Para Inspirar

Rene Silva em "Dando voz a comunidade"

O quarto episódio da décima sexta temporada ouve a história de inteligência comunicativa do Rene Silva, que soube fazer do limão uma limonada.

25 de Agosto de 2024



[trilha sonora] 

 
Rene Silva: As pessoas passaram a nos ver como uma referência de favelas de modo geral. Outro dia eu perguntei no Twitter porque as pessoas me seguiam. Milhares de seguidores responderam que nunca pisaram numa comunidade, mas queriam saber o que acontece lá dentro.  

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Geyze Diniz: Rene Silva fundou o jornal Voz das Comunidades com apenas 11 anos. Ele morava no Morro do Adeus, no Rio de Janeiro, e percebeu que a comunicação era um instrumento poderoso para ajudar a melhorar a vida dos moradores. Com o passar dos anos, o Voz das Comunidades rompeu a bolha regional e se tornou referência sobre o cotidiano dos bairros periféricos do Brasil. Eu sou Geyze Diniz e esse é o podcast Plenae. Ouça e reconecte-se. 

[trilha sonora] 

Rene Silva: Eu nasci no Rio de Janeiro. Mas o Rio que eu conheci na infância não é a Cidade Maravilhosa que aparece nas novelas da Globo. Eu cresci no Morro do Adeus, no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio. A minha infância, ela foi marcada por uma guerra entre facções criminosas que disputavam o tráfico de drogas dentro da comunidade. Os territórios eram separados por muros invisíveis, e cada lado da rua era comandado por uma facção diferente. Ninguém podia cruzar essa linha imaginária, nem mesmo as crianças e adolescentes do bairro.  
 

A minha família morava bem no alto do morro, e dava para ver os rastros dos tiros atravessando de um lado para o outro. A gente tinha que chegar em casa cedo e fechar tudo para diminuir o risco de morrer. Mesmo assim, de vez em quando, alguma bala perdida entrava em casa. A geladeira da minha da minha mãe, alguns móveis e as paredes tinham marcas de tiro. Às vezes, o tiroteio começava tipo 10h da noite e varava a madrugada inteira, até amanhecer. 

Da minha casa dava para ver a pista do aeroporto do Galeão. Eu olhava aqueles aviões pousando e decolando e ficava imaginando se um dia eu poderia viajar pelo mundo também. Era algo muito distante da minha realidade, mas eu sonhava com um futuro diferente no meio daquele caos que eu vivia. 

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O melhor refúgio para os meus sonhos era a escola pública que eu frequentava. A diretora e os professores conseguiram criar um ambiente acolhedor para os alunos, apesar do entorno violento. A minha escola tinha um jornal e uma rádio comunitária. Eram projetos criados e tocados pelos alunos mais velhos, já perto do Ensino Médio. Quando eu tinha 11 anos de idade, eu quis participar desse jornal, mas a diretora disse: “você ainda é muito novo, não dá pra você participar, você acabou de chegar na escola”. Mas eu insisti tanto, tanto, que ela me deixou entrar no projeto.  

Aquela atividade me fez enxergar várias coisas que eu não notava antes. Eu passei a perceber os problemas sociais no caminho de casa para escola e da escola para casa. Tinha esgoto a céu aberto, rua sem asfalto, poste sem iluminação, campo de futebol que precisava de reforma, pracinha em mau estado… não faltava assunto. Era o tipo de coisa que, se acontecesse no Leblon, ia aparecer na TV e nos jornais no mesmo dia.

Mas, numa favela, a grande mídia não dava a menor bola, e o poder público, menos ainda. Aí eu tive a ideia de criar um jornal dentro da comunidade
para denunciar todas essas coisas. 
Eu fui conversar com a diretora da escola sobre isso. Ela achou que eu era muito cru para fazer um jornal sozinho. Fazia uns três meses que eu estava contribuindo com o jornal dos alunos.

