Para Inspirar

Como nasce a empatia?

Em comemoração ao Dia Mundial da Gentileza, o Plenae investigou o mistério, que intriga diferentes especialistas ao longo das décadas.

13 de Novembro de 2020


Como nasce a empatia? É possível ensiná-la? Para o psicólogo Jamil Zaki, sim. O professor da Universidade de Stanford acredita que, mais do que um atributo pessoal, a empatia é uma habilidade e, portanto, pode ser desenvolvida em seres humanos por meio da prática, como um outro hábito qualquer.

Em seu livro, “A guerra pela bondade: construindo empatia num mundo partido”, ele diz que a “empatia é como um músculo que, se não for trabalhado, atrofia”. O livro virou palestra, disponível neste link, e norteou diferentes especialistas já habituados a estudar o tema.

Assim como afirma o professor, historiador e autor do best-seller Sapiens, Yuval Noah Harari, Jamil também acredita que o mundo só conseguiu ser construído da forma como o conhecemos a partir da colaboração dos seres humanos. Yuval, em seu livro, nos ensina como a cooperação mútua garantiu a nossa sobrevivência, sustento e pelo nosso desbravamento de terras.

Tomando um pensamento semelhante como base, Jamil afirma que, se um dia pudemos cooperar uns com os outros, é porque éramos seres empáticos, capazes de nos colocar na mesma situação que um outro semelhante está vivenciando e, assim, conseguir ajudá-lo.

Para o psicólogo Jami Zaki, todo ser humano é capaz de sentir a empatia

Porém, nosso estilo de vida contemporâneo foi o grande vilão, responsável por nos afastar. “O trabalho em conjunto e a vida em comunidade são raros em cidades enormes” diz.

Mais do que distância geográfica, as circunstâncias também nos segregam. “A mediação tecnológica criou relações anônimas e transacionais e o fenômeno da polarização, que caracteriza o tribalismo contemporâneo, virou a empatia do avesso. As pessoas se empenham em produzir sofrimento em quem discorda delas” afirma.

Caminhos possíveis

Se nossas experiências são capazes de moldar quem somos, portanto, é possível que um ser humano seja exposto à situações onde sua habilidade empática deverá ser manifestada e treinada. E isso pode ser feito até mesmo com a ajuda dela, médio vilã e médio heroína: a tecnologia.

O psicólogo usou mecanismos de realidade virtual para simular um dia na vida de um morador de rua em seus voluntários, e os resultados foram mudanças expressivas em como esses enxergavam os sem-teto. Além disso, ele submeteu mais de 800 alunos adolescentes a assistir um vídeo que retratava agressão verbal de um homem contra uma mulher.

Os resultados, metrificados por ressonância magnética que monitoravam esses alunos, foi publicado na revista e-neuro e apresentaram sentimentos como angústia e repúdio, ainda que se tratasse de uma vivência somente virtual. Ficou claro que os alunos ali presentes gostariam de poder ajudar, portanto, a exposição à situação despertou a capacidade da empatia neles.

A ciência e a empatia

Em vídeo para a escola Casa do Saber, a pós-doutora em neurociências integradas, Claudia Feitosa-Santana, explica a diferença do entendimento do que é empatia para a neurociência. Há dois tipos: a contagiosa, que é a considerada “automática” e a empatia cognitiva, que requer esforço mas que pode ser treinada e ampliada.

“A empatia é uma das pontes entre o egoísmo e o altruísmo. Ao contrário do que muitos pensam, ela é uma capacidade natural - tanto para seres humanos quanto para outros animais” explica a professora. Mas essa é a empatia contagiosa, que já foi comprovada em outros seres e que não requer reforço, simplesmente acontece.

É como quando vemos uma outra pessoa se machucar e, automaticamente, somos capazes de sentir a intensidade dessa dor naturalmente, inclusive nos contraindo juntos. “O macho alfa e a associação dele com a agressividade é uma lenda. Porque tanto no nosso mundo, quanto no mundo animal, os grandes líderes são extremamente empáticos. E mesmo depois de desprovidos de poder, são cuidados com extremo carinho pelo grupo” explica.

A empatia cognitiva, por sua vez, é uma ampliação dessa empatia natural que sentimos enquanto seres humanos, mas que pode ser praticada para ser cada vez maior. Para a Claudia Feitosa, essa sim pode e deve ser treinada. “Ela pode ser desde treinar a compreender o que o outro sente e também a sentir como o outro sente” explica.

