Para Inspirar
Por que nos damos melhor quando acreditamos ter o controle da situação? Confira entrevista com a professora de Harvard, Ellen Langer
30 de Setembro de 2020
O que diferencia uma ilusão de uma crença? Para a ciência - ou melhor, para uma cientista em especial - “a palavra ilusão significa que as expectativas das pessoas são melhores do que a realidade realmente sugere a eles”. Já a crença, por sua vez, é algo natural, que se manifesta de forma genuína no sujeito.
Essa cientista é a professora de psicologia na Universidade de Harvard, Ellen Langer. A pesquisadora, que participou do evento Plenae em 2018 para falar sobre mindfulness e o poder da possibilidade de retardar o envelheciment o, volta a falar com nosso portal, dessa vez sobre o seu principal objeto de estudo há mais de 40 anos: a ilusão do controle e o seu poder sobre a nossa vida.
Eu acredito, então eu posso
De forma objetiva, a ilusão de controle é a ideia de que o ser humano acredita poder controlar uma série de eventos em sua vida, sejam eles dependente de alguma habilidade específica que pode ser aprimorada - como ir bem em uma prova depois de muito estudar, por exemplo - ou eventos que dependam de sorte, como a loteria.
A supersticiosidade simples de jogar sempre os mesmos números em jogos de azar é uma prova dessa teoria. Você não muda nem um único dígito, pois acredita que suas chances de ganhar serão maiores se manter a sua tradição - ainda que isso não seja realmente uma verdade.
O caso é que, internamente, nós não sabemos se temos mesmo esse controle em mãos, portanto, não estamos iludidos. Mas algo em você acredita ter esse controle, portanto, de alguns anos para cá, Ellen parou de pesquisar a ilusão do controle, e passou a estudar a crença do controle.
Ilusão X Crença
Imagine, novamente, um cenário de um jogo de azar. Há fatores envolvidos que não dependem do jogador, mas sim, da sorte - como jogar os dados. Mas esse jogador realmente acredita que, depois de tantos jogos, ele está aprimorando sua técnica em simplesmente arremessar as duas preciosas peças.
Ele não se ilude, pois não sabe de fato se está melhorando ou não. Mas ele acredita estar e aposta todas as suas fichas nessa crença. “Se você pensa que eu não tenho o controle, e eu penso ter o controle, você pensa que eu tenho uma ilusão, mas o que eu tenho é uma crença” explica a professora.
Eu posso me iludir achando que ganharei no carteado hoje porque os ventos que sopram estão à favor, mesmo internamente não tendo certeza disso. Mas se eu realmente acreditar que ganharei no carteado, eu moverei montanhas para que isso aconteça, praticarei noite adentro e enxergarei formas de atingir isso.
Esse é o grande divisor de águas entre a ilusão e a crença: quando se acredita ter o controle sobre algo, o sujeito se torna mais lúcido, organizado e empenhado. Basicamente, ele se torna mindful , ou seja, presente no momento, atento ativamente a si e aos que o cercam.
“Quando você acredita ter o controle, você faz escolhas, e quando você faz escolhas, você presta atenção a diferentes aspectos das suas alternativas. Você acaba captando mais informação, vê coisas que outras pessoas não veem e acaba ganhando alguma vantagem sobre oportunidades que os outros nem mesmo perceberam. Isso é o mindfulness na prática” diz a pesquisadora.
Os benefícios em acreditar
Para Ellen, acreditar que temos o controle sobre as situações é algo absolutamente positivo. “Quando você acredita ter controle, você está mais propenso a tomar atitudes e fica menos estressado. Você não precisa necessariamente ter o controle, mas o exercício de acreditar faz você se sentir bem” explica.
“Em situações onde você acredita não ter nenhum controle - tendo ou não, de fato - você fica estressado, você passa o seu tempo não tomando nenhuma atitude ou fazendo algo que seja bom para você” diz. E isso foi comprovado em alguns experimentos realizados por Ellen e seu grupo de pesquisadores: as pessoas que acreditavam ter controle, se encontravam em um lugar físico e psicológico melhor ao final.
