Para Inspirar
Na décima segunda temporada do Podcast Plenae, faça as pazes consigo mesma e com o seu corpo com a ajuda de Letticia Muniz.
18 de Junho de 2023
Leia a transcrição completa do episódio abaixo:
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Letticia Munniz: A sociedade ensina pra gente que gordura é feia. Barriga é feia, peito que não é empinado é feio, braço que não é fino é feio, estria é feia. As mulheres são muito pressionadas a mudarem a própria natureza para se encaixarem em um padrão. E, durante 18 anos, eu tentei ser quem eu nunca seria. Até que eu comecei a mudar a minha mente pra entender que o normal é bonito. Quando eu consegui virar essa chave, eu me libertei. Eu passei a viver a vida de verdade, ao invés de viver para ser magra.
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Geyze Diniz: A Letticia Munniz é modelo, apresentadora e ativista de um movimento chamado body positive. Ela se maltratou física e psicologicamente tentando alcançar um corpo impossível pro seu biotipo. Quando a Letticia se aceitou como é, ela embarcou numa jornada de autoconhecimento e autocuidado que hoje inspira uma legião de seguidores. Conheça essa história de identificação, aceitação e liberdade de Letticia Munniz. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.
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Letticia Munniz: Quando eu volto no tempo, as memórias mais marcantes que eu tenho da infância e da adolescência são relacionadas ao meu corpo. Não tem jeito. Eu fui uma criança bem magrinha, até chegar na puberdade. Aí eu menstruei e o meu corpo começou a se desenvolver. Eu ganhei coxa, bunda, peito, braço, mas a cintura continuava fina. Então, eu saí de Olívia Palito, que era como as pessoas me chamavam, pra “falsa magra”. E eu cresci ouvindo isso.
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A essa altura, eu já sabia o que eu queria fazer da vida: ser apresentadora de TV. Mas, não demorou pra eu perceber que eu ia ter um problema pra realizar o meu sonho. Nessa época, a mídia massacrava as mulheres que não eram extremamente magras, dentro de um padrão considerado ideal. Em casa, eu comecei a ouvir que eu precisava emagrecer.
A pressão vinha de todos os lados, até da escola. De tempos em tempos, na aula de educação física, os professores pesavam a gente pra calcular o IMC, que é o índice de massa corpórea. Aquilo era um sofrimento para mim. Hoje eu tenho 1,68 e peso 98 quilos. Na época, eu devia ter uns 60 quilos. Eu não era gorda, eu só era grande. E ainda assim a recomendação, desde aquela época, era de que eu deveria emagrecer. E essa junção me levou a odiar o meu corpo desde muito nova.
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Eu acho que a partir dos meus 10 anos, mais ou menos, não teve um dia em que eu não me preocupei em perder peso. Eu passei a procurar na internet jeitos de eliminar gordura, porque só a dieta não funcionava. E foi assim que eu desenvolvi transtornos alimentares. Eu intercalava episódios de jejum completo, até de água, porque diziam que água engordava, com comer compulsivamente. Eu tomei muito laxante. A minha garganta era toda machucada de tanto vomitar. Eu cheguei a beber detergente e até vinagre pra provocar ânsia de vômito. E pior do que maltratar o físico, era a tortura psicológica de tudo isso.
Eu me lembro de uma vez, quando eu tinha uns 15, 16 anos, que teve um bolinho lá em casa para comemorar o aniversário de alguém da família. Quando eu fui comer o bolo, uma pessoa olhou pra mim e falou: “Olha, com esse corpo que você tá agora, você ainda consegue emagrecer. Mas, se você engordar mais que isso, você não vai conseguir. Então eu acho melhor você já parar de comer agora, porque senão depois, ó, já era”.
Meus irmãos sempre foram muito magros e eu me culpava muito por não ser igual a eles. Enquanto eles podiam comer qualquer coisa, eu sempre recebia aquele olhar de reprovação se repetisse o prato. Dos três, eu sempre fui a que mais se exercitava. Eu sempre amei esportes. Fui atleta de ginástica olímpica e sempre ficava em primeiro lugar. Mas, eu acabei largando a ginástica justamente pela pressão estética. Além de perder o prazer em me exercitar quando estava todo mundo só querendo que eu emagrecesse. Como eu praticava na escola, eu tinha vergonha que os meus colegas me vissem de collant.
