Entrevista com
jornalista, professora, educadora, idealizadora do Desacele
21 de Fevereiro de 2021
Estamos em constante busca de algo que não temos. Atualmente, um bem valioso em nossa sociedade imediatista e urgente é o tempo. Ter tempo é ser rico e conseguir organizar todas as suas demandas é a sabedoria suprema. Em meio ao caos, é preciso descansar e praticar a desaceleração.
Mas mais importante do que descansar aos finais de semana, por exemplo, é encontrar o equilíbrio em sua rotina e trazer essa desaceleração para seus dias. Como isso é possível? É o que o Plenae buscou entender na entrevista com a jornalista, professora, educadora, idealizadora do Desacelera SP e do Dia sem Pressa , Michelle Prazeres. Confira a seguir!
Como nasceu a cultura slow?
A cultura Slow é gestada no âmbito do movimento slow. Então ela na verdade é o conjunto de conteúdos, movimentos, hábitos, pensamentos e valores de um movimento que nasceu na década de 80, como uma resposta à aceleração do tempo associados principalmente à alimentação, em um primeiro momento. Com o surgimento do fast food, as pessoas fizeram um protesto para dizer que não queriam encarar a comida daquela forma e ali nasceu o slow food. Seus preceitos principais seguem os mesmos até hoje: é preciso ser bom, limpo e justo. Essa tríade, aliás, continua regendo não só o slow food como outras vertentes, como o slow kids, slow medicine etc.
Como ela vem se desdobrando?
Em muito pouco tempo, essa lógica de aceleração começa a se espraiar para outros movimentos da vida como a medicina, a infância, a arquitetura e cidades e até a comunicação, que é o tema do meu pós-doutorado. E o que o movimento slow prega não é que temos que ser devagar ou preguiçosos - essa é a ideia pejorativa de muitas pessoas que acreditam que só se vence correndo, por exemplo. Mas, na verdade, não é sobre ser devagar, mas sim ir mais desacelerado se quisermos processos mais humanizados e conter esse processo de aceleração que termina desumanizando. Essa lógica da aceleração começa a invadir vários campos da vida, então o slow living, esse lugar maior, é essa coisa da gente trazer uma reumanização, recobrar nossos sentidos, poder aproveitar o aqui e agora, poder se relacionar de outro jeito com a infância, natureza e tecnologias, estar atento ao seu redor.
Semelhante ao mindfulness, então?
É um pouco diferente do mindfulness porque não se trata somente de uma escolha pessoal e individual, até porque desacelerar muitas vezes pode ser uma escolha privilegiada. O movimento prega a desaceleração de forma coletiva como única saída para o planeta e para o mundo. É preciso se tornar uma agenda mais coletiva, de um movimento slow individual para o bem-estar de todos. Se a gente não desacelerar como mundo, as pessoas não vão desacelerar individualmente, a não ser que elas possam fazer essas escolhas.
Como a aceleração vem afetando a nossa vida?
As crianças na educação infantil, por exemplo, já são submetidas a uma educação que é feita para passar no vestibular, começa a ler aos 3, antecipar etapas que acaba desumanizando. Uma consulta com seu médico dura 10 minutos, ele não olha pra você e já te medicaliza, seguindo a ordem de solucionar rapidamente seus problemas e até suas moléstias.
Como e por que nasce Desacelera SP e o Dia sem Pressa?
O Desacelera nasceu quando eu tive meu primeiro filho, porque o tempo encarnou para mim, ele começou a ser uma coisa muito concreta, e eu tinha esse sonho de querer flexibilizar minha relação com o trabalho para cuidar mais dele. Criei o Empreendedorismo Materno, que era um blog falando do tema, e ele foi acontecendo bem, entrevistei centenas de mulheres. Mas ele foi descontinuado por uma série de razões, não sem antes plantar essa sementinha ali em mim. Comecei a procurar isso na minha vida, consumir de forma mais responsável e sustentável, ter mais contato com a natureza, cuidar do que eu estava comendo, comer junto com a minha família. Eu estava vivendo aquela realidade e comecei a querer achar outras pessoas também, ir do pessoal para o político.
