Entrevista com

Maria Lygia Molineiro e Mariana Nastri

Psicólogas e fundadoras da Voc Talentos

Orientação vocacional: quando procurar essa ajuda?

Conversamos com as fundadoras da Voc Talentos, Maria Lygia Molineiro e Mariana Nastri, sobre essa área mais complexa e completa do que se imagina.

21 de Maio de 2024



Ao longo da sua vida, sobretudo em sua época de vestibular, você deve ter ouvido falar em orientação vocacional. A área responsável por ajudar as pessoas a encontrarem suas vocações com base em suas habilidades e áreas de interesse ainda gera dúvidas e até um certo estigma. 

Buscando tornar esse assunto mais próximo do nosso público, fizemos um Plenae Entrevista especial e em dose dupla: entrevistamos Maria Lygia Molineiro e Mariana Nastri, psicólogas e fundadoras da Voc Talentos, uma consultoria focada em conectar as pessoas com seu futuro por meio de programas de recrutamento e seleção e programas de orientação. O resultado você confere a seguir!

É curioso quando você decide fazer da sua carreira um trampolim para a carreira dos outros. Então como foram os caminhos de vocês até chegarem em orientação vocacional?


Maria Lygia: Meu processo teve um início interessante, porque eu pessoalmente passei por um processo de orientação vocacional em 1970. Eu fui levada pela minha avó, que era uma pessoa muito visionária, vim do interior para São Paulo e me encantei por essa abordagem, pelo autoconhecimento, e descobri a psicologia. Depois disso, eu trabalhei em diferentes áreas, incluindo uma empresa de desenvolvimento de pessoal que focava em busca de desenvolvimento, de talentos, de adequação, de perceber que nem todo mundo pode fazer qualquer coisa, mas que tem coisas onde o fluxo. Na clínica, atendi adolescentes. Tudo isso culminou para onde estou hoje. 

Mariana: Eu também sou psicóloga e trabalho já há 15 anos com recrutamento de seleção. Sempre trabalhei nessa área prestando consultorias e assessorando várias empresas. Com isso eu fui entendendo um pouco de como que funcionam os mercados, as áreas e que perfil é mais aderente com cada tipo de negócio, além das profissões que estão surgindo no mercado. E aí as pessoas naturalmente sempre me procuraram para entender também e para fazer mentoria de carreira. Aos poucos eu fui atendendo bastante gente, cada vez mais. E aí a gente resolveu criar a nossa própria metodologia, em um processo que auxilia muito as pessoas a realmente encontrarem a sua verdadeira vocação.


E quando o caminho de vocês duas se cruzaram?


Maria Lygia: Eu conheci a Mariana muito jovem, no início da carreira dela, e ela estava começando a fazer orientação vocacional. Por coincidência, ela veio para Sorocaba, a cidade onde eu morava. Aí nós começamos a trocar, eu dava uma supervisão nos casos que ela atendia e fomos criando uma relação profissional durante a pandemia. Nós fomos meio que instigadas a desenvolver uma forma nova de olhar para a orientação e tivemos que trabalhar no mundo digital. Foi essa nossa relação inicial, de supervisão e depois nos tornamos associadas.


Qual é o trabalho exato de um psicólogo que faz orientação vocacional? O que difere das outras abordagens terapêuticas?


Maria Lygia: Olha, eu acho que talvez o ponto que nos diferencie é que tanto o adolescente como um jovem ou um adulto que estão em busca de discutir e poder refletir sobre o seu encaminhamento profissional, todos eles têm uma questão em comum: como é que eu vou desenhar minha carreira, meu caminho? 

Porque se trata de um caminho, né, que ele vai percorrer e essa escolha inicial é muito importante. Então acho que a diferença é esse enfoque, essa ênfase que a gente dá para o autoconhecimento, trazendo essa reflexão através de algumas provocações e ferramentas, com uma metodologia para que isso se consolide dentro de um processo. 

Então nosso trabalho é um processo que tem começo, meio e fim, mas ele tem uma intensidade e um aprofundamento importantes, com ganhos a longo e médio prazo. O objetivo é ajudar a pessoa a conhecer mais sobre ela mesma, ter nossos insights, uma nova percepção e sobre o caminho também que ela vai escolher e traçar e vamos sendo facilitadores desse processo.

Durante essa consulta, perguntas familiares e mais pessoais também surgem, como em outras abordagens terapêuticas?


Mariana: Existe também, tanto que quando são jovens, os pais vêm no primeiro encontro e no último encontro também. Então a gente entende a história familiar, desenvolvimento motor, intelectual e interesses. Desde criança a gente investiga toda a história familiar, momentos importantes da trajetória dessa pessoa, o que a família já percebia desde criança. 