Nessa época, eu mudei meu jeito de me vestir até no dia a dia. No colégio, eu ganhei o apelido de "coxinha", por causa da minha coxa grossa. E aí, eu parei de usar short. Eu também não usava regata, pra esconder o braço. Eu ia pra escola de moletom. Agora, imagina isso numa cidade de praia? Eu morava em Vitória, no Espírito Santo. E nas férias, todo mundo se encontrava em uma outra cidade do litoral, chamada Guarapari. E a minha preocupação não era em me divertir, era qual biquíni eu ia usar, como os outros iam me ver com aquele corpo. Eu chegava a ficar horas em pé na praia só para as pessoas não verem a minha barriga dobrada se eu sentasse.
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Quando eu terminei o colégio, eu fui em busca do meu sonho: ser artista. Com 21 anos eu me mudei pra São Paulo pra fazer faculdade de Rádio e TV. Eu conciliava os estudos com trabalho, freelas e um curso de apresentadora no Senac. Nunca sobrava dinheiro, mas às vezes, eu dava um jeitinho de fazer aula de teatro também. Nessa época, a minha qualidade de vida caiu demais.
E, como eu tinha muitos gastos, eu só podia me alimentar com comida barata e que enchesse a barriga. Não tinha como comprar salada nem fruta. Era pão, biscoito, salgado, miojo. Eu engordei, obviamente, e foi ainda pior, porque agora tinha a pressão da carreira. Eu já fazia testes de figuração em agências de publicidade nessa época. E aí quando eu engordava, eu parava de me alimentar. E aí, tinha o desmaio, mal-estar, fraqueza, dor de cabeça.
Eu deixava de sair com os meus amigos, porque sair significava beber e comer, então eu ia engordar. Às vezes eu fazia uma dieta líquida. E se eu comesse qualquer coisa, eu já ia pra academia e ficava horas em cima da esteira, eu fazia conta pra eliminar cada caloria que tinha entrado no meu corpo. E eu colocava metas malucas, do tipo: “Eu só vou comer chocolate se eu perder 10 quilos. Mas, já que eu vou começar esse regime amanhã, então hoje eu vou comer”. Aí eu comia até passar mal.
Depois de quatro, cinco dias, uma semana no máximo, quando eu via que eu não ia conseguir seguir aquela restrição, eu falava: “Bom, então tá, então vou fazer uma pausa, vou comer agora e depois eu paro de novo”. Só que aí nessa pausa, eu não comia um bombom. Eu comia um saco, uma caixa, um pacote.
Todas as noites meu pensamento era assim: “Hoje eu falhei. Eu não comi pouco como eu deveria. Eu não me exercitei tanto quanto eu deveria. O que que eu posso fazer amanhã pra emagrecer por hoje e por amanhã?”. Emagrecer era sempre o meu primeiro pensamento ao acordar e o último antes de dormir.
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O corpo dela é muito parecido com o meu. Ela é um pouco mais alta, mas ela tem a coxa, a barriga, o peito e o braço iguais aos meus. Até encontrar o perfil dela, eu só seguia musas fitness. A Ashley Graham foi a primeira mulher que não era magra e que eu achei linda. Ela me mostrou que, com um corpo igual ao meu, era possível ser feliz, ser amada, ter um namorado, uma carreira, ser vista como bonita e ser admirada. E aí, eu entendi que eu poderia ter sucesso sendo eu. Eu não precisava mais tentar ser outra pessoa.
A obsessão pela magreza me fez desperdiçar muito tempo. Por mais que eu estudasse pra ser apresentadora e atriz, a minha maior preocupação era emagrecer. Sair desse looping foi descobrir a liberdade e o autoconhecimento. Quem era Letticia quando ela não estava 24 horas por dia tentando emagrecer?
