Para Inspirar

Os benefícios que o silêncio pode te proporcionar

Pesquisas comprovam: se manter em silêncio pode elucidar ideias, fortalecer sua memória, ajudar no tratamento de depressões além de prevenir doenças cardiovasculares.

30 de Março de 2020


O silêncio é o ponto de encontro entre o sono e a meditação. A prática de se abster e silenciar é positiva não só diante de uma situação de crise, mas no seu cotidiano, antes de dormir ou durante suas refeições, por exemplo. Somos constantemente bombardeados de notícias, sons, vozes e telas.

Logo, estar em completa ausência de ruídos pode ser desafiador. Mas isso não é um problema: assim como praticar exercícios físicos ou até aprender algo novo, saber ser e estar em silêncio demanda um tempo e leva algumas tentativas, mas traz bons frutos. E quais são eles?

Para começar a enumerá-los, é necessário fazer o caminho inverso, e entender os malefícios que a poluição sonora pode causar. Um artigo publicado na revista Edubirdie buscou entender até mesmo a etimologia da palavra ruído , que tem origem latina e descrevia algo como enjoo e dor. A busca pelo entendimento dos efeitos do barulho não são exatamente novas.

Em 1859, a criadora da Enfermagem, Florence Nightingale, citou uma palestra que identificava "ruídos repentinos" como causa de morte entre crianças doentes. Isso porque, para ela, "ruído desnecessário é a ausência mais cruel de cuidados que pode ser infligida a doentes ou bem".

Em resumo: todo barulho banal pode prejudicar a recuperação de pacientes, trazendo angústia e perda de sono. Logo depois, epidemiologistas descobriram que problemas como pressão alta, problemas com o sono, doenças cardíacas e zumbidos oftalmológicos estavam relacionados a fontes de ruídos crônicas, como estradas, aeroportos e demais barulhos de cidades que estavam em pleno desenvolvimento.

As pesquisas que vieram em seguida conseguiram se aprofundar ainda mais. Estudos de fisiologia humana demonstraram os efeitos que uma onda sonora podem produzir. Elas vibram os ossos da nossa orelha, que transmitem o movimento para nosso órgão sensorial de audição. Por ali, o ruído se torna um sinal elétrico, que é enviado para o nosso cérebro.

Uma vez enviado, o resto é história: nosso corpo reage instantaneamente, ativando regiões associadas à formação da nossa memória e das nossas emoções. Essa ativação gera uma ativação imediata da produção de cortisol, nosso velho e conhecido hormônio do estresse.

Portanto, em conclusão simples: pessoas expostas a ruídos constantes possuem não só os problemas cardíacos e de sono já mencionados, mas uma alta liberação de cortisol. Esse hormônio em excesso é conhecido por ser responsável pelo aumento do risco de diabetes, hipertensão arterial, depressão, dificuldade na perda de peso e, em casos mais extremos, atrofias musculares.

Saindo dos anos 90 e entrando nos anos 2000, o silêncio ainda é pauta - talvez, mais do que nunca. Metrópoles se expandiram, a tecnologia tomou conta do nosso cotidiano e nos fez seres cada vez mais conectados. Isso tudo de maneira bem ruidosa, é claro. Não houve uma evolução silenciosa, mas sim amplamente barulhenta. Músicas ganharam mais artefatos em suas composições e assistimos os estilos musicais sofrerem mutações cada vez mais audíveis.

Por mera coincidência, o físico e músico Luciano Bernardi descobriu o efeito calmante que o silêncio poderia produzir em nossos cérebros. Enquanto conduzia um estudo sobre a resposta do cérebro quando exposto a diferentes estilos musicais, Bernardi notou que era justamente nas pausas entre uma música e outra que o cérebro relaxava.

Ele então concluiu que a música, mesmo as que possuem finalidade calmante, nos gera excitação, expectativa e uma série de efeitos que não necessariamente são negativos, mas que somente o silêncio é capaz de nos fazer relaxar de verdade. Novamente, resultados positivos sobre o silêncio foram descobertos enquanto se estudava o inverso, ou seja, os efeitos do excesso de som.

