O que é gratidão para você?

Algumas pessoas confundem a gratidão com o ato de dizer “obrigado”. Isso porque, de fato, ela é um conceito difícil de definir.

14 de Dezembro de 2021



O que é gratidão para você? 
O que você vai encontrar por aqui: 
  • O que é a gratidão
  • Qual o efeito da gratidão no cérebro
  • Os dois tipos de gratidão
  • Como cultivar a gratidão 
Boa leitura! 
Algumas pessoas confundem a gratidão com o ato de dizer “obrigado”. Isso porque, de fato, ela é um conceito difícil de definir. Muitos a consideram como um sentimento que surge como resposta a algo benevolente, mas pode ser compreendida e expressa de diferentes maneiras, dependendo do seu contexto e da sua cultura. Você pode se sentir grato pelo o que uma pessoa fez por você, por uma conquista pessoal, ou mesmo por uma situação externa como um dia de sol, o contato com a natureza ou a própria vida. Pode ser vista como um traço do caráter, um sentimento, uma virtude ou um comportamento. 

A ciência nos mostra que a capacidade de se sentir grato faz parte de um processo evolutivo e está ligada a nossa biologia, está no nosso DNA. Alguns apresentam mais predisposição para ela, enquanto outros precisam de mais estímulo para sentí-la. Muitos estudos indicam que a gratidão traz inúmeros benefícios para nossa saúde mental, emocional e física. Ela potencializa a formação e fortalecimento de vínculos sociais, diminui o estresse, melhora a qualidade do sono e aumenta a satisfação geral com a vida.

Ao mesmo tempo, vivemos um momento em que a gratidão parece ter se tornado a mais nova tendência de desenvolvimento pessoal. Temos a sensação de que, para todo lugar que olhamos, há uma hashtag, um emoji, marcas de produtos, cursos e livros sobre o temalevantando dúvidas se de fato a gratidão faz bem ou se é só a moda da vez. Nesse sentido, especialistas têm mostrado que existem diferentes expressões de gratulação e que nem todas trazem os benefícios almejados.

Assim, acreditamos que vale muito a pena entender um pouco mais sobre as várias formas de ser grato e como cada uma afeta nossa qualidade de vida. Esperamos com isso te motivar a cultivar este sentimento que tem sido considerado um antídoto para a insatisfação crônica e uma grande chave para encontrar mais felicidade em nossas vidas. 
Fundo no assunto
A gratidão faz bem? 


Como comentamos no início, a gratidão parece estar na moda. A hashtag #gratidão foi usada mais de setenta milhões de vezes nas redes sociais brasileiras até o momento. Na academia, mais de 2.800 artigos científicos foram escritos sobre o tema, segundo uma revisão sistemática feita pelo professor Wanderley Marques Bernardo, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, para o Plenae. O que este sentimento tem de tão especial? 

Sonja Lyubomirsky, professora de psicologia da Universidade da Califórnia e autora do livro The How of Happiness (“O Como da felicidade”, sem tradução para o português), explica que a expressão é praticamente uma meta estratégia para alcançar a felicidade. Em seu livro, ela relata que pessoas que são frequentemente gratas mostram maiores níveis de felicidade, mais energia, mais esperança e otimismo na vida, declarando sentir mais emoções positivas do que negativas. 

Elas também têm a tendência de serem mais altruístas e empáticas, mais espiritualizadas e religiosas, perdoam com mais facilidade e são menos materialistas do que pessoas “menos gratas”. Ao mesmo tempo, quanto mais a pessoa está inclinada a agradecer, menos provável é que esteja deprimida, ansiosa, solitária, com inveja ou neurótica.  

