Para Inspirar

Como nasce o amor materno?

Conhecido como o “amor mais forte do mundo”, a ciência explica como não é preciso gerar para que esse sentimento seja aflorado

7 de Julho de 2023


Chegamos ao final da décima segunda temporada e ela não poderia fechar de forma mais emocionante: com o relato de maternidade de Fabiana Fabris. Ela, que adotou 5 filhos - sendo 4 irmãos -, narra em seu episódio um pouco de como foram as suas tentativas de gestar e como ela entendeu que, para ser mãe, havia algo muito maior e mais profundo do que conseguir engravidar.

Foi quando Fabris retomou um sonho antigo, que era o de adotar crianças com idade até mais avançada. O que ela não sabia é que essa jornada seria repleta de aprendizados, sendo que o principal deles foi a chave do sucesso: entender que o amor materno é, na realidade, uma construção. E é sobre isso que falaremos hoje!

A ciência das mães

Toda mãe é um pouco cientista, como já disse o ditado. Mas, em abril, às vésperas do Dia das Mães, fomos entender um pouco mais sobre essa relação entre ciência e maternidade. Chegamos a algumas curiosidades sobre o tema. São elas:

  • O simples toque de uma mãe, onde há um investimento de libido - essa energia que habita em todos nós - é capaz de acelerar processos de cura, diminuir dores, entre outros benefícios comprovados para a saúde.

  • A saliva materna também é capaz de curar e, até mesmo uma chupeta limpada pela boca de uma mãe já oferece esse benefício

  • A mãe é a porta de entrada para a linguagem, se tratando de bebês muito pequenos. 

  • A figura materna é tão onipresente que há indícios de que os homens da caverna já possuíam sua própria forma de chamar pelas suas. 

  • Mães que continuam trabalhando apresentam menos chance de ter depressão, mais energia e mais mobilidade.

  • Para as mães que gestam, o processo da gravidez envolve, dentre outras coisas, transmitir nutrientes e células pela placenta. 

Além dessas curiosidades, sabemos também que há um processo hormonal complexo e muito benéfico que está intimamente ligado à maternidade. Estamos falando da liberação da ocitocina que, como te contamos aqui, é um dos hormônios ligados ao bem-estar.

Produzido pela glândula da hipófise, também localizada no cérebro, sua principal função é promover a saída de leite das glândulas mamárias, ou seja, muito importante para as mães que estão amamentando. Porém, no cérebro ela também tem apresenta funções que estão relacionadas ao cuidado, a sensação de amor fraternal, materno, paterno. 

Estudos comprovam, aliás, que animais com mais ocitocina tendem a ter mais cuidado com filhotes e são mais sociáveis. Um “atalho” para liberar mais ocitocina é, por exemplo, segurar um bebê, ter um animal de estimação ou até mesmo ter uma planta - esse em menor grau. Tudo que estimule a sensação de cuidado trará junto a sensação de felicidade, aquela que sentimos quando estamos perto de um filhote. 

A construção do amor

Esses foram alguns dos muitos exemplos possíveis do que a ciência já estudou em relação ao amor materno, que é uma das manifestações mais antigas, potentes e analisadas do mundo. Mas, é importante lembrar que o amor materno é uma construção. Não é imediato e nem inerente a nenhum processo automático. 

Todos os dias, mães se sentem confusas e pressionadas a sentirem esse mergulho intenso e prometido quando, na verdade, ainda não o sentem. E essa culpa materna, como te contamos aqui, vai se acumulando e se tornando nociva para as duas partes desse relacionamento: mãe e filhos.

Esse assunto é tão importante que dedicamos um Tema da Vez inteiro só para pensarmos na maternidade de forma mais ampla e livre de tabus ou preconceitos. A começar pelo famigerado instinto materno, refutado por diversos estudos que vão da psicanálise à antropologia, da sociobiologia à etologia. 