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Eu comecei a compartilhar as minhas descobertas no Instagram. E aí, eu criei uma espécie de diário virtual, mas sem nada de muito sofisticado, com posts sobre o que eu estava fazendo, como eu estava me sentindo e por quê. Eu pense que se uma mulher que nem sabe que eu existo mudou a minha vida, talvez eu pudesse fazer isso por uma outra pessoa.
Como eu sou engraçada, as pessoas riam dos meus posts, então elas acabaram se identificando comigo. Eu sentia que elas não tinham com quem falar sobre a angústia de não se sentir confortável na própria pele. Às vezes, é mais fácil conversar com quem você não conhece, porque essa pessoa não vai te julgar. Então, eu fui meio que criando uma comunidade, um lugar de troca, de experiências. O perfil cresceu e, graças ao meu talento e à minha dedicação, eu consegui realizar o sonho de chegar na televisão.
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Nessa busca do meu autocuidado, eu encontrei uma endocrinologista maravilhosa que entende o meu corpo pra muito além do IMC, pra além do meu peso. Eu tenho hábitos tão saudáveis, que eu chego ao ponto de ser chata com isso. Eu fui criada por vó, então eu gosto de comida saudável. Eu gosto de jiló, de legume, de verdura. Eu amo fazer atividade física. E fico até de mau humor se eu não fizer. E hoje não é pela caloria. Eu não tô nem aí pra caloria mais, mas porque o exercício muda o astral do meu dia.
Eu fui entendendo também que se amar não é sobre se achar bonita. Hoje eu tenho esse rosto, essa pele, esse cabelo. Daqui a uns anos eu não vou ter mais. E aí? Eu vou me odiar? Vou ser infeliz? Eu entendi que beleza não se resume à aparência. Eu me acho linda, mas porque eu acho que sou muito legal, porque eu acho que sou maneira, porque eu gosto de ajudar os outros, porque eu sou gentil, porque eu sou uma boa pessoa.
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Eu não consigo todos os dias acordar pra fazer algo só por mim. A maior e a melhor coisa que eu tenho hoje é poder usar a minha história pra inspirar outras pessoas. E eu vejo que eu tô conseguindo promover uma mudança de pensamento na sociedade. Eu percebo isso pelos depoimentos das minhas seguidoras.
Do mesmo jeito que a Ashley mudou a minha vida, é muito gostoso a sensação de saber que eu também posso mudar a vida de alguém. É muito bom ouvir que, quando uma mulher entra numa loja e vê uma foto minha ou de outras mulheres como eu, como ela, numa campanha, ela se sente feliz, ao invés de se odiar. E eu sei como é essa sensação, porque eu já me odiei muito. Quando eu entrava em uma loja que não tinha uma roupa do meu tamanho, eu me sentia culpada, ridícula. Tinha nojo do meu corpo. Hoje, ao invés de ficar brava, eu entendo que aquela loja que está errada e eu uso o meu trabalho para mudar a mentalidade de quem faz aquela roupa.
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Uma outra seguidora um dia me falou uma coisa muito linda, que eu nunca vou esquecer. Ela disse que a minha liberdade libertava ela. E essa frase resume o que aconteceu comigo 5 anos atrás. A liberdade de alguém me libertou. E é isso que eu faço hoje. Eu uso a minha liberdade para libertar outras pessoas.
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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.
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Para Inspirar
Na décima primeira temporada do Podcast Plenae, inspire-se a mudar o mundo com a trajetória de ativismo de Daniela Lerário.