A ciência tem olhado para isso e busca entender como a gratidão afeta nosso cérebro e, consequentemente, nossa saúde. Segundo o neurologista Fabiano Moulin, em entrevista para o Plenae, quando nos sentimos gratos, nosso cérebro ativa uma série de neurotransmissores que nos ajudam a pensar (os opióides) e a sentir prazer (a dopamina). Adentrando um pouco mais no funcionamento do cérebro, estudos mostram que a área do córtex pré-frontal medial é ativada, uma área conhecida entre neurocientistas por estar relacionada a comportamentos pró-sociais e a empatia, potencializando a formação de laços afetivos. 

 
Ao mesmo tempo, esta área também está ligada a sentimentos de calma e tranquilidade, assim como a regulação emocional, atuando diretamente na redução do estresse. Aliado a estrutura pré-frontal medial, outros locais no cérebro que são ativados durante experiências de gratidão são o hipotálamo - relacionado a regulação de processos biológicos básicos, como a saciedade, a temperatura corporal, a frequência cardíaca, as emoções e o sono - e o sistema dopaminérgico, que está relacionado a processos de motivação e de prazer. 
          
Porém, estudos indicam que nem todas as expressões de gratidão têm o mesmo efeito. Altay de Souza, pesquisador doutor em ciência de dados, em seu podcast Naruhodo!, diz haver dois tipos dela: a preposicional e a proposicional. A gratidão preposicional se refere à situação em que um indivíduo A se sente grato a um outro indivíduo B por fazer algo X. Ou seja, existe uma relação concreta, uma tríade.  A gratidão proposicional se refere a uma situação em que o indivíduo A é grato porque Y ocorreu. Por exemplo: sou grato porque choveu após um longo período de seca. Neste caso não existe um outro agente e o que aconteceu é algo que não depende de nenhuma relação, por isso é considerada uma díade. 

Essa é uma diferença crucial quando falamos do tema, pois cada uma delas tem efeitos diferentes na nossa saúde e bem-estar. A gratidão que traz benefícios tanto para a saúde do indivíduo, ativando as áreas do cérebro citadas, como para a sociedade, por potencializar comportamentos pró-sociais, é a gratidão preposicional, em que existem duas pessoas e uma ação concreta entre elas. David Brooks, professor da universidade de Yales e colunista do New York Times, ao descrever a estrutura da gratidão coloca que, inclusive, nesta relação é necessário que a ação de B seja uma gentileza que exceda as expectativas de A para que este sentimento floresça. 



Isso porque esse sentimento tem sua origem na reciprocidade, evoluindo como um sinal biológico que motiva os animais a trocarem coisas para benefício mútuo. Ele pode ser visto em vários contextos naturais, mas especialmente entre primatas. À medida que nosso cérebro ficou melhor em reconhecer as emoções, a gratidão se tornou uma vantagem evolutiva para a sobrevivência da espécie, já que levava as pessoas a se aproximarem, cooperarem umas com as outras e se protegerem. 

Um estudo entre casais mostrou que não só o sentimento de agradecimento, mas a expressão dele ao outro, traz inúmeros benefícios e pode ser um termômetro da qualidade da relação, mesmo a médio e longo prazo. Nessa pesquisa, eles observaram que a expressão da gratidão altera de forma positiva a percepção da qualidade da relação tanto em quem a expressa como em quem a recebe, colocando a relação em um círculo virtuoso. Ao expressá-la, a pessoa toma consciência e acolhe a gentileza do parceiro, confirmando a si mesmo que está em uma relação de apoio mútuo, que se importa com o outro e aprecia seus atos. Para aquele que recebe, mostra que sua ação foi apropriada, desejada e apreciada, motivando que volte a agir de forma afetuosa, fortalecendo ainda mais a relação. 

