Para Inspirar
O segundo episódio da décima sexta temporada ouve a história dos encontros da fé de Pai Denisson e Mãe Kelly.
11 de Agosto de 2024
Na primeira vez que eu entrei no terreiro, eu falei em voz alta para o Pai Denisson: “Eu me encontrei. O meu lugar é aqui”. Como eu tenho mediunidade de clarividência, eu sentia e via as entidades presentes naquele terreiro. O mesmo homem de traços indígenas que eu vi na porta da sala da faculdade estava ali. Eu me assustei e descobri que aquele homem era o Caboclo das Sete Encruzilhadas, uma entidade que trabalha com as forças da natureza e com o conhecimento em todos os sentidos.
Eu sentei num banquinho de madeira e senti a espiritualidade à minha volta. Senti uma explosão de paz e alegria dentro de mim. Pela primeira vez, todas aquelas manifestações que aconteciam comigo desde criança me fizeram sentido. E a umbanda me completou naquele momento e me completa até hoje.
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Pai Denisson: A umbanda me encantou pela forma como eu fui acolhido pelo terreiro. Nunca me perguntaram qual era a minha profissão, quanto eu ganhava. Nunca me pediram nenhuma contribuição. Eram pessoas muito simples, que me colocaram debaixo da asa, sem querer nada em troca. Era um altruísmo puro. Eu me senti visto como um ser humano, e esses valores me preencheram.
Aos poucos, eu fui entendendo que a umbanda é a manifestação do espírito para a prática da caridade. A gente entende a caridade da maneira mais vasta possível, no sentido de acolher, não julgar, propagar a fé, alimentar e socializar. A umbanda é como o povo brasileiro: miscigenado. Ela é a primeira religião considerada 100% brasileira, e ela mistura saberes indígenas, africanos e europeus.
Se a gente pegar os povos originários, eles manifestam a espiritualidade através de ritos de passagem, de ervas, de vegetais e de minerais. Os africanos trouxeram o conhecimento das oferendas, da boa fé, da liberdade, da música, dos orixás, que são forças da natureza. Dos europeus vieram a feitiçaria, as velas e o estudo da vida após a morte.
Mãe Kelly: Na medida que a gente foi se envolvendo com os estudos da umbanda, começamos a explorar também outras formas de espiritualidade. Eu e o Pai Denisson viajamos em busca de conhecimento para o Tibete, Nepal, China, Índia, México, Egito, Israel, Peru e outros lugares sagrados. Buscamos conhecimento em contato com templos e os sacerdotes do budismo, do islamismo, do xintoísmo, do catolicismo, do judaísmo, do espiritismo e dos povos originários.
Com estas vivências, cada vez mais sentimos que as religiões tinham sinergia com a umbanda. E em vários lugares a gente recebeu sinais de que a gente tinha um caminho espiritual para trilhar. Em 2015, nós fundamos o Instituto CEU Estrela Guia. Desde o primeiro dia, em nosso espaço sagrado, conhecido como terreiro, buscamos o equilíbrio entre a mente e o coração, entre a razão e a emoção e entre o pensar e o sentir, com o compromisso de buscar e compartilhar conhecimento.
O trabalho social faz parte de todas as atividades do Instituto. Através de distribuição de alimentação de pessoas em vulnerabilidade alimentar e social. Hoje a gente doa diariamente comida para cerca de mil pessoas em situação de rua e em comunidades carentes. E a gente também desenvolve cursos de culinária, de reaproveitamento de alimentos para pessoas em vulnerabilidade social e alimentar.
O desenvolvimento do corpo mental acontece por meio dos cursos de Teologia da Umbanda, vivências de ervas e cristais. E o desenvolvimento do corpo espiritual, através dos ritos das giras, ritual para realização de trabalhos espirituais por meio de médiuns incorporando entidades.
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Pai Denisson: Junto com os nossos trabalhos, começaram também os episódios de intolerância religiosa, que hoje a gente chama de racismo. Eu sempre uso o filá, que é um tipo de chapéu que os sacerdotes de umbanda colocam na cabeça. O filá, na realidade, é um acessório do islamismo que foi incorporado por religiões de matrizes africanas.
Só por causa desse chapéu, eu recebo olhares de reprovação. Quantas vezes a gente distribui comida e as pessoas falam assim: “Ah, é comida da macumba. Não quero”. Uma vez, era dia 12 de outubro, e a gente estava distribuindo doces paras crianças na rua. A Polícia Militar abordou a gente com armas em punho. Do outro lado da rua, tinha um pastor evangélico dando marmitas sem ser incomodado.
Em outra ocasião, o nosso terreiro foi invadido. Cortaram os fios da instalação elétrica, que são de alta tensão, e deixaram atrás de uma árvore. Quem tocasse morreria na hora. Cortaram nossas plantas, que para a gente são sagradas, quebraram nossos objetos religiosos e destruíram nossas oferendas.