O mesmo serve para a longevidade. Se o sujeito acreditar que possui algum controle sobre sua capacidade de chegar longe, logo, ele tomará as medidas necessárias para isso. “Se você acredita possuir algum controle sobre o seu próprio mundo, então você realmente toma atitudes por ele, sendo mais seletivo e cuidadoso. Agora se você acredita que não, nenhuma de suas ações fará diferença, então você não estará muito propenso a fazer coisas que irão resultar em uma vida longa” explica.
O mesmo se emprega na pandemia. “Se você ficar sentado três dias seguidos, preocupado em pegar o vírus, você pode imaginar todos os efeitos negativos que irá acarretar em vários aspectos da sua vida. Se no lugar disso, você fizer as coisas certas, como o distanciamento social ou usar máscaras, você presume que não irá ser infectado, e consegue tomar ações efetivas” diz Ellen.
“A verdade é que, nós não sabemos qual dos dois grupos de pessoas realmente irão se infectar. Mas aqueles que tomam alguma atitude, por sentir que possuem algum controle sobre isso, estão vivendo uma vida melhor durante a pandemia” conclui.
Para Inspirar
A experiência de quase-morte, também conhecida como EQM, pode deixar marcas profundas em que a viveu - mas lições igualmente profundas também
1 de Dezembro de 2023
No terceiro episódio da décima quarta temporada do Podcast Plenae, conhecemos a história transformadora de Aline Borges, que viu a morte mais perto do que gostaria, mas que viveu também uma conexão profunda e eterna com o divino. É por isso que ela representa o pilar Espírito nessa nova edição.
Acometida por uma condição raríssima - a síndrome de Guillain-Barré -, a enfermeira lutou pela sua vida desde o diagnóstico, quando os primeiros atendimentos ainda a descredibilizavam e não legitimavam os seus sintomas. Depois, lutou pela sua vida em coma, período de quase duas semanas e um grande apagão.
Por fim, lutou pela sua vida quando, ao tentar ser extubada - procedimento comum que visa tirar o tubo respiratório do paciente e fazê-lo respirar de forma natural - ela sofreu uma parada cardíaca. E foi nesse momento que Aline embarcou numa jornada que, no mundo terreno, teve apenas um minuto, mas no mundo espiritual, durou uma vida inteira.
Sua experiência consistiu em, principalmente, conhecer a figura que hoje ela acredita ser Jesus. Mas, mais do que isso, ela conta ter sido capaz de ver a sua vida toda passar como um filme, sobretudo os erros, para que ela pudesse aprender. Aline ainda revela ter sido expostas a acontecimentos que só se dariam no futuro - e que de fato se concretizaram com o tempo.
O que a nossa participante viveu não é inédito, apesar de ser único à sua maneira para quem vive. Diversas pessoas relatam ter visitado “o lado de lá” durante uma experiência de quase morte, as EQMs. Contamos um pouco mais sobre elas aqui, esse fenômeno cada dia mais observado também pela ótica da ciência, e não só pela ótica do sagrado.
Mas, afinal, qual o ensinamento que essas experiências deixam para quem as vive? Fomos atrás de relatos que pudessem nos dar algumas pistas!
A jornalista Tatiana Ferraz escorregou na escada de casa. O que parecia um acidente doméstico limitado foi o começo de uma outra jornada: no hospital, foi constatado um aneurisma cerebral, muito provavelmente causado pela queda. Isso a levou para a mesa de cirurgia, onde a morte era uma possibilidade clara.
