Para Inspirar

Mitos e verdades sobre a transição de gênero

Cada vez mais em pauta, o assunto ainda gera dúvidas de diferentes naturezas

26 de Agosto de 2022


Você conhece alguma pessoa transexual? Por meio de muita luta, elas estão conquistando cada vez mais espaços e superando barreiras, preconceitos e estigmas impostos pela sociedade. Na nona temporada do Podcast Plenae - Histórias para Refletir, conversamos com os influenciadores gêmeos Miguel e Natália Filpi. 

Miguel é um homem trans e fala sobre essa sua vivência e experiência para seus mais de 80 mil seguidores nas redes sociais. Tal transição de gênero ainda gera muitas dúvidas na cabeça dos brasileiros. Por isso, trouxemos alguns mitos e verdades sobre ela:

Pessoas trans só “surgiram” agora: mito

É muito comum ouvir falar que “antigamente nada disso existia” no que diz respeito às diferenças entre as pessoas, sejam elas de gênero, sexualidade ou, às vezes, até de estilo. Essa ideia de que “no meu tempo” as pessoas eram exclusivamente heterossexuais e cisgênero é equivocada.

No Brasil, temos casos antigos de pessoas famosas como as modelos Lea T, Roberta Close, a atriz Rogeria, além do escritor João Nery. João, inclusive, realizou a cirurgia de redesignação de gênero em plena ditadura militar, durante a década de 1970. A cartunista Laerte, talvez um dos nomes mais famosos da atualidade sobre o tema, começou sua transição de gênero há décadas, mas mais oficialmente e amplamente divulgado em 2010.
Em 1977, como conta este artigo do Buzzfeed, Claudia Celeste se tornou a primeira mulher trans a estrear numa novela brasileira. Em "Espelho Mágico", da Globo, o público não sabia de sua transição, mas por conta do Regime Militar que não permitia que travestis e transexuais aparecessem na TV, ela teve que sair do folhetim. Claudia só voltou ao ar dez anos depois, em "Olho por Olho" de 1988, na extinta TV Manchete. Já no resto do mundo, a história de pessoas trans vai ainda mais longe. A pintora dinamarquesa Lili Elbe, nascida em 1882, fez uma das primeiras cirurgias de redesignação sexual que se tem notícia e, inclusive, morreu por causa das complicações após a tentativa do primeiro transplante de útero da história da humanidade. Foi imortalizada no filme “Garota Dinamarquesa”, protagonizado por Eddie Redmayne. Já o imperador romano Heliogábalo, no século III d.C, é uma figura histórica que divide opiniões. Muitos historiadores o tratam como um lascivo incompetente em seu curto reinado, porém alguns enxergam isso como preconceito por ele alegadamente preferir ser tratado no feminino já naquela época. O conceito (e os papéis) de gênero varia muito de acordo com a época e a sociedade. Na Índia e no Egito antigos, bem como em comunidades nativas da América, existia até um “terceiro gênero”, abarcando pessoas que não se identificavam com nenhum dos dois tradicionais.

É possível conseguir o tratamento da hormonioterapia pelo SUS: verdade

A hormonioterapia é, como diz o nome, a administração de hormônios que afloram as características masculinas ou femininas no corpo da pessoa. Os mais comuns são o estrogênio para as mulheres e a testosterona para os homens. E ela é garantida pelo SUS, como bem conta esse artigo da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, a ANTRA.

É realizada em duas etapas: a básica, que seria um “primeiro contato” através de avaliações iniciais, e a especializada. Nesta última, está o processo de acompanhamento da hormonioterapia e, apesar de ainda disponível em poucos hospitais pelo Brasil e contar com longas filas de espera, até a cirurgia de redesignação de gênero.

Qualquer pessoa acima de 18 anos tem direito ao acompanhamento, enquanto a cirurgia é para as maiores de 21.

A pessoa só é trans se faz cirurgia: mito

Os conceitos de gênero e sexualidade ainda estão muito ligados no imaginário popular, e isso passa, também, pelos órgãos genitais. E aqui, vale uma explicação importante: gênero e sexo são dois conceitos diferentes. 

