Para Inspirar

Kanynary em "A cultura indígena ainda é desconhecida no Brasil"

O segundo episódio da décima terceira temporada do Podcast Plenae é com Kanynary, representando o pilar Contexto!

24 de Setembro de 2023



Leia a transcrição completa do episódio abaixo:

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Kanynary:
Um dia desses, me falaram: “Você é indígena? Nossa, mas você fala bem o português! E desde quando índio usa celular?”. E eu respondi: “Você é brasileiro? Então por que tu se sentes no direito de usar o celular e eu não posso?”. “Ah, porque você indígena.” Eu falei: “Se fosse por esse raciocínio, então nenhum brasileiro usaria o telefone, até porque a gente não participou da criação nem do protótipo do celular”. E o cara ficou sem resposta.

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Geyze Diniz:
Ao criar a Nativos, primeira equipe de e-Sports totalmente indígena do país, o ativista Kanynary prova na prática que não há contradição entre ser indígena e usar tecnologia. Principalmente quando este movimento busca lutar contra o bullying e o preconceito entre os jovens. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.

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Kanynary:
O Rio Purus nasce no Peru, atravessa o Acre e cruza o estado do Amazonas, até desaguar no rio Solimões. Na beira do Purus vivem mais de 17 povos indígenas. O meu povo, Apurinã, é um deles. Existem hoje mais de 15 mil Apurinã nas aldeias. Contando com os que tão na cidade, eu acredito que esse número ultrapasse os 35 mil. O nosso tronco linguístico é o Aruak-Maipure. Nas comunidades mais isoladas, que foram descobertas recentemente, as pessoas só falam o idioma tradicional, da criança ao adulto.

Eu não falo 100% do meu idioma, porque eu fui criado em Manaus. A minha mãe saiu da aldeia um pouco antes de eu nascer, junto com os meus avós, por causa das complicações na gravidez. O nosso pajé me deu o nome de Kanynary, que significa “o pajé que saiu do fogo” ou “o pajé que venceu o fogo”. Só que, quando a minha mãe foi ao cartório me registrar, disseram que era um nome impróprio. No documento, eu sou John Brendon. Mas eu prefiro Kanynary.

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Eu sofri muito preconceito na cidade por causa da minha origem. A discriminação começou na vizinhança, porque a minha avó fazia questão de mostrar quem ela era. Ela usava colares indígenas e falava português com bastante dificuldade. Quando eu fui pra escola, o negócio piorou. Eu sofria agressões verbais e até físicas. Ainda bem que eu praticava capoeira e sabia me defender.

Mais tarde eu fui saber que o meu caso não era isolado. São muitos relatos de jovens que saem das aldeias para estudar na cidade e sofrem bullying. É pior ainda praqueles que falam português com dificuldade. Eu cresci escutando as histórias da minha avó. O orgulho que ela tinha de ser indígena me deu forças pra seguir em frente. 

Ela contava que tinha as noites certas para caçar, as noites mais escuras, quando os animais não conseguiam ver a gente. Ela contava que saía para pescar de madrugada com meu avô, usando só uma lamparina pequena. Eram muitas histórias. E eu sentia a emoção dela ao relembrar o passado.


Ela nunca se adaptou a Manaus. Quando eu tinha uns 9 anos, ela adoeceu e faleceu. Ela queria voltar pra aldeia, mas eu acredito que ela tinha medo de levar as doenças da cidade para as pessoas de lá. O nosso sistema imunológico é diferente. Eu mesmo não tenho resistência pra gripe. Sou forte pra um monte de doenças, mas pra gripe, não, eu fico de cama.

Os relatos da minha avó me fizeram sonhar com a vida em uma comunidade indígena. Imagina um lugar onde o mercado é a floresta e a drogaria são as raízes que as pessoas colhem na mata?

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A minha primeira experiência com o meu povo aconteceu quando eu tinha 17 pra 18 anos. O meu tio-avô, que se chama Adriano Batista, era tuxaua de uma aldeia que fica no município de Tapauá. Enquanto o cacique é o líder de uma comunidade, o tuxaua ganha esse título quando outros povos reconhecem a liderança dele.

O meu tio-avô era tuxaua não só dos Apurinã, mas também dos Paumari, dos Jamamadi e de outros povos. Ele me convidou pra uma festa tradicional que durava três dias e três noites. Foram três dias e três noites dançando, a gente só parava pra comer.


A comida era muito boa. Pela conservação do alimento, a carne é assada ou moqueada. Moquear é um processo de defumação tradicional. A gente comia peixe e caça, tipo porco do mato, javali, anta e paca. Esquece o arroz e macarrão. O carboidrato vem do biju, que é uma farinha de macaxeira feita na hora com uma textura bem diferente.

Tinha frutas também. Maracujá, cacau e outras que a gente não tem na cidade. A bebida era o caiçuma, à base de macaxeira cozida e batida com água. Quando a pessoa sabe preparar, o caiçuma fica meio doce. Agora, quem não sabe, deixa um sabor meio amargo.