Mas, e a gratidão proposicional, qual o impacto dela em nossas vidas? Quais os benefícios que podemos encontrar ao desenvolver um olhar mais grato em relação a vida? Neste breve vídeo realizado pela Kurzgesagt, uma agência de animação alemã que tem como propósito divulgar estudos científicos de forma leve e cheia de beleza, podemos ver que a prática da gratidão proposicional, que é a capacidade de se sentir grato por um belo pôr do sol, pelas coisas que possuímos, pela simples existência de uma pessoa querida em nossas vidas, também pode ser fonte de muita felicidade. 
Ela pode te ajudar a reter e recuperar memórias positivas e diminuir sentimentos negativos como a inveja, o materialismo, o narcisismo e a comparação social, algo bem comum entre nós e que as redes sociais potencializaram nos últimos tempos, como comentamos neste tema da vez. Para colher esses benefícios é preciso ensinar o cérebro a reconhecer este pequenos momentos como fatos a serem apreciados. 

Um ótimo exercício para isso é a visualização negativa, em que comparamos a situação atual com uma situação pior, fazendo com que o cérebro responda com gratidão diante do momento presente. Nossa mente facilmente se esquece de que nada na vida está garantido e não damos valor ao que temos, assim, ao realizar esta prática, diminuímos a adaptação hedônica, aumentando nosso contentamento e satisfação com a vida. Se você leu nossa news sobre estoicismo, deve lembrar que os estóicos utilizam muito esta estratégia na busca do bem-estar

Inclusive, os filósofos consideram a gratidão uma virtude a ser alcançada, ou seja, ser grato é um traço do caráter moralmente positivo e que deve ser desenvolvido pelo ser humano. Aristóteles define virtude como algo que está entre um excesso e uma deficiência, assim, a gratidão nem pode ser pouca, ou você se torna uma pessoa ingrata, nem exagerada, ou se torna servidão. E como afirmou o filósofo romano Cícero, “a gratidão não é apenas a maior das virtudes, mas a mãe de todas as outras.”
O que dizem por aí
#comosermaisgratonavida


     

Nossa percepção individual de gratidão, assim como sua expressão, está moldada por nosso contexto cultural. Um estudo realizado em 2012, observou 7 culturas diferentes e sua relação com o sentimento, mostrando que culturas coletivistas, como a da Turquia e da China, apresentam uma população mais grata e propensa a expressá-la publicamente, enquanto culturas mais individualistas, como a do Brasil e dos Estados Unidos, acabam reconhecendo e expressando muito menos este sentimento. A boa notícia é que muitas intervenções de gratidão nestas culturas apresentaram bons resultados, o que mostra que é possível treinar o cérebro para se tornar mais grato.

Do diário da gratidão à contagem de bênçãos, passando pelas cartas de agradecimento, meditações e aplicativos digitais: são muitas as ferramentas para estimular este sentimento em nós. Nós testamos por 30 dias o Diário da Gratidão e você pode conferir um relato completo da nossa experiência aqui. Mas antes de prosseguir, um aviso importante: o pulo do gato sobre os benefícios da gratidão está no sentimento real e verdadeiro. 

Não é possível fingir. A gratidão que está somente no plano mental é vazia e não gera nenhum benefício. Ou pior, pode até fazer o efeito inverso, como foi o caso da jornalista Radhika Sanghani, que encarou o desafio 100happydays (100 dias de felicidade) e  terminou mais infeliz do que quando começou, já que a pressão mental e a sensação de egocentrismo, ao postar fotos diariamente nas redes sociais, acabou gerando mais ansiedade e afastando as pessoas.  

Inclusive, estudos conduzidos pela professora Sonja Lyubormirsky mostram que para que as práticas sejam efetivas, elas precisam se manter “frescas”, ou seja, quando a atividade cai na rotina e você a sente como uma obrigação, ela já não desperta o sentimento almejado. Assim, a recomendação é variar as atividades para mantê-las significativas.
Separa o papel e a caneta
               

Deixamos aqui algumas dicas de como começar a agradecer mais e esperamos que você encontre a atividade ideal para si. De início, você pode se sentir um pouco incrédulo no potencial transformador dessas atividades por sua simplicidade. Mas não desista! Muitos estudos mostram resultados muito positivos na nossa saúde mental após algumas semanas. E lembre-se de trazer variedade - o tempero da vida - para suas práticas, seja mudando a forma como você expressa a gratidão, seja mudando o tema pelo qual você será grato naquela semana. 