Enquanto sexo está ligado ao órgão genital, o gênero parte de uma identificação, já que ele é uma criação social. Sendo assim, há órgãos genitais masculinos e femininos, mas ser homem ou mulher parte de uma identificação pessoal de cada um - dentro, é claro, dessa lógica binária do que é um homem e o que é uma mulher no imaginário coletivo.

Pensa-se, então, que a pessoa só pode ser considerada de fato trans se passar por intervenção cirúrgica. Isso não é verdade, pois se trata muito mais de como a pessoa se sente, psicologicamente falando. A disforia de gênero tem a ver, sim, com o fato da pessoa sentir desconforto e estranheza com seu próprio corpo, e ela pode se manifestar ainda na infância, o que é mais curioso. 

A cirurgia pode ser um caminho para que ela atinja um maior bem-estar. Mas não é o único e nem é absolutamente necessário em todos os casos. O tratamento hormonal que mencionamos anteriormente, por exemplo, nem sempre vem atrelado a uma cirurgia posterior, e ele por si só já garante um conforto para que aquela pessoa se sinta mais “presente” dentro de seu próprio corpo.

O Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo: verdade

Esse dado infeliz é menos sobre a transição em si e mais sobre as pessoas trans e a qualidade de vida delas por aqui. De acordo com a ANTRA, em 2020, 175 pessoas trans foram assassinadas no Brasil. E esses são apenas números oficiais, indicando que as ocorrências não declaradas podem deixar esse número ainda maior.

A ONG Transgender Europe diz que é a maior incidência de assassinatos de transexuais no mundo todo. É muito triste, principalmente num país que se diz tão inclusivo e receptivo, mas com uma sociedade tão conservadora. Para além dos assassinatos, há ainda que se pontuar o difícil dia a dia das pessoas trans que estão vivas, mas são vítimas da fome, do desemprego e da marginalização da sociedade. 

Transexuais, principalmente mulheres, possuem vantagens nos esportes: mito

No processo de conquistar mais e mais espaços, transexuais têm feito parte de cada vez mais competições esportivas. E isso encontra uma resistência absurda, principalmente nas modalidades femininas, por dizerem que uma pessoa “biologicamente homem” teria mais força.

É o famoso caso da jogadora de vôlei Tiffany Abreu. Transexual, ela enfrenta, até hoje, muita resistência até entre os próprios atletas do meio, pois atribuem sua habilidade às diferenças físicas.

Isso não é verdade. A hormonioterapia mexe muito com o corpo da pessoa e ela não mantém as mesmas qualidades físicas de antes da transição. E se mesmo com isso a capacidade atlética continuar sendo superior a de uma mulher cisgênero, ela perde em outros aspectos como a resistência muscular e a explosão.

Pessoas trans estão por aí, na luta pelo direito (que deveria ser fundamental e garantido) de ser quem são. Cabe à sociedade uma maior aceitação para que mudemos essa realidade tão retrógrada, conservadora e preconceituosa. É preciso poder ser quem se é, sem medo de represálias. Não há nada mais especial do que respeitar a sua essência de forma honesta e deixar que o outro possa também aflorar a sua própria. Transexuais são quem são, e ninguém deveria ter nada a ver com isso.

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Felipe Dib em "Gratidão é mais do que agradecer, é fazer"

O empresário conta como ressignificou toda sua vida e seus valores depois de sobreviver a dois acidentes de carro,

7 de Novembro de 2022



Leia a transcrição completa do episódio abaixo: 

[trilha sonora]

 

Felipe Dib: Eu pesquisei os princípios da prosperidade nas escrituras sagradas das três maiores religiões do mundo: o hinduísmo, o cristianismo e o islamismo. O princípio número um é a gratidão. E eu descobri que a gratidão deve ser demonstrada não só com pensamento e palavras. Mas, principalmente, com atitudes. É na atitude que mostramos a gratidão.

