é muito importante”, reflete a psicóloga. Por isso a psicoterapia é tão importante nesse processo. Se relacionar e sair com amigos é positivo, mas não é o suficiente.
Há também o lado positivo da influência da infância, que se dá justamente de maneira oposta dos sintomas mencionados anteriormente. “A gente consegue observar que uma pessoa que veio de um lar acolhedor se torna uma pessoa que valida suas emoções, escolhe relações saudáveis que a nutrem e são recíprocas e amorosas, ela não se anula e não se cerca de pessoas que a anulem”, explica Camilla.
Isso não impede que uma pessoa que nasceu de lares com problemas não desenvolva esses fatores tão positivos: a terapia é justamente pra isso, para que essa criança que se tornou um adulto com traumas também tenha a possibilidade de mudar esses padrões. “Um adulto saudável é aquele que aceita seus erros, se acolhe nessa vulnerabilidade e consegue lidar com isso sem se martirizar, sem se culpar ou se colocar em situações e ciclos de autoviolência”, diz.
É a autocompaixão que irá agregar nessa construção tanto de si, quanto de um lar mais acolhedor, como disse Adriana Drulla em matéria para o Plenae . Filhos que observam seus pais se perdoando e sendo gentis consigo mesmo, tendem a sentir seus erros mais acolhidos e sentem mais espaço para crescer.
É nesse crescimento que ela poderá se deparar, por exemplo, com o seu verdadeiro propósito ainda bem jovem - como aconteceu com Ana Lúcia Villela. É claro que esse processo é individual e que nossos propósitos podem mudar ao longo da vida. Mas da mesma forma que muitos jovens buscam seguir profissões que não verdadeiramente amam apenas para satisfazer seus pais, em caso de lares mais seguros e afetuosos, ele se permite tentar outras possibilidades e enxergar além do que se vê.
“Propósito vem da natureza da admiração. E é possível sim que uma criança de qualquer classe social ou circunstâncias e contextos emocionais, sinta admiração por algo e queira trabalhar com isso. Mas há casos em que essa admiração pode vir justamente para buscar o amor de alguém”, pontua a especialista.
Por isso o amor, a escuta e o olhar se fazem tão necessários nesse período. “Os pais são seres humanos e vão errar em algum momento. Para que isso não se torne um trauma em seus filhos, é preciso que eles tenham espaço para verbalizar seus desconfortos, dar nome às suas emoções, e que esses pais consigam acolher todas essas emoções oferecendo afeto em troca”, conclui.
Esteja atento à sua parentalidade. A perfeição não é almejada - ou sequer é possível. Falhas acontecerão durante a árdua trajetória do educar. O que irá diferenciar é o que fazer com esses erros tão humanos, que habitam em cada um de nós. Você está pronto para tratar a dor com afeto?
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