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Por que o estresse é contagioso?

Conversamos com uma neurocientista para entender o mecanismo científico por trás do estresse e porque ele acaba contagiando o ambiente

29 de Maio de 2024


Não é papo pseudocientífico: o estresse realmente pode ser contagioso. E não se trata de energia negativa, tapar o umbigo ou coisas do tipo. Trata-se de um mecanismo de defesa do nosso corpo que veio com a evolução da nossa espécie, mas que ainda não é capaz de identificar nuances muito discretas e acaba absorvendo todo tipo de estímulo.

Conversamos com a neurocientista e uma das fundadoras da consultoria organizacional Nêmesis, Ana Carolina Ferraz Mendonça de Souza, para entender um pouco mais sobre esse processo. Mas, vamos por parte: o que é o estresse, afinal? Vamos te explicar a seguir.

Não é só uma irritação


O estresse é, antes de mais nada, uma reação natural do organismo que acontece quando vivenciamos ou nos vemos diante de situações de perigo ou ameaça, como explica o Ministério da Saúde. Esse mecanismo é o responsável por nos colocar em estado de alerta e isso acaba provocando alterações físicas e emocionais. 

Ele ainda pode ser agudo - quando é mais intenso, curto e causado normalmente por uma situação traumática, mas passageiras; ou crônico, o tipo que afeta a maioria das pessoas, sendo constante no dia a dia, mas de uma forma mais suave. Há ainda três fases em que ele se desenvolve:

  • Fase de Alerta: é o momento exato de quando o indivíduo entra em contato com o agente estressor. Nessa etapa, é comum sentir mãos e/ou pés frios, boca seca, dor no estômago, suor, tensão e dor muscular, diarreia passageira, batimentos cardíacos acelerados, respiração ofegante, etc.

  • Fase de Resistência: é quando o corpo e a mente tentam voltar ao seu equilíbrio, se adaptando ao problema ou eliminando-o. Aqui, você pode sentir problemas com a memória, formigamento nas extremidades, sensação de desgaste físico constante; mudança no apetite e problemas de pele; hipertensão arterial e gastrite prolongada, sensibilidade emotiva excessiva, que leva a uma obsessão com o agente estressor, falta de libido, etc.

  • Fase de Exaustão: e é aqui nessa fase que podem surgir diversos comprometimentos físicos em forma de doença. As diarreias se tornam frequentes, assim como as dificuldades sexuais e a insônia. O formigamento nas extremidades continua e tiques nervosos podem surgir. A hipertensão arterial é confirmada e os problemas de pele podem se intensificar. Há uma mudança extrema de apetite, tontura frequente e a úlcera pode dar as caras. Pesadelos, apatia, irritabilidade e angústia constante, perda do senso de humor: tudo isso traz uma impossibilidade de trabalhar e levam a um cansaço excessivo. 

“Quando você estuda respostas defensivas, percebe que existem respostas clássicas defensivas. A resposta ao estresse tem uma complexidade maior, mas ela também seria uma não deixa de ser uma resposta emocional, e nesse caso é a um perigo real ou potencial”, comenta Ana Carolina. 

Segundo a especialista, essa resposta tem características tanto físicas quanto psicológicas, pois ambas se misturam. “Há de se levar em consideração também o tipo de estresse. O psicossocial, por exemplo, vai gerar na grande maioria das pessoas, inclusive em outras espécies, uma resposta que é ligada ao hormônio cortisol e que geralmente leva a uma aceleração da frequência cardíaca. Mas existem variações conforme o perfil das pessoas e que pode estar ligado à maneira como ela aprendeu a lidar com essa situação”, explica Ana. 

Algumas pessoas ficam caladas, irritadas, paralisadas ou explodirem. Há quem vai ter úlcera, há quem vai ter processo alérgico ou aumento de pressão, dores de cabeça,
problemas de pele como te contamos nessa matéria e há até quem apresente dor na garganta. Tudo irá depender da resposta que o corpo dessa pessoa irá apresentar.

“Quando o seu corpo está estressado, ele ativa o seu sistema de defesa e se prepara para um risco à sobrevivência. A gente tem que se preparar de forma coerente com a ameaça. O que você precisa fazer nesse corpo para reagir? Você não vai vomitar porque você vai ser assaltado. Então essa coisa de qual será a resposta mexe com quase toda a sua fisiologia. E por isso que quando as pessoas ficam doentes pelo estresse, geralmente a gente fala de esgotamento”, diz.

Por que o estresse é contagioso?


A resposta ao estresse não é exclusivamente nos humanos e é observada em diversas espécies de animais,
como conta esse artigo do National Geographic. Os motivos são diferentes dos nossos, mas não tão distante: não há estresse por trânsito, mas há estresse por privação de sono, por exemplo, que também nos afeta, ou excesso de barulho. 

E a questão desse estresse ser contagioso também não é exclusiva dos humanos. “Quando a gente entra num ambiente cujo clima está pesado, você sente. Como é que a gente sente o que o outro sente? Por meio do neurônio espelho. Quando falamos deles, iremos olhar para várias possibilidades de espelhamento, desde a ativação da sede quando vejo alguém beber um copo de água, uma vontade de bocejar ao ver o outro, o riso e, porque não, a tristeza. E isso acontece para que eu saiba o que está acontecendo com você, me dá a dimensão do contexto e me permite interpretar a situação”, explica Ana Carolina.

Esse processo, portanto, acontece para que a gente consiga se moldar à reação do outro e se adaptar às situações do cotidiano. Trata-se de uma capacidade evolutiva do ser humano para prever possíveis ataques, por exemplo, mas trazendo para um contexto moderno, os ataques são muito diferentes daquele que nossos antepassados estavam acostumados.

“É como se meu cérebro precisasse ativar esse simulador para então ativar os meus circuitos e reconhecer a sua ação. Isso também vale para as emoções. Quando eu vejo você fazer uma expressão de nojo, eu reconheço que é nojo, porque no meu cérebro as regiões responsáveis pela resposta de nojo foram ativadas. É assim que funciona a empatia”, conta. 

Neste artigo,
te contamos como nasce a empatia e como é possível aumentá-la. Nesse outro, diferenciamos a empatia da simpatia, que apesar de serem parecidas, exercem papéis diferentes quando aplicadas na sociedade. A verdade é que a empatia não é necessariamente fazer o que o outro quer e é muito mais complexa do que isso. Ela é um dos nossos processos fundamentais como espécie social, para que haja relação social. 

“A gente precisa ser capaz de se conectar o tempo todo com os outros para que a comunicação entre os indivíduos funcione e para que a gente possa se relacionar de maneira eficiente. Quando eu sei que você está de um jeito, eu me posiciono em relação a isso de uma maneira diferente, falo com você de um jeito diferente. E a partir disso que a gente tem inclusive emoções sociais, como a justiça, o altruísmo, a reciprocidade, entre outros”, pontua a neurocientista.

Portanto, esse contágio que muitas vezes é visto como algo ruim, tem na realidade o seu ponto bastante positivo. Mas, sabemos que isso interfere na nossa qualidade de vida, quando há situações, por exemplo, em que você se contagia com o estresse alheio e não pode simplesmente mudar de ambiente. O que é possível ser feito?

“O que transforma em algo negativo é quando se dá em uma frequência exagerada, que vai gerando desgaste do corpo, que não foi preparado para viver em sinal de alerta e sempre se defendendo. Esse contágio é disfuncional, porque a gente não está reagindo a uma ameaça concreta, a gente está reagindo ao medo de que algo possa acontecer. Essa capacidade dos humanos de antecipar problemas, que é uma vantagem num cenário de muita pressão, se torna negativa”, pontua.

Caminhos para não se estressar


É praticamente impossível em nossa sociedade não se estressar, ainda que momentaneamente. Inclusive,
nessa matéria te ensinamos como esse sentimento pode se tornar seu aliado, já que é muito difícil não senti-lo, ainda que sejam os microestresses, que também já falamos por aqui. Mas o que fazer em relação ao contágio, ou seja, uma carga emocional que nem sequer é sua? 

“No mundo ideal, se afastar do agente estressor seria o melhor caminho, então a primeira recomendação sempre é entender se você consegue cortar o contato com essa fonte de estresse. Se não for, você pode procurar meios de se adaptar, afinal, o ser humano é adaptativo e aquilo em algum momento deixará de ser estressante, porque você vive todo dia, da mesma forma que você para de sentir o cheiro do seu perfume ou para de sentir a roupa em contacto com o seu corpo. Como é frequente, a tendência do cérebro é que ele pare de prestar atenção”, diz Ana.

Se mesmo assim você não conseguir relevar, você pode tentar usar a inteligência emocional a seu favor, ou seja, mudar a sua relação com essa situação e entender o porquê do seu corpo estar reagindo tanto a essa “ameaça” que até agora não realmente te feriu. 

Entender que tudo aquilo não é real e até buscar respostas mais objetivas ao seu medo pode ser um caminho vantajoso nesse processo. A psicoterapia, nesse momento, é uma grande aliada nas releituras de situações que já estão impostas e talvez não mudem, mas demandam que você mude diante delas - como faziam os
estoicos, filosofia que te contamos melhor por aqui. 

Por fim, buscar formas de canalizar esse estresse e relaxar depois é a última dica. “Se eu tenho uma situação crônica de estresse, eu preciso inserir na minha rotina elementos relaxantes e prazerosos de forma que eu possa equilibrar a fisiologia do meu corpo que foi toda alterada, como um aumento de frequência cardíaca, por exemplo. O exercício físico ou qualquer outra atividade que você goste e que irá ocupar a sua mente, liberando toda aquela tensão acumulada, são bem-vindas aqui”, finaliza a especialista.

Agora, é só pensar no que você pode mudar na sua rotina e respirar fundo, pois a respiração, não se esqueça, também ajuda e muito nesse processo. O seu corpo é inteligente e venceu mesmo seus piores dias. É só uma questão de recalcular a sua rota!

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"Na modernidade, você vale menos quando envelhece", diz Pondé

Em encontro realizado em São Paulo, filósofo refletiu sobre a contradição entre a longevidade e a desvalorização do velho na sociedade

3 de Outubro de 2019


O advento da longevidade, por si só, já deveria despertar um olhar sobre esse tema com reverência e cuidado, na opinião do filósofo Luiz Felipe Pondé. “Nós, como espécie, não estamos acostumados a envelhecer. Há mil anos, uma menina menstruava e já era o que a gente chama de adulta. Hoje a idade adulta chega lá pelos 35 anos”, afirmou ele no primeiro dos quatro encontros denominados Uma reflexão sobre o envelhecimento , realizado na plataforma de conhecimento M.inq , em São Paulo, em setembro. Confira alguns destaques de sua palestra.

Conflito entre corpo jovem e velho

Um dos temas mais contraditórios do envelhecimento é: na medida em que a gente vive mais, mais o envelhecimento é recusado como objeto psicológico, cultural e histórico. Se esse objeto é de recusa e negação, cria-se no seio da experiência humana contemporânea uma contradição quase insuperável, que chamo de o conflito entre a juventude e o envelhecimento do corpo.

De um lado, você vai envelhecer. Do outro, tudo o que você não quer é envelhecer. Percebe a contradição? A modernidade nos leva a viver mais, por causa da medicina, mas ela mesma desvaloriza a longevidade. Isso é fato concreto. O idoso vai paulatinamente virando alguém que está ali, mas na verdade não está. O mecanismo de produção do mundo na experiência moderna pressupõe que você vale menos quando envelhece.

Sei que tem um monte de marketing por aí que fala o contrário, mas é mentira. Você vale menos. Um dos argumentos possíveis para a diminuição do valor dos idosos é porque agora eles são maioria. Antes, era raro chegar aos 40 anos. Hoje, qualquer pessoa minimamente razoável consegue sobreviver.

Medo de envelhecer

A única forma de enfrentar o envelhecimento é através do amadurecimento. Parece óbvio, mas esse não é o tipo de investimento que a gente faz no sentido cultural. O que a gente tem feito é transformar a vida em uma espécie de evento em que você é eternamente jovem dentro dele.

Não acho que a gente faça isso porque é um bando de idiotas, mas porque tem medo. O amadurecimento implica a assimilação dos aspectos sombrios do envelhecimento, como doença, morte e perda de pessoas. No entanto, vivemos em uma época em que a tendência a eliminar a integração dos aspectos sombrios é enorme, começando por dizer que eles não são sombrios. Essa negação me parece um ataque frontal a qualquer possibilidade de amadurecimento.

Velhice como doença

Há uma mudança de paradigma da ideia de envelhecimento, que é tirá-lo da chave de processo natural e colocá-lo na de patologia. É um tema científico, mas me pergunto se ele já não está instalado na nossa forma de ver o envelhecimento, ou seja, a ideia de que envelhecimento não é natural, nem uma fase da vida, mas uma doença que você não conseguiu evitar. Nessa ideia, o envelhecimento é algo indesejável, contra o qual se combaterá até o fim.

O argumento de que o envelhecimento é doença coloca em xeque a ideia de encontrar sentido no envelhecimento. Qual é o sentido da vida humana? No sentido mais imediato da expressão, o sentido da vida humana é a morte. É por isso que muito filósofo já escreveu sobre o assunto, como Jean-Paul Sartre, em O Ser e o Nada , e Martin Heidegger, em Ser e Tempo. Tem um texto do filósofo alemão Walter Benjamin chamado A morte do narrador.

No mundo moderno e contemporâneo, o narrador é compreendido como aquela pessoa que vivia várias épocas e gerações. No sentido filosófico, o narrador da vida é aquele que está no lugar de quem sabe mais. Mas essa ideia de que pessoa que vive mais sabe mais está sob forte ataque. Os mais velhos estão alienados de um processo que está acontecendo no mundo, onde quem sabe o que está acontecendo são os mais jovens.

Envelhecer bem custa caro

A longevidade é construída numa série de exames, tratamentos, alimentação, disciplina e busca de sentido. Existe uma dimensão material no envelhecimento, que faz com que pessoas com melhor condição financeira vivam mais e envelheçam com mais qualidade. Quanto mais pobre é, pior envelhece. Algumas pessoas resolvem lidar com o envelhecimento investindo nelas mesmas. Elas não têm filhos, ou têm poucos filhos. Para as mulheres, essa opção ainda evita a gravidez e os problemas físicos decorrentes dela.

Avós em extinção

A figura clássica da avó vai desaparecer, porque não necessariamente mulheres mais velhas quererão desempenhar esse papel. Aos 60 ou 70 anos, elas vão estar por aí querendo ser felizes. Querem viajar, conhecer pessoas, quem sabe ter mais experiências sexuais, não tomar conta do neto porque a filha resolveu trabalhar. Querer que sua mãe não tenha vida para cuidar do seu filho é, por si só, uma forma de exploração do outro. As avós que farão isso são aquelas que terão menos vida para elas mesmas.

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