“Isso me modificou porque antes de entrar numa sala de cirurgia sabendo do risco, passa um filme na sua cabeça. Você lembra de tudo, lembra da infância, das pessoas, do marido, dos filhos. E isso faz com que, na hora que você acorda e vê que tudo passou e que você está bem e nada aconteceu, você olha pra tudo valorizando mais. Tudo poderia ter acabado, mas não acabou”, lembra.
No caso de Ferraz, não houve esse contato tão íntimo com o divino vivenciado por Aline. Mas houve um sonho. “Na véspera dessa cirurgia, eu sonhei com a minha mãe, que já é falecida. Ela veio no sonho, tocou meu coração e saiu andando. Eu acordei, lembrei muito desse sonho, imaginando que de onde quer que ela esteja, ela poderia me ajudar”, diz.
Para Tatiana, não é preciso que ninguém passe por essa experiência para valorizar mais a vida. “É uma vivência basicamente ruim, uma coisa de muito medo, angústia, apreensão. Mas ela ensina a ter paz, porque o que que tiver que acontecer, vai acontecer. É preciso esperar as coisas tomarem o seu rumo natural”, conclui.
Em um trecho de One More Time, música do trio californiano blink-182 que dá nome ao último álbum, o baixista e vocalista Mark Hoppus canta o seguinte trecho: “Eu gostaria que eles tivessem nos dito / Que não deveria ser preciso uma doença /
Ou aviões caindo do céu / Eu tenho que morrer para ouvir você dizer que sente minha falta? / Eu tenho que morrer para ouvir você dizer adeus?”.
A canção faz menção ao retorno da banda que, após algumas idas e vindas, resolveu entrar em uma turnê cuja essência é a nostalgia. Isso porque, mais do que uma banda, o trio é composto por amigos de longa data que se desencontraram em opiniões e preferências particulares. Esses desencontros não afetaram somente os rumos do grupo, como os rumos da amizade em si.
Mas, em 2021, Hoppus foi diagnosticado com um tipo de câncer sanguíneo gravíssimo e em estágio avançado. Depois de uma longa jornada de tratamentos e contrariando algumas expectativas médicas, ele se curou e voltou a tocar. Mas, melhor do que isso: voltou a tocar com o blink-182.
A sua experiência de quase-morte, afinal, pode não ter sido tão súbita quanto a de Aline e de Tatiana, mencionadas anteriormente. Uma doença ameaçadora de vida traz ensinamentos igualmente poderosos e há ainda o agravante de se estender por dias, meses, mantendo o enfermo nessa condição reflexiva que é sim, muito angustiante, mas igualmente transformadora.
“Para Hoppus, o ano passado não apenas aprofundou seu apreço por sua família e amigos, mas também o ensinou a lidar com o horror inesperado com humildade, graça, humor, e – esta é a novidade – um coração aberto que ainda está aprendendo a se sentir merecedor”, escreve Chris Gayomali, editor de artigos da GQ em sua entrevista com Mark Hoppus logo após a remissão de seu câncer.
“Pensei muito sobre minha própria mortalidade, pensei muito sobre o que aconteceria quando eu partir”, disse ele. “E então tenho ouvido 'Adam's Song' e pensei: Sim, amanhã haverá dias melhores”, conta Hoppus na mesma entrevista, fazendo menção a uma música mais antiga de blink-182 que fala justamente sobre a morte.
Vale dizer que o baterista da mesma banda, Travis Barker, também vivenciou uma experiência de quase morte em 2008, quando o jato particular em que ele voaria colidiu com um barranco ainda na decolagem, provocando um incêndio do qual somente ele e outro passageiro saíssem vivos. O acidente rendeu três meses de hospital, um livro de memórias com passagens marcantes sobre o acontecimento e mais de uma década sem voar.
Um de seus principais aprendizados foi, na verdade, uma conquista: largar o vício em remédios. “As pessoas estão sempre tipo, ‘Você foi para a reabilitação?’”, comentou o artista em conversa com a revista Men’s Health. “E eu [digo] ,‘Não, eu estava em um acidente de avião’. Essa foi a minha reabilitação. Perder três de seus amigos e quase morrer? Essa foi a minha chamada para despertar. Se eu não estivesse em um acidente, provavelmente nunca teria desistido”.