27 de Março de 2023
Leia a transcrição completa do episódio abaixo:
Eu tinha na cabeça a ideia de uma "ilha de lixo" - que na verdade nunca existiu. Parece mais uma sopa com um monte de objeto flutuante. Pente, escova de dente, madeira, uma roda com a calota e tudo, várias embalagens de plástico flexível - uma tinha data de 1980, imagina. Em alguns lugares, a quantidade era bem maior, e a gente podia ver aquelas coisas que ainda não afundaram …. A água que a gente coletava pra amostragem - parecia normal, até olhar de pertinho. Depois ela era viscosa, tinha vários pedacinhos de plástico colorido. [trilha sonora] Geyze Diniz: Guiada por sua intuição, Daniela Lerario, há 11 anos, embarcou em uma expedição que mudaria sua relação com o consumo e com a natureza. Foram mais de 40 dias no mar, 12 tripulantes e um único propósito: ajudar o meio ambiente. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se. [trilha sonora] Daniela Lerario: Em 2012, eu me juntei a 12 pessoas de 7 países, numa expedição atrás dos resíduos do tsunami que atingiu o Japão, um ano antes. Essa foi a maior aventura da minha vida, uma viagem de quase 4 meses, sendo 42 dias num veleiro. Eu soube dessa jornada pelo blog de um capitão norte-americano chamado Charles Moore. Esse cara é um ativista ambiental e velejador que há muitos anos trabalha com proteção e conservação dos oceanos, e fez uma convocação para PANGEA Expedition. No dia 11 de março de 2011, um terremoto de 9 graus de magnitude no fundo do mar, seguido por um maremoto, arrastou milhares e milhares de toneladas de resíduos da costa do Japão.
“Legal, você tá dentro. Só que você precisa subsidiar a viagem. Se vira”. Puts! A expedição custava uns 7 mil reais, mais a passagem de ida pra Tóquio e a de volta pro Havaí. Ou seja, eu não tinha essa grana. E o maior problema não era nem esse. [trilha sonora] Fazia menos de dois anos que eu estava num ótimo emprego, numa empresa bem grande com um trabalho bem remunerado. Quando eu recebi a resposta, eu pensei: “Que que eu faço agora? Como é que eu vou sair de um emprego que tá super bem pra embarcar numa aventura dessas, e ainda pagar por isso?” [trilha sonora] Só que, por mais que parecesse uma loucura, não tinha nenhuma dúvida sobre a decisão que eu estava tomando. Eu tenho uma conexão engraçada e bem forte com a minha intuição. Eu sempre sei o que fazer, e aí, eu coloco energia em como vou fazer acontecer. Até hoje eu tenho o costume de me perguntar o quanto que uma escolha afeta positivamente a mim e a minha família, e se ela conecta com a minha essência e com o que eu percebo de valor. A resposta sempre vem. [trilha sonora] Eu digeri a informação por alguns dias antes de tomar coragem de entrar na sala do VP da empresa na época e dar a notícia pra ele. Ele deve ter me achado completamente maluca. Eu lembro dele olhar para mim e falar: “Me conta, o que que é que você vai fazer nesse navio?” Eu pensava: “Não é um navio, é um veleiro”. Aí ele disse com um ar meio de reprovação “Olha, menina, se eu tivesse aceitado qualquer coisa que aparecesse na minha vida, eu não estava sentado aqui”. Eu tinha uma certeza: que a única coisa que eu não queria tá era sentada naquela cadeira. Ele até tentou me convencer. Ele disse que poderia guardar meu lugar por alguns meses: “Tá bom, de quanto tempo você precisa? Dois meses? Três, quatro?”. Tipo, vai lá, e faz o seu capricho e volta. Mas eu não podia me comprometer, vai saber o que que tinha lá fora reservado pra mim. [trilha sonora] Numa decisão bem controversa - pros outros - eu juntei as economias, passei o chapéu e fui pro Japão. Chegando lá, eu não conhecia ninguém. A gente foi se conhecer em Tóquio, num alojamento do Corpo de Bombeiros que a expedição tinha cedido pra gente. Eu era a única brasileira no grupo de 12 pessoas. Na primeira noite, a gente jantou com o Charles Moore, aquele norte-americano que convocou a expedição. Esse cara foi a primeira pessoa que cruzou com a mancha de lixo do Pacífico. Isso foi lá em 1997, quando ele estava participando de uma regata e fez uma mudança de trajeto para cortar o caminho de Los Angeles pro Havaí. Daí pra frente ele começou a estudar essa região de acúmulo de resíduos. E hoje em dia, a gente sabe bem mais sobre esse tema. Essa mancha, ela ocupa uma área do tamanho do estado do Texas. Para comparar, maior que o estado de Minas Gerais, imagina! E ela não é a única, são outras quatro destas no planeta, talvez até cinco. [trilha sonora] Esses "sistemas de correntes oceânicas rotatórias", que são conhecidos como giros oceânicos, são dois no Oceano Atlântico (Norte e Sul), dois no Pacífico (Norte e Sul) e um no Índico. E eles afetam diretamente o clima global e os ecossistemas marinhos.
