Como você tem se sentido ultimamente? Tem conseguido acolher sentimentos e pensamentos negativos e cuidar com carinho de suas necessidades emocionais?
Desde a pandemia, muito tem se falado sobre saúde mental. Mas, apesar de sabermos de sua importância, ainda vivemos em um contexto social onde transtornos psíquicos são vistos com certa descrença, a exigência de felicidade, positividade e produtividade imperam e qualquer coisa diferente disso é visto como falta de vontade ou esforço pessoal.
Porém, é fato que nossa saúde mental tem se deteriorado em uma velocidade sem precedentes. A depressão é considerada o mal do século e, segundo a Organização Mundial da Saúde, será a doença mais comum do mundo até 2030, afetando mais pessoas do que qualquer outro problema de saúde, incluindo o câncer e as doenças cardíacas. Um de seus desdobramentos mais graves é o pensamento suicida, que em alguns casos se torna uma triste realidade.
Apesar dos dados alarmantes, a depressão segue sendo uma doença extremamente estigmatizada, sendo associada a fraqueza e falha de caráter. Por isso, é comum vermos sentimentos de vergonha, medo e isolamento entre as pessoas que sofrem deste mal-estar psíquico, o que faz com que elas mantenham em segredo e demorem a procurar ajuda. Também há uma confusão entre o que é ter depressão e se sentir deprimido em algum momento da vida. Todos nós já nos sentimos desanimados, mas como reconhecer quando nossa tristeza, medo e ansiedade se tornaram um problema mais grave?
Nesse setembro amarelo, mês dedicado à prevenção do suicídio, acreditamos que vale a pena compreender mais a fundo o que é a depressão, como reconhecer seus sinais e o que fazer se ela bater à nossa porta. E se porventura você estiver navegando por esses mares, que esta leitura possa servir como uma bússola rumo a terra firme, preenchendo seu coração da certeza de que você chegará lá.
Fundo no assunto
Que depressão é essa que só cresce?
Apesar de ouvirmos muito sobre depressão, a grande maioria das pessoas não sabe exatamente o que ela é. Um de seus sintomas clássicos é a tristeza prolongada e, por isso, muitos acreditam que trata-se somente de um transtorno do estado emocional. Contudo, ela é uma doença psiquiátrica crônica com implicações físicas, mentais e emocionais e é hoje a principal causa de invalidez no mundo. O Brasil, apesar de ser conhecido como um país feliz e como o país do carnaval, hoje lidera os rankings mundiais relacionados ao tema. De acordo com a Pesquisa Vigitel 2021, 11,3% dos brasileiros relataram terem recebido o diagnóstico médico da doença.
Por ser de natureza psíquica e intangível, não existe um exame capaz de confirmar com precisão o diagnóstico, que é feito a partir da análise dos sintomas do paciente e do seu histórico familiar. Normalmente, quando um paciente apresenta pelo menos cinco das manifestações sintomáticas relacionadas à depressão por mais de duas semanas, ele se enquadra para receber o diagnóstico clínico. Veja alguns dos sintomas da depressão, levantados pelo portal VivaBem
No humor: tristeza prolongada, choro fácil ou apatia, desânimo, solidão, irritabilidade e a perda de interesse em atividades antes prazerosas, conhecido como anedonia, que explicamos melhor nesta matéria.
Nas funções cerebrais: dificuldade de executar tarefas do dia a dia, problemas de memória, concentração e na tomada de decisões.
Nos pensamentos: pessimismo, culpa, baixa autoestima, pensamentos negativos persistentes e em casos mais graves, ideias frequentes de morte e/ou suicídio.
No comportamento: fadiga, lentidão ou agitação exagerada, isolamento, perda de libido, alteração no apetite, problemas do sono e abuso de entorpecentes.
No resto do corpo: dores sem causa aparente, problemas digestivos, aumento ou perda de peso, baixa imunidade, sensação de peso nos membros, formigamento.
Para Andrew Solomon, autor do livro “O demônio do meio-dia - uma anatomia da depressão”, o sintoma mais impactante da depressão foi a perda da vitalidade. Ao compartilhar sua experiência em um Ted Talk, Solomon relembra como viu sua energia escorrer entre os dedos dia após dia, ao ponto de tornar tarefas simples como tomar banho, comer ou ouvir suas mensagens, um enorme martírio.
O avanço da doença trouxe ataques de ansiedade e angústia a ponto de fazê-lo questionar sobre sua própria vida. Segundo ele, um ponto pouco discutido ao se falar em depressão é o fato de que pessoas que sofrem deste mal têm total consciência do quão ridículo é não conseguir realizar hábitos tão corriqueiros. Ainda assim, elas se sentem completamente presas nas garras da doença, incapazes de encontrar uma saída daquele estado.