Esse desejo pela maternidade, que muitas vezes é legítimo, outras vezes é influenciado em grande medida pela nossa cultura, estruturas políticas e econômicas. As mulheres têm filhos por várias razões, incluindo o desejo de satisfazer pais, maridos e amigos, pelo medo da solidão e até mesmo como investimento na velhice, o que está longe de ser um impulso de procriar. 

Atrelar a maternidade a um suposto instinto biológico contribui para a construção da imagem da mãe que dá conta de tudo, pois seria “natural para ela”. Essa idealização gera uma enorme pressão, e é por isso que mulheres buscam quebrar o silêncio na busca de “desmascarar a maternidade”. É o caso de Katherine Wintsch em seu Ted Talk, onde ela revela que em um estudo com mais de 5 mil mães de mais de 17 países, todas, sem exceção, sofrem por não atingirem esse ideal.

Adotando e aprendendo

Agora que desmistificamos essa ideia de que o instinto materno é real e que uma mãe nunca cansa e sempre ama o seu filho é lenda, podemos pensar também nas mães adotivas, que têm frequentemente o seu amor pelos filhos colocados em xeque por não terem gerado suas crias. Parece absurdo, afinal, adotar exige ainda mais intencionalidade do que engravidar, portanto, parte-se do princípio que essa mãe que adotou quis muito ser mãe. 

Podemos começar por ela novamente: a ciência. Um estudo comprovou que o estímulo do cuidado de uma mãe adotiva libera a ocitocina que explicamos anteriormente tanto quanto a maternidade biológica. Essa ocitocina vai educando e explicando para o cérebro dessa mãe que ela agora é responsável por aquela vida, portanto, o senso de obrigação é o mesmo. 

Essa modificação cerebral e esse hormônio se dão por meio de sorrisos, afetos positivos, elogios, palavras positivas e encorajamento ativo. Os testes demonstraram que, nos primeiros meses da adoção, a empatia dessa mãe está relacionada à uma imagem de crianças em geral. 

Mas, com o decorrer do tempo, a produção de ocitocina é maior quando essa mesma mãe é exposta a imagens específicas do seu filho, o que demonstra como esse vínculo foi fortalecido ainda mais. O cérebro dessa mulher passa a se comportar de maneira bem próxima ao de uma mãe que gerou.

Para que a ciência seja colocada em prática, é preciso, claro, convivência. Por isso mesmo, a lei brasileira garante que pais que adotaram têm direito à licença parental, justamente porque entende-se que o trabalho é o mesmo ou até maior, pois exige essa conexão com o universo prévio dessa criança, que precisa se sentir segura e parte dessa família. Incluí-la em atividades, como demonstra essa pesquisa, é um caminho eficaz para isso, tipo jantares ou encontro com outros familiares. 

Para Fernanda Fabris, personagem do nosso Podcast, o caminho encontrado foi entender primeiramente que essas crianças não precisam ser salvas e que você não está fazendo nenhum favor ao adotá-las, mas sim, que elas precisam ser amadas. 

Em segundo lugar, entender que essa adaptação não tem que vir só da parte dessa criança, que ela precisa ser “fácil” para as coisas darem certo. Até mesmo porque, muitas vezes, essa criança foi machucada e naturalmente possui menos mecanismos para lidar com seus sentimentos do que um adulto. Quem faz dar certo, como diz Fernanda, é a mãe e o pai, não o filho.

Em seus estudos, Fernanda se aprofundou no comportamento de cada idade, nos estudos de neurologia e na psicologia. “Eu aprendi que a criança que sofreu acolhimento tem a região da amígdala cerebral mais estimulada. A amígdala é a estrutura ligada às emoções. Por outro lado, o córtex cerebral delas, que é o sistema que representa a razão, é menor. Toda vez que essas crianças se veem numa situação de perigo, elas reagem. E não adianta bater de frente. Não adianta gritar, que é justamente o que nós, pais, fazemos. A ciência mostra que, quando a gente vai construindo o vínculo afetivo, a pessoa passa por um processo de neuroplasticidade. Ela começa a pensar e agir de forma consciente”, conta ela. 

Com a psicologia, ela entendeu que a rejeição era um mecanismo de defesa inconsciente das crianças, que pensam “Se eu gostar dela e ela me levar de volta para o abrigo, eu vou sofrer. Então, eu rejeito ela, assim ela não gosta de mim, eu também não gosto dela e eu não sofro”. 

Foi preciso ainda que ela mergulhasse dentro de si, em um processo de autoconhecimento profundo, para entender que alguns de seus desconfortos diziam respeito a padrões dela mesmo, e de mais ninguém. De dores da sua própria infância, projetadas ali, na infância de seus filhos. 

Por fim, Fernanda aprendeu ainda a respeitar e valorizar o passado prévio dessa criança, a importância da sua família biológica e ensiná-los a continuar escrevendo a sua história a partir dali. “A adoção não vem com uma borracha mágica. A gente tem que ter muito respeito por essa família, para que os nossos filhos se aceitem e se livrem da culpa que eles carregam. Quando a gente respeita os pais biológicos, a gente ensina as crianças que elas têm que se respeitar, que elas são dignas de amor e de afeto”, conta.

“Todos os dias eu vejo famílias que entram no processo adotivo com a intenção de fazer uma caridade. O problema é que, com essa mentalidade, esses adultos vão esperar um senso de gratidão em troca. E a criança e o adolescente não tem nem maturidade cerebral para ser grato. É um erro pensar que as crianças precisam ser salvas. Elas só precisam ter pais e mães. Elas precisam de amor”, conclui. 

Histórias de amor familiares são escritas à várias mãos. Liberte-se da ideia de que elas se dão de maneira automática e comece a construir a sua própria, da maneira como ela funciona para você. 

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Para Inspirar

Ana Claudia Michels em “A perseverança de um sonho”

Confira a história da médica Ana Claudia Michels, que trocou as passarelas pelos corredores do SUS em busca de seus sonhos, no Podcast Plenae

13 de Setembro de 2020


Leia a transcrição completa do episódio abaixo:

[trilha sonora]

Ana Claudia Michels: Eu estava em um ótimo momento, pelo menos aos olhos dos outros, eu era muito bem-sucedida como modelo, uma top model reconhecida no mundo todo. E ainda assim eu sentia que me faltava alguma coisa. 


[trilha sonora]


Geyze Diniz: Ouvir a trajetória da Ana Claudia é ter a certeza de ser embalada por uma doçura ímpar e muita determinação. Trocar passarelas por hospitais é para quem tem um propósito muito bem definido dentro de si mesmo. No final do episódio, você ouvirá reflexões do doutor Victor Stirnimann para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Aproveite este momento, ouça e reconecte-se.


[trilha sonora]


Ana Claudia Michels: Eu tinha 14 pra 15 anos quando dei o primeiro passo fora de Joinville pra iniciar minha carreira.  [trilha sonora] Recebi um convite para vir a São Paulo e conhecer uma agência de modelos. Eu era muito nova e, para não vir sozinha, viemos eu e minha mãe, completamente às escuras, sem saber de nada, só para ver o que estavam falando. Eu era super magra, esquisita, mas na época eles gostavam das meninas assim, com esse padrão que era uma beleza não muito óbvia.  

Chegamos na agência e era véspera da primeira São Paulo Fashion Week, em 1996, e estava uma correria, todo mundo louco. Ninguém nem olhou na minha cara, fiquei lá sentada no sofázinho o dia inteiro. Até que veio uma pessoa e falou assim: "É, então, o dono da agência não vai poder te ver hoje, porque ele está muito ocupado. Você vai ter que ficar até amanhã". E aí mandaram a gente para um apartamento de modelo. 
O lugar era bem triste, para dizer o mínimo. Era sujo, tinha um monte de colchão na sala. Era escuro, porque as janelas davam para as paredes de um outro prédio. Então no primeiro dia, a minha experiência tinha sido inteira ruim, desde o momento em que chegamos na rodoviária, e ficamos quatro horas esperando a kombi que nos buscaria até a chegada nesse apartamento.
Lembro que na época a sensação era de que estava muito claro que aquilo não era pra gente. Eu nunca tinha sonhado em ser modelo, é lógico que eu admirava as meninas, eu admirava as misses que era o que eu mais conhecia, mas eu isso não tinha brilhado nos meus olhos. Então, era isso, não estava certo. Vamos voltar para Joinville. 

[trilha sonora] Mas, no final do dia seguinte, o dono da agência veio e falou: "Não, você vai ter que ficar. A gente vai começar o São Paulo Fashion Week daqui uma semana, é a primeira edição e a gente acha que você tem potencial. Você precisa ficar."  [trilha sonora] Eu fiquei, fiz desfiles nessa primeira edição e, a partir desse momento, começaram a aparecer trabalhos mais frequentes: eu voltava pra Joinville, aí recebia uma ligação e vinha para algum trabalho. Era muita ralação, mas a sensação era de que eu nunca seria uma super modelo, uma top model. Mas eu também já tinha envolvido tempo e energia demais para desistir sem ter ido até o fim, pelo menos o fim que me deixasse satisfeita. 
[trilha sonora]
Até que eu fiz um trabalho que mudou a minha carreira: a capa da Vogue Itália, em janeiro de 2000. Naquela época, era assim, se alguém falasse: "Qual o trabalho que uma modelo precisa fazer para mudar a vida dela?", a resposta seria a capa da Vogue ItáliaQuando eu fiz, foi uma grande realização, e de verdade mudou completamente o meu patamar como modelo. [trilha sonora] Eu estava recebendo um retorno do esforço, mas a sensação era também como se fosse sorte.
[trilha sonora]
Não que eu não tivesse ralado, porque eu ralei muito. Suei muito pra conseguir me dedicar a essa profissão, que era muito difícil para o tipo de família que a gente era, todos muito grudados e com um estilo de vida mais tranquilo. Aliás, minha família também teve que se sacrificar bastante. Mas ainda assim, quando cheguei lá, a sensação era de que faltava um fundamento. Não sei explicar. Era incrível ter chegado aqui, mas não tem um alicerce. Era como se já naquela época, finalmente uma grande modelo, eu sentisse falta de alguma coisa.
[trilha sonora]
Dos três filhos lá de casa, eu sempre fui a que tinha tudo resolvido, a que tinha certeza do que queria ser. Eu sempre soube que queria ser médica, e não teve nenhum momento em que eu decidi que não seria mais. Só que eu parei de pensar nisso, eu também parei de me questionar, ninguém falava mais nisso. A verdade é que eu sempre continuei me interessar pelo assunto. 
Lembro que, quando comecei a ter dificuldade pra me manter naqueles padrões absurdos de magreza da moda, ao invés de comprar as revistas que tinham aquelas dietas superficiais, eu comprava livros de nutrição. Eu queria entender como funcionava o metabolismo do corpo humano de uma forma mais profunda até porque essas pessoas que conseguem fazer uma dieta muito restritiva tem uma disciplina com a comida que eu nunca tive. Comer, para mim, sempre foi uma alegria, um carinho.  [trilha sonora]
Quando estava com 22 anos, comecei a ter um problema com depressão e entrei na terapia. Passei por alguns terapeutas e o último foi quando eu estava com 24 anos e voltando a morar no Brasil. Nessa época, eu continuava trabalhando bastante, mas comecei a me questionar sobre o que eu faria depois que terminasse a carreira como modelo.
[trilha sonora]
Não que viesse na minha cabeça a ideia de quando era adolescente, um sentimento de "aí, eu queria mesmo era ser médica". Se eu parava para pensar nisso, eu pensava: "Não, isso ficou para trás, seria uma loucura voltar para essa ideia agora, isso passou". Como que eu vou voltar para escola e estudar? Tinha essa nuvenzinha na minha cabeça, de que aquilo tinha passado, tinha ficado para outra vida, não para essa. 

Foi aí que o meu terapeuta, que sabia que eu gostava de medicina, falou: "Por que você não vai fazer um cursinho e vai fazer a faculdade que você queria fazer?". Aí ele começou a me irritar. Eu achava que esse homem estava doido, ou estava querendo me deixar animada, porque qual seria a chance de eu começar agora uma faculdade? E ele começou a me estimular: "Você se matricula no cursinho e vê o que acha". E, assim, de 29 pra 30 anos, realmente me matriculei em um cursinho. 

Eu lembro bem que liguei para os meus pais e falei: "Olha, eu vou me matricular num cursinho, vou prestar pra medicina no fim do ano. A chance de eu passar é minúscula, mas eu quero aproveitar isso como uma experiência, quero aprender no cursinho o que eu não fiz quando eu era mais nova, eu quero resgatar isso. Sem muitas cobranças". 
Meus pais e meus irmãos, na verdade, só faltou soltarem fogos de artifício. Acho que eles me conheciam de verdade e sempre souberam que era isso que me faltava, me deram um super apoio e até vieram para São Paulo um dia antes de eu entrar no cursinho, como se fosse para me levar no meu primeiro dia de aula na escola.  [trilha sonora]
Eu me lembro até hoje de ir caminhando no primeiro dia, bastante nervosa, pensando que todos os adolescentes do cursinho se juntariam e fariam um grande bullying com a minha pessoa. Mas eu cheguei e ninguém estava nem aí para mim, estava todo mundo completamente preocupado em passar no vestibular, todo mundo focado. Não é aquele

clima de escola, com todo mundo mais relaxado. Todo mundo está ali com um propósito, eu tinha o meu. 

[trilha sonora] Na primeira semana, me encantei com algumas matérias e com a sensação de voltar a estudar. Mas tinha desespero também, achei que nunca conseguiria aprender de novo matemática, química, eu não sabia nem o que anotar na aula. Nos primeiros dias, nem tirei a caneta da bolsa.
[trilha sonora]
Eu tinha me matriculado no intensivão, então era tudo dado muito rápido, como uma revisão. Eu lembro bem de, na segunda semana, pensar: "Olha, a chance de eu aprender isso aqui é minúscula. Eu vou sentar, escutar e aproveitar a aula". Mas na verdade, eu fui me redescobrindo como aluna. 
Tinham algumas aulas que eu não dava muita atenção na escola, como história, geografia, mas depois de ter viajado tanto, era diferente. Tinha morado em Paris, em Milão, então as aulas passaram a ser melhor do que assistir um filme, muito gostoso.
Fiz seis meses deste intensivão e, no final do ano, fiz algumas provas para ver como eu me sairia e realmente fiquei bem longe de passar. Mas eu gostei da experiência, gostei muito do cursinho e me animei. Decidi fazer um ano inteiro, para aprender algumas coisas de verdade. 
Isso era 2012 e as aulas começaram em março. Minha rotina era ficar a manhã toda estudando no cursinho e voltar pra casa à tarde para fazer algumas coisas de trabalho como modelo. Era um projeto meio solitário. Mesmo as minhas amigas não entendiam muito o que eu estava fazendo, porque era um mundo bem diferente do que até então vivia na moda. 
[trilha sonora]
Nessa época, eu morava sozinha e estava solteira, até que em julho conheci o meu marido, o Augusto. Falei pra ele que estava fazendo cursinho e para minha surpresa, ele achou o máximo e resolveu acreditar no meu projeto. 
[trilha sonora]
Aquilo me deu muito gás, porque eu não sentia mais que estava fazendo isso sozinha. Em seguida, eu fiz amizades com algumas colegas do cursinho e que viraram grandes amigas. Elas ficavam a tarde na biblioteca do cursinho estudando e eu passei a ficar lá também.

Chegou o final do ano e fiz as provas novamente. Conferi as primeiras que tinha feito e de novo não tinha ido bem. Foi frustrante, mas lembro que não cheguei a ficar triste, porque era um projeto meu e ninguém sabia, não havia cobrança por parte de ninguém. E eu tinha adorado a oportunidade de estudar mais velha as matérias de segundo grau, sentia como se fosse um presente. 

Continuei fazendo as provas e teve uma que eu achava que tinha ido melhor. Eu tinha a sensação de ter ido bem, mas não tinha nem corrigido mais, porque combinei com uma amiga minha do cursinho de não olhar mais o gabarito, porque só me frustrava. Mas ela insistiu que eu deveria conferir. E eu lembro até hoje desse dia: eu corrigindo essa prova e vendo que tinha acertado 94%. Ela olhou pra mim e falou: "Você passou, 94%, você passou". Eu falei: "Então, essa prova não era das mais difíceis. Eu acho que todo mundo deve ter ido bem". E ela: "Não, não, não, não é assim. Pode ter sido fácil pra você, mas não pra todo mundo. Eu acho que você passou". E aí foi um nervoso da expectativa de esperar o dia em que iria sair a lista. Saiu, e eu passei. Esse foi um dos dias mais felizes da minha vida, até hoje não acredito, fiquei em 37º lugar e foi muito legal. 

Sabe aquela sensação de quando fiz a capa da Vogue Itália, de que eu achava que era sorte? Agora era diferente. Quando passei no vestibular, aquilo tudo dependia de mim, a conquista tinha outro gosto. Me dá até vontade de chorar quando eu lembro desse momento. Eu já tinha conquistado muita coisa, já tinha a minha casa, eu vivia muito bem e acho que isso muda a visão e o jeito como você faz as coisas, tira um pouco a pressão. 
Minha emoção era de realmente ter conseguido fazer o que eu queria lá atrás, um sonho de infância que tinha desistido. E depois de toda essa loucura que foi a minha vida como modelo desde a adolescência, toda a distância da família, eu me emociono de ter voltado ao meu projeto original. Era um propósito de vida que era meu e foi deixado de lado por uma vida que eu gosto, que me trouxe muitas coisas mesmo, mas que era também uma vida com a qual eu não tinha sonhado. Por isso, eu choro quando lembro de passar no vestibular e trago muitos outros momentos emocionantes e transformadores de tudo que vivi desde então.  [trilha sonora]
Um momento fundamental foi quando começou o internato, que é como chamamos os dois últimos anos dos seis da faculdade de medicina, seria o que chamam de estágio

em outros cursos. Eu fiz o meu internato quase todo no Hospital Geral de Carapicuíba, na periferia de São Paulo, onde fiquei por dois anos, até o fim de 2019, quando me formei. 

Eu tive um internato muito legal e conheci o SUS a partir do olhar de médicos nota um milhão, e não vi aquele caos que muitas vezes esperamos. O SUS enfrenta sim dificuldades porque nosso país é grande e com muitas realidades distintas, mas é um projeto em sua essência maravilhoso. 
Nos postos de saúde e nos hospitais, a gente recebe pacientes em uma situação bem difícil, e não é só remédio que eles precisam. Em muitos casos, o simples fato de você ouvir o paciente e explicar pra ele como tomar uma medicação, já significa muito em lugares vulneráveis. Tem pacientes que você atende que não sabem ler, que você tem que mostrar a caixinha, às vezes desenhar, explicar como tomar e escutar. Escutar bastante. Não é só o tratamento, o último livro, o último estudo, a última medicação, é muito mais complexo do que isso e demanda muito o lado humano do médico, não só a capacidade de saber estudar. É preciso estar ali de peito aberto.  [trilha sonora]
Um dia, um paciente chegou de cadeira de rodas, era final de um plantão e estava todo mundo cansado. Ele tinha um ferimento na perna, era diabético. O ferimento estava infeccionado e iria ter que internar. O filho dele, que devia ter uns 20 anos, começou a chorar compulsivamente falando que ele não poderia internar o pai, porque naquela idade seria obrigatório um acompanhante. Ele falou que era só ele e o pai no mundo, não tinham ninguém, nenhum amigo, nenhum familiar, nem nada, e que ele tinha acabado de conseguir um emprego e não poderia faltar porque eles não tinham mais nada em casa, nem para comer, nem para beber. Eu pensei na hora: "Meu Deus do céu, o que a gente faz aqui é nada, o buraco é muito mais embaixo".  [trilha sonora]
Eu sonhava no início com a endocrinologia, tinha a ver com a experiência que tive durante a vida de modelo. Mas, depois de dois anos em Carapicuíba, vi que eu queria mais, não queria cuidar só dessa parte de um paciente, eu queria cuidar de uma maneira mais ampla. 

Duas professoras que eu tive me inspiraram muito e a alegria delas, além de tratar bem o paciente, de serem impecáveis em relação ao tratamento, a técnica, a ciência. Elas falavam com carinho, elas colocavam a mão no ombro pra escutar. Elas viraram as minhas musas e me deram uma referência fundamental da médica que quero ser, do propósito que busco na medicina. Eu conheci elas duas no internato e aquilo que eu imaginava, de um consultório bonito, num lugar bonito, meio que se desmanchou. Isso não é mais prioridade, eu quero ser, pelo menos, um pouco como elas. 

Uma rotina inteira em hospital, eu acho que talvez não seja possível, quero, na medida do possível, acompanhar de perto os meus filhos, um menino e uma menina, que nasceram durante a faculdade. Mas algum tempo em hospital eu quero sempre manter e tem a ver com essas professoras e com o quanto me emociono toda vez que lembro dos pacientes que tive em Carapicuíba. 
E, por eles, sempre vou querer tratar e estar perto de pacientes que precisam não só de medicação e ciência, mas também de um olhar humano. Se não tiver isso na minha rotina, eu não vou estar satisfeita, não vai ter valido a pena.  [trilha sonora]

Eu tive muitos privilégios pra poder realizar meu sonho de ser médica e tenho consciência disso. Então, eu penso muito que esse tanto de privilégio que tive tem que ter algum retorno pra a sociedade, não pode servir só para eu fazer uma foto bonita, contar uma história. Hoje, se alguém me pergunta o que eu faço, eu falo imediatamente que sou médica. Adoro ter sido modelo e a revolução que aconteceu na minha vida. Mas é tão gostoso poder falar, e eu falo: sou médica!
[trilha sonora]

Victor Stirnimann: O que é o sucesso? Nós todos crescemos ouvindo que sucesso é ter resultados e que resultados são esses? Em nosso tempo, quase tudo gira em torno da fama e da fortuna. Se você construiu o seu patrimônio, se você se tornou popular, se desperta a inveja dos outros, então, dizem, você chegou lá. E como esses são resultados que bem poucos alcançam, a maior parte das pessoas passa a vida imaginando que é isto mesmo. E que este é o destino maravilhoso reservado apenas àqueles que são especiais. Mas, de repente aparece alguém como a Ana Claudia, que experimentou tudo isso bem cedo e que teve a humildade ou maturidade de reconhecer que essas conquistas do mundo nascem de uma mistura bastante misteriosa de esforço e oportunidade, trabalho e estrela. E ela vem nos contar que esse talvez não seja o sucesso definitivo, mas apenas um degrau de uma escada, e que o próximo degrau ainda mais rico e fascinante é aquele onde ela vem aprendendo a servir. Em nosso tempo tão vaidoso parece incrível quando alguém confessa que sua verdadeira paixão é cuidar dos outros e que aprender é uma grande aventura. Felizes os que descobrem que sempre dá tempo de viver os sonhos, e que a escada não tem fim.
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Geyze Diniz: As nossas histórias não acabam por aqui. Acompanhe semanalmente nossos episódios e confira nossos conteúdos em plenae.com e no perfil @portalplenae no Instagram.  [trilha sonora]

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