 

[trilha sonora]

 

Geyze Diniz: O professor Felipe Dib aprendeu desde jovem a importância de ser grato por estar vivo. Depois de sofrer dois acidentes de carro, ele mudou a sua maneira de enxergar o mundo. O sonho de criança de se tornar milionário foi substituído pelo desejo de retribuir as bênçãos que recebeu na vida. 

 

Ouça no final do episódio as reflexões do Historiador Leandro Karnal para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.

 

[trilha sonora]

 

Felipe Dib: Hello, my friend! Desde pequeno, eu tinha uma meta na vida: ser milionário. Eu sonhava grande, queria comprar um avião, relógios caros… Só coisas assim. Eu me dediquei muito pra isso acontecer. Comecei a trabalhar aos 13 anos, no restaurante dos meus pais, lavando copos, servindo bebidas, às vezes cuidando do caixa. Nessa época, eu ainda ganhava dinheiro como comerciante informal. Eu vendia bonés, que uma amiga da minha mãe trazia dos Estados Unidos e também vendia tacos de "bet" em sociedade com meu primo. "Bet" é um jogo de rua que a gurizada de Campo Grande gostava muito. Nós passávamos fita isolante no cabo de um pedaço de madeira e oferecíamos aos vizinhos que quisessem comprar. Tudo que entrava, eu juntava. 

 

[trilha sonora]

 

Aos 16 anos, fui pra Nova Zelândia fazer intercâmbio depois de reprovar no curso de inglês e já cheguei trabalhando. Dei aula de capoeira na escola, cuidei do jardim da diretora do colégio, lavei pratos num café e varri cimento em obras. Para economizar, meu gasto diário eram 2 miojos por dia. 

 

Quando eu voltei pro Brasil, fui dar aulas de inglês. Prestei vestibular para Relações Internacionais e, no primeiro semestre, comecei a lecionar no centro de idiomas da universidade. Eu seguia no meu plano de ser milionário, juntando dinheiro sem parar. Até que um acontecimento mudou meu jeito de pensar. Na verdade, foram dois eventos: dois acidentes de carro no intervalo de um mês. Eu tinha 24 anos e, a partir dali, a minha vida tomou outro rumo. 

 

[trilha sonora]

 

No primeiro acidente, eu estava dirigindo sozinho de Campo Grande a Três Lagoas, uma cidade no interior daqui de Mato Grosso do Sul. Eu ia participar de uma troca de cordas de capoeira para receber a minha graduação de professor. Eram umas 5h15 da manhã. O céu estava cinza, meio amarronzado, começando a amanhecer. Eu dirigia a 180 quilômetros por hora, quando, de repente, eu vi uma moto a uns 100 metros na minha frente. Naquele segundo, minha decisão foi frear, porque se não, eu passava por cima do cara.

 

Eu freei com tanta força que o carro derrapou e começou a girar. O movimento parecia em câmera lenta. Enquanto o carro capotava naquele asfalto duro, eu grudei no volante e comecei a falar uma frase em árabe que toda família de muçulmanos conhece: "Bismi lérri rahmane rahim", que significa “Em nome de Deus, Clemente, Misericordioso”.

 

Eu aprendi essa frase com o meu pai, Elias Gazal Dib, e com a minha avó, Rosa, mãe dele. A minha sitê, como se diz avó em árabe, nasceu no Líbano. E  meu vô veio da Síria, fugindo de uma perseguição. Eu cresci acordando todos os dias da minha vida ouvindo meu pai rezar. Todas as manhãs, todos os dias, não importa qual seja, ele amanhece lendo em voz alta o Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos. Isso é constante até hoje. Eu me levanto às 5h30 da manhã pra treinar. Depois da academia, eu passo na casa dos meus pais e, quando eu chego, meu pai está lendo o Alcorão. Ele lê o livro de capa a capa, várias e várias vezes ao ano.

 

O muçulmano usa em diversas situações aquela frase que eu falei no momento da batida, em momentos tensos, para entrar em casa, para sair de casa, para começar uma oração, para fazer uma refeição, para ter uma conversa importante, antes de começar um jogo… Essa frase "Bismi lérri" é a mesma frase que começa as 114 suratas, ou capítulos, do Alcorão. 

