Para Inspirar

Família Nalu em "Nossa casa é o mundo"

Na terceira temporada do Podcast Plenae - Histórias para Refletir, embarque na viagem da vida nômade com a família Nalu

13 de Dezembro de 2020


Leia a transcrição completa do episódio abaixo:

[trilha sonora] Fabiana Nigol: Se eu fosse seguir os conselhos de muita gente, eu não teria engravidado duas vezes. Eu não teria viajado tanto e estaria morando no Brasil, vendo pela internet o meu marido surfar pelo mundo. Mas, eu decidi viver do jeito que eu acho certo pra mim. Já faz 18 anos que meu marido, o surfista Everaldo Pato, e eu moramos na estrada e fazemos do mundo a nossa casa. E não estamos sozinhos. Junto com a gente tem a Isabelle, de 13 anos, e o Zay, de 1. [trilha sonora] Geyze Diniz: Como diz a música do Arnaldo Antunes "A nossa casa é onde a gente está, a nossa casa é em todo lugar". A família Nalu tem esta estrofe quase como um mantra. Sabendo que o nosso lar é onde o nosso coração está, eles vivem pelo mundo seguindo instintos e vontades. Sabendo ouvir o outro e mais do que tudo, tirando proveito de todas as situações e lugares vividos. Para alguns pode parecer uma vida sem regras, mas para a cenegrafista Fabiana, o surfista Pato e seus filhos Bela e Zay a beleza é essa. Ouça no final do episódio as reflexões da professora Lúcia Helena Galvão para ajudar você a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se. [trilha sonora] Fabiana Nigol: Desde pequena, eu era a única entre as minhas amigas que adorava o surfe, mesmo sem saber surfar. Eu me vestia como uma menina de praia e decorava meu quarto com pôster de Havaí, Indonésia, pôr do sol, mar. Eu morava no ABC paulista, mas sonhava em viver no litoral. Everaldo “Pato": Já eu tive uma infância bem diferente. Nasci em Penha, numa cidade de pescadores no litoral norte de Santa Catarina. Sou filho de pescador e apesar de ter nascido na frente da praia, basicamente, o surfe era algo bem distante porque meu pai considerava que aquele canto onde os surfistas pegavam onda era muito perigoso e indecente. Quando eu tive minha primeira oportunidade de ter uma prancha meu pai disse “não”. Eu comecei surfar só aos 15 anos, uma idade bem avançada para iniciar o esporte. E em uma semana eu já estava surfando ondas consideravelmente grandes pra nossa região e pro Brasil. Eu entrei no mar gigantesco que quase ninguém entrou, porque eu era um bom nadador. Por influência do meu pai, a minha afinidade com o mar é muito grande. Depois que eu comecei a surfar ninguém mais me tirou da água durante oito horas por dia até hoje. Fabiana Nigol: Eu fiz faculdade de comunicação social e comecei a trabalhar em São Paulo e fui me enquadrando no estilo de vida das pessoas ali, das minhas amizades, do meu círculo de amigos. E aquele sonho da praia foi ficando pra trás. Até que um belo dia, trabalhando como modelo na Feira do Surfe em São Paulo, eu conheci o Pato. Ele tinha acabado de voltar do Taiti com umas imagens lindas que ficavam passando na TV, ali, todo momento e eu fiquei pensando, né:  “O que que eu tô fazendo aqui?" Porque tudo que eu sonhei pra mim veio à tona ali naquele momento: "Por que que eu não saio viajando? O que que me prende aqui em São Paulo?".  