Hoje, superado o trauma, Travis olha para esses dias com profundo respeito, já que estar diante da morte de imediato o deu mais vontade de morrer. Ele conta que até mesmo ofereceu dinheiro para que terminassem com esse sofrimento e que a depressão na qual ficou mergulhado o fazia pensar no porquê de ter sobrevivido. E mesmo diante de toda essa carga emocional e física, ele conseguiu vencer o vício.
Uma reportagem do UOL Tab trouxe um relato impressionante e bonito de quase morte da jornalista Valéria Palma. Foi durante um acidente de carro, em 1991, que ela fez as pazes com a morte e realmente sentiu o momento chegar, ainda que ela tenha sobrevivido. "Foi o melhor momento da minha vida estar morta", conta ao site.
Na semana anterior, ela havia sonhado com um acidente de carro fatal. A lembrança desse sonho, que a tomou no momento em que estava presa às ferragens, soou como uma confirmação. “Senti que estava morrendo. Não era um raciocínio, mas uma consciência da morte. Percebi que estava indo embora", rememora.
Seu único desejo era que a família soubesse que ela estava bem. Mas ao pensar nisso, em seguida foi sugada para um túnel extremamente branco. Seu corpo, como conta a reportagem, deslizou suavemente pelo túnel, onde não havia ninguém, e se dividiu em partículas que foram se diluindo na luz. Por fim, tornou-se parte dele. Mergulhou sem medo na sensação de leveza, paz e plenitude e quis ficar ali para sempre”.
"Senti que a existência era aquilo. Como se o universo fosse aquele momento", recorda. Despertou numa maca do Hospital Municipal de Itanhaém, acreditando estar morta, pois não se viu voltando do túnel. Então ouviu vozes de dois médicos. "Ela acordou", disse um deles. Acabava ali a sua experiência de quase morte, experiência que a marcaria para sempre.
Apesar de não falar muito sobre o assunto, Valéria conta que a experiência de quase morte a acompanha o tempo inteiro — mesmo depois de 30 anos. Foi em um curso de tanatologia (estudo científico da morte), muitos anos depois, que ela ouviria pela primeira vez o termo EQM. Ela ainda conta que falar ajuda a afastar o desconforto inicial que o tema lhe causa.
Ela não interpreta a experiência como sendo religiosa, mas sim espiritual, “por não ser desse mundo” - relato muito parecido com o de Aline. Mesmo sem saber onde esteve, ela abre um sorriso quando diz que era maravilhoso. "Na hora, tive a percepção de que ali era a origem da vida. A morte parecia ser a origem de tudo. É dali que tudo nasce. Portanto, é para lá que tudo vai", contou ao UOL.
De lá para cá, ela trouxe o tema da morte à mesa e continua convivendo com a finitude. Há alguns anos foi voluntária na área de cuidados paliativos, que te contamos mais aqui, e também atua como terapeuta do luto. O segredo de não achar o trabalho pesado? Entender que partir é algo natural, uma viagem na qual todos nós embarcaremos.
Os relatos são infinitos, poderíamos trazer centenas deles aqui. Mas, o que parece comum a todos é uma sensação de gratidão que impera a todos que sobreviveram. Além disso, um outro ponto comum para aqueles que experimentaram “o lado de lá”, é retratá-lo como um lugar de paz, que dá vontade de ficar.
É certo que só saberemos o que há de fato na outra dimensão - se é que ela existe - quando a nossa hora chegar. Mas, fazer as pazes com a finitude pode ser um bom caminho para experimentar o que esses pacientes experimentaram sem ter que realmente correr risco de vida. Comece a praticar essa gratidão em estar vivo ainda hoje! Acredite: o amanhã não é garantido.
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