Mas eu sou
muito insistente. E eu bati o pé e ela topou me ajudar.
A escola conseguiu para mim um computador usado, uma impressora e uma máquina fotográfica. Eu escrevia os textos, tirava fotos, diagramava as páginas, imprimia o jornal e distribuía os exemplares pelo bairro. As primeiras edições, por exemplo, eram feitas em uma folha, aquela folha A4 dobrada. Cada edição tinha, sei lá, quatro páginas, no máximo. 

[trilha sonora]  

Eu chamei o jornal de A Voz da Comunidade. Depois de um tempo, eu tirei o artigo e coloquei o nome no plural, Voz das Comunidades, porque a minha ideia era mesmo dar voz, amplificar as vozes que não eram ouvidas, de dentro das favelas. Em pouco tempo, eu percebi que os problemas sociais que a gente mostrava eram resolvidos muito rápido. O que antes levava, sei lá, dois ou três meses para ser resolvido, em uma ou duas semanas, esse problema já era. E a comunidade começou a ver resultados e eu fui me tornando conhecido no bairro como “o menino do jornalzinho”. 

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O projeto foi crescendo e, em 2010, eu me tornei conhecido fora da comunidade também. Naquele ano, na manhã de 28 de novembro, 3.500 homens da Polícia Civil, da Polícia Militar, da Marinha e da Polícia Federal ocuparam o Complexo do Alemão. Imagens gravadas pela Globo em um helicóptero mostravam traficantes armados fugindo por uma estrada de chão batido. Essas cenas rodaram o mundo. 

E as pessoas no Brasil inteiro queriam saber como é que estava a vida dentro da comunidade, e eu comecei a postar as coisas no Twitter, na conta do Voz. Eu escrevia coisas do tipo: “Nesse momento, as escolas e as creches da comunidade pararam de funcionar; ou sei lá, o ônibus parou de circular; o comércio fechou, as pessoas não estão conseguindo voltar pra suas casas”. E a cobertura da mídia estava muito focada nas apreensões de drogas, nas mortes, nessas informações que as autoridades passam, geralmente, via assessoria de imprensa.

Mas eu es
tava ali, reportando o impacto daquela operação no cotidiano de milhares de pessoas que moravam dentro da comunidade e não conseguiam sair para trabalhar ou voltar pra casa. A situação estava cada vez mais tensa dentro da comunidade. E eu tinha acesso a informações exclusivas, que a grande mídia não tinha, porque eles não estavam ali dentro da comunidade. 
 

E de uma hora para outra, passei a ser seguido por milhares de pessoas. Eu virei narrador em tempo real daquela megaoperação. Quando os jornalistas descobriram que eu era um garoto de 16 anos de idade e tinha um jornal, eles começaram a me chamar, e eu virei uma espécie de correspondente de guerra 

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Depois disso, a gente rompeu as barreiras da comunidade, e a grande mídia se tornou nossa parceira. 
 

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As redações de jornais, rádios e TVs começaram a abrir os espaços para assuntos que aconteciam dentro das favelas. Não só para os problemas sociais, mas também para as notícias boas também, tipo mostrar os projetos sociais, culturais. A gente ganhou mais visibilidade num espaço que não existia pra gente antes. 

Quem es de fora não entende direito que Complexo do Alemão é uma coisa, Complexo da Maré é outra completamente diferente e assim por diante. Cada lugar tem as suas particularidades, as suas questões internas. Mas, de qualquer maneira, é muito importante furar essas bolhas, principalmente pelo fato de a gente ganhar mais aliados na defesa dos nossos interesses.  

[trilha sonora] 

O Voz cresceu muito e a gente ganhou uma credibilidade nesses anos que a gente nem imaginava. Se a gente der uma notícia sobre o Complexo do Alemão, os portais vão publicar imediatamente, porque confiam no que a gente fala. As pessoas sabem que a gente apura as notícias, a gente faz um trabalho muito sério. Com o tempo, a gente construiu uma equipe de jornalismo que apura tudo o que es acontecendo e descobre se a informação é verdadeira ou não.  