E a gente investiga esse tripé que é interesse, habilidade e aspectos de personalidade. Com a ajuda das ferramentas digitais que desenvolvemos e que dialogam muito bem com os jovens e com as pessoas que estão no mercado, dá pra escalar e consegue atingir nível Brasil.

Maria Lygia: É muito importante essa pergunta, porque o contexto que esse jovem vivia é muito importante, as influências, essas expectativas. É muito grande o número de jovens que muitas vezes vão para uma faculdade e percebem não terem afinidade com o curso. Então a gente pergunta “o que será que te trouxe até aqui?”. 

E muitas vezes foi uma influência da família e às vezes coisas que não são assim explicitadas. Não é que alguém falou “vá fazer tal curso”, mas são os valores da família que influenciaram. Poder dialogar sobre isso, poder entender também esse contexto e quem são esses pais, quais são as expectativas, isso tudo é muito importante. 

O que os colégios fazem é uma mostra de profissões, uma feira de profissões. Só que aí o jovem fica encantado pelas faculdades, mas essa etapa que é olhar para dentro, não é feita. Então acho que o nosso trabalho tem 2 pés: um de dentro, que é o trabalho de autoconhecimento e entender todas essas influências; e um pé de fora, que é esse olhar que se abre para o mundo a partir desse entendimento.


Indo para a prática, o que vocês fazem para criar essa ponte entre o paciente e sua área de interesse?


Mariana: A gente busca conexão com o mercado, marcamos conversar com profissionais das áreas que têm a ver com o perfil do orientando, marcamos visitas em universidades ou em escritórios da área. A gente vai conhecer as profissões a fundo pra não ficar somente no contexto clínico mesmo, sabe?

Vocês acreditam que esse problema de identificação profissional está mais difícil nos dias de hoje? 


Maria Lygia: Existe uma questão que me preocupa bastante. Os jovens de escolas particulares geralmente são os que têm acesso a esse trabalho que fazemos, que é mais individualizado e propõe um nível de discussão mais aprofundado. Mas, nas escolas públicas, cujo encaminhamento muitas vezes é só para as escolas técnicas, acaba deixando uma lacuna tremenda. 

Eu e Mariana nos preocupamos muito com isso, eu fico pesquisando sobre evasão escolar e outras questões de por que os jovens estão fora do ensino. É uma lacuna que tem um impacto até no PIB, porque é que nós não conseguimos formar mais jovens? O percentual de alunos que começam e terminam o ensino médio é muito pequeno, é menor que o do Chile, por exemplo, se comparado com alguns dos nossos vizinhos.

Então porque é que o jovem não fica? Claro que existem dificuldades sociais, mas também uma falta de conexão e de sentido, especialmente no colégio técnico, que poderia ser uma alavanca para o encaixe profissional, porque nós temos muitos colégios técnicos bons. Só que existe uma lacuna entre o que ele está oferecendo e a verdadeira vocação do jovem. A procura pela área de tecnologia é imensa, por ser a área do momento, mas todos se sairão bem nisso e isso gera uma frustração. É determinante a identificação para que haja menos evasão. 

Mariana: Segundo estudos, no Brasil  há 11,5 milhões de jovens na faixa etária de 15 a 29 anos que são “nem nem”, ou seja, nem trabalham nem estudam. E se esse público tivesse mais noções de autoconhecimento e de interesses de produção, talvez eles estariam produzindo para nossa economia, né? E tem um outro dado interessante, que saiu também no Inep em 2019, que é um senso de educação do ensino superior. Segundo ele, 59% dos universitários desistem ou mudam de curso. É um dado gigante sobre evasão que não dá para ignorar e que diz algo.

Qual é o público alvo específico dessa área? Na experiência que vocês têm, o perfil desse paciente é sempre adolescente ou está mudando um pouco e tem vindo mais adultos?


Maria Lygia: nós temos recebido muitos jovens e adultos mesmo, na faixa entre 40 e 50 anos, na faixa de 30 a 40. E olha que interessante, não é porque eles não estão conseguindo trabalho. Muitas dessas pessoas que nos procuram têm um trabalho, têm às vezes uma estabilidade financeira, mas sentem uma falta de conexão. Então fica aquela angústia, né, que acaba se expressando numa desmotivação.

Não por acaso a gente vê tanta gente reclamando de depressão em relação ao trabalho de burnout, porque é difícil você fazer uma coisa que não inspire você, que não faça seu olho brilhar. Isso não significa que quando você encontra uma carreira, você não vai ter problemas ou dificuldades, mas você estará mais fortalecido para lidar com elas. Por isso a gente prefere usar o termo orientação de carreira, porque já não é aquela primeira orientação vocacional para a primeira escolha.