A partir desse e de outros estudos de diferentes naturezas que se seguiram, o silêncio se tornou um objeto desejado por todos para evitar a “poluição sonora” (termo cravado em 1960). O silêncio se tornou até mesmo um diferencial publicitário usado pelos finlandeses para promover e fomentar o turismo “no país mais silencioso do mundo”.

Uma reportagem do Jornal Nexo inclusive, conta em detalhes a busca pelo silêncio através dos tempos. Engana-se quem pensa que nosso cérebro está desconectado quando silenciado, ou que você não está contribuindo para sua atividade cerebral. Você já se viu em uma daquelas situações onde o silêncio abrupto tomou conta do ambiente e todos acabaram percebendo? Isso é científico: nosso cérebro está sempre apto e pronto para reconhecer a quebra acentuada de sons. E o que se instaura por ali, depois que esse silêncio passa de momentâneo para condição prolongada, é o mais profundo relaxamento.

Em 2013, assim como Luciano Bernardi, a cientista Imke Kirste, da Universidade de Duke, descobriu por acaso que ratos expostos a diferentes tipos de sons, não regeneravam suas células e neurônios cerebrais de maneira benéfica e com tamanha eficácia e efeito duradouro quando expostos ao silêncio - principalmente no que diz respeito ao hipocampo, região responsável pela formação e manutenção da nossa memória.

Isso pode surtir efeitos, conforme a evolução dos estudos, até mesmo em tratamentos terapêuticos para comorbidades como a depressão. Quem não gosta de um fone antirruído, ou de uma escapadinha para o campo? Inconscientemente, essas preferências se encaminham todas para uma mesma verdade: a humanidade necessita, por vezes, silenciar.

Abaixar os volumes, cortar os ruídos, encontrar a paz no que não é dito. Estar em um quarto somente se concentrando na imensidão do nada, ouvindo somente nossos pensamentos internos, e intensificando nossa conexão e percepção do mundo ao nosso redor. Silêncio é autoconhecimento de si mesmo e dos seus limites. É respeito com seu corpo, mente e ambiente.

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Carola Videira em "A inclusão é uma luta de todos"

Na décima primeira temporada do Podcast Plenae, ouça o relato emocionante sobre maternidade e inclusão de Carola Videira.

6 de Março de 2023



Leia a transcrição completa do episódio abaixo:

[trilha sonora]

Carola Videira: Desde muito nova, eu pressenti que teria filhos especiais. Eu estudei fisioterapia, o meu primeiro estágio foi na AACD, uma instituição que cuida de pessoas com deficiência. Durou só uma semana, eu liguei pra minha mãe e falei: “Mãe, vem me buscar porque eu não vou trabalhar aqui. Eu tenho certeza que eu vou ter um filho assim”. Não era hora de lidar com aquilo. A segunda vez que eu verbalizei esse pensamento foi quando o meu marido me pediu em casamento. Eu disse: “Eu só aceito casar com você, se eu souber o que você vai fazer se tivermos um filho com deficiência”. E ele respondeu que amaria igualmente. A terceira foi a caminho da maternidade. Eu escrevi uma carta pra minha mãe pedindo ajuda, caso alguma coisa acontecesse. Porque, apesar da gestação ter sido tranquila, eu sabia que tinha algo errado ali. 