Sabemos que não existe pílula mágica para encontrar a felicidade. Essa é uma jornada que começa com o autoconhecimento e o encontro de um equilíbrio saudável nos diferentes pilares da vida. Ainda assim, acreditamos que a gratidão tem um papel importante nesta busca e pode ser uma peça chave para trazer muito bem-estar em nossas vidas. Afinal, como colocou o monge beneditino David Steindl-Rast em seu Ted Talks: “se você acha que é a felicidade que torna as pessoas gratas, pense novamente, é a gratidão que torna as pessoas felizes”.
    
Quer saber mais? Separamos alguns conteúdos que podem te ajudar
a fazer um mergulho ainda mais profundo, não deixe de conferir!
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Para Inspirar

Thaís Bastos em "Depressão pós-parto não é frescura"

A médica conta como as questões emocionais

14 de Novembro de 2022



Leia a transcrição completa do episódio abaixo: 

[trilha sonora]


Thaís Bastos: Eu sou médica, tenho acesso a muitas informações e, mesmo assim, senti vergonha quando tive depressão pós-parto. Eu não queria que ninguém soubesse. Tinha preconceito, pensava que era frescura de gente privilegiada. Mas não é. No meu trabalho no SUS, eu descobri que o transtorno não escolhe classe social. Ele é comum e pode afetar qualquer mãe.


[trilha sonora]


Geyze Diniz: Thaís Bastos, assim como muitas mães, tinha vergonha em dividir o turbilhão de emoções que sentiu depois de dar a luz aos seus filhos. Enquanto tentava corresponder aos padrões da sociedade para ser uma mãe perfeita e viver a alegria da maternidade, ela enfrentava o paradoxo de uma tristeza profunda. Após passar por duas depressões pós-parto, conseguiu se libertar das cobranças, se reconectar com sua família e voltar a se dedicar ao seu trabalho. Conheça como Thaís atravessou este período e voltou a encontrar o equilíbrio pessoal e profissional.

 

Ouça no final do episódio as reflexões do historiador Leandro Karnal para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.

 

[trilha sonora]


Thaís Bastos: A minha primeira filha foi uma criança que eu e meu marido desejamos muito. Mas, quando ela nasceu, eu não senti só alegria. Senti bastante tristeza também. Eu sorria por fora, mas por dentro pensava “cadê aquele amor materno imediato e incondicional que tanto me disseram?”. E isso me dava muita culpa. Foram dois meses de bastante instabilidade emocional. Eu sou uma pessoa alegre, pra cima. Aquela angústia e tristeza não combinavam comigo. Mais tarde, eu fui entender que eu tive o que os médicos chamam de “baby blues”. É um quadro que atinge a maioria das mulheres no puerpério e que está associado às oscilações hormonais da gravidez. O “baby blues” não chega a ser uma doença. Não precisa de tratamento e passa sozinho. Foi assim comigo.


[trilha sonora]


Eu voltei a ser uma pessoa solar. Só que eu virei uma mãe neurótica. Eu não tinha interesse em quase nada que não fosse a minha filha. Eu sou oftalmologista e organizei a minha agenda em função dos horários dela. A minha meta era trabalhar o mínimo possível, pra poder estar presente pra ela em qualquer ocasião. Se ela espirrasse, eu tinha que estar do lado. Se ela saísse da escola às 11h30, às 11h eu já tinha que estar de plantão, soltando foguete.


O meu marido percebia que aquela dedicação estava exagerada. Ele achava que eu devia tirar um momento do dia só para mim. Ele dizia: “Você chega do trabalho às 4 da tarde. Por que você não vai pra uma academia? Você gosta de malhar”. Eu virava para ele e falava: “Você tá louco? Eu tenho uma filha, eu vou ficar com ela”.
Ser a mãe “perfeita”, sempre presente e disponível, virou uma coisa obsessiva. 