Para isso, há quatro dicas-chave que podem ajudar nesse processo. A primeira delas é ser mais autoempático, ou seja, conhecer suas próprias limitações. A partir desse passo é que conquistaremos a segunda dica: ser seletivo. Isso porque, mesmo a empatia cognitiva é impossível de ser sentida por todo mundo o tempo todo, segundo ela.

“O treinamento da empatia cognitiva exige muito esforço, e esse esforço custa muito caro para o nosso cérebro. Por isso não se pode empatizar com todo mundo o tempo todo - bloquear a empatia também é muito importante” explica Claudia. Isso é, na verdade, imprescindível para o exercício de certas profissões que demandam afastamento para que haja profissionalismo, como médicos-cirurgiões ou advogados.

A terceira dica para se conquistar uma ampliação na empatia cognitiva é estar aberto a novas narrativas, pois é a partir delas - seja por meio de leituras, filmes, etc - é que conhecemos situações de fora do nosso domínio e somos obrigados a exercitar esse novo olhar.

Por fim, a quarta e última dica é: ser mais genuíno. Mesmo o mais ingênuo dos seres humanos é capaz de detectar a mentira ou o narcisismo no outro. “Não vale a pena usar da empatia como uma estratégia, ela precisa ser genuína para ser realmente efetiva e conseguirmos ter uma comunicação mais construtiva” conclui.

E você, tem se atentado ao seu poder empático e praticado o poder de se colocar no lugar do outro? Empatia, nos dias de hoje, é mais do que necessário, tornando-se quase palavra de ordem para que a vida ao nosso redor possa ser mais gentil.

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Simone Lehwess Mozzilli em "Ajudei uma criança e ela salvou a minha vida"

O quinto episódio da décima quinta temporada do Podcast Plenae é da publicitária Simone Mozzilli, representando o pilar Propósito

28 de Abril de 2024



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Simone Mozzilli: Quando eu cheguei careca no hospital, uma criança me perguntou: “Você raspou o cabelo pra ficar igual a gente?”. Eu respondi: “Não, agora a gente é igual! Eu fiquei tanto com vocês que eu peguei câncer” (brincadeira).

Eu sentia que a minha cabeça raspada, ela não incomodava as crianças. Com elas, eu me sentia super à vontade pra compartilhar tudo o que eu estava sentindo. Em algumas situações eu pude até falar que eu estava com muito medo de morrer. Muitos adultos não conseguem lidar com isso.

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Geyze Diniz: A publicitária Simone Mozzilli foi pega de surpresa quando foi retirar um cisto e descobriu que estava com câncer, assim como as crianças que ela atendia em seu trabalho voluntário. Ao se tornar paciente como elas, Simone pôde identificar a falta de informação e empatia que sofriam e criou o instituto Beabá, para compartilhar informações de maneira clara e objetiva sobre doenças e tratamentos. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.

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Simone Mozzilli: Quando eu comecei a fazer trabalho voluntário, eu dava muitos foras. Eu visitava uma casa de apoio a crianças com câncer. E elas vinham de várias partes do Brasil pra fazer tratamento, elas ficavam morando com um acompanhante, que geralmente era a mãe.

E meu trabalho era ir, brincar com as crianças, conversar, às vezes eu dava uma carona pra um ou outro até o hospital. E um dia eu vi uma adolescente barrigudinha e perguntei: “É menino ou menina?” E ela respondeu: “Tumor de fígado”. Eu falava coisas que, hoje, eu sei que são absurdas, tipo: “Se você pensar positivo, você vai ficar bem”.

Eu era uma jovem publicitária, dona de uma produtora que tinha vários clientes grandes. Então, eu achava que eu sabia tudo. Aos poucos, eu fui aprendendo o que falar, o que não falar. E os melhores professores que eu tive foram as crianças. Uma dessas crianças salvou a minha vida.

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Eu conheci a Ana Luiza no hospital. Ela tinha 7 anos e tinha diagnóstico de rabdomiossarcoma, é um tipo de tumor que se forma nos músculos esqueléticos. A Ana Luiza, ela precisava de doação de sangue. E eu tentei doar, mas eu nunca consegui, porque eu sempre fui super magrinha. Daí eu decidi criar um site pra ajudar, chamado “Força, leucócitos”, e daí ele estimulava as pessoas a doarem plaquetas. O site viralizou, até a Ivete Sangalo compartilhou e foi uma das maiores doações de sangue que o hospital já recebeu.