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Depois de três dias e três noites, eu não me senti cansado. Pelo contrário, eu tava 100% renovado, como se a minha energia tivesse passado por uma limpeza. Quando terminou a festa, o meu tio me convidou pra vigiar a praia do Tauá Mirim, um rio onde acontece a desova de vários animais de casco, como tartarugas, iaçá, jabuti...

Eu vi bem de pertinho tanto as tartarugas quanto os seus predadores naturais, tipo a onça pintada, o gavião, o jacaré… Meus parentes achavam que eu não ia me adaptar naquela vida. Só que depois que eu entrei na floresta, eu não queria mais sair. Eu decidi conhecer a comunidade de origem da minha avó, no município de Pauini. Na época tinham 16 aldeias naquela região, a maioria Apurinã.

Pra chegar em Pauini saindo de Manaus, precisa fazer uma viagem de barco que demora seis dias. Eu fui recebido pelos meus familiares e participei de uma reunião. Nessa conversa, eu soube que o pessoal não estava conseguindo encontrar um professor para as crianças. Era difícil porque a aldeia fica a dois dias e meio de barco, a partir de Pauini. Ela é tão inacessível, que o registro dela na Funai é “maloca escondida”.  

Daí eu pedi a palavra e falei: “Se vocês quiserem, eu posso dar essa força pra vocês. Eu posso ensinar as crianças”. E o cacique Valdecir, que inclusive é meu tio, me disse: “Meu filho, se tu tiver apto pra nos ajudar, é contigo”. No dia seguinte, eu fui na prefeitura pra assinar os papéis e, três dias depois, já estava indo pra comunidade.

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Eu morei três anos na aldeia e foi uma experiência maravilhosa. Eu tinha 27 alunos, da alfabetização à quinta série, todos numa sala só. Aprendi a dar aula na prática mesmo e tenho muito orgulho dessa experiência.

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Quatro desses estudantes já estão indo pra faculdade, apesar de todas as dificuldades. Pra prosseguir os estudos, as crianças precisam deixar a aldeia e ir pra cidade mais próxima. Só que os pais não têm dinheiro pra mandar pros filhos. Imagina uma criança de 12, 13, 14 anos longe da família, sem ter o que comer? Elas chegam a passar fome mesmo. Pior. Algumas acabam indo pro caminho errado, caminho da prostituição, do crime.

Eu vi isso de perto, quando saí da aldeia eu ajudei uma gerência de estudantes indígenas, chamado GEIP – Gerência de Estudantes Indígenas do Município de Pauini, na época o coordenador era o Eurico Apurinã, um amigo de luta até hoje. A gente gerenciou mais de 350 estudantes e eu comecei a observar que, além da solidão e da fome, eles tinham que enfrentar um problema que eu conhecia: o bullying.

Eu cheguei a procurar um diretor de escola pra conversar e ouvi do diretor que os comentários eram brincadeira de criança. A gente promovia reuniões com os estudantes e eu notava que eles chegavam tristes. Depois da conversa, eles se animavam um pouco e, na saída, se reuniam em pequenos grupos, pra jogar joguinho de celular, ou ficar olhando o coleguinha jogar.

Os jovens indígenas têm dificuldade de praticar esportes tradicionais, tipo o futebol, por causa do preconceito das outras pessoas. Eu vi que o jogo de celular era o lazer deles. No município de Pauini não tem fibra óptica. O sinal é só via satélite, e é muito ruim. Os meninos baixavam o jogo na casa de algum parente ou na sede da Funai e iam pra rua brincar. Isso me deu um estalo: e se eu criasse uma equipe indígena de jogos eletrônicos?

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Eu comecei a me inteirar sobre e-sports e eu vi que esse tema estava se desenvolvendo no Brasil e no mundo. E assim nasceu a Nativos E-sportsA ideia não era só fazer com que esses meninos tivessem uma distração, mas também que eles ganhassem autoestima. Eles poderiam conquistar um reconhecimento que, na escola, não tinham.

Era uma forma também de unir jovens de diferentes povos e gerar uma sensação de pertencimento. Eu publiquei um vídeo no Instagram em busca de jogadores e apareceram mais de 60 interessados. Veio o povo Xukuru, povo Kariri Xocó, povo
Fulni-ô. A nossa iniciativa trouxe esperança para os jovens não só do estado do Amazonas, mas também para outras regiões do Brasil também.

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Nós chegamos a participar de uma edição da Taça das Favelas, um torneio voltado para as comunidades da periferia. O Taça das Favelas começou com futebol, mas se expandiu também para os games. Nós formamos uma equipe de 7 jogadores, sendo quatro titulares, e nós chegamos na semifinal do Campeonato Estadual, jogando Free Fire. Os meninos se dedicaram muito.

A gente só não foi pra final, porque a nossa conexão estava horrível e os nossos celulares travaram pra caramba. Quando a gente foi eliminado, eu pensei que a galera ia ficar triste. Mas não. Os meninos ficaram felizes, consideraram o resultado uma vitória. Eles nunca nem tinham participado de um evento daqueles.