 

Eu não sei se foi o poder dessas palavras, mas o fato é que eu não me machuquei no acidente. O carro capotou várias vezes e parou com as rodas pra cima, a uns 100 metros da pista, do outro lado da rodovia. Minha porta não abria, eu consegui sair pelo lado do passageiro e eu ficava pensando: “Meu Deus do céu, o que foi isso? Obrigado, Senhor!”. 

 

Aí eu escuto uma voz vindo lá da beira da rodovia: “ tá vivo?”. Era o cara da moto! Ele ouviu o barulho da pancada e voltou pra ver o que tinha acontecido. Eu falei pra ele: “Meu irmão, você tá com o farol apagado!”. Aí ele falou pra mim: “ quer carona?”. Eu perguntei pra ele: “ tem outro capacete?”. Aí ele falou pra mim: “Não tenho, mas não dá nada não, vambora”. Eu comecei a balançar a cabeça e dar risada. Falei pra ele: “Oh, meu irmão… Deus acabou de me livrar de uma, eu não vou pedir outra chance agora, não”.

 

[trilha sonora]

 

Peguei carona com um caminhoneiro de volta até Campo Grande e, quando eu cheguei em casa, meus pais ainda estavam dormindo, tranquilos da vida. Eu pensei comigo: "Obrigado, meu Deus". Dei um beijo neles e eles estranharam minha presença ali. "Ué, você ainda não foi?". Quando eu falei que já tinha ido e capotado o carro, os dois se levantaram da cama. Fomos pro hospital e eu fiz um monte de exames… E eu realmente não tinha machucado nada.

 

Naquele dia eu senti que eu precisava retribuir aquela bênção de alguma maneira. Eu estudei nas escrituras sagradas das três maiores religiões do mundo quais são os valores que trazem prosperidade. O valor número um é a gratidão.

 

Nos Vedas, do hinduísmo, está escrito: "Só através do serviço devocional indiviso é possível compreender-me tal como Eu Sou, como estou diante de você, e assim é possível ver-me diretamente". No Alcorão, do Islamismo, a surata das mulheres, versículo 86, diz: "Quando fordes saudados, retribuí com uma saudação melhor, ou pelo menos igual". Na Bíblia, está escrito na Epístola de Colossenses, capítulo 3, versículo 14: "E sobre tudo isto, revesti-vos de caridade, que é o vínculo da perfeição, e sede agradecidos".

Eu queria mostrar a minha gratidão com palavras e, principalmente, com ação. O que eu sabia fazer melhor era ensinar inglês, então eu decidi dar aulas de graça na internet, pra qualquer pessoa no mundo que quisesse aprender o idioma.

Com a indenização do seguro do carro que capotou, eu comprei um carro popular, bem mais simples que o anterior e paguei a produção de 300 vídeo-aulas que iríamos gravar para oferecer grátis online. Eu planejei essas aulas pensando em um aluno como eu, alguém que não tem facilidade de aprender. Nossas aulas são passo a passo. A aula 1 é como dizer “oi, bom dia, boa tarde, boa noite” em inglês. Aula 2, como se apresentar: “I’m Felipe Dib”, “Nice to meet you”. Aula 3: “How are you?”. Aula 4: “What's your name? First name, middle name, last name”. E assim nós vamos evoluindo.

 

Nós gravamos 20 aulas, mas tivemos que interromper as filmagens, porque um mês depois do acidente, eu bati o carro de novo. E dessa vez eu me machuquei MUITO. 

 

[trilha sonora]

 

Era uma sexta-feira, depois do almoço. Eu estava no quarto respondendo e-mails, quando os meus pais me convidaram para fazer um passeio. Eles iam com uns amigos até Ponta Porã, uma cidade na fronteira com o Paraguai, onde muita gente da região faz compras. É um passeio comum para quem mora em Campo Grande.