Eu fiquei amiga da Ana Luiza e de toda família. Então todos os dias eu ia pro hospital visitá-la. Ana Luiza se tratou, entrou em remissão, e os próximos exames seriam nos meses seguintes. Então, como a família era de Manaus, eles decidiram passar esse tempo em São Paulo. E a gente aproveitou pra passear!

Eu levava a Ana Luiza para aniversário de crianças, a gente passou o dia no sítio de uma amiga, a gente foi andar a cavalo no Jockey Club, a gente passou no lançamento do livro de um outro amigo, a gente foi até ao jogo do Corinthians, mas eu preciso dizer que ela era Galo. Nós ficamos muito próximas.

A Ana Luiza começou a me ensinar um monte de coisas. Então, quando a gente saia, a gente via a reação de várias pessoas: algumas curiosas, outras com olhar de pena, algumas pessoas se afastavam porque ela estava careca, porque ela usava máscara ... Lembrando que a gente estava anos longe de uma pandemia.

Mas a Ana Luiza, ela não se fazia de coitada. Pelo contrário, ela conseguia rir da situação. Um dia, a gente visitou a cozinha de uma loja de brigadeiros. E óbvio que ela não precisou colocar touca, porque ela estava careca. Então, eu até entrei na pegada e falei: “Tá vendo, tem suas vantagens”.

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A Ana Luiza me impressionou muito, principalmente pelo conhecimento que ela tinha de todo o tratamento e a naturalidade que ela falava da doença. Ela sabia de tudo: ela sabia o nome das medicações, o protocolo do que ela ia fazer, qual parte do corpo ela ia operar...
 
Em uma das conversas, eu contei pra ela que eu tinha um cisto no ovário. Eu tinha descoberto um ano e pouco antes, num exame de rotina, e segui acompanhando. Os cinco médicos que eu fui diziam que aquele cisto não era nada, mas mesmo assim eu morria de medo. E se fosse câncer?

Um dia, a Ana Luiza me perguntou: “Você não vai tirar isso?” E eu falei: “Não, eu tenho medo. Eu nunca operei, nunca dei ponto, nunca me internei, nunca fiquei num hospital”. E ela respondeu: “Eu estou tirando metástase da cabeça e você não tira um cisto?”

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O câncer da Ana Luiza, infelizmente, voltou. Um pouco antes dela morrer, ela parou de enxergar, porque a doença atingiu a visão. Um dia ela acordou sem enxergar nada, mas mesmo assim, ela continuava conversando com a gente e até fazendo a gente rir.

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Um dos momentos mais tristes e mais bonitos que eu vivi foi quando a Carol, mãe dela, que estava na UTI começou a contar como é que eram os seus bisavós, pra quando ela morresse ela encontrasse alguém conhecido.

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Depois que a Ana Luiza morreu, os pais decidiram abrir um instituto pra ajudar as crianças de Manaus a terem as mesmas oportunidades que a Ana Luiza teve quando veio pra São Paulo. E eles me chamaram pra ser a diretora de marketing desse instituto. Ele foi inaugurado no dia 7 de outubro de 2011 lá em Manaus. E eu decidi que eu ia tirar o cisto uma semana depois, no dia 14 de outubro.

O tempo aproximado da cirurgia era em torno de 40 minutos. Eu ia tirar um cisto, e no máximo se precisasse, um ovário, eu ia voltar pro quarto e teria alta no mesmo dia. Só que, quando eu acordei da operação, 10 horas depois, eu pensei: “Alguma coisa deu errado, porque eu tô na UTI”. E eu estava na mesma UTI que eu ficava com a Ana Luiza. Eu chamei a enfermeira e perguntei: “Câncer?” E ela confirmou. Daí eu pedi: “Você pode chamar meus pais?”. E ela falou: “Tá fora do horário de visita”.

Hoje eu aprendi: família não é visita! Aí eu pedi pra enfermeira segurar a minha mão até eu dormir. Eu acordei no quarto, e eu não tinha duas trompas, dois ovários, o útero, pedaços do peritônio e eu tava sem 51 gânglios, não dá nem pra dizer que foi uma boa ideia.