[trilha sonora]

 

Logo engravidei de novo. Quando minha outra filha nasceu, eu entrei em parafuso, pensando: “E agora? Como eu vou me dedicar à filha mais velha?”. Se eu dava de mamar para a pequena, me culpava por não estar dando atenção para a maior. Aí eu decidi não amamentar mais. E me culpava por não amamentar. Uns dois meses depois que ela nasceu, eu comecei a ficar muito mal e fui pro extremo oposto. Eu perdi o interesse pelas minhas filhas. Só queria ficar na cama, não tinha apetite e chorava muito. Por insistência do meu marido e da minha mãe, procurei uma psicóloga. 


A psicóloga disse que eu estava com depressão pós-parto, mas leve. Se eu fizesse um compromisso com o tratamento, ela achava que daria pra resolver o problema sem precisar ir ao psiquiatra. Eu nunca tinha feito terapia, nem me interessava por autoconhecimento. Era uma pessoa extremamente fechada, com muita dificuldade pra falar de sentimentos. Mas eu topei. Quando eu me culpava por trabalhar, a psicóloga me acalmava: “Toda mulher trabalha. As suas filhas estão bem”. Aquelas conversas foram me ajudando e a depressão passou. Eu larguei a terapia, mas voltei pro esquema da maternidade neurótica.


[trilha sonora]


Quando a mais velha estava com 7 anos e a menor, com 5 anos, eu engravidei novamente. Dessa vez sem planejar. Já no primeiro ultrassom, o médico disse: são gêmeos. Eu fiquei em choque, mas confesso que procurei nem refletir sobre o impacto daquele anúncio. Tive uma gravidez super tranquila, como as outras duas também foram. Trabalhei até quase 9 meses, porque os bebês nasceram com quase 40 semanas.

E aí, depois do parto, ainda no hospital, começou a me bater o desespero. Eu olhava praquelas quatro crianças e não queria ir pra casa. Eu não tinha nenhuma preocupação financeira. A minha rede de apoio era ótima. Mas, mesmo assim, eu fui entrando numa paranoia que só aumentou nos 5 meses seguintes. 


Se os bebês estivessem dormindo, eu queria dar atenção pras mais velhas. Se estava todo mundo dormindo, eu queria estudar para o meu trabalho. Eu não me sentia no direito de descansar. Chorava muito, sentia muita culpa o tempo todo. Não conseguia dormir, não tinha fome. Emagreci bastante. A minha mente foi entrando em curto-circuito. Eu tinha vergonha de ser mãe de 4 crianças. Achava que nenhuma pessoa bem-sucedida podia ter tantos filhos. 


Perdi totalmente o prazer em coisas que eu amava como ler, viajar, tomar um banho de mar. Não queria ver ninguém, nem o celular ou o zap respondia. Basicamente, eu não queria que ninguém chegasse perto de mim. Só queria ficar deitada, isolada.


[trilha sonora]

Como se não bastasse, eu comecei a me sentir uma péssima oftalmologista por não me dedicar tanto como antes e quis parar de trabalhar. Tudo era "catastrofizante", tudo era desesperador. É como se eu estivesse num transe, não escutava ninguém. Eu queria acreditar que conseguiria cuidar de quatro crianças, trabalhar e ter uma minha vida normal, mas não tinha esperança disso acontecer. 


[trilha sonora]


Meu marido, que já tinha visto aquele filme, insistiu para eu ir ao psiquiatra. Eu não queria, porque não acreditava que eu pudesse sair do fundo do poço. Mas o meu estado de apatia era tão profundo que eu não tinha reação. Ele marcou a consulta com o médico, foi comigo e falou muito mais do que eu. O psiquiatra não demorou pra dar o diagnóstico. Ele disse: “Isso é depressão pós-parto. Não é frescura e é muito comum. Algumas mulheres têm predisposição genética à depressão, e o pós-parto funciona como um gatilho. Isso é tão simples de tratar… Eu tenho a receita do bolo. Você quer ficar boa?”. Eu nem respondi. O médico prescreveu o remédio e o meu marido já foi logo comprando na farmácia.