Kristofer Nielsen, aluno de PhD em psicologia na Victoria University of Wellington, Nova Zelândia, descreve este processo como “tendências pegajosas”. Ou seja, padrões de pensamentos, comportamentos e emoções que o sistema cérebro-corpo-mente tende a cair e ficar preso. Para compreender esse conceito, ele utiliza a imagem de um recipiente que você pode segurar com as duas mãos, cujo fundo está formado por uma paisagem de colinas e vales. Ao jogar uma bolinha de gude no recipiente, mexendo para que ela role pela paisagem, é fácil observar como ela cai em padrões de trilhas específicas, ricocheteia nas colinas e tende a ficar presa nos vales. A depressão é um vale particularmente profundo em que será necessário realmente inclinar e sacudir o recipiente para sair de lá.
Muito se discute sobre o que causa depressão, ainda sem grande consenso entre especialistas. Uma visão que tem ganhado grande apoio é a de que a depressão é causada por uma complexa relação entre predisposição genética, estilo de vida e o ambiente que nos rodeia. Assim, essa paisagem de colinas e vales se forma a partir de uma série de influências que vão desde nosso histórico familiar, passando pelos nossos hábitos, incluindo o que comemos (falamos sobre a relação entre alimentação e depressão nesta matéria), experiências intensas, chegando até a cultura do qual fazemos parte e o clima onde estamos inseridos (que também comentamos mais por aqui).
Eventos traumáticos podem ser um grande gatilho para a depressão, mas mesmo pequenos estressores acumulados ao longo dos anos podem influenciar significativamente no quadro e, portanto, não devem ser negligenciados, como explicamos aqui. Sabemos perfeitamente nossas necessidades físicas e o que fazer para supri-las, mas é comum descuidarmos das nossas necessidades psicológicas mais profundas.
Nosso cérebro é um órgão altamente plástico, que se molda a todo instante a partir dos pensamentos, ações e experiências vividas. A depressão modifica não só redes inteiras de conexões neurais, como te contamos neste tema da vez, mas pode, ao longo dos anos, reduzir regiões do cérebro ligados a tomada de decisão (córtex pré-frontal) e a memória (hipocampo), além de aumentar a região da amígdala, intimamente ligada às emoções de medo e ansiedade.
Tais mudanças estruturais fazem a pessoa perder sinapses importantes, ficando literalmente presa em rotas neurais de pensamentos, sentimentos e comportamentos negativos. E como o corpo e a mente formam uma via de mão dupla, como te contamos aqui, um afeta o outro diretamente, o que significa que quadros de doenças graves podem levar a depressão e vice-versa.
Assim, a depressão, quando não tratada, aumenta significativamente o risco de sofrer ataque cardíaco, derrame e outras doenças crônicas, já que o corpo tende a reagir ao estresse mental como se fosse um estressor físico. Contudo, estudos mostram que os brasileiros demoram mais de 3 anos para procurar ajuda médica, mesmo após o diagnóstico.
Ao tentarmos imaginar uma pessoa com depressão, normalmente vem à mente os quadros mais graves da doença: uma pessoa mergulhada em uma tristeza sem fim, que muitas vezes mal consegue sair da cama. Mas, existem diferentes tipos e níveis, que variam desde sua intensidade, sintomas, duração e podem estar associados a outras patologias. Algumas têm origem estritamente em problemas psicológicos e são tratadas, em sua maioria, com psicoterapia. Outras têm origem psicossomática ou psicótica, sendo associadas a desequilíbrios químicos no cérebro e, portanto, seu tratamento inclui intervenção medicamentosa.
Episódio depressivo: o tipo mais comum e que atinge mais pessoas. Possui sintomas mais brandos que podem durar até dois anos. Se não for devidamente tratada, pode evoluir para quadros mais graves da doença.
Distimia: também conhecida como depressão crônica, é menos comum e pode durar décadas. Isso porque seus sintomas são leves e muitas vezes confundidos como traços de personalidade do paciente. Diferente de outros tipos de depressão em que aparecem sintomas incapacitantes, pessoas com distimia são completamente funcionais. Comem, dormem, conseguem trabalhar e até riem de uma piada de vez em quando. “O problema é que a doença provoca um grande impacto na qualidade de vida, já que o indivíduo reclama o tempo todo, está sempre de mau humor e sofre com baixa autoestima”, diz Luiz Dieckmann, psiquiatra pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) para a BBC. No entanto, existe o risco dos sintomas evoluírem para uma depressão mais grave, já que a pessoa acredita não ser nada e o quadro só piora.