É como se eles fossem grandes ralos, e é lá que vão parar todos os resíduos que, de alguma maneira, caem no mar. São várias as fontes: os rios poluídos, o esgoto mal tratado, um lixão perto da costa, redes de pesca, o lixo que é descartado pelos navios e, claro, as embalagens de uso único. Tipo aquela garrafinha de água que as pessoas deixam na areia. [trilha sonora] Os resíduos plásticos tão entrando no oceano numa taxa de cerca de 11 milhões de toneladas por ano, prejudicando a vida marinha e os habitats. O plástico é um material feito pra durar e dura. O problema é que a gente deixa ele ir parar no mar.
Essas zonas de confluência concentram pequenos fragmentos que a gente chama de microplásticos. O plástico vai se quebrando com a ação da maré, dos raios solares e do vento. São pedacinhos bem minúsculos que acabam entrando na cadeia alimentar através dos animais menores - os fitoplânctons, por exemplo - e sobem até os maiores - como os camarões ou peixes - que no final são consumidos por nós. Tinha um cientista, o NIkolai Maximenko, que acompanhava por satélite pra onde iam os resíduos do tsunami do Japão - e eles estavam se movendo em direção à grande mancha de lixo do Pacífico. E era exatamente pra lá que a gente também ia. [trilha sonora] Mas, antes de embarcar no veleiro, a gente fez um período longo de trabalho voluntário pelo Japão. A ideia era mergulhar na cultura local, entender um pouco da lógica da expedição e compreender que os resíduos que a gente ia monitorar vinham de famílias. Foram mais de 18 mil vidas perdidas naquela tragédia. A gente tinha que entrar naquele lugar com muito respeito. [trilha sonora] O líder científico da nossa viagem era o Marcus Eriksen, um ativista fundador do 5 Gyres Institute, uma ONG norte-americana super conhecida no tema de poluição de plástico. Com a liderança dele e alguns outros tripulantes, a gente se voluntariou em Fukushima. Esse nome deve ser familiar pra você. É aquela província onde o tsunami causou o maior desastre nuclear desde a explosão em Chernobyl, na Ucrânia, em 85. Meu pai ficou super preocupado quando eu contei que ia pra lá. Eu lembro dele falando: “Filha, o mundo inteiro tá indo para longe de Fukushima. O que que você vai fazer lá? Não faz essa loucura!” E eu, acho que tão jovem na época, nem pensei no perigo da radioatividade. Eles deram pra gente máscara, bota e uma roupinha especial e lá fomos nós. [trilha sonora] O senso de comunidade dos japoneses é de dar orgulho. Eu fiquei surpresa de encontrar vários japoneses que tinham tirado férias, saído das suas cidades pra ajudar a reconstruir o país de uma forma anônima e voluntária. Eles estavam ali porque era o certo a se fazer. Eu e o Marcus, a gente trabalhou na reconstrução de um jardim da casa de uma senhora que perdeu toda família no tsunami. A gente cuidou do canteiro dela e depois sentou no tatame da sala pra tomar um chá. Ela contou em japonês, meio com sinais, que viu aquela onda gigante vindo em direção da casa e depois perdeu toda sua família. Ela tinha uma origem rural e dava pra perceber que as mãos dela eram de gente que trabalha na terra, sabe? O Marcos pediu permissão e fez um molde de gesso da mão dela. E foi um momento super marcante pra mim, porque essa peça acabou acompanhando a gente durante toda a expedição, representando a conexão da nossa viagem com a vida humana.