 

Eu animei de ir, inclusive porque eu queria colocar um "toca-CDs" no meu carro "novo" entre aspas, que não tinha nem som. Meus pais foram na frente e eu combinei de pegar a minha namorada e ir com o meu carro.

 

Era a primeira vez que eu pegava estrada depois do acidente. Eu estava com muito medo, muito inseguro por causa da batida anterior. Eu fui bem devagarzinho. Eu dirigia a 60 quilômetros por hora, e o tempo começou a fechar, começou a chover forte. O limpador do parabrisa estava na velocidade máxima e, mesmo assim, a visibilidade era ruim. Essa viagem normalmente dura 3 horas, mas naquela velocidade e com aquela chuva, eu falei pra minha namorada: “Meu amor, nós vamos chegar lá só amanhã”. Ela falou pra mim: “Se a gente chegar pro café da manhã, eu já tô feliz”. 

 

Aí, numa curva onde já aconteceram alguns acidentes, nosso carro aquaplanou e atravessou a pista. Dessa vez, eu não rezei. A única coisa que saiu da minha boca foi: “Caraaa…”. E aquela palavra foi interrompida pelo maior barulho que eu já ouvi na minha vida. O meu carro bateu de frente com outro, que vinha no sentido contrário. Foi uma pancada tão violenta, que eu apaguei. A frente do carro amassou igual a uma sanfona e me espremeu pra dentro do carro, que virou uma bola de ferro amassado. Eu admito que no primeiro acidente eu estava errado, eu tive 100% de culpa, mas no segundo não. 

 

Quando eu acordei, acho que alguns segundos depois da batida, a Cy, hoje minha esposa, já tinha sido retirada do carro. Só que eu estava preso nas ferragens. Com o impacto da batida minhas pernas dobraram até ficarem grudadas no meu peito, com os meus pés em cima do volante. O meu primeiro pensamento foi checar se eu tinha ficado paraplégico. Eu tinha pouquíssima mobilidade naquela posição, mas consegui me mexer um pouquinho e percebi que eu não tinha fraturado a coluna. Naquele instante, eu comecei a agradecer a Deus. Morrendo de dor nas pernas, nos pés, o corpo inteiro queimando, ardendo, mas eu já estava agradecendo. 

 

[trilha sonora]

 

Enquanto os bombeiros tentavam me soltar das ferragens, alguém pegou o meu celular e ligou pros meus pais. Eles, que também estavam na estrada, só que mais à frente, voltaram em direção a Campo Grande. Mas o acidente tinha bloqueado a rodovia, então eles desceram do carro e caminharam um tempão até chegar no local da batida. De repente, eu vejo minha mãe, chegando desesperada e gritando: “Meu filho! Meu filho!” Eu fiz um sinal de joia pra ela com o polegar, sinalizando que estava tudo bem, mas não estava. 

 

Deve ter demorado umas 3 horas até os bombeiros conseguirem me soltar das ferragens. Quando eles esticaram o meu corpo na maca, o grito que eu dei deve ter chegado a Campo Grande. A dor era insuportável. No hospital, descobriram que eu fraturei 6 costelas, calcâneo, fêmur, um osso na face. Minha boca não se mexia, meus olhos ficaram pretos. Depois, eu soube que eu tinha fraturado um osso na coluna também.

 

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Eu passei 29 dias internado, sentindo dor sem parar um minuto, sem conseguir dormir. Por causa das fraturas, eu não conseguia me mexer, talvez em alguns meses eu conseguiria me levantar. Eu tinha que fazer as necessidades na cama. O código para fazer o "number 2" era chocolate. Minha mãe colocava um lençol como cortina e eu ficava um tempão pra conseguir, precisando de ajuda para me limpar… E aí eu fui tendo a constatação de que o dinheiro não compra as coisas que têm mais valor na vida. A grana que eu tinha no banco não tirava a minha dor, não me dava mobilidade, não me ajudava a dormir. O dinheiro é fantástico para um monte de coisas, mas ele não seria a causa da minha felicidade, como até então eu acreditava.

