Para Inspirar

Uma viagem para dentro: como é consagrar a ayahuasca?

A experiência, que é antes de mais nada individual, se apoia na força do coletivo e a força de tudo aquilo que é natural

19 de Junho de 2024


“Esse é um relato pessoal de alguém que consagrou a Ayahuasca pela primeira vez. Trata-se, portanto, da experiência de uma pessoa que só pode falar sobre ela - sabendo que, para outras pessoas, a jornada pode ter sido diferente. É impossível generalizar os resquícios dessa prática, pois cada um irá colher diferentes aprendizados. 

A ayahuasca, antes de mais nada, é um chá com um sabor ácido e amargo e textura espessa, feito da combinação de um cipó - o mariri (Banisteriopsis caapi) - e de um arbusto – a chacrona (Psychotria viridis) ou a videira chagropanga (Diplopterys cabrerana). Essa bebida foi descoberta há muitos séculos atrás e é praticamente impossível cravar a data ou um único povo que tenha a autoria total. 

O que se sabe com certeza é que todos esses compostos que dão origem a essa mistura com propriedades alucinógenas são de origem da floresta Amazônica. Vale lembrar que, apesar de ter sua maior parte dentro dos limites brasileiros, a Amazônia também está presente em outros oito países: Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Venezuela e Suriname.

Outro dado muito difícil de cravar é quantos adeptos ao ritual da ayahuasca existem no mundo, já que não há um órgão que regulamente isso, como é o Vaticano para a Igreja Católica. O que se sabe com certeza é que ela tem um uso aplicado a vários dogmas diferentes, mas o mais famoso talvez seja o Santo Daime, reconhecido como religião e que usa o chá em seus rituais. 


Histórias à parte, minha curiosidade em relação às chamadas medicinas da floresta é antiga, desde que li o livro ‘A Erva do Diabo’, do antropólogo peruano Carlos Castaneda. O livro, publicado em 1960, foi um marco da contracultura da época e é um dos diários antropológicos mais importantes até hoje. Nele, o então mestrando Castaneda, acompanha o indígena Yaqui Dom Juan Matus, a fim de conhecer mais sobre a cultura daquele povo, e essa experiência invariavelmente passa pelo uso de substâncias enteógenas (que tem efeitos alteradores da consciência e da percepção).

Aquilo me marcou profundamente, mas como a maioria das pessoas, eu tinha muito receio. Estudei por muito tempo, li muito sobre o assunto e falei com pessoas que já tinham feito o ritual. Moro em São Paulo e não queria sair daqui para fazer, por medo de estar longe de casa, mas também queria algo que subvertesse a lógica das grandes cidades e oferecesse mesmo alguma conexão com a natureza em meio à selva de pedras. Achei o meio termo perfeito, a Casa Xamânica, localizada no bairro do Morumbi, um espaço de paz em meio ao caos. 

Depois de conversar com os responsáveis, me inscrevi para participar, paguei pelo meu espaço (é importante dizer que se trata de um ritual pago), preenchi um formulário de anamnese para que eles me conhecessem melhor até mesmo em relação às questões médicas e aguardei o dia chegar.

O processo começa ainda no preceito, que se dá nos dias que antecedem a consagração. Durante três dias, você não pode comer carne - o que não foi um problema para mim, que já sou vegetariana, mas pode ser difícil para muitos. Também não é estimulado o uso de álcool ou qualquer substância sintética e é recomendado evitar relações sexuais, trocas energéticas intensas, ambientes densos, noticiário e assuntos negativos.

O preceito é uma etapa muito importante porque no meu caso, evidenciou alguns péssimos hábitos que tenho. Essas instruções te fazem pensar sobre outras que não foram dadas por eles, mas que você acaba querendo fazer, como dormir melhor, se alimentar melhor, e tudo isso pode jogar luz ao seu dia a dia e como ele poderia ser mais saudável de várias maneiras. Além disso, te faz levar aquilo que está por vir mais a sério, realmente é como pavimentar o caminho que está para ser trilhado e hoje eu entendo completamente a importância desse preparo. 

Essa etapa também existe para que haja uma limpeza interna do corpo e para que assim você sofra menos durante o processo de limpeza. A limpeza pode ser especialmente difícil e pode se dar mais ou menos uma hora depois da ingestão do chá. Não é certo que ela acontecerá, mas caso aconteça, a pessoa pode sentir ânsia de vômito e efetivamente vomitar, ou sentir desconfortos intestinais (e efetivamente ter que usar o banheiro) ou somente chorar. 

O importante é que você esteja atento nesse momento até mesmo para conseguir “endereçar” aquilo que o seu corpo está querendo dizer e tirar aquilo de dentro. Mas voltando ao ritual, cheguei na Casa Xamânica, e, quando cheguei, fui recepcionada pelo dono da casa, que me levou até o quintal onde era feita a celebração. 