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Não existe nenhuma contradição entre ser indígena e usar a tecnologia. Pelo contrário. A tecnologia e os povos indígenas andam juntos, e não é de hoje. Muitos remédios que a gente conhece vieram da sabedoria ancestral. Um cientista não sai pegando um capim aleatoriamente e testando. Ele se inspira no conhecimento de alguém e esse alguém são os povos indígenas.

Eu n
ão vou deixar de ser indígena porque eu tenho um celular ou um computador. Se eu puder fazer com que um jovem sinta orgulho da origem dele através do mundo tecnológico, eu considero a minha missão cumprida. 


A inclusão dos povos indígenas no e-sport e na tecnologia é necessária. Mas ela só vai acontecer de fato quando todos nos aceitar. A inclusão não pode ser uma palavra só do livro, ela tem que ser uma ação prática. E isso se faz através do conhecimento. A cultura indígena ainda é muito desconhecida na sociedade brasileira.

Olha, eu acho que as pessoas deveriam fazer uma visita de três dias…  uma semana… a uma aldeia, pra sentir na pele o que um indígena passa. A gente ainda tá trilhando o caminho da inclusão. A gente cai, mas levanta e segue em frente. Eu sei que um dia toda a sociedade vai segurar na nossa mão e a gente vai estar de pé, firme e forte.

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Geyze Diniz:
Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.

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Para Inspirar

Tratamento para desacelerar o envelhecimento avança

Felizmente, a ciência parece ter encontrado um possível caminho para promover o envelhecimento saudável e ainda prevenir doenças relacionadas à idade.

21 de Fevereiro de 2019


Envelhecer de forma saudável é o desejo da maioria das pessoas. Felizmente, a ciência parece ter encontrado um possível caminho para promover o envelhecimento saudável e ainda prevenir doenças relacionadas à idade. Uma terapia anti-idade acaba de passar a primeira fase de pesquisas clínicas.

Trata-se de um senolítico (nova classe de medicamentos que diminuem drasticamente o processo de envelhecimento) composto por duas substâncias: o dasatinibe (medicação usada para casos de leucemia) e a quercetina (suplemento que fornece propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias). Sua ação consiste em remover células específicas do organismo para interromper a produção de substâncias envolvidas no processo de envelhecimento. “A ideia é que a remoção dessas células possa ser benéfica para promover o envelhecimento saudável e também prevenir doenças”, explicou Nicolas Musi, co-autor da pesquisa, à revista MIT Technology Review . A pesquisa.


Os resultados do primeiro teste clínico em humanos foram publicados recentemente na revista científica The Lancet . Os pesquisadores recrutaram 14 pacientes com fibrose pulmonar idiopática (FPI). A doença é uma condição rara na qual células senescentes (danificadas) que não morrem e se tornam tóxicas, se acumulam nos pulmões provocando a cicatrização do órgão. Isso gera dificuldade de respiração.

Os pacientes receberam os remédios, administrados via oral, durante três dias consecutivos por semana, ao longo de três semanas, totalizando nove doses. Os pesquisadores acreditam que essa combinação consegue eliminar as células senescentes. Para fins de verificação, a equipe também realizou exames laboratoriais antes e depois da administração do tratamento, além de implementar questionários semanais para averiguar sintomas da doença, qualidade de vida dos participantes e efeitos colaterais da terapia para checar a segurança e tolerabilidade das medicações.

Foram avaliados ainda marcadores de função física, incluindo distância percorrida em seis minutos, velocidade de caminhada, repetições de sentar e levantar, além de ensaios biológicos para medir as proteínas associadas à senescência secretadas pelas células tóxicas.

Ao final do experimento, observou-se que a terapia senolítica melhorou a mobilidade dos participantes. Alguns testes, como a caminhada de seis minutos e repetições de sentar e levantar apresentaram resultados superiores em comparação com os números registrados antes do tratamento experimental. A maioria dos pacientes apresentou ganhos de mobilidade superiores a 5%. “Nenhuma terapia medicamentosa, incluindo os remédios anti-fibróticos disponíveis, demonstrou estabilizar, e muito menos melhorar, a distância de caminhada de seis minutos de um paciente com fibrose pulmonar idiopática”, comentou Anoop M. Nambiar, co-autor do estudo.

Células senescentes. Embora estejam envolvidas no processo de envelhecimento e no risco de desenvolver doenças associadas à idade, as células senescentes atuam em outras funções importantes do corpo. Acredita-se que elas – e suas secreções – sejam importantes ao longo da gestação, pois estão envolvidas no desenvolvimento embrionário, no parto, na formação de tecido cicatricial e na cicatrização de feridas. Desta forma, os medicamentos senolíticos não são indicados para todas as pessoas, como é o caso das gestantes.

Apesar das expectativas, para receber aprovação da FDA, agência que regula medicamentos e alimentos nos Estados Unidos, ainda será necessário realizar uma sequência de três testes clínicos de grande escala que provem a eficiência do novo tratamento. Entretanto, esse foi apenas um teste piloto que nem mesmo faz parte da primeira fase.

Ou seja, há um longo caminho pela frente. Leia o artigo completo aqui .

Fonte: Veja

Síntese: Equipe Plenae

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