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Mãe Kelly: O meu primeiro episódio de intolerância religiosa foi dentro da minha família. Meus familiares não aceitaram a minha escolha. A minha mãe não chegou a saber que eu tinha me tornado umbandista. Em 2009, após uma cirurgia ela ficou em coma vegetativo, que durou 14 anos. Quando ela desencarnou, eu como Sacerdotisa me ofereci para fazer os ritos fúnebres, mas a minha família não permitiu.
Então, o Pai Denisson pediu para o padre Júlio Lancellotti, que é nosso amigo, realizar esses ritos fúnebres, e ele aceitou o convite. Eu acredito que a minha mãe não teria tido a mesma atitude. Afinal, foi ela quem me ensinou o conceito de tolerância. Minha mãe também me ensinou a fé, a lutar pelos meus propósitos de vida e a respeitar a todos... A Umbanda é uma religião livre, nossos mentores e guias nos oferecem o que há de melhor para nossas vidas, respeitando nosso livre arbítrio.
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Pai Denisson: Quando a gente está aberto para o outro, a gente para de se prender às nossas crenças limitantes. As religiões são criações humanas. A vida nos dá chances de aprendizado de diversas formas, não somente pela religião. Deus é uma energia que a gente acessa através do amor, não através do julgamento. Se a Terra é só um pontinho no universo, quem sou eu para dizer que eu sou melhor do que o outro?
Já passou da época da gente superar conflitos religiosos. Imagina se Deus quer conflito em nome dele? Deus nos dá determinadas liberdades para que a gente tenha opções. Se a gente não tivesse liberdade, Deus seria um tirano. Os caminhos e as encruzilhadas servem pro nosso desenvolvimento. Todo ser humano tem algo a nos ensinar.
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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.
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Para Inspirar
Inspirados no episódio de Mariana Kupfer, investigamos a maternidade solo opcional no Brasil, seus números e os propósitos dessas mães
7 de Outubro de 2020
Quando se fala em maternidade solo, tristes imagens povoam o nosso imaginário. Isso porque, segundo levantamento do IBGE, mais de 80% das crianças brasileiras têm uma mulher como principal responsável - e 5,5 milhões delas não têm o nome do pai no registro de nascimento. Essa realidade tão difícil e recorrente acomete, sobretudo, as mulheres mais pobres, que não escolheram estarem sozinhas, mas sim, foram abandonadas pelo pai da criança.
Mas e quando a maternidade solo é uma opção pessoal? Como vimos
no episódio da apresentadora Mariana Kupfer
na segunda temporada do Podcast Plenae - Histórias Para Refletir,
a ciência pode ser a principal parceira da mulher nessas circunstâncias, e hoje há diferentes opções de caminhos que ela pode tomar para realizar o sonho da maternidade.
Parte-se do princípio de que instinto pertence a ordem do biológico, portanto, é um impulso interior incontrolável e inconsciente, muito relacionado às necessidades da sua sobrevivência ou da sua espécie. Sendo assim, o instinto materno como verdade absoluta e irrefutável vem sendo contestado em algumas instâncias.
“A maternidade envolve uma série de estruturas como política, economia, cultura. A psicanálise não acredita no instinto materno, mas sim na pulsão, que atravessa o âmbito dos nossos mais íntimos desejos” explica a psicanalista e pesquisadora de comportamento, Luisa Lancellotti. “A gente vai falar que a mãe nasce junto com o bebê, pois sem ele, ela não poderia ser mãe - seja ele adotivo, biológico ou de consideração. Portanto, trata-se de uma construção” diz.
Esse nascimento da mãe se dá antes mesmo do nascimento desse filho. Pela nossa cultura, ela já começa a nascer a partir do resultado positivo do exame, na sexologia e até mesmo na escolha do nome ou no momento de decorar o quarto. “Se eu posso escolher ser mãe, algo me diz que isso passa pelo desejo, então não há um instinto - se não, todas as mulheres gostariam de ser e a gente vê na clínica que isso não é verdade” explica a psicanalista.
E por onde esse desejo interno em ser mãe que algumas mulheres nutrem passa internamente? “Essa questão é infinita, pois a pulsão não tem um objeto fixo, diferente de um instinto. Pode ser por cuidado, pode ser uma questão de reparação da própria infância, diz respeito somente a vida daquela pessoa, portanto, não existe uma resposta fixa. E não cabe a nós debater esse porquê, mas sim entender que ela tem esse direito de decidir.” comenta Luisa.
Sendo assim, o “ser mãe” vai ter um significado próprio, diferente para cada uma. Por isso mesmo, a psicanálise defende que não existe uma mãe ideal, mas sim uma mãe possível. “Esse conceito foi condenado por anos, mas na realidade ele traz liberdade, pois as mães sempre se sentiram muito culpadas por tudo. Além disso, a sociedade não pode dizer o que é bom e o que é ruim, até porque não conhecemos a vida dessa mãe e como ela exerce essa maternagem dela.”
Também amplamente discutido pela psicanálise, as figuras maternas e paternas, diferentemente do que se pensa, não representam pessoas necessariamente, mas sim, funções sociais. A figura materna pode ser exercida pela mãe, por uma avó, por uma enfermeira - e até mesmo por alguém do sexo masculino.
Isso porque essa pessoa é quem investirá o que os estudos psicanalíticos entendem por libido, que é essa energia e cuidado que a espécie humana literalmente necessita para sobreviver nos primeiros anos.
O problema é que o bebê se torna tão dependente dessa conexão que, muitas vezes, se confunde com essa “mãe”. “É muito gostoso fusionar com a mãe, seria ótimo se pudéssemos viver com aquele cuidado incondicional (considerando a perspectiva do bebê) da primeira infância, mas isso é nocivo a longo prazo” explica.
E é aí que entra a figura paterna. “Ela funciona como uma intervenção, uma possibilidade de enxergar outras perspectivas, e pode ser representada por qualquer pessoa, não necessariamente um pai” explica Luisa. Na literatura, essa figura paterna pode ser um chefe ou até mesmo a lei, por exemplo, pois ambos representam essa ruptura e castração.
O importante é que essa criança tenha contato com vários tipos de cuidado, porque isso a fará mais criativa e espontânea. “Em algumas tribos africanas, durante muitos anos, a criança era criada pela tribo inteira. Isso fazia com que ela circulasse esses vários universos e cuidados e se adaptasse melhor” conclui a psicanalista.
Valendo-se do princípio de que a maternidade é um desejo e uma escolha individual de cada mulher, e de que ela é completamente apta a desempenhar essa função sozinha se esse for o seu desejo, quais são os caminhos que ela poderá tomar a partir dessa decisão?
A adoção é, evidentemente, um dos caminhos possíveis para essa mãe. Mas se o seu desejo for a gestação, a reprodução assistida, que muitas vezes é uma opção também de casais - neste caso, que enfrentam alguma dificuldade reprodutiva - pode ser um dos caminhos.
“O primeiro passo é o check-up completo, para analisar a saúde da paciente. O segundo, se for uma reprodução independente, é escolher o sêmem no banco, seja nacional ou internacional” explica o doutor Dani Ejzenberg, ginecologista e obstetra, especializado em reprodução assistida.
Uma vez escolhido o sêmem, ela poderá optar por dois caminhos: a inseminação intra uterina, que é um caminho mais simples e possui uma taxa de sucesso de 12 a 15% por tentativa, ou a fertilização in vitro, que possui uma taxa de sucesso maior, de 50 a 60% - a depender de sua idade ou da sua doadora.
A inseminação é quando o espermatozoide é colocado no corpo dessa mulher para que ele siga de forma natural ao seu óvulo. Já a fertilização in vitro é quando esse processo de fecundação acontece em laboratório e, posteriormente, esse óvulo é colocado dentro da mulher que irá gestá-lo.
“Os tratamentos de reprodução assistida têm um risco muito reduzidos, apesar de não inexistentes. As maiores complicações que elas podem enfrentar são provenientes de suas gestações avançadas, que já poderiam acontecer de qualquer maneira” explica Dani. Isso porque, segundo ele, a maioria das mulheres que procura esse tipo de método, já ultrapassou os 40 anos de idade.
Segundo o doutor, a procura pelos métodos têm aumentado cada vez mais. As mulheres solteiras ainda não são maioria, mas já representam uma parcela significativa delas. “Em geral, são pacientes já estabelecidas profissionalmente, com boa condição social, já passaram dos 35 anos, tiveram relacionamentos não frutíferos e agora se consideram maduras o suficiente para engravidar” explica.
E esse pai costuma fazer muita falta? “Não, pois em geral, as famílias apoiam e são parceiras, que acabam desenvolvendo esse papel. Mais importante do que um pai, é essas mulheres terem uma rede de apoio, pessoas que vão desenvolver papéis importantes na educação dessas crianças”. Se lembra da figura paterna que explicamos? Pois bem.
“A legislação brasileira é uma das mais liberais do mundo, e permite que a pessoa sozinha possa ter filho, tanto homem quanto mulher. Uma pessoa gestar pra outra no Brasil também é permitido, se for feita de forma voluntária e não cobrada, e pode-se adotar sozinho também” diz o doutor. Há diversos caminhos para se ter filhos, mas somente você poderá decidir isso.
Sendo assim, fazemos das palavras de Mariana Kupfer, as nossas. “Mãe não é um estado civil, é um estado de amor”. É uma escolha pessoal e um papel que pode sim ser desempenhado individualmente - quando ele se trata de uma opção. Tem a ver com o seus desejos e propósitos e, ainda assim, toda mãe é ótima dentro de suas capacidades, porque mais importante do que a perfeição, é o amor investido.
Confira os dados a seguir:
- Esses dados abrangem mães solos por opção, por abandono e ainda as viúvas;
- A fertilização in vitro é, dentre as opções médicas, a mais segura em taxa de sucesso;
- O Brasil é um dos nomes mais importantes na prática da fertilização - mas por aqui, ainda é bem caro;
- Fatores culturais e êxito na carreira fazem com que mulheres de todo o mundo adiem o momento da gestação.
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