Tudo isso foi para análise e na volta, até o líquido que banhava os órgãos já tinha câncer. Aos 34 anos, eu tinha sido diagnosticada com câncer, metástase e os gânglios comprometidos. Naquele momento, eu não era uma voluntária que ajudava crianças com câncer, agora eu era também uma paciente. E essa nova perspectiva mudou tudo

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Eu sempre falava pras crianças não darem Google, então eu fui procurar as informações em um lugar seguro - que eu imaginei que tivessem informações acessíveis e adequadas – que eram os sites dos hospitais. A informação que eu encontrei é que eu tinha um tumor ginecológico que era o mais agressivo, com menores chance de cura. E que, naquele estadiamento, a chance de eu ficar viva nos próximos 5 anos girava em torno de 20%.

Eu fui percebendo como as informações não ajudavam o paciente. Como você vai engajar uma pessoa num tratamento com uma comunicação dessa? Isso vai fazer a gente procurar por tratamentos milagrosos. E eu até fui, mas quando começaram a me pedir pra beber xixi, aí eu achei que eu não ia me curar e foquei no tratamento correto, com as quimioterapias. Ainda bem!

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Durante meus procedimentos, eu ia apavorada, mas daí eu comecei a fotografar e mandar pras crianças: olha, tô na tomografia, olha, olha como é a minha ressonância... E o que que aconteceu? As crianças começaram a enviar as fotos, os vídeos e contar sobre os procedimentos delas.

A gente acha que a criança não entende, que ela não tem noção do que ela tá passando. Mas muitas vezes, em busca de proteção, os próprios pais acabam não contando a verdade. E aí eu ouvia bastante dessas crianças: “Ai, eu tô em um hospital que tem câncer no nome, mas meus pais falam que eu vim aqui tratar uma gripe. Eu sei o que eu tenho, eu sei que eu tenho câncer. E eu não posso contar que eu sei.”

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Quando a gente tá em tratamento, a gente perde muito da nossa autonomia, principalmente as crianças. Qualquer escolha que a gente pode fazer, dá uma sensação muito boa de bem-estar, de controle. Só do profissional perguntar qual braço que eu quero que seja puncionado, já é uma alegria enorme. Quando eu era voluntária, eu vivia perguntando pras crianças qual peruca elas queriam.

Essa coisa, sabe, de publicitário que busca um produto e uma solução pra cada situação. Mas quando chegou a minha vez, eu odiava peruca. Ela esquentava, ela coçava, ela pinicava, era o maior incomodo pra mim. Minha mãe pedia várias vezes para eu colocar peruca, porque as pessoas ficavam olhando pra mim na rua. Aí, eu entendi que, na verdade, naquele momento, não era eu que queria a peruca, mas eram as pessoas que estavam ao meu redor. E tudo isso eu ia percebendo e anotando.

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O meu tratamento durou seis, sete meses. Nesse tempo, eu continuava fazendo trabalho voluntário. Os médicos diziam que as crianças que entendiam o que estava acontecendo, elas se engajavam mais no tratamento. E depois que a gente conversava e eu explicava o porquê de algumas coisas, como por exemplo, quando o cabelo caía, elas apontavam pra cabeça e diziam: “Olha, o medicamento tá funcionando”.

Daí, os profissionais começaram a me pedir: “Si, chegou uma família nova, você pode vir aqui conversar?” Chegou um ponto, que eu ficava meio período na minha produtora, meio período no hospital. Até que não deu mais pra conciliar, e a diretora do hospital na época falou: “Você não pode sair daqui.” E aí, a gente pensou em abrir algo focado exclusivamente em informação.

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Eu fechei a produtora e a gente fundou o Beaba, um instituto dedicado a informar de maneira clara, objetiva e otimista sobre doenças e tratamentos, principalmente oncologia pediátrica. Normalmente, quem faz informação da saúde são os profissionais de saúde, publicitários, jornalistas. Você até fala que aquela informação é centrada no paciente, só que o paciente só aprova, no máximo, o conteúdo final. E a gente resolveu colocar o paciente no processo todo, do início ao fim.

Convidamos as crianças pra participar e elas toparam na hora. Elas falam as explicações que elas não entendem, as dúvidas que têm, o que pode melhorar. E isso tudo tira a gente da posição de passividade e nos coloca numa posição de atividade. Então, vamos de um sujeito passivo a um agente transformador.

Dessas conversas, saiu nosso primeiro material, que é o Beaba do Câncer. É um guia ilustrado que tem termos mais comuns do ambiente oncológico. Ele foi criado por pacientes, familiares, profissionais da saúde e é distribuído gratuitamente pra crianças e adolescentes em tratamento.