E eu estava apaixonada pelo Pato, mas achava no fundo que a gente nunca ia dar certo, por causa da vida dele nômade. Mas eu me arrisquei. Falei: "o que tiver que ser vai ser". Eu vendi meu carro, fui pra Austrália e da Austrália eu fui pro Havaí para encontrar com ele e de lá a gente nunca mais se separou. Então nós nos casamos e passamos cinco anos viajando pelo mundo, sem horário pra nada, dormindo em capa de prancha, passando o dia na praia sem preocupação alguma. Ele ganhava dinheiro com patrocínio e eu comecei a ganhar dinheiro fazendo as filmagens de surfe. Mas a gente sempre sonhava em ter um filho e isso preocupava em como que a gente ia ter um filho e manter aquela vida. Parar de viajar, ter um endereço fixo, igual todo mundo, isso não combinava com a gente, estava fora de cogitação. E a profissão do Pato exigia que ele sempre estivesse na estrada, em busca de ondas perfeitas, ondas gigantes. E a gente fazia questão de estar junto. [trilha sonora] Depois de cinco anos, como nosso planejado, eu engravidei e comecei a ler, como toda, acho, que futura mãe, né. Começa a ler os conteúdos sobre maternidade, os livros e coisas na internet e eu fiquei mais preocupada ainda porque as recomendações todas que eu lia era que o bebê precisava de uma rotina, que tinha que dormir no mesmo horário, no mesmo bercinho, com a mesma intensidade da luz, sem barulho, que isso, que aquilo... e seria impossível! Então eu pensei: “Quer saber de uma coisa? Eu não vou ler mais nada, porque eu vou ficar maluca. Eu simplesmente vou ouvir o meu coração e fazer do meu jeito, claro, com muito amor e cuidado”. Então eu decidi que a gente não ia mudar em nada nossa maneira de viver e que o bebê, sim, ia se adaptar ao nosso estilo de vida. E a Bela nasceu durante uma viagem pro Havaí, na ilha de Oahu. O nome dela já estava decidido fazia um tempão. Na verdade era Isabela, mas a gente acabou mudando por Isabelle. E decidiu colocar um nome havaiano, procurei, procurei e gostei de “Nalu”, que significa onda. Então ficou Isabelle Nalu, e a gente chama ela hoje de Bela. A primeira viagem dela foi com 20 dias de vida. Saímos de Honolulu com destino a São Paulo. E ela era tão pequenininha que viajou em cima de um travesseiro. Só chorou um pouco no segundo trecho do avião. E ali, eu senti que meu plano ia dar certo. Ela era uma bebê corajosa e já se mostrava uma grande parceira de viagem. A Bela super se adaptou a nossa vida nômade. E a gente passa quatro, cinco, seis meses por ano no Havaí, sempre em casa diferentes. No resto do ano, a gente viaja pelo mundo. E faz 11 anos que a gente mostra nossas aventuras no programa “Nalu Pelo Mundo”, exibido pelo Multishow, depois pelo canal Off. E muita gente viu a nossa filha crescer pela TV. As pessoas têm o maior carinho por ela. Poxa, todo mundo que encontra todo mundo fala: "Eu te acompanho desde que você era um bebê". [trilha sonora] Hoje em dia o maior quebra-cabeça dessa falta de rotina é com os estudos da Bela. Ela começou a ir pra escolinha quando tinha 9 meses e sempre teve algum tipo de educação formal. Ela frequentou colégios no Havaí, no Chile, na Indonésia e no Brasil. Quando ela estava na terceira série, a gente aderiu ao homeschooling, o ensino em casa, porque a gente ia viajar e viver num barco. A gente não tinha internet a bordo, então compramos uma caixa com vários livros e atividades escolares. Eu fui a professora e juntas, eu e Bela, aprendemos sobre mitologia, inglês, ciências e fizemos mil experiências a bordo. O que era muito legal nessa vida no barco, porque o que a gente estudava no livro, a gente aplicava ali na prática e no dia a dia. E eu, naquela época, confesso que não estava empolgada com a ideia de morar num veleiro. Eu gosto muito do mar, adoro barco, mas isolamento total não é minha praia. Mas esse era o grande sonho do Pato. E eu não ia ser aquela pessoa que impediria ele de concretizar esse plano, esse sonho. Então eu topei e acabou sendo a maior aventura da minha vida. Everaldo “Pato": Fiz uma viagem em 1996 pela Indonésia. Foi a primeira vez que eu fiquei em um barco morando por mais de uma semana, apenas pegando onda. Antes disso, por ser filho de pescador, eu passei muitos dias num barco. Mas pescando, que é uma vida dura. Agora viver a bordo, tomando café da manhã, almoçando, jantando e surfando o dia inteiro, eu nunca tinha feito. Quando isso aconteceu na ilha de Sumbaua, lá na Indonésia, eu falei: “Cara, eu quero isso aqui pro resto da minha vida. Eu quero morar num barco. Eu quero criar meus filhos num barco." Mas esse sonho demorou para se concretizar. Primeiro, eu tive que conquistar a Fabiana. Casar e viver com ela por mais de dez anos, até conseguir convencê-la ir em busca desse sonho. Depois, tive que achar o barco certo, no lugar certo e no momento certo de nossas vidas. Foi um sonho que eu batalhei muito para alcançar.  Fabiana Nigol: A vida no veleiro, eu era obrigada a descansar, uma coisa que eu não costumo fazer. Eu sou muito agitada, gosto de caminhar, sempre descobrir lugares novos. E ali, eu tinha horas pra ler um livro, horas pra contemplar uma paisagem. E aquilo me dava uma certa agonia. Claro, tem sempre o lado bom. Eu mergulhei com baleias, vi golfinhos, assisti a Lua nascendo no mar, pesquei e tive a alimentação mais saudável possível. Na Polinésia Francesa a gente conheceu ilhas desertas, aquelas de cartão postal, sabe? Areia branca, água cristalina, só a gente. E ali na vida a bordo também eu tive que aprender a lidar com o medo, quando o Pato decidiu fazer uma travessia de 18 dias do Taiti pra Fiji. Eu não queria de jeito nenhum. E o Pato falava: “Fá, você é aventureira. Você vai se arrepender se pegar um avião, igual todas as outras pessoas que não têm coragem. Vamos, vai ser legal!” E eu fui, com muito medo, mas eu fui. Ali no barco, você tem que ter muito autocontrole pra estar em mar aberto, sabe, virar a cabeça 360 graus e não ver terra, não tem pra onde correr se acontece alguma coisa. E um dia, a gente pegou uma tempestade de 40 nós de vento, o que são mais ou menos 74 quilômetros por hora. E fazia muito barulho, o barco parecia que ia quebrar no meio. E ali eu não podia nem demonstrar medo, porque além de tudo precisava passar confiança pra minha filha. Bom, cheguei em Fiji e foi a melhor sensação do mundo. Eu me sentia a mulher mais poderosa de todas. Saí do barco, beijei o chão, dei uma cambalhota. Foi um dos dias mais felizes da minha vida, sabe? Missão cumprida. [trilha sonora]