Mariana: É verdade, de fato tem aumentado bastante esse público já formado que está em busca de transição de carreira ou de fazer uma segunda universidade. Isso é também porque as pessoas estão se permitindo a fazer novas escolhas, revisitar aquilo que ela decidiu há 15, 20 anos e que não faz sentido. Ela percebe isso e percebe que gostaria de contribuir mais com o seu conhecimento, interesses, habilidades. O mercado está mais aberto também para essas pessoas que querem se reconectar e começar do zero. 

E você acha que o mundo em si está mais aberto a essa mudança também?


Maria Lygia: Sim, eu acho que o mundo está menos cartesiano nesse sentido. Tem um conceito que a gente trabalha que chama “múltiplos interesses”. Antigamente, a gente tinha perfis muito rígidos, como “um engenheiro tem que gostar disso”. Hoje não, essa multiplicidade de interesse é que traz riqueza para uma organização. 

É interessante que as pessoas gostem de muitas coisas e sejam diferentes entre si, a diversidade é bem-vinda. Muitas vezes a pessoa não se encaixa mais naquele padrão que ela mesmo tinha desenhado, e aí ela precisa se redescobrir para redescobrir formas de se encaixar no mundo do trabalho. É muito legal essa possibilidade, né? De um mundo mais aberto, acolhedor nesse sentido que se enriquece com isso. 

Quais são as principais queixas que vocês recebem atualmente?


Maria Lygia: Primeiro que eu acho que tem um conceito que o jovem tem que lidar, que é um conceito de sucesso, de eficiência. E isso cria uma hierarquia de profissões e alguns mitos. Então, por exemplo, a área de T.I, que é uma área super importante e valorizada, é muito bom poder encaminhar um jovem para as engenharias, tecnologias, entre outros. 

Mas nem todo jovem precisa ir para essa área, e não é porque ele não vai para a tecnologia que ele tem um valor menor. Então talvez essa seja a primeira angústia: se eu quero escolher uma área de humanas, eu já acho que ela é menos valorizada. Então acho que poder resgatar o valor intrínseco de cada carreira, de cada participação, de cada pessoa no mundo todo mundo, é importante. 

Mariana: E para complementar, tem uma questão do jovem que está muito difícil e distante de si mesmo, né? Existe esse padrão de abordagens com remédio, é um jovem que já chega com depressão e muito perdido para nós, e a gente percebe que ele está completamente distante de si e de noções de autoconhecimento.

Ele já não mais se pergunta: o que que me deixa interessado? O que que eu faço que eu não vejo a hora passar? O que que eu faço que eu recebo? Qual foi o feedback positivo que recebi do meu professor, da minha mãe e dos meus amigos? O que é uma habilidade minha e não de uma outra pessoa?

Então, às vezes tem um lógico por conta da maturidade, mas também por conta da gente não ter esse olhar e as escolas às vezes serem muito conteudistas e olharem um pouco para o ser humano na sua individualidade. Isso caba contribuindo para que a geração que já está no mercado de trabalho não abraçar suas múltiplas inteligências, incluindo a emocional. Mas eu acho que com essas discussões todas contribuem para a próxima geração, que vai vir mais com autoconhecimento.

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Entrevista com

Camilla Viana

Psicóloga e mestra em orientação e mediação familiar

Como falar de saúde mental para as novas gerações?

18 de Janeiro de 2021



Saúde mental não é um tema novo - seja para a sociedade, seja aqui no Plenae. Muito se fala sobre o assunto, e é possível perceber alguns avanços, mas ainda há um longo caminho a se trilhar. Isso porque o tema ainda é rodeado de estigmas, tabus e até uma falta de autopercepção genuína por parte dos indivíduos.

Em 2014, criou-se a campanha Janeiro Branco aqui no Brasil, com o intuito de aproveitar as festas do início de ano para trazer à luz a temática. Pensando em tudo isso, entrevistamos a psicóloga e mestra em orientação e mediação familiar, Camilla Viana Gonçalves Pereira, para debater sobre essa questão tão importante e cada dia mais atual. Confira!

Muito se ouve falar em saúde mental. Pela sua percepção, o quanto avançamos no assunto?