Atualmente o guia tem 164 termos, e a gente explica o que é cada um, por exemplo: o que é hemácia, biópsia, vômito. Muitos termos foram pedidos pelas crianças, por exemplo, o Zé amputou a perna e não tinha o termo, e aí ele me cobrou: cadê amputação!? Agora tá lá.

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É muito emocionante, a gente recebe relatos diários do material, de crianças que aprenderam a ler com o guia, de famílias não alfabetizadas que usam as ilustrações pra entender, de crianças que levam pra escola pra poder explicar para os coleguinhas o que que elas estão passando. E é claro, os profissionais da saúde, que usam o material no dia a dia.

Hoje o guia tá em mais de 200 hospitais do Brasil, tem guia em aldeia indígena, em comunidade ribeirinha, em bibliotecas de cidades pequenas. Por baixo, mais de 1 milhão de pessoas já foram impactadas. E só não é um número maior porque a gente não tem financeiro pra isso. A gente já recebeu pedidos e enviou guias pra África, países da América Latina, Europa, até hospitais do Japão já pediram e receberam. 

Há algumas semanas, a gente fez reunião com uma instituição que trata crianças com câncer na Ucrânia. E eles pediram pra traduzir o material pra ucraniano, porque por conta da guerra, algumas crianças de lá têm ido tratar em outros países e eles não falam a língua delas. Então o guia seria incrível pra elas levarem junto.

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Esse ano, por enquanto, a gente ainda não vai conseguir imprimir os guias, por falta de dinheiro. O que a gente vai fazer por enquanto é tentar uma versão online. A gente sempre resistiu a versão online, porque muitas famílias ainda não têm acesso à internet. E geralmente as famílias que mais precisam de informação, são as que menos têm esse acesso.

Toda a nossa comunicação, ela é pensada pra melhorar a vida das pessoas. Uma vez eu falei que eu tinha vencido o câncer, e a mãe de uma das crianças mais queridas me respondeu que eu tinha vencido, mas que a filha dela tinha perdido. E daí eu fiquei bem mal com isso. Acho que nosso bem-estar não pode provocar mal-estar nas outras pessoas.

Então a gente ressignificou, principalmente porque, mesmo fora de tratamento há mais de 10 anos eu não sou considerada uma paciente curada.  Então, o otimismo do Beaba, ele tem muito a ver com qualidade de vida e não com cura ou ausência de doença, porque isso limitaria o nosso uso, imagina uma linguagem que só serve pra crianças e adolescentes com possibilidade de cura!? Isso não é justo.

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O Beaba não é meu. Eu acho até que ele pode ter sido um produto de egoísmo pra eu ter um material para eu me sentir mais segura, mas o Beaba é de todo mundo, todo mundo que construiu e constrói todos os dias. É muito gratificante nosso trabalho, mas ainda acho que a informação não é valorizada como ela deveria.

Isso até melhorou um pouco com a Covid, porque as pessoas começaram a ver que informação salva vidas. Então, antes da vacina, o que salvou nossas vidas? As informações, que falavam pra gente se higienizar, usar máscara, fazer testes e até ficar afastados de pessoas contaminadas.

Na oncologia, o tratamento medicamentoso é supervalorizado. Então, você toma o comprimido, você recebe a quimioterapia, mas, se você não sabe que se tiver febre você precisa correr pro hospital, você pode morrer. Se você não sabe como tomar aquele medicamento, você pode jogar fora milhões gastos pela indústria para desenvolver uma fórmula, só que muitas vezes essa fórmula é desenvolvida e não tem material acessível e adequado para os pacientes e familiares entenderem como usarem esse medicamento.

Aí, se a gente usa errado, ele pode não ter efeito esperado e ainda pode classificar aquele produto como não tão bom como deveria. E o que eu espero!? Meu sonho é ter um prédio e que cada andar seja dedicado a uma doença. Porque as doenças, elas não vão deixar de existir, mas a gente pode melhorar o tratamento de todas com informação. Isso não vale só pro câncer, isso vale para tudo.

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Vários amigos me perguntam todos os dias: “Por que você fica com essas crianças, se muitas delas vão morrer?” E eu falo: “Eu não posso mudar o destino delas. O que eu posso fazer é melhorar o dia a dia delas”. Às vezes, você acha que tá ajudando alguém, e no fundo, é a outra pessoa que tá te ajudando. Eu fui ajudar a Ana Luiza, e ela salvou minha vida.

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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.

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