Everaldo “Pato": Eu percebi que depois de um ano, um ano e meio a bordo, minha filha e minha mulher não estavam mais felizes. A Bela já não era aquela menina que entrou no barco. Nem a Fabiana. Apesar dela ter vencido todos os medos, superado todos os limites dela, o que eu testemunhei. As duas estavam cansadas daquela vida, que era mais um sonho meu, do que um sonho delas. Quando eu percebi isso, e foi rápido, graças a Deus, eu aceitei que era o momento de interromper aquele projeto. 

Fabiana Nigol: Em 2019, a Bela fez um pedido pra gente, a gente decidiu atender o pedido da Bela, que era passar um tempo no Brasil. E bem nesse ano eu tava grávida do meu segundo filho, do Zay. E realmente, parecia uma boa ideia, depois de 17 anos na estrada, eu não lembrava mais o que era ficar numa casa por tanto tempo. A gente alugou uma casa linda, dentro de um condomínio em Florianópolis, quatro quartos, piscina, churrasqueira, aquele sonho que o brasileiro tem em mente. A Bela frequentou uma escola com a metodologia Waldorf, que a gente acha que é mais o estilo dela, e participou dos campeonatos de surfe que ela tanto queria, fez amizades. Ela, realmente, ela adorou passar esse ano no Brasil. E já eu não gostei, não gostei nem um pouco. O Zay nasceu em julho e eu sofri uma depressão pós-parto. Eu nunca tinha ficado o inverno em Floripa. E eu não gosto nem de lembrar daqueles dias cinzentos e frios. E eu fui percebendo que a experiência de ter uma casa grande, com funcionário, despesas altas é algo que eu realmente eu não quero pra mim. Everaldo “Pato": No fim daquele ano, graças a Deus, Fabiana e a Belinha perceberam que era muito mais legal não ter um endereço. Estar a cada dois ou três meses em um lugar do mundo, conhecendo culturas diferentes, fazendo amizades novas, e tentando experiências é algo que não tem preço. Morar em uma residência fixa foi importante para nossa família, como um ponto de equilíbrio. Essa vivência fez a gente perceber que realmente somos nômades. [trilha sonora] Fabiana Nigol: A gente como pai nunca sabe se tá fazendo certo na criação dos nossos filhos, né. Quantas vezes passou pela minha cabeça: “Será que é saudável ela não ter uma base, não ter tanto contato com a família, não ter amigos por perto, não ter uma casa, não ter o cantinho dela?” Eu tenho medo e ainda penso muito sobre isso. Mas, por outro lado, eu me acalmo quando eu vejo a pessoa que a Bela tá se tornando. Ela, né, a minha filha me ensinou que bebê não precisa ter mil regras, tralhas, o melhor berço, a melhor cadeirinha. Isso é coisa da nossa cabeça. A falta de rotina fez dela uma criança que se adapta a qualquer situação, come qualquer coisa, dorme em qualquer lugar, conversa com qualquer pessoa. Ela tá sempre bem humorada e nada é problema para ela. Ela  entende que as roubadas fazem parte da vida e que nem sempre vale a pena esquentar a cabeça com elas, daqui a pouco vem coisa melhor. Ela não tá nem aí pro celular, roupas, bens materiais. A Bela decidiu ser atleta de surfe e tá treinando pra isso, com todo o nosso apoio. Já visitou 42 países e é uma adolescente preparada pro mundo. Por isso, eu não pretendo mudar nada na maneira de criar o Zay. Os brinquedos dele são gravetos, conchas, cocos, flores. No momento, a brincadeira predileta dele é caçar siri. E esses brinquedos de loja, esses que a gente vê na TV, ele não tem nenhum e eu vejo que não faz falta alguma. E eu e o Pato, a gente conseguiu o que a gente sempre planejou: continuar viajando, mesmo com os filhos. E pelas mensagens que eu recebo, sinto que muitas pessoas se inspiram na gente. Mulheres me escrevem dizendo: “Quando eu for mãe, quero ser igual você”.  Everaldo “Pato"A quantidade de experiência, tanto nós, como nossos filhos, dia após dia, é uma coisa que dificilmente você vai conseguir ter isso numa escola. Dificilmente eu conseguiria imaginar isso quando eu estava lá na Penha, pescando com meu pai ou mesmo sonhando, correndo as minhas primeiras ondas. Eu jamais imaginei que pudesse existir uma vida assim, que pudesse existir algo que nós estamos vivendo hoje. Mas como eu sempre fui um grande sonhador. E continuo sendo. Eu sempre acreditei que não existe sonho impossível, que basta acreditar. E o que eu tenho sempre comentado nesses anos e anos de inúmeras experiências, de pessoas que nos perguntam, de dicas que a gente passa, é que cada um de nós somos seres únicos, exclusivos. E que cada um de nós temos os nossos sonhos, e que se nós entrámos para dentro da gente, escutarmos nossos corações, acreditarmos nos nossos sonhos, eles sempre se tornarão realidade. Fabiana Nigol: Viajar é abrir a mente, rever conceitos, se adaptar à maré. Lá atrás, quando eu era uma menina que morava no ABC, eu só queria mudar pra praia. Eu nunca imaginei ter essa vida de sonho que eu tenho hoje, com uma família que trabalha unida. O lema da família Nalu é: se todos estão felizes, seguimos em frente com a vida que escolhemos.  [trilha sonora]