Transtorno depressivo maior: também conhecido como depressão profunda, este é um quadro mais grave da doença e apresenta os sinais mais comumente associados no imaginário popular. Nele, há uma mudança química no funcionamento do cérebro que pode ter como gatilho uma causa física ou emocional e tem grande relação com a genética.
Depressão bipolar: considerada a mais difícil de ser identificada devido à sua associação com o transtorno bipolar, pode-se levar até 10 anos para obter o diagnóstico correto, segundo o Dr. José Alberto Del Porto, professor de Psiquiatria da Unifesp. Diferente do transtorno bipolar tipo 1 (a forma mais clássica, caracterizado pela euforia), aqui o paciente alterna entre quadros de tristeza e hipomania (estado mais leve de euforia, otimismo e, às vezes, agressividade).
Depressão pós-parto: este tipo tem como gatilho a enorme oscilação de hormônios que ocorre na mulher durante a gestação e puerpério. Ela pode ocorrer durante a gestação ou em até 12 meses após o nascimento do bebê. Nesta matéria, explicamos mais sobre esse tipo e como ela afeta uma a cada quatro mães no Brasil.
Depressão psicótica: considerada a forma mais rara e também grave do transtorno, apresenta além dos sinais clássicos listados anteriormente, sintomas psicóticos como alucinações e delírios. Devido aos seus sintomas exacerbados, pode ser confundida com a esquizofrenia e as chances de reações suicidas aqui são grandes, precisando de acompanhamento médico frequente e um tratamento específico com antipsicóticos.
O que dizem por aí
Quebrando o silêncio
Apesar de um tema nada fácil de encarar, precisamos falar cada vez mais abertamente sobre a depressão para que mais e mais pessoas possam “sair desse armário”, serem acolhidas e receberem ajuda. Felizmente, esse movimento tem acontecido lentamente. Nos últimos Jogos Olímpicos de Tóquio, a surpreendente decisão da ginasta norte-americana Simone Biles em deixar a competição para cuidar de sua saúde mental trouxe a discussão para o centro do mundo dos esportes de alta performance. Ao mesmo tempo, cada vez mais celebridades revelam publicamente seus problemas de saúde mental na busca de acabar com o preconceito e se libertar de tantas expectativas.
No Brasil, vimos Pedro Bial compartilhar sua experiência na GNT em 2019, Selton Mello revelar que passou por uma depressão grave em 2008, que quase o levou a abandonar a carreira e o Padre Fábio de Mello falar abertamente em uma live sobre como seu quadro depressivo o levou a pesquisar na internet formas de morrer.
Uma pesquisa feita pela Mind mostrou que essas declarações públicas feitas por famosos impactam positivamente a sociedade. Dos 2 mil entrevistados, 25% acabaram pensando sobre suas dificuldades e pediram ajuda após ouvir uma celebridade falando sobre suas questões psíquicas.
Para além das revelações feitas pelas celebridades, vemos a depressão protagonizando filmes e séries de TV, como é o caso da série Bojack Horseman, que retrata de forma honesta e bastante crua a doença em um contexto de fama e privilégios. Em fóruns de redes sociais como Reddit, alguns usuários afirmam se sentirem compreendidos pela série, outros passam a refletir mais a respeito da doença. O aumento da representação de problemas de saúde mental na televisão tem, sem dúvida, colaborado para mudar a visão coletiva sobre o assunto e diminuir estigmas.
Ao mesmo tempo, um crescente número de videogames têm sido lançados tendo a saúde mental no centro do jogo. “Celeste”, por exemplo, chegou a receber o prêmio de Melhor Jogo com Impacto Social em 2018, por sua contribuição ao debate. No jogo, a protagonista precisa superar obstáculos emocionais para avançar. Para alguns membros do setor, os games são mais eficazes que o cinema e a televisão para lidar com o tema, por conta da sua natureza interativa.
“Incorporar um personagem de videogame que sofre de depressão pode deixar uma impressão mais profunda dos desafios da doença do que simplesmente assistir a um filme sobre o mesmo personagem, por exemplo”, afirmou Laura Parker em sua matéria no The New York Times.
Depressão tem cura!
Olhe ao seu redor: todo mundo está enfrentando alguma batalha interna, que pode ser grande ou pequena, mas que nos conecta no que há de mais humano em todos nós: os sentimentos. Todos nós somos atravessados pelas emoções da tristeza e do medo, podemos sucumbir ao desânimo e sermos povoados por pensamentos negativos. Como colocamos em nossa crônica do mês, “quando somos invadidos por essa onda negativa, é preciso segurar firme, respirar fundo e seguir alguns passos”, que deixamos a seguir: