Como garantir a resiliência de sua essência, mas a plasticidade da adaptação? Confira no relato de Rodrigo Hübner Mendes, no Podcast Plenae
12 de Outubro de 2020
O quinto episódio da segunda temporada do Podcast Plenae - Histórias Para Refletir traz a inspiradora trajetória do empreendedor social Rodrigo Hübner Mendes, representante do pilar Corpo. Como um assalto transformou toda a sua vida e o relacionamento com o seu corpo?
O ano era de 1990 e Rodrigo é abordado na porta da sua casa. Antes mesmo de entender o que estava acontecendo, é atingido por uma bala nas costas, que queimou parte de sua medula e restringe seus movimentos. Rodrigo, que fora atleta por toda a sua juventude, se vê tendo que reaprender a se enxergar no mundo.“Durante toda a infância, fui apaixonado por futebol.
Comecei jogando bola no quintal de casa e, conforme fui ganhando confiança, pedi para meu pai me inscrever no campeonato do Clube Pinheiros. Tive a sorte de me destacar logo no primeiro ano. Fui convocado para a seleção do clube, o que era o máximo para um garoto naquela idade.”
Rodrigo lesionou o joelho e, apesar de curá-lo - e de ter se apaixonado por ortopedia - precisou intercalar esportes. Foi quando conheceu o remo, sua grande escola de disciplina, foco e compromisso. Para alguém com um passado tão atlético, como encarar o mundo com a mobilidade reduzida?
O apoio incansável de toda a sua família foi de suma importância para esse processo. “Além disso, minha história com esporte foi decisiva para que eu conseguisse sobreviver, especialmente pelo remo que trabalha muito resistência e saber não entregar os pontos” conta.
Logo de cara, Rodrigo percebeu no hospital que estava em uma posição de extremo privilégio socioeconômico, apesar de sua condição física. “Na primeira semana de hospital eu tive esse insight de que estava na minha mão dimensionar qual seria o tamanho do meu problema. Em relação a quem não tinha nenhum suporte, me vi ali como uma pessoa extremamente privilegiada” conta.
De lá para cá, o empresário aprendeu a olhar de uma outra forma para um mesmo problema. Usando os conceitos de resiliência X plasticidade, hoje ele acredita que mais vale adaptar-se ao que se tem e fazer disso o melhor, do que insistir em uma busca incessante ao que se tinha.
Para ele, a resiliência é fundamental para que a gente mantenha nossa essência, independente do acontecimento. Mas a plasticidade é o fator que nos mantém vivos, sempre nos reinventando.
“Os caminhos pra eu atingir meus objetivos vão se modificando com o tempo, mas o meu norte segue sendo o mesmo. Eu gosto muito do poema vitoriano que diz que 'somos mestres dos nossos destinos, somos capitães das nossas almas'. Apesar da enorme incerteza que tá sempre ao nosso redor, da impossibilidade da gente controlar as coisas, daquilo que os budistas chamam de impermanência, me ajuda muito pensar que a nossa intenção, o nosso objetivo maior está sob nosso controle, não importa quantos tiros, quantos trancos a gente leve.”
Rodrigo aprendeu e segue aprendendo a se adaptar e enxergar o seu próprio corpo como eterno veículo de seu deslocamento, seja lá como for. “Acho bem interessante pensar que o movimento tá sempre presente na gente. Um movimento que vai além da atividade física. No meu caso, mesmo tendo enfrentado uma mudança radical, a minha movimentação continua intensa. Tanto no aspecto físico - eu sigo uma rotina bastante disciplinada de pelo menos três sessões de exercícios por dia – quanto no aspecto da ação.”
Hoje, Rodrigo já mudou a vida de diversos alunos com deficiência que viram uma oportunidade de construir uma sociedade mais inclusiva por meio do ensino. “No Instituto, a gente trabalha pra que nenhuma criança ou adolescente fique de fora da escola por causa de uma deficiência. E, para isso, a gente investe em 3 pilares: identificando o que existe de mais avançado no mundo, oferecendo referências práticas para quem se sente inseguro e promovendo formação de professores em todo Brasil.”
Confira mais desse lindo relato no quinto episódio da segunda temporada do Podcast Plenae - Histórias Para Refletir, e prepare-se para se inspirar!
Entrevista com
jornalista, professora, educadora, idealizadora do Desacele
21 de Fevereiro de 2021
Estamos em constante busca de algo que não temos. Atualmente, um bem valioso em nossa sociedade imediatista e urgente é o tempo. Ter tempo é ser rico e conseguir organizar todas as suas demandas é a sabedoria suprema. Em meio ao caos, é preciso descansar e praticar a desaceleração.
Mas mais importante do que descansar aos finais de semana, por exemplo, é encontrar o equilíbrio em sua rotina e trazer essa desaceleração para seus dias. Como isso é possível? É o que o Plenae buscou entender na entrevista com a jornalista, professora, educadora, idealizadora do Desacelera SP e do Dia sem Pressa , Michelle Prazeres. Confira a seguir!
Como nasceu a cultura slow?
A cultura Slow é gestada no âmbito do movimento slow. Então ela na verdade é o conjunto de conteúdos, movimentos, hábitos, pensamentos e valores de um movimento que nasceu na década de 80, como uma resposta à aceleração do tempo associados principalmente à alimentação, em um primeiro momento. Com o surgimento do fast food, as pessoas fizeram um protesto para dizer que não queriam encarar a comida daquela forma e ali nasceu o slow food. Seus preceitos principais seguem os mesmos até hoje: é preciso ser bom, limpo e justo. Essa tríade, aliás, continua regendo não só o slow food como outras vertentes, como o slow kids, slow medicine etc.
Como ela vem se desdobrando?
Em muito pouco tempo, essa lógica de aceleração começa a se espraiar para outros movimentos da vida como a medicina, a infância, a arquitetura e cidades e até a comunicação, que é o tema do meu pós-doutorado. E o que o movimento slow prega não é que temos que ser devagar ou preguiçosos - essa é a ideia pejorativa de muitas pessoas que acreditam que só se vence correndo, por exemplo. Mas, na verdade, não é sobre ser devagar, mas sim ir mais desacelerado se quisermos processos mais humanizados e conter esse processo de aceleração que termina desumanizando. Essa lógica da aceleração começa a invadir vários campos da vida, então o slow living, esse lugar maior, é essa coisa da gente trazer uma reumanização, recobrar nossos sentidos, poder aproveitar o aqui e agora, poder se relacionar de outro jeito com a infância, natureza e tecnologias, estar atento ao seu redor.
Semelhante ao mindfulness, então?
É um pouco diferente do mindfulness porque não se trata somente de uma escolha pessoal e individual, até porque desacelerar muitas vezes pode ser uma escolha privilegiada. O movimento prega a desaceleração de forma coletiva como única saída para o planeta e para o mundo. É preciso se tornar uma agenda mais coletiva, de um movimento slow individual para o bem-estar de todos. Se a gente não desacelerar como mundo, as pessoas não vão desacelerar individualmente, a não ser que elas possam fazer essas escolhas.
Como a aceleração vem afetando a nossa vida?
As crianças na educação infantil, por exemplo, já são submetidas a uma educação que é feita para passar no vestibular, começa a ler aos 3, antecipar etapas que acaba desumanizando. Uma consulta com seu médico dura 10 minutos, ele não olha pra você e já te medicaliza, seguindo a ordem de solucionar rapidamente seus problemas e até suas moléstias.
Como e por que nasce Desacelera SP e o Dia sem Pressa?