Lúcia Helena Galvão: A família Nalu conta uma história de vida bem diferente daquela que a gente está acostumado a ouvir. Ousam imaginar que dá para viver diferente. E vão viajando para todas as praias do mundo onde existem boas ondas. Num determinado momento percebem um novo sonho. A vontade de ter filhos dentro de um contexto tão diferente, onde todas as coisas consideradas como mínimas para ter uma família estável, eles não possuíam. Nem casa, nem cama, nem um endereço fixo, nem um lugar fixo para os filhos estudarem. E eles ousam, ousam mais uma vez jogar essas regras todas fora e fazem a tentativa. Tiveram dois filhos que brincam com conchas, que não ficam ligados em celular, que não estão nem aí para posses materiais e nem pra conforto. E aí a gente para pra pensar: "Ué, mas aquelas coisas não eram necessárias? Não eram fundamentais?". Logo a gente que às vezes estranha até quando pega um caminho diferente para ir ao trabalho. Bom, o que nós estamos procurando é a realização de nós mesmos, dos nossos sonhos, encontrar a nossa identidade. E pra isso tem que saber encontrar o essencial, e saber distinguir o que é supérfluo, o que é descartável, e não inverter as coisas. Fazer da vida uma aventura significa colocar os teus sonhos na frente de qualquer regra rígida que ameaça engessá-lo numa vida que não te realiza e não deixa você encontrar consigo mesmo no meio da rota. [trilha sonora] Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae. [trilha sonora]

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Para Inspirar

Como a primeira infância reverbera no adulto?

O que carregamos dentro de nós desde que somos crianças até a nossa maturidade – e como mudar esse panorama

2 de Julho de 2021


No quarto episódio da quinta temporada do Podcast Plenae, nos emocionamos com a história da empreendedora social, Ana Lúcia Villela, que desde muito jovem se viu órfã e diante de episódios que evidenciavam o seu privilégio socioeconômico perante a sociedade.

O que poderia ter passado despercebido para muitos, nela reverberou por anos. Tanto que, quando decidiu escolher sua profissão, ela se guiou justamente nos problemas da infância e na busca por solucioná-los. Assim nasceu o Instituto Alana e todos os seus outros braços sociais, como o Criança e Consumo.

Inspirados por essa história, investigamos como os acontecimentos ocorridos na primeira infância de um sujeito podem ecoar por toda a vida do adulto. Há, é claro, os fatores positivos, mas há diversos negativos também.

Desmistificando conceitos

Para iniciar essa reflexão, é preciso antes de mais nada, cravar: o que é a primeira infância? Segundo o Marco Legal da Primeira Infância , lei federal promulgada no ano de 2016, trata-se do período que se inicia ainda na gestação e se mantém até os seis anos de idade da criança. Há ainda suas subdivisões: a primeira primeiríssima infância, dos 0 aos 3 anos de idade e o restante até os 6 anos.

A chamada “maturação do cérebro” segundo esse artigo , é um movimento que começa ainda intrauterino, ou seja, quando a criança ainda não nasceu. É nesse estágio, até os dois anos de idade, que acontece a produção de mais de 100 bilhões de células nervosas, deixando o órgão vulnerável às influências do ambiente.

“O desenvolvimento do cérebro pode ser afetado por meio dos canais sensoriais tais como som, tato, visão, olfato, comida, pensamentos, drogas, lesões, doenças e outros fatores”, relata o artigo. O estudo ainda revelou que o volume total do cérebro aumenta em 101% ao longo do primeiro ano de vida e mais 15% durante o segundo ano, mas que o estresse pode afetar esse crescimento.

É ainda nessa fase que a criança inicia também o seu desenvolvimento emocional e cognitivo, se percebendo no mundo e também percebendo o outro. Na psicanálise, há um nome para esse período: o Estádio do Espelho, que contamos melhor nesse artigo sobre como é formada a sua autoimagem.

Ainda na primeira infância, mas agora em um período mais avançado (dos 4 aos 6 anos), esse sujeito em formação também começará a desenvolver a sua autonomia. Uma vez que ele conseguiu se enxergar como uma unidade completa - e também ao outro - é hora de entender o mundo que o cerca.

Elementos externos

Para além da neurociência infantil, há também as marcas psicológicas que esse período crava no indivíduo. Para entendermos melhor, conversamos com a psicóloga e mestra em orientação e mediação familiar, Camilla Viana Gonçalves Pereira, que cria conteúdos específicos no tema para sua conta no Instagram .

“O ponto principal é a construção da personalidade que é feita nessa primeira infância. E nessa construção, com certeza vão existir diferentes autores com suas propostas divergentes, mas eu gosto de me embasar muito na questão do apego: quais são as referências de relacionamento que vamos encontrar e que vão reverberar na vida adulta?”, diz.

Essa influência, como explica Camilla, vem toda da relação com os cuidadores - que podem ser terceiros, não necessariamente só pai e mãe. Além do apego, há também a questão da autenticidade. “Crianças foram expostas a negligência, violência, abandono ou até superproteção, tem a sua autenticidade minada. E isso é levado pra vida adulta: esse sujeito certamente terá muita dificuldade de saber quem é ele”, explica.

Todo esse caminho de maus tratos, rejeição, abandono irá se configurar como um trauma, e traumas, como explicamos nesta matéria , são capazes de afetar desde fatores como concentração e elevação de massa branca até mesmo o nosso sistema imunológico. E qual seria o caminho para combatê-lo? Com a terapia, é claro.

“É muito importante que essa pessoa primeiro tenha informações de que aquilo que ela sente, se configura como um trauma. E aí entramos em uma questão de autoconhecimento, de saber quais âmbitos de sua vida essas marcas reverberam”.  É preciso, para isso, praticar e melhorar uma autoescuta e não negligenciar as próprias emoções.

“Essas pessoas normalmente escondem muito as emoções porque nunca foram vistas ou acolhidas, então é muito comum que esse adulto não consiga demonstrar seus sentimentos. Ele observa a si mesmo ou está se rejeitando? Se aceita como ele é? Abraçar suas inseguranças e se valida? Sabe impor limites? Tudo isso é muito importante”, reflete a psicóloga. Por isso a psicoterapia é tão importante nesse processo. Se relacionar e sair com amigos é positivo, mas não é o suficiente.

O outro lado da mesma moeda

Há também o lado positivo da influência da infância, que se dá justamente de maneira oposta dos sintomas mencionados anteriormente. “A gente consegue observar que uma pessoa que veio de um lar acolhedor se torna uma pessoa que valida suas emoções, escolhe relações saudáveis que a nutrem e são recíprocas e amorosas, ela não se anula e não se cerca de pessoas que a anulem”, explica Camilla.

Isso não impede que uma pessoa que nasceu de lares com problemas não desenvolva esses fatores tão positivos: a terapia é justamente pra isso, para que essa criança que se tornou um adulto com traumas também tenha a possibilidade de mudar esses padrões. “Um adulto saudável é aquele que aceita seus erros, se acolhe nessa vulnerabilidade e consegue lidar com isso sem se martirizar, sem se culpar ou se colocar em situações e ciclos de autoviolência”, diz.

É a autocompaixão que irá agregar nessa construção tanto de si, quanto de um lar mais acolhedor, como disse Adriana Drulla em matéria para o Plenae . Filhos que observam seus pais se perdoando e sendo gentis consigo mesmo, tendem a sentir seus erros mais acolhidos e sentem mais espaço para crescer.

É nesse crescimento que ela poderá se deparar, por exemplo, com o seu verdadeiro propósito ainda bem jovem - como aconteceu com Ana Lúcia Villela. É claro que esse processo é individual e que nossos propósitos podem mudar ao longo da vida. Mas da mesma forma que muitos jovens buscam seguir profissões que não verdadeiramente amam apenas para satisfazer seus pais, em caso de lares mais seguros e afetuosos, ele se permite tentar outras possibilidades e enxergar além do que se vê.

“Propósito vem da natureza da admiração. E é possível sim que uma criança de qualquer classe social ou circunstâncias e contextos emocionais, sinta admiração por algo e queira trabalhar com isso. Mas há casos em que essa admiração pode vir justamente para buscar o amor de alguém”, pontua a especialista.

Por isso o amor, a escuta e o olhar se fazem tão necessários nesse período. “Os pais são seres humanos e vão errar em algum momento. Para que isso não se torne um trauma em seus filhos, é preciso que eles tenham espaço para verbalizar seus desconfortos, dar nome às suas emoções, e que esses pais consigam acolher todas essas emoções oferecendo afeto em troca”, conclui.

Esteja atento à sua parentalidade. A perfeição não é almejada - ou sequer é possível. Falhas acontecerão durante a árdua trajetória do educar. O que irá diferenciar é o que fazer com esses erros tão humanos, que habitam em cada um de nós. Você está pronto para tratar a dor com afeto?

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