Quando uma criança morre por bala perdida numa comunidade, a gente vai até a casa da família e mostra tudo o que aconteceu. Foi assim com a menina Eloah da Silva dos Santos, de 5 anos. No ano passado, ela levou um tiro dentro de casa, durante a comemoração do mêsversário da irmã caçula. Nas páginas do Voz das Comunidades, as pessoas não são só uma estatística triste. Elas têm um rosto, uma história. 
 

Durante a pandemia, o Voz ganhou recursos nacionais e internacionais. Hoje nós temos uma equipe de mais de 25 pessoas, além dos freelancers e dos voluntários. O jornal impresso, que há muito tempo não é só uma página A4, tem publicidade. Nós passamos a ter também padrinhos e madrinhas que contribuem muito com a gente.  O jornal hoje circula no Complexo do Alemão, no Morro do Vidigal e no Complexo da Penha. A gente faz uma distribuição nos lugares mais pobres, onde menos têm acesso à tecnologia de modo geral.  

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Mas a gente é mais do que um jornal. Porque o Voz se tornou também uma grande ONG. Logo no começo, eu fiz ações para a distribuir chocolates na comunidade. Da primeira vez, eu recebi doações de caixas de bombom e repassei para a umas 150 crianças no Morro do Adeus. Em 2024, foram mais de 20 mil chocolates distribuídos não só no Alemão, como em várias favelas do Rio. 

E os eventos ficaram grandes e as pessoas famosas cada vez mais, interessadas em participar das nossas festas. A gente já fez feira de gastronomia e bloco de carnaval, que não tinha na comunidade. E esse ano, a gente promoveu o Arraiá do Alemão, que foi a maior festa junina da Zona Norte do Rio de Janeiro, um evento para mais de 20 mil pessoas. No encerramento, teve um showzaço da Daniela Mercury com 2 horas e meia de duração, de graça, para toda a comunidade.  

No Dia das Crianças, eu pedi para minha equipe pensar em algo diferente. O pessoal, então, começou a viajar. E a gente falou: ”Vamos levar a Xuxa”, “a Xuxa pra dentro do Complexo do Alemão?”. Até que virou uma realidade. A gente fez uma sessão de exibição de um filme dela num campo de futebol lotado, eram mais de 700 crianças assistindo. A festa tinha corte de cabelo, trança, maquiagem, oficina de perna de pau, orientação sobre saúde bucal, yoga e uma sessão de vacinação infantil com a presença do Zé Gotinha. A Xuxa nunca tinha subido o Complexo do Alemão. Ela subiu o morro, andou pela comunidade e tirou muitas fotos com os fãs.  

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Eu costumo dizer que sou uma pessoa movida a desafios. Eu gosto de fazer barulho, eu gosto de criar atos grandiosos. E na última eleição, eu desafiei o presidente Lula a visitar o Complexo do Alemão. Ele foi e colocou 0 boné com as siglas do CPX, que significa Complexo do Alemão.  

Lá na infância, eu nunca poderia imaginar que participar de uma atividade escolar me levaria tão longe, literalmente. Eu vivo pelos ares. Fui pra Índia duas vezes, fui pra Inglaterra, fui pra França, Colômbia, Argentina, México, Estados Unidos. E o meu objetivo é expandir cada vez mais o projeto pelo mundo, para que as nossas vozes sejam ouvidas em diversos outros espaços também. 

A gente tem uma edição pronta do Voz pra distribuir no Complexo do Nordeste de Amaralina, em Salvador, na Bahia. A gente quer levar o jornal também pra São Paulo, pra Medellín, na Colômbia e para o Harlem, em Nova York, nos Estados Unidos, onde a gente já tem alguns parceiros.  
 

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Eu vivo viajando, mas eu mantenho uma conexão muito forte com a comunidade e ainda moro no Morro do Adeus. Os problemas sociais que eu publicava numa folha A4 ainda existem. Tem esgoto a céu aberto, buraco na rua, poste sem iluminação, praça sem reforma. A diferença é que, hoje, a gente tem voz e um veículo próprio para denunciar tudo o que acontece na favela.  

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Não dá pra resolver todos os problemas do mundo, mas é possível diminuir o sofrimento humano. Os meus maiores sonhos são: não ter ninguém passando fome, nem sendo vítima de injustiça, violência e racismo. Eu sei que esse desejo é uma grande utopia, mas eu luto dia e noite por um mundo melhor.  

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Geyze
Diniz
: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae. 

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Para Inspirar

Depressão infantojuvenil: como reconhecer os sinais e o que fazer?

O assunto delicado que quase ninguém quer falar, mas que é urgente entre nós: nossos filhos podem estar deprimidos e precisamos saber ajudá-los.

17 de Novembro de 2023


A depressão não é brincadeira: estima-se que mais de 300 milhões de pessoas no mundo, de todas as idades, sofram com esse transtorno, sendo a principal causa de incapacidade mundial e afetando mais as mulheres do que os homens. Mas, há uma camada ainda mais fina, sutil e preocupante nesses dados, trazidos pela Organização Mundial da Saúde: em seu pior desfecho, ela pode levar ao suicídio.

Cerca de 800 mil pessoas tiram suas próprias vidas a cada ano, sendo essa a segunda principal causa de morte entre pessoas com idade entre 15 e 29 anos.
E é sobre isso que vamos falar hoje. Inspirados pelo relate potente de Luciane Zaimoski, que abre a décima quarta temporada do Podcast Plenae, fomos entender um pouco mais sobre depressão infantojuvenil, doença que acometeu seu filho.

Sabemos que o assunto pode ser difícil e delicado, mas ele se faz igualmente necessário. É preciso reconhecer os sinais enquanto há tempo e saber o que fazer a partir disso. Conversamos com três especialistas para te ajudar nessa jornada!

A depressão na primeira infância

Sim, você leu corretamente: infância e depressão na mesma frase, essa triste realidade que não pode mais ser ignorada. Das 300 milhões de pessoas afetadas por ela, cerca de 2% são os pequenos. Um estudo exploratório buscou entender as manifestações clínicas dessa condição, que difere em alguns pontos dos adultos.

Segundo essa pesquisa, os sintomas giram principalmente em torno do 
transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, baixa autoestima, tristeza, medos, distúrbios do sono, enurese, dores abdominais e sintomas somáticos. Outras queixas podem aparecer e serem tratadas inicialmente sem serem identificados como depressão. São as dores de cabeça, diarreia, falta de apetite ou apetite exagerado, insônia, irritabilidade, agressividade ou passividade exagerada, choro sem razão aparente, dificuldades cognitivas, comportamento antissocial, indisciplina, ideias ou comportamento suicidas.

Realizar esse diagnóstico não é fácil, já que as crianças apresentam dificuldade para nomear esses sintomas, que aparecem de forma multifacetada, e ainda estão em desenvolvimento. Além disso, o tema só ganhou força de investigação somente em 1970 – o que é historicamente recente -, pode trazer grandes prejuízos futuros no desenvolvimento desse indivíduo que se tornará um adulto em algum momento.

“Em crianças muito pequenas, pensando de 1 até 7 anos, a gente identifica uma possível depressão ou ansiedade ou essas questões clínicas de acordo com o comportamento”, explica Carolina Bifulco, pedagoga e psicóloga especializada em primeira infância, professora bilíngue e educadora parental em Disciplina Positiva. “São alguns pontos de atenção: uma criança  que não se sente capaz de realizar as tarefas, que não se sente parte do grupo ou que está mais excluída e brinca mais sozinha”, diz.

Além disso, Carolina ainda destaca dois pontos muito relevantes nessa investigação: um comportamento agressivo com os outros e consigo e a apatia. “A automutilação – criança que se arranha o corpo ou o rosto quando se desregula emocionalmente ou a agressividade com o outro: aquela criança que começa a brigar muito com os colegas e começa a usar violência para conseguir o que quer”, explica.

Uma criança que não quer fazer atividade, não quer brincar, ou só quer dormir também é preocupante – e esse, como frisa Bifulco, talvez seja o maior ponto de atenção. “Quando ela não demonstra vontade de ser criança é quando a gente tem que parar e tentar entender o porquê que ela está agindo daquela maneira”, diz.

Sandra Evangelista, psicóloga especializada em família, casal, luto, primeiros socorros psicológicos (situações de crise), prevenção e pósvenção do suicídio, reforça a importância de diferenciar uma tristeza comum de uma depressão. “Vamos dar um exemplo: a mãe que não deixa com que o filho faça uma atividade específica. O que essa criança vai manifestar como emoção? A tristeza. Só que essa tristeza vai durar algumas horas, talvez um dia, ela não vai durar a semana ou o mês todo”, diz.

Para Evangelista, a definição do que é ser criança é ser uma “exploradora do mundo”. Então, a falta de curiosidade, a apatia, o isolamento e a agressividade, são realmente pontos que merecem essa atenção, como Bifulco havia pontuado. A dificuldade em separação e ainda a criança que se machuca de propósito também preocupam.

A depressão na adolescência 

Da mesma forma que o transtorno mental e emocional pode acometer crianças pequenas, ele pode se dar na adolescência e é ainda mais comum. As condições de saúde mental são responsáveis por 16% da carga global de doenças e lesões em pessoas entre 10 e 19 anos, segundo dados da Organização Mundialda Saúde.

Metade de todas as condições de saúde mental, continua o estudo, começam aos 14 anos de idade, mas a maioria dos casos não é detectada nem tratada. E as consequências de não abordar o tema com seriedade se estendem à idade adulta, prejudicando a saúde física e mental e limitando futuras oportunidades.

“O primeiro conhecimento que precisamos ter sobre o adolescente é: o seu cérebro, suas conexões sinápticas, a carga máxima química e hormonal, não estão prontos. Ele está em processo de amadurecimento e desenvolvimento e será finalizado em média aos 18/20 anos. O córtex frontal é responsável pelas tomadas de decisões, controle inibitório e flexibilidade cognitiva - o último a ser formado. Por isso, ele é naturalmente impulsivo, com poucos recursos e manejos diante de situações e pensamentos catastróficos, e não lida bem com o estresse. Exigir que ele haja como adulto é um erro.”, explica Thaís Malta Romano, neuropsicóloga e mestre em Ciências da Saúde pela UNIFESP.

Os sintomas do adolescente são próximos ao da criança: ainda mais irritabilidade, o isolamento e a apatia. Aqui entra o segundo ponto levantado por Romano: atenção a durabilidade e intensidade desses sintomas, pois isso fará toda a diferença. “Sinais de ansiedade e depressão tem características semelhantes ao comportamento base de qualquer adolescente. O que vai diferenciar se é um comportamento comum ou patológico é a duração e intensidade dos eventos, prejuízo sociais, acadêmicos e físicos”, explica.

O adolescente, diferente do adulto, vai apresentar pior humor, acessos de raiva e hostilidade, dores inexplicáveis na cabeça, estômago, coluna e pescoço travados com frequência, uma altíssima sensibilidade a críticas, podendo apresentar choros, crises de raiva e até automutilação, além de uma vulnerabilidade extrema à rejeição e ao fracasso”, continua Thaís.

Há um isolamento exacerbado também que pode ocorrer, e não só aquele clássico do quarto, jogando videogame, mas um isolamento dos melhores amigos também. Isso pode ser o início de um comportamento evitativo com aqueles que o conhecem melhor, cujo objetivo é esconder um machucado, um olho inchado ou somente uma expressão de tristeza. A observação das microexpressões faciais aqui será muito importante.

A queda no rendimento escolar ou pedidos de falta com muita frequência e uso de substâncias como álcool e drogas, podem ser tanto consequências de um quadro psiquiátrico já instalado quanto um gatilho para o desenvolvimento de um. 

O adolescente que está sempre muito cansado, uma exaustão extrema que não é sobre o sono – afinal, é natural que eles durmam mais horas e, por sua vez, será extremamente importante para a manutenção da saúde mental e física – também são atípicas. O abandono de atividades que gosta e não simplesmente mudança de preferências, mudança no comportamento alimentar, tudo isso é relevante nessa jornada da observação”, pontua.

E, por fim, chegamos à automutilação. Ela pode começar com algo “leve”, como roer unhas até sangrar, arrancar peles pequenas da boca, cutucar espinhas e causar machucados menores pelo corpo ao menor sinal de ansiedade. Acontece que esse comportamento pode levar a outro pior: se cortar ou se machucar de forma mais intensa ou até atentar contra a sua própria vida, o estágio final e mais preocupante de todos. “Essa automutilação é uma forma que o adolescente encontra para se autorregular emocionalmente quando não tem recursos sociais e cognitivos suficientes para lidar com o problema”, diz.

O papel da escola e dos especialistas na jornada da depressão infantojuvenil

Para as três entrevistadas, o papel da escola é fundamental. “O primeiro passo a ser feito quando você começa a enxergar uma mudança de comportamento dessa criança é marcar uma reunião com o coordenador e o professor dela para entender se esse comportamento que você está observando em casa se mantém na escola. Depois dessa reunião, se eles baterem na tecla que ela de fato está diferente, o próximo passo é procurar um psicólogo especializado em clínica infantil”, pontua Carolina Bifulco.

É no ambiente escolar onde a criança será assistida por olhos diferentes e onde o tema da saúde mental poderá ser promovido em sala de aula ou em atividades extracurriculares. É por lá também que ela irá socializar, atividade que pode escancarar alguns comportamentos que mencionamos, como o isolamento ou a agressividade.


“As escolas precisam ainda promover formações para os seus profissionais visando a questão da saúde mental, promover campanhas internas para seus professores e funcionários, ensinando-os como identificar, como intervir, etc. Tem que ser uma coisa maior, que faça parte do projeto político-pedagógico da instituição. Os pais também têm que ser contemplados nessa campanha com palestras, debates, formações sobre a prevenção, entre outros”, continua Bifulco.

Mas, é preciso cautela nessa transferência, pois a escola é parte de um todo, e não a responsável total pelo problema, como reforça Thaís Malta. “Direcionar a responsabilidade total aos educadores é sobrecarregar um profissional que não está habilitado para tal função. A realidade é diferente do desejo, há professores com dois turnos de trabalho, com três ou quatro salas de quarenta alunos. Há casos que naturalmente chamam mais atenção, mas o que nos preocupa são os adolescentes discretos com suas dores”, pontua.

Algumas possibilidades sugeridas por Thaís para driblar esse impasse são os dias temáticos, atividades extracurriculares, palestras, rodas de conversa. “Dessa forma, podemos instrumentalizar os adolescentes a reconhecer sinais em si e nos colegas, prevenir o bullying, o assédio, as brigas. Um educador físico que ensine consciência corporal, respiração, relaxamento, meditação. Ter uma equipe de acolhimento, com um espaço seguro para que eles possam se expressar sem julgamentos ou ameaças.”

A escola, como dito anteriormente, trabalhará em conjunto com os especialistas. Mas, quem são eles? “São duas abordagens mais utilizadas nesse caso: a psicanálise e a comportamental. A segunda é mais específica para ensinar novos comportamentos, mudar uma fobia ou atender crianças atípicas. Se a questão for de comportamento emocional ou de pensamento, a psicanálise Winnicottiana seria ideal para começar a investigar e entender o que essa criança está sentindo”, explica Carolina.

O papel dos pais na jornada da depressão infantojuvenil

Se a escola e a escuta profissional são parte do caminho, a outra parte, é claro, fica aos tutores. E vale dizer, uma parte bastante significativa. Sabemos que há um fator genético importante envolvido em vários casos de depressão. Mas, há outros vários casos que se dão por conta de um ambiente estressor ou algum gatilho específico, uma situação vivida por aquela criança ou adolescente, por exemplo.

“Se eu tenho um ambiente familiar disfuncional com muita agressividade, brigas entre o casal, violências físicas, psicológicas e às vezes até um abuso sexual, esses fatores todos vão marcar significativamente essa criança e esse adolescente, aumentando a possibilidade do desenvolvimento de um transtorno”, revela Sandra Evangelista.

“O que nós temos hoje são os pais provedores da família, que saem para trabalhar e ficam distantes dos seus filhos. Oferecer boas oportunidades para seus filhos é importante. Porém, mais importante ainda é garantir o afeto e a segurança emocional. E como a gente faz isso? Sendo presença. Estando perto. Brincando junto. Entendendo como está sendo o dia a dia deles, quais são as dificuldades”, pontua.

Sandra menciona também os benefícios da previsibilidade e da rotina: ter horas para as atividades e ter regras torna o lar um ambiente seguro, com limites, contorno e bem-estar. Para Thais, tratar a dor de seu filho como “mimimi” é parte do problema. Dizer frases como “na sua época eu já trabalhava e não tinha tempo para pensar nisso” não são um mérito, pois esse cuidador deve se perguntar: o que eu passei me tornou um adulto hoje feliz? Era necessário ter vivido aquela situação?", questiona Thais.

“Estamos falando de pais que, em sua adolescência e até mesmo na vida adulta, não tiveram e não têm suas emoções e sentimentos acolhidos e validados. Como é que eu acolho meu filho, meu neto, meu sobrinho, se eu não tive essa experiência? Mas há alguns passos possíveis de serem feitos por todos”.

Legitimar e validar os sentimentos do seu filho é um passo importante na Disciplina Positiva, assunto que abordamos por aqui em um Plenae Drops. “A disciplina positiva consiste em uma forma de se criar crianças com base em firmeza e gentileza sem o uso de punição. Não se trata de não impor limites, mas de colocá-los sem violência. O primeiro passo de tudo é criar esse ambiente seguro em casa onde a criança pode se expressar, falar o que ela pensa, conversar, se expor e principalmente, ser levada a sério", explica Carolina Bifulco.

Outros passos importantes dessa filosofia é parar de buscar culpados e procurarem juntos uma solução, além de dar o peso devido às coisas. “Se um amigo seu adulto derruba um copo, você não grita com ele. Por que fazer isso com uma criança que, ao contrário do seu amigo, está aprendendo a ter equilíbrio e coordenação motora?”, questiona Bifulco.

Por fim, um ambiente seguro e acolhedor é também um ambiente onde as crianças são encorajadas a testarem, se arriscarem e, claro, errarem. Essa confiança fará a criança se sentir capaz de tudo e isso, no futuro, irá refletir em um adulto que expressa suas ideias sem medo, autônomo, livre e com uma boa autoestima.

Aos pais de adolescente: resista fortemente a qualquer impulso de criticar ou julgar o  quando ele estiver falando – e isso inclui sem caras e bocas. Demonstre, enfatize, fale sobre o interesse em ouvi-lo, reconheça, acolha e valide seus sentimentos. Persista no diálogo, mas com respeito.

"Dificilmente o adolescente vai te procurar, mas nenhuma conversa deve cair num limbo. Retome semanalmente, quinzenalmente, até se tornar um hábito o diálogo entre vocês”, explica. “Tenha a curiosidade sobre o adolescente, pergunte sobre suas referências públicas nas redes sociais, conheça os seus amigos, promova encontro entre eles. E por fim acredite: você está dando o seu melhor". Você é capaz de abraçar essa causa e tornar a vida do seu filho muito melhor: acredite! 

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