Quais foram então os primeiros passos?
Comecei a pesquisar mais sobre o movimento slow food, que é um movimento de ativistas, o que eu queria era oferecer uma coisa mais em rede, conversar com as pessoas comuns, proporcionar essa reflexão para as pessoas, bem jornalista querendo traduzir o mundo para as pessoas. Aí eu criei o Guia Desacelera SP e comecei a perceber esse potencial em São Paulo, porque tem muita gente pregando o slow em São Paulo, mas eles não se conhecem, não se comunicam, faltava uma rede. Depois de 2 anos que o Guia já existia, eu percebi que podíamos fazer um evento - que é então o Dia sem Pressa - em busca de reunir várias pessoas com o mesmo propósito. Deu certo! Fizemos nos moldes italianos propondo movimentos de reflexão, experimentação e vivência para levar pro resto da vida.
E o projeto atualmente está em que pé?
Hoje em dia já temos quatro braços de atuação: produção de conteúdo qualificado e informação e conhecimento sobre aceleração e a necessidade de desacelerar por meio do Guia; a rede Desacelera SP, que gera a articulação de vários projetos slow em SP; Realização do Dia sem Pressa com essa rede articulada, que é a nossa maior estratégia de sensibilização geral, para as pessoas como um todo; E, por fim, como percebemos que não adiantava fazer esse movimento todo com as pessoas e não mudar a mentalidade política e lideranças empresariais e criamos a Escola do Tempo. Ela tem um potencial grande de formação de pessoas e liderança, porque produzimos workshop em empresas, por exemplo, para que elas incorporem a cultura slow em seus dias. Acreditamos que se esse diálogo não passar pelas empresas, nunca conseguiremos realmente espalhar o assunto, porque muitos dos males da aceleração passam pelo trabalho, as pessoas precisam chegar a limites para então desacelerar. A gente não quer que esse limite chegue, a gente quer que essas pessoas percebam que ele tá chegando e busquem saídas. Mas também não dá pra colocar toda a responsabilidade nas pessoas, pois a sociedade as pressiona correr, então se a gente não trabalha a desaceleração do ponto de vista coletivo, o desacelera acaba virando mais uma pressão dentre tantas: essa pessoa que é já super atarefada começa a ter que encaixar yoga e meditação em seu já curto tempo.
Que dicas daria para quem busca desacelerar?
Existe uma luta sim pela desaceleração onde a gente vai prescrevendo coisas comotenha uma relação melhor com a natureza, tome as rédeas da sua relação com a tecnologia, cuide das relações importantes para você e esteja atento a elas, percebam suas escolhas de tempo, em vez de sempre repetir “não tenho tempo”, perceba no que você está gastando ele, faça uma coisa de cada vez e com pausas entre elas. Tem um exercício que fazemos que é a consciência temporal, onde as pessoas respondem em que âmbito da vida elas estão gastando sua vida, e os resultados são sempre surpreendentes. Mas eu acho que o grande lance do desacelerar é: não há prescrição. Ele é entender que cada um tem uma vida, um contexto, uma especificidade, uma perspectiva para lidar com velocidade e a não-velocidade. A ideia geral é harmonia. A minha própria vida não é lenta ou vazia de coisas, eu não fico no ócio. Mas o desacelerar chegou pra mim nesse lugar de ter muita consciência de como eu uso meu tempo, aprendi a fazer concessões e escolhas. Nem sempre você vai conseguir escolher o que quer, mas o importante é você não se sentir refém do tempo. É importante trazer essa consciência para que cada um entenda o que é importante para você.
Entrevista com
Ginecologista
Inspirados na atriz Claudia Raia, que revelou sua gravidez aos 55 anos, conversamos com um médico especialista para entender esse universo
22 de Setembro de 2022
Com o avanço da ciência, congelar óvulos e fecundá-los de forma assistida tem sido cada dia mais uma opção de sucesso - como foi o caso da atriz Claudia Raia. Aos 55 anos, a artista conta que já tinha congelado óvulos, mas acabou engravidando de forma natural - o que é muito raro.