Em seguida, uma das guias - responsáveis por ajudar as pessoas que estão consagrando -, veio conversar comigo, pediu para eu tirar meu tênis, guardar meu celular e já ir me aconchegando no futon escolhido, uma espécie de colchonete, só que mais fofo. Eles pedem pra ir com roupas confortáveis e levar travesseiro e cobertor. Aqui, outro breve adendo: foi muito bom ter levado o meu, me senti em casa. 

As pessoas foram chegando e se acomodando, os iniciantes ficaram em um mesmo espaço, cada um em seu futon, mas concentrados nesse lado de forma que os guiar pudessem dar mais atenção. Depois de mais ou menos uma hora, o mesmo dono da casa que me recepcionou - e que é um guia também -, chamou todas as pessoas que estivessem consagrando pela primeira, segunda e terceira vez para conversar. 

Nessa conversa, ele explicou um pouco sobre as raízes do ritual, suas aplicações, quem nos guiaria naquele dia, o que é esperado que aconteça - como a limpeza -, e o que de inesperado poderia acontecer. Falou sobre a Peia, que é quando a pessoa pode entrar em alguma viagem interna ruim, e como fazer para voltar dela. Abriu espaço para perguntas e nos tranquilizou.

Meu ritual foi uma cerimônia indígena com o pajé Ikakuru Huni Kuin, ele chegou junto de uma acompanhante, se apresentou e falou como seriam aquelas próximas horas. Após essa fala, fizemos uma fila de mulheres para tomar o chá servido por ele - no meu caso, tomei uma dose de dois terços, por ser minha primeira vez. 

Ele deixou à vontade para quem quisesse tomar mais ou menos. Achei o gosto ruim inicialmente, mais fácil de se acostumar depois. Decidi tomar grande parte ali na frente do pajé, como todos faziam, mas depois levei o que restou para o futon comigo, de forma que eu conseguisse ir dosando. Não sei se isso era permitido, mas ninguém pareceu perceber ou se importar. 

Na sequência, os homens tomaram e cada um já foi se acomodando em seus lugares. O pajé e sua acompanhante começaram os rezos, que seriam “as rezas”, e foi um momento muito bonito que se estendeu por mais ou menos uma hora. No começo, a projeção da voz deles parece estranha, mas depois de um tempo ela passa a fazer totalmente sentido e eles parecem se tornar um só. Por todo o ritual, é indicado ficar de olhos fechados, afinal, a sua viagem é para dentro. 

Quando decidi abrir um pouquinho o meu, percebi que apesar de achar que o chá não tinha tido efeito em mim, ele tinha sim. Minha visão estava alterada, assim como minha audição e também a percepção da minha pele. Senti alguns cheiros e senti uma ânsia muito leve, mas não cheguei a vomitar. Meus pensamentos eram muitos e bem acelerados, mas não de uma forma ruim. 

Tive a total consciência de que tinha entrado “na força” - como eles chamam quando o chá começa a fazer efeito -, quando a música ao vivo tocou. O pajé e sua acompanhante começaram a tocar e cantar com o auxílio de alguns guias da casa e nesse momento eu chorei muito. A música ao vivo sempre exerceu efeitos potentes em mim e esse momento evidenciou isso ainda mais.

Comecei a deitar em diferentes posições no futon de forma que eu pudesse absorver mais daquele som, até que senti vontade de sentar mais perto deles e assim eu o fiz, era autorizado. Algumas pessoas dançaram também. Foi quando decidi tomar o resto que tinha sobrado no meu copo, aquele que eu guardei e levei comigo. 

Essa música se estendeu até o fim do ritual, por todas as próximas horas, a diferença é que depois de um tempo apenas os guias da casa tocaram e cantaram e o pajé e sua acompanhante consagraram o chá e silenciaram para poder também entrar na força. A segunda dose ficava a critério de cada um, não era oferecida, você pedia para tomar e eles davam. Eu não tomei. 

Lentamente fui saindo da força, me aproximei da fogueira que tinha no ambiente externo, olhei muito para o céu. Nesse momento, ainda não era recomendado conversar ou abrir os olhos, mas já era mais seguro fazer ambos e pouco a pouco todos foram voltando. Senti que eu voltei muito rápido dos outros e essa percepção me incomodou, até porque só estávamos todos liberados para a alimentação - que eram caldos -, e para ir embora quando todos estivéssemos bem. 

Estava marcado para terminar às 20h, mas se estendeu até às 21h, o tempo necessário para esse retorno coletivo. Essa última hora de espera me causou muita angústia, então acho necessário contar para quem pretende consagrar que isso pode acontecer: você pode estar fora da força há muito tempo, como era o meu caso, mas é preciso que todos encerrem suas viagens para o encerramento total. 

As conclusões todas que cheguei são muito pessoais e não cabe nesse texto, nem faria sentido. A ideia aqui é contar como se dá o ritual antes, durante e depois. O que posso dizer, para todos os efeitos, é que todo o processo exige entrega, e isso foi um desafio para mim, que sou controladora. É também um processo que exige muita espiritualidade, o que também foi um desafio para mim, que venho tentando trabalhar o pilar Espírito há tempos. Mas é lindo e vale muito a pena. 