O Desacelera nasceu quando eu tive meu primeiro filho, porque o tempo encarnou para mim, ele começou a ser uma coisa muito concreta, e eu tinha esse sonho de querer flexibilizar minha relação com o trabalho para cuidar mais dele. Criei o Empreendedorismo Materno, que era um blog falando do tema, e ele foi acontecendo bem, entrevistei centenas de mulheres. Mas ele foi descontinuado por uma série de razões, não sem antes plantar essa sementinha ali em mim. Comecei a procurar isso na minha vida, consumir de forma mais responsável e sustentável, ter mais contato com a natureza, cuidar do que eu estava comendo, comer junto com a minha família. Eu estava vivendo aquela realidade e comecei a querer achar outras pessoas também, ir do pessoal para o político.
Quais foram então os primeiros passos?
Comecei a pesquisar mais sobre o movimento slow food, que é um movimento de ativistas, o que eu queria era oferecer uma coisa mais em rede, conversar com as pessoas comuns, proporcionar essa reflexão para as pessoas, bem jornalista querendo traduzir o mundo para as pessoas. Aí eu criei o Guia Desacelera SP e comecei a perceber esse potencial em São Paulo, porque tem muita gente pregando o slow em São Paulo, mas eles não se conhecem, não se comunicam, faltava uma rede. Depois de 2 anos que o Guia já existia, eu percebi que podíamos fazer um evento - que é então o Dia sem Pressa - em busca de reunir várias pessoas com o mesmo propósito. Deu certo! Fizemos nos moldes italianos propondo movimentos de reflexão, experimentação e vivência para levar pro resto da vida.
E o projeto atualmente está em que pé?
Hoje em dia já temos quatro braços de atuação: produção de conteúdo qualificado e informação e conhecimento sobre aceleração e a necessidade de desacelerar por meio do Guia; a rede Desacelera SP, que gera a articulação de vários projetos slow em SP; Realização do Dia sem Pressa com essa rede articulada, que é a nossa maior estratégia de sensibilização geral, para as pessoas como um todo; E, por fim, como percebemos que não adiantava fazer esse movimento todo com as pessoas e não mudar a mentalidade política e lideranças empresariais e criamos a Escola do Tempo. Ela tem um potencial grande de formação de pessoas e liderança, porque produzimos workshop em empresas, por exemplo, para que elas incorporem a cultura slow em seus dias. Acreditamos que se esse diálogo não passar pelas empresas, nunca conseguiremos realmente espalhar o assunto, porque muitos dos males da aceleração passam pelo trabalho, as pessoas precisam chegar a limites para então desacelerar. A gente não quer que esse limite chegue, a gente quer que essas pessoas percebam que ele tá chegando e busquem saídas. Mas também não dá pra colocar toda a responsabilidade nas pessoas, pois a sociedade as pressiona correr, então se a gente não trabalha a desaceleração do ponto de vista coletivo, o desacelera acaba virando mais uma pressão dentre tantas: essa pessoa que é já super atarefada começa a ter que encaixar yoga e meditação em seu já curto tempo.
Que dicas daria para quem busca desacelerar?
Existe uma luta sim pela desaceleração onde a gente vai prescrevendo coisas comotenha uma relação melhor com a natureza, tome as rédeas da sua relação com a tecnologia, cuide das relações importantes para você e esteja atento a elas, percebam suas escolhas de tempo, em vez de sempre repetir “não tenho tempo”, perceba no que você está gastando ele, faça uma coisa de cada vez e com pausas entre elas. Tem um exercício que fazemos que é a consciência temporal, onde as pessoas respondem em que âmbito da vida elas estão gastando sua vida, e os resultados são sempre surpreendentes. Mas eu acho que o grande lance do desacelerar é: não há prescrição. Ele é entender que cada um tem uma vida, um contexto, uma especificidade, uma perspectiva para lidar com velocidade e a não-velocidade. A ideia geral é harmonia. A minha própria vida não é lenta ou vazia de coisas, eu não fico no ócio. Mas o desacelerar chegou pra mim nesse lugar de ter muita consciência de como eu uso meu tempo, aprendi a fazer concessões e escolhas. Nem sempre você vai conseguir escolher o que quer, mas o importante é você não se sentir refém do tempo. É importante trazer essa consciência para que cada um entenda o que é importante para você.
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