A psicologia sofreu um grande preconceito ao longo dos anos, sendo tida como “coisa de louco” etc. Mas acredito que esse ano de 2020, especificamente, conseguimos falar da saúde mental de uma forma muito mais aberta e próxima. A OMS quando fala da saúde mental, coloca que o tema trata-se de um bem-estar físico e social, vai muito além de uma ausência de doença. Com o isolamento, conseguimos perceber que a saúde mental vai muito além de somente uma doença, visto que todo mundo foi afetado de alguma forma. Então a percepção sobre tudo aumentou, o que a gente consome no mundo das redes, no mundo externo. Conseguimos romper com bastante preconceito em relação a profissionais da saúde mental, explorando essas ferramentas de cuidado. Mas é importante frisar que o preconceito em torno da clínica ainda está sendo rompido, é preciso explorar mesmo outras plataformas, ir pra televisão, ocupar canais de entretenimento. Além disso, ela ainda é muito restrita a determinados recortes socioeconômicos, a clínica ainda é muito elitista e bastante restrita. Mas a gente vem rompendo com isso, com vários movimentos de trabalho social, muitas ONGs oferecendo tratamento psicológico gratuito ou preço social, ainda é tudo mais recente.

Estamos mais doentes ou estamos somente falando mais sobre isso?

Responder isso pode ser irresponsável, pois pode ser um julgamento da minha parte. Mas vejo que é um pouco dos dois. Estamos mesmo falando mais disso, dos anos 70 pra cá já começou a se falar. E também tem a questão das redes sociais, a disformia com o uso dos filtros, o burnout, eu vejo que são questões que contribuem para as questões de ordem emocional, ou pelo menos evidenciam-nas. Mas isso não quer dizer que as pessoas já não sofriam por solidão, falta de pertencimento, isso sempre existiu, mas não se podia falar.

Em relação às novas gerações: como criar conteúdo a respeito, baseado na sua experiência? Qual tem sido o retorno?

As pessoas estão muito mais abertas a receber esse tipo de conteúdo, elas sentem que precisam, procuram. De uns anos pra cá, essa noção de saúde mental como loucura tem se rompido muito bem, muito positivamente. Mas, minha percepção nas redes sociais, é que as pessoas gostam de entender qual é o padrão delas, não tanto sobre o tema em geral, mas sim, buscar uma identificação com seus próprios problemas. Elas querem uma solução para romper com o que um dia foi geracional, com o que ela herdou de sua família ou de sua criança interior, melhorar seus relacionamentos, sempre no âmbito do individual. Recebo muito feedback positivo por apresentar a vida real, sem filtro, sendo o que eu sou. As pessoas são carentes de receber essa identificação. Ela chega onde a psicologia paga não pode chegar.

Acredita que campanhas como Janeiro Branco e Setembro Amarelo sejam efetivas?

Tenho medo de fazer algum julgamento, novamente. O Janeiro Branco é um movimento brasileiro, foi criado recentemente (2014) e, desse tempo pra cá, acredito que conseguimos levar isso pro campo mais social, percebo uma grande efetividade. Muitas empresas, inclusive, fazem ações nesse mês, justamente para romper com essa bolha. E o motivo de ser feito em janeiro é porque estamos naquela frustração de não ter cumprido metas anteriores, estamos em momento de fazer novas metas, então ele é muito efetivo quando feito neste início do ano.

Em relação ao Setembro Amarelo, acho que todo movimento é válido e precisa ser feito com responsabilidade, informações adequadas e de forma que possa ser introduzido nas estruturas sociais, não só naquele mês específico. A causa dele é importantíssima, mas já vemos alguns dados não muito positivos, porque o fato de se falar em suicidio de uma forma tão abrangente, pode gerar gatilho em algumas pessoas.

Como buscar o equilíbrio nas pequenas coisas do cotidiano?

Eu vejo que o principal equilíbrio a ser estabelecido é balancear os momentos da vida online e a vida offline, principalmente estabelecendo um limite físico dentro de casa, para conseguir lidar com essa pressão de ser 100% produtivo, porque produtividade é também parar e não fazer nada. Na vida offline, buscar mais qualidade em suas relações com a família e amigos, ter uma alimentação saudável, praticar atividade física, boas noites de sono, buscar ajuda de profissionais - tudo isso que já sabemos. Já na vida online, a palavra é: atenção. O Instagram é a plataforma mais relevante hoje, mas é preciso estar atento às suas atividades por lá. Busque perfis de influência positiva, busque se informar sobre as consequências dos procedimentos estéticos - por conta do fenômeno da disformia que os filtros podem causar -, não busque ser aquela blogueira que é cheia de procedimento estético e ainda manipula fotos, porque isso mexe diretamente com a autoimagem de qualquer pessoa. Pratique o “unfollow terapêutico”: pare de seguir páginas que ferem a autoestima e autoimagem.

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