Edward Carrilho de Castro, médico ginecologista especialista em reprodução assistida, foi nosso entrevistado para explicar um pouco mais desse universo da maternidade na maturidade. Confira a conversa!
Quais são as chances de engravidar após os 50 anos?
Essa pergunta eu dividiria em subitens. Quando a gente fala de uma gestação espontânea acontecer depois dos 50, a gente fala de uma questão bem anedótica, bem difícil de acontecer. É muito improvável que aconteça, as chances de aborto e más formações associadas é muito alta, por isso que acaba virando notícia de jornal mesmo, porque realmente é muito raro. Agora quando a gente pensa em pacientes que já congelaram os óvulos, por exemplo, por volta dos 30 anos, e o útero não tem problema nenhum, eu vou ter uma taxa de sucesso muito parecida com a idade que ela tinha quando congelou os óvulos.
E se esse óvulo for doado?
Se for uma paciente de 50 anos que vai aceitar a ovodoação, eu vou conseguir taxas de sucesso equivalentes a pacientes com óvulos de 30 anos, vai ser a idade da doadora que vai ditar muito desse sucesso. Tanto é que existe uma regra no Conselho hoje em dia que diz que a idade dos óvulos é a questão relacionada com o número que a gente pode transmitir na fertilização. Então uma paciente que recorre a ovodoação eu vou poder transferir no máximo 2 óvulos. Já na paciente de 50 a gente tem uma tendência a transferir menos pra evitar gestação gemelar por ser um risco um pouco mais alto.
Quais são os riscos tanto durante a gravidez quanto no parto, para ambos os envolvidos (parturiente e bebê)?
São riscos realmente um pouco aumentados, a gente tem um risco mais alto de hipertensão e diabetes, e isso algumas vezes vai levar a um risco um pouco mais alto de prematuridade ou outras consequências para o bebê. Quando a gente fala da ovodoação e transferência de embrião, essas pacientes em geral acabam fazendo uma avaliação clínica prévia, como um eletro de esforço, já passaram com cardiologista, já fizeram toda uma avaliação. E elas normalmente são muito cuidadosas e isso ajuda muito na evolução da gestação.
Para quem está tentando, qual caminho mais seguro a pessoa deve trilhar?
O caminho mais seguro é esse caminho que eu falei dessa busca por uma avaliação prévia, passando com cardiologista, fazendo uma avaliação clínica geral, e tendo uma vida até bem mais saudável do que uma paciente de 30 anos. A gente precisa pensar na opção da ovodoação, por conta da qualidade, taxa de sucesso e quando a gente pensa em uma gestação saudável a gente tem que pensar nisso também, porque o risco de malformação é muito alto nessas gestações. A maior parte das gestações depois dos 50 anos vão invariavelmente terminar em um abortamento quando a gente fala de óvulos próprios. Agora, quando a gente fala de óvulos doados, a taxa de abortamento é baixa, como uma pessoa mais jovem.
Em tempos onde a longevidade é cada vez mais discutida dentro e fora da ciência, na sua opinião, será mais comum mulheres mais velhas grávidas?
A gente tem tido cada vez mais pessoas preocupadas com a saúde, uma longevidade que tem ficado evidente em todos os aspectos, tanto para homens quanto para mulheres. Isso junto do desejo de postergar a gestação e das aberturas da nova revolução sexual que a reprodução assistida trouxe pras mulheres (que é o congelamento de óvulos precoce, antes do período da menopausa, quando o óvulo ainda tem bastante qualidade), traz ainda mais força para esse postergamento. Tudo isso me leva a crer que realmente teremos cada vez mais gestações tardias em mulheres que se cuidam bastante e são bem saudáveis. São gestações viáveis e com grande possibilidade de acontecer. É lógico que com o passar dos anos, outros problemas podem surgir, por exemplo miomas, endometriose e outros problemas não só relacionados ao potencial e qualidade do óvulo. Mas o processo em si pode acontecer tranquilamente.
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