Eu passei um tempo me boicotando. Falava que tinha tomado a medicação, mas não tinha. Até que um dia, numa crise de tristeza e desespero, eu percebi que eu estava afetando todos a minha volta, eu estava jogando pro alto uma linda história de amor que gerou uma família tão grande e tão linda. Eu entendi que eu estava destruindo não só a mim. E eu até queria me destruir. Mas eu estava destruindo a vida das crianças. E aí eu decidi dar uma chance. 


[trilha sonora]


Por 15 dias, eu tomei o remédio certinho. A primeira semana foi desesperadora, porque eu não via melhora. O psiquiatra insistiu pra eu continuar tentando. E aí, duas semanas depois… parece mágica. Eu acordei um dia sem sentir aquele desespero que me dominava todas as manhãs. Eu fui ganhando força pra lidar com a rotina. Viver foi deixando de ser tão difícil. 


[trilha sonora]


Um mês depois que eu comecei a tomar o medicamento, eu voltei para a terapia. Dessa vez, eu decidi mergulhar no autoconhecimento pra valer. Com a ajuda do psicólogo, eu fui conhecendo os meus traumas de infância. Eu nasci no dia da missa do sétimo dia de meu pai. Ele morreu de acidente de carro. Minha mãe sofreu muito e também ficou sem amparo financeiro. Ela teve que trabalhar muito para conseguir sustentar a mim e a minha irmã, e acabou se fechando para o lado afetivo.


Inconscientemente, eu fui pro extremo oposto, para uma maternidade excessiva. Hoje eu sei que nenhum filho precisa de uma mãe perfeita, aliás nada pior para uma criança do que ter uma mãe perfeita. Criança também precisa da ausência e de frustração para amadurecer. 


[trilha sonora] 


Por indicação do psicólogo, eu comecei a participar de um grupo sobre maternidade. Era uma turma de 15 mulheres que não se conheciam, mediadas por um terapeuta. Naquele espaço, a gente podia desabafar sobre, digamos assim, o lado B da maternidade. A cobrança, o cansaço, a culpa, o impacto no casamento e na vida profissional. Cada uma podia expor as suas vulnerabilidades e encontrar escuta e acolhimento, sem julgamento. 


Quando eu mudei o meu olhar sobre a maternidade, a minha vida profissional também mudou. Eu lembro que, lá no começo da terapia, o psicólogo perguntou quais eram os meus planos no trabalho. Eu achei aquela pergunta tão idiota e pensei: trabalho só serve para ganhar dinheiro, ninguém se realiza com isso.


Aí, um dia, li por acaso numa revista uma reportagem sobre ikigai, uma teoria japonesa sobre propósito de vida. Cada pessoa pode encontrar o seu propósito unindo paixão, missão, vocação e profissão. Aquilo ali me tocou profundamente, e me fez refletir sobre a oftalmopediatria que eu havia abandonado … Decidi que iria complementar a minha pós-graduação em oftalmopediatria, fazendo uma nova especialização. Eu sempre amei e tive um ímã com criança. Hoje eu amo meu trabalho e não sinto a menor culpa de passar tempo longe dos meus filhos por causa da profissão. 


[trilha sonora]


Como oftalmopediatra, eu tenho contato com mães e bebês, e vejo muito o tal do baby blues. 


[trilha sonora]


Eu observo que as mães que conseguem falar sobre os sentimentos passam por esse período com mais facilidade. E isso vale pra pessoas de qualquer classe social e econômica. Falar ajuda muito.