Pode dar sim um medo antes, é normal que até mesmo pessoas mais acostumadas com o processo sintam isso a cada vez. E é justamente aí que a pessoa precisa estar disposta a abdicar um pouco do volante de sua vida e deixar que as forças naturais conduzam para você. Esteja aberto ao que você verá nessa jornada, porque ela nada mais é do que um passeio por dentro de si, são lugares seus que podem estar sendo pouco visitados e negligenciados. 

Me tocou muito a força do coletivo. Algumas pessoas choram, riem, se chacoalham. Outras parecem ficar imóveis o tempo todo. De qualquer forma, a sensação é que estamos indo em uma mesma direção. Achei que poderia ser incômodo tê-los ao meu redor e de fato, no começo estava incomodada, mas depois, fez todo o sentido. 

E essa é a minha conclusão final do processo: algumas coisas vão fazendo sentido com o tempo. Na vida e na ayahuasca. Não é imediato, demanda um tempo, e é preciso paciência e atenção para captar tudo isso. Pretendo consagrar mais uma vez porque agora sei de tudo isso. E esse saber tão precioso ninguém me tira.”

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Renda, idade e educação afetam a visão de mundo

Uma pesquisa elaborou mais de 100 perguntas e chegou à conclusão que renda, idade e educação interferem no modo como os australianos enxergam o mundo

22 de Novembro de 2018


Um estudo ambicioso começou a ser realizado durante as eleições da Austrália, em 2017, para entender a visão de mundo do eleitor. Intitulada de Political Persona Project , a pesquisa elaborou mais de 100 perguntas e chegou à conclusão que renda, idade e educação interferem no modo como os australianos enxergam o mundo. O levantamento foi realizado em parceria com o Centro de Pesquisa Social da ANU (Universidade Nacional Australiana) e a empresa de pesquisa política holandesa Kieskompas e entrevistou 2.600 australianos. O estudo também contou com o apoio da Fairfax, um gigante da mídia no país. Em proporções diferentes de acordo com o perfil, o eleitor se diz decepcionado e acha que o mundo está mudando rápido demais. Decepção. O salário interferiu na satisfação com a vida em geral. Dos assalariados de baixa renda – entre R$ 45 mil e R$ 144 mil por ano –, 36% estão decepcionados. Apenas 16% dos assalariados de alta renda, que recebem a partir de R$ 250 mil por ano, têm a mesma percepção. Mudança. Metade dos que ganham menos acha que o mundo está mudando com frequência e velocidade. Concordam com isso apenas 26% daqueles com salários mais altos. “Pessoas com mais recursos são capazes de se adaptar porque têm meios para isso”, disse Ariadne Vromen, professora de sociologia política da Universidade de Sydney. “Eles têm renda disponível para comprar novas tecnologias, educação e treinamento. Muitos deles estão por trás de muitas mudanças sociais e econômicas como líderes de sociedade.” Haves or Have-nots A ANU dividiu os eleitores em “haves” (os que possuem) e “have-nots” (os que não possuem) a partir da renda, educação e idade. Rachel Katterl, de 31 anos, por exemplo, é uma das “haves”. Possui diploma de pós-graduação e renda anual de quase R$ 276 mil. Ela se define politicamente “com tendência para a esquerda”. Também confessa estar desiludida com a política australiana – uma visão compartilhada por 75% dos australianos, de acordo com as pesquisas do projeto. Ao contrário da maioria dos menos privilegiados, quando a situação política e econômica mais ampla fica aguda, ela encontrou no próprio mundo razões para ser otimista. “Eu acho que (a política australiana) é bastante difícil… Observar tudo o que está acontecendo apenas aumenta meu desejo de reforçar minha própria bolha”, disse ela. “Conscientemente, alterei minhas fontes de referências.” Ela prefere focar na vida presente. “Tendo a não pensar de forma mais ampla. Sei que tenho muito privilégio e muita sorte, por isso, preciso aproveitar para me concentrar nas coisas que posso controlar, ao invés de estagnar e ficar chateada com os macros eventos.” Em Melbourne, a arquiteta e consultora Helen Day, de 47 anos, diz que está “muito positiva” e acredita que o país apresenta inúmeras oportunidades, apesar do crescimento da população. “Há mais potencial para as pessoas criarem meios de subsistência com suas paixões e seus verdadeiros interesses, seja um serviço de nicho, seja um novo produto ou uma especialização, se você for um acadêmico”, disse Helen Day, que possui mestrado na Faculdade de Economia de Londres e ganha mais de R$ 250 mil por ano. “No geral, eu sou muito positiva, mas observo que, como em qualquer processo de crescimento urbano, há sempre problemas em torno da disparidade social e da violência. Com o bem, sempre virá mal.” Leia o artigo completo aqui . Fonte: Inga Ting Síntese: Equipe Plenae

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