Geyze Diniz: Carolina Videira sempre soube que teria um filho com deficiência. E, claro, ela sabia que esse filho mudaria sua vida pessoal. Ela só não imaginava que ele lhe traria um novo propósito profissional.  Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se. [trilha sonora] Carola Videira: O parto foi tranquilo, João nasceu saudável. Mas, quando ele tinha 3 meses, eu percebi que ele estava demorando pra firmar o pescoço. O corpo do João continuava bem molinho. Passou mais de um mês até o pediatra concordar comigo e pedir um monte de exames. O João fez o teste do pezinho ampliado, que rastreia mais de 50 doenças. A gente investigou de erros inatos do metabolismo até problemas oftalmológicos e todos os resultados davam normais. O médico pediu exames mais complexos. E foi em uma ressonância magnética de crânio que detectamos a falta de mielina, que é a substância que encapa nossos neurônios.  Existem mais de 8 mil síndromes catalogadas pela ciência. E pra fechar o diagnóstico de uma delas, é preciso ter ao menos três indícios diferentes. E o João só tinha um, a falta de mielina. Mesmo sem saber qual era o problema dele, a gente começou um processo de intervenção precoce. Aos 6 meses, João já fazia fisioterapia, fonoaudiologia, Terapia Ocupacional e integração sensorial. Ele foi crescendo como um bonequinho de pano. Os músculos não se firmavam, ele também não conseguia falar, porque a fala também dependia de força muscular.  [trilha sonora] Quando João completou 2 anos, chegou a hora de colocá-lo numa escola. Os médicos me disseram que, com sorte, eu encontraria vaga em uma instituição especial. Só que eu queria um colégio comum. Isso aconteceu em 2010, antes da promulgação da Lei Brasileira de Inclusão, que obriga, de fato, as escolas a aceitarem crianças e adolescentes com algum tipo de deficiência.  Eu consegui uma vaga em um colégio particular porque eu conhecia a dona. A babá ia junto com o João pras aulas, porque ele precisava de cuidado integral. Assim que ele entrou na escola, eu me deparei com diversas barreiras de preconceito das outras pessoas. Alguns pais não queriam a presença do João na sala. E o meu filho não fazia mal a ninguém. Ele ficava no cantinho, na cadeira de rodas, não mordia nem batia nas outras crianças. Mas mesmo assim, ele não era bem-vindo por todo mundo. [trilha sonora] Mas não foi só o meu filho que foi excluído. Eu também me sentia excluída da sociedade. [trilha sonora] Os lugares que eu frequentava eu deixei de frequentar, porque não tinham nem rampa. Muitos amigos se afastaram. Vários convites deixaram de chegar, porque as pessoas não sabiam como lidar com o João. E ao invés de me perguntarem o que fazer, era muito mais fácil sumir. Eu fui descobrindo que ser mãe de uma criança com deficiência é uma experiência duplamente solitária. [trilha sonora] Na escola, embora aceitassem a presença do meu filho, não acreditavam no desenvolvimento pedagógico dele. Por exemplo, todas as crianças levavam pra casa atividades uma vez por semana. E quando eu chamei uma reunião pra perguntar porque que não tinha atividade pro João, me perguntaram se queriam que mandassem lição para eu fazer, porque meu filho não era capaz.  Eu, que já tinha um mestrado em neurociência, pensei: “Acho que alguém vai ter que rasgar o diploma. Afinal aquela fala ia contra tudo que eu estudei. Todo cérebro tem capacidade de aprender. Se o João ainda não aprendeu, é porque a gente não tá sabendo ensinar”. [trilha sonora] Um dia, a Cláudia, a babá, me contou que, toda vez que o João chorava, as professoras pediam para ele sair da sala. E aí ela me disse: “Por que que a senhora paga escola? Se é pra ficar passeando no corredor, deixa que eu levo ele no parque”. E quando eu fui questionar o colégio, a presença da babá foi proibida em sala de aula. Disseram que eu precisaria contratar uma acompanhante terapêutica ou uma professora só pra ele. O João não se comunicava com palavras, só que ele tinha compreensão das coisas. Ele ria na hora que era pra rir. Ele chorava quando tinha algum desconforto. A risada e o choro não eram aleatórios. Mas só a Cláudia e eu acreditávamos no potencial do João. Ninguém mais acreditava, nem mesmo o meu marido.  [trilha sonora] Quer dizer, isso entre os adultos. Porque as crianças tinham muito interesse pelo João.  [trilha sonora] Um dia, a professora leu um livro chamado “A História de João Jiló”. Que é a história do fruto, o jiló, que é amargo e que ninguém gostava dele, mas também nunca ninguém tinha experimentado pra saber. O João dava gargalhadas com esse livro. E aí, toda vez quando ele ficava incomodado com alguma coisa, os colegas começavam a contar essa história para fazer ele rir. E os alunos apelidaram o João de João Jiló.  Pro meu filho ter amigos, eu comecei a convidar esses colegas para irem na minha casa. As crianças começaram a entender a dinâmica e passaram a insistir pros pais convidarem o João também. O primeiro convite chegou quando ele tinha quase 4 anos. Uma mãe me ligou e falou: “Olha, me desculpa se eu não souber usar as palavras certas. Mas a minha filha quer muito que o seu filho venha brincar aqui em casa. Você deixa? O que que eu preciso fazer?”. Eu desliguei o telefone e chorei. Talvez ela não faça a menor ideia até hoje do significado daquele convite. [trilha sonora] Foi mais ou menos nessa época que eu decidi engravidar de novo. As pessoas achavam uma insanidade, mas eu fui em frente. Procurei um geneticista que me pediu um exame de genoma do João. E foi assim que a gente finalmente recebeu um diagnóstico. O João tinha uma alteração no DNA, que levava a uma síndrome chamada Pelizaeus-Merzbacher like. “Like”, de “como”, em inglês, porque não era exatamente a mesma síndrome, mas a que mais se aproximava. É uma alteração tão rara, mas tão rara, que na época só existiam 18 casos catalogadas no mundo. Um detalhe curioso da história foi descobrir que eu tenho a mesma alteração genética. A doença só não se manifestou em mim porque eu sou mulher. Então, o médico recomendou que eu fizesse uma fertilização in vitro e implantasse o embrião de uma menina. Esse procedimento é permitido pela lei, nesses casos. Nós fizemos a inseminação e assim nasceu a Maria Cecília, uma criança sem nenhuma deficiência.  [trilha sonora] Minha filha ainda era pequena quando nos mudamos para Boston, nos Estados Unidos. Fomos pra lá, porque encontramos um médico que estava estudando a mesma alteração genética do João em Harvard. Esse pesquisador incluiu o João em um estudo que usava uma tecnologia chamada estimulação transcraniana. O objetivo era aumentar o nível de mielina do cérebro dele. O que de fato aconteceu e melhorou a capacidade de resposta do corpo do João. Os cientistas colocaram no João um equipamento chamado tobii eye, que faz rastreamento ocular. A gente descobriu que o João conseguia controlar as pálpebras. Quando ele piscava, era como se ele clicasse num mouse. Com muita dificuldade, o meu filho mostrou que ele entendia tudo o que a gente falava, coisa que eu nunca tinha duvidado. O que faltava era ferramenta de comunicação. Foi através do computador e das piscadas que ele conseguiu interagir com a gente. E aconteceu uma coisa incrível. Ele clicou as letras “j-o-a-o” e escreveu o nome dele no computador.  Quando a gente voltou pro Brasil, eu levei o equipamento pra escola. As pessoas se emocionaram, choraram e acharam que aquilo fosse um milagre! Mas eu falei: “Não, não é milagre não. Isso é falta de formação e de informação. Se ele é capaz de identificar as letras mesmo sendo retirado da sala de aula, pensem no que ele pode aprender se vocês acreditarem nele do mesmo jeito que eu acredito?”.  [trilha sonora] Foi a partir dali que eu falei pra mim mesma: “Eu vou incluir o João na escola. Eu vou incluir João no mundo”. E eu me vi num cenário de muito privilégio. Primeiro, porque tenho formação acadêmica. Segundo, porque tenho condições financeiras. Terceiro, porque tive força, coragem e saúde mental pra lidar com aquela barra toda. Mas, aí que eu comecei a me questionar: “Cadê as outras crianças com deficiência? Por que que eu não vejo elas no Brasil? Nas escolas? Nas ruas?”. Eu parei e refleti: “Caramba, não é só pelo João que eu tenho que lutar. Tem milhares de outros Joões e Marias nesse Brasil que precisam de ajuda. É isso que eu vou fazer. Se eu incluí o João, que é o mais difícil, pelas questões das múltiplas deficiências, eu vou incluir todo mundo. Eu quero que todas as escolas tenham crianças diversas, com e sem deficiência, com diversidade racial, religiosa, cultural. Foi assim que eu entendi o que ia