[trilha sonora]
Depois dessa etapa, a gente embarcou no que era pra mim o auge da experiência: a travessia. O veleiro Sea Dragon, ou Dragão do Mar, tinha 78 pés, que era mais ou menos 23 metros. Que é grande, mas, mesmo assim, sem nenhuma privacidade pra 12 pessoas. A partir daí, era todo mundo tripulante. A gente dormia em redes enfileiradas e sobrepostas em três camadas, assim como se fosse um triliche. O barco tinha dois banheiros, mas só um tava funcionando. E a bomba de água doce deu problema desde a primeira semana, então a gente não tomava banho e tinha que cozinhar com água do mar pra economizar.
Durante toda a expedição, a gente não teve um telefonema e pouquíssima comunicação com o mundo externo. Era um estado de presença absoluta, em que ninguém ficava parado. Todo mundo trabalhava em turnos, eram equipes de 3 pessoas, limpando, cozinhando, fazendo o trabalho científico de coleta e avistamento de resíduos. Várias vezes por dia, a gente lançava no mar um equipamento que parece uma raia com uma bocona bem grande de metal e um saco de rede.
Depois, a gente despejava essa amostra numa peneira e fazia uma análise. A gente fez isso 93 vezes durante as 7.000 milhas percorridas. E mais de 90% das amostras tinham fragmentos plásticos. Eu também passei muitas horas olhando pro mar, em busca de algum resíduo flutuante. E a gente tinha que anotar tudo o que aparecia em uma prancheta com as fichas de resíduos com o maior detalhe possível.
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Depois de mais de 40 dias no mar, eu tinha dois caminhos. Ou eu botava tudo aquilo debaixo de uma pedra e fingia que não era comigo ou eu encarava a realidade e pensava: bom, o que que eu posso fazer pra mudar?
[trilha sonora]
Onze anos depois, eu sei que a expedição mudou completamente a minha vida, muito mais do que eu imaginava que ela ia mudar. No lado pessoal, a minha relação com o consumo se transformou completamente. Eu nunca mais comprei caneta com tampa, por exemplo, porque a tampa é um resíduo tão pequeno que provavelmente vai parar no mar. A bexiga, por exemplo, é muito legal, mas nas festas de aniversário dos meus filhos não tem de jeito nenhum. Embalagem de sachê, aquelas pequenininhas, esquece, você nunca vai me ver usando. E se eu tiver que usar eu vou tá com o coração bem apertadinho, com peso na consciência. Todo mundo brinca que ir pro supermercado comigo, por exemplo, é um inferno, porque eu me preocupo tanto com o conteúdo quanto com a embalagem. Eu analiso cada um pra optar por aquelas que têm maior chance de serem efetivamente recicladas no lugar onde eu vivo. São medidas pequenas que entraram na nossa rotina, mas claro que sozinhas elas não vão ser suficientes. Por isso, com a maturidade, eu saí um pouco desse lugar de culpa e procuro focar a minha energia nas ações que realmente vão fazer uma mudança, tipo influenciar políticas públicas.
[trilha sonora]
Do ponto de vista profissional, a expedição pivotou a minha carreira. Ela trouxe oportunidades que rendem até hoje pra mim. De lá pra cá, me tornei sócia de uma empresa, da qual fui CEO por 3 anos. Desde 2018, eu me dedico a um desafio um pouquinho maior, que é o das mudanças climáticas. Eu recebo o tempo inteiro notícias terríveis, estudos cada vez piores sobre as projeções pro futuro da humanidade.
É difícil estar nessa posição. Mas, se eu pensar nisso, eu não saio da cama. Então, eu lido com isso com um otimismo teimoso, que a gente gosta de falar. Eu sou a esperança encarnada. Não é uma visão ingênua, mas de acreditar que, se a gente aprender a colaborar de forma realmente inclusiva e se a gente der pras pessoas o mínimo de oportunidade, é possível reverter esta situação.
O meio ambiente somos nós. Nós somos a natureza. Nessa corrida, todo mundo ganha ou todo mundo perde. Ou a gente é parte da solução ou a gente vai continuar sendo parte do problema.
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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.
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