Os profissionais de saúde precisam ter um olhar pra condição psicológica das pacientes. Quando os meus filhos gêmeos nasceram, eu tive vergonha de expor a minha frustração pro meu marido, pra minha mãe ou pra qualquer pessoa. Aí, eu mandei uma mensagem pra pediatra dos gêmeos, porque eu não tinha coragem de falar ao vivo. Ela só respondeu assim: “Ah, acontece. Se você tiver muito mal, vai no psicólogo”. Faltou muita sensibilidade à ela.


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A minha motivação para contar essa história foi ter recebido a doação das córneas de uma mãe que se suicidou. Eu trabalho num banco de olhos e tive que ler o prontuário dessa doadora. Era uma mulher com depressão e um bebê de oito meses. O psiquiatra me contou que a depressão pós-parto pode aparecer até o primeiro ano de vida da criança. Ele me falou sobre a importância do pré-natal psicológico, um acompanhamento durante a gravidez pra proteger a saúde mental da mãe.


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Eu aproveitei a gravação desse podcast para conversar com a minha família sobre o que a gente viveu. Esse assunto era um tabu. A minha segunda filha ficou surpresa. “Mãe, você teve depressão!?”. Eu confirmei. Aí ela falou: “Que bom que agora eu sei disso. Você ficou muito estranha naquela época. Eu tinha medo de você”. Outra filha, hoje com 4 anos, recentemente pegou no meu seio e falou: “Esse peito não tinha leite, né, mãe? Só tinha amor. Minha irmã me explicou que, quando a mamãe tá muito triste e preocupada, não tem leite”. Conversar com as crianças abertamente sobre o que aconteceu comigo, aumentou ainda mais a nossa conexão. 


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Até o nascimento dos gêmeos, eu achava que ser mãe era se anular em nome dos filhos. Eu achava que tinha que corresponder aos padrões inalcançáveis que a sociedade impõe sobre a maternidade. Tem que ter parto normal na floresta, tem que amamentar por 5 anos… Tá cruel demais! A depressão, no fundo, me salvou, porque eu me libertei dessas cobranças. Hoje, eu vejo a maternidade como um portal de cura. Eu sou grata por ter tido apoio e acesso ao tratamento. Eu sou grata por poder viver a benção de ter o meu trevo de quatro filhos por inteiro. 


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Leandro Karnal: O depoimento da Thaís é muito interessante. Ela é médica, ela tem informações, ela é preparada pra enfrentar as questões biológicas e psíquicas da maternidade e, mesmo assim, ela se viu envolvida em processos com reações que ela desconhecia nela mesma. Por um lado, uma excessiva dedicação à maternidade, uma quase obsessão em ser uma mãe perfeita. E depois a experiência da depressão pós-parto.


Isso mostra que não depende muito da formação da pessoa, não são as pessoas ignorantes que vão ter depressão pós-parto, qualquer ser-humano, qualquer mulher está submetida a esse risco. Uma das coisas que pode ajudar a superar essa expectativa excessiva é não comprar aquele modelo de que ser mãe é tudo, você vai ser feliz o tempo todo e se você não for perfeita isso vai ser o caos. É preciso incorporar a imperfeição, saber que você vai amar seu filho, vai ser um ser especialíssimo na sua vida, mas você continuará sendo uma mulher, uma profissional, e tem direitos a ter alguns momentos em que você não queira estar 100% do tempo com seu filho.


Isso é saudável, é saudável querer de vez em quando algum afastamento. Cumprir suas funções de cuidado, de alimentação, de defesa de uma criança, mas também saber que a criança precisa de um espaço e você precisa de um espaço. Não há problema em, de vez em quando, não ser uma mãe perfeita e não incorporar essa ideia falsa de que a maternidade é um mar de rosas, uma felicidade total e a negação de um ser-humano, a mulher, pra que ela seja a mãe ideal, a mãe dos sonhos. Isso é falso, e pode ajudar a provocar uma depressão muito grande. 

 

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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.


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