 

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A minha vontade de devolver todas as bênçãos que eu tinha recebido veio com mais força ainda. Eu me lembro de uma noite lá no hospital, segurando as mãos dos meus pais e chorando, eu falei pra eles: “Deus foi muito bondoso comigo. A partir de agora eu vou dedicar minha vida pra agradecer, vocês vão ver. Enquanto eu não fizer a diferença na vida de cem mil pessoas, eu não vou sossegar”. 

 

Quando eu tive alta, fui levado de maca pra casa dos meus pais, ainda sem me mexer da cintura pra baixo. Eu liguei pro produtor que eu tinha contratado antes, pedindo pra gente dar sequência nas gravações. Eu não podia sair da cama, e por isso ele ia em casa. Eu gravava as aulas ali, sentado na cama dos meus pais. Segundo nossos alunos eu estava muito arregalado e muito amarelo naquelas primeiras aulas. E eles têm razão, eu estava feio demais.

 

Depois de meses de fisioterapia, dedicação, graças a Deus eu voltei a andar. Eu sabia que esse gesto de gratidão duraria pra sempre, não seria algo passageiro. Já se passaram 10 anos desde que eu comecei a postar as aulas na internet. De lá para cá, a equipe cresceu e nós criamos uma plataforma própria, o Você Aprende Agora.com. Já são 41 milhões de aulas lecionadas para alunos em 181 países. 

 

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Há dois anos, nós começamos a produzir conteúdo do currículo de inglês da BNCC pro Ensino Fundamental e Médio. Nosso curso hoje é transmitido pela TV aberta, chegando a milhões de pessoas que não têm nem celular, muito menos internet.  Meu sonho é levar o Você Aprende Agora pros estudantes das escolas públicas. Eu ainda não consegui, mas um dia eu chego lá.

 

Eu trago o exemplo que eu tive em casa, de me preocupar em como eu posso ajudar as pessoas, o que eu posso fazer para retribuir a bênção de estar vivo. Eu sou um muçulmano que crê que todas as religiões pregam a mesma mensagem, com palavras diferentes. Todas buscam uma ligação com algo superior, que cada um chama do jeito que quiser: Cristo, Jeová, Krishna, Alá… Tanto faz. O importante é se conectar com essa força e agradecer pelo nosso bem mais precioso: a vida. Thank you very much. I'm Felipe Dib. See you next class!

 

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Leandro Karnal: Interessante a história do Felipe, porque ele começa com um sonho, um sonho bastante comum, talvez o mais comum, que é a prosperidade material. Muitas pessoas acham que se tiverem muito dinheiro as coisas serão absolutamente fáceis, absolutamente tranquilas.

Como o mundo é um lugar perigoso, o mundo é um lugar que machuca, o dinheiro é também uma fantasia de proteção. Eu vou ter uma casa forte, protegida do mundo, eu vou ter um carro blindado, eu vou viajar com meu jato privado e assim, o mundo não vai me machucar.

Mas o mundo machuca inclusive quem tem muito dinheiro. A história dele envolve um esforço, esforço de viajar, de aprender inglês, Nova Zelândia … A história dele envolve  a dedicação, a capoeira, um esporte, e a busca de um sentido no estudo das grandes religiões. Não apenas um estudo intelectual, não apenas um estudo de religião por religião, mas uma vivência de diferentes concepções religiosas. E isto é muito importante.

O que o Felipe traz é uma história que mostra que, nos momentos de crise mais aguda, os momentos de risco de vida, nós valorizamos muito mais o que somos e o que temos. A vida é um bem que quando flui com saúde, com abundância, ela não é muito percebida e de repente um acidente, como ele descreve, um risco, a morte nos acenando de perto, faz com que muita gente perceba que a vida é um dom muito precioso, é um dom muito especial.

E a história do Felipe é uma história de ser grato por aquilo que a maior parte das pessoas sequer tem consciência cada dia, cada nova experiência, cada dia que desperta é uma chance, é uma oportunidade, é um novo capítulo, é uma página virada. E a gratidão é um sentimento muito interessante pra eu me conectar com o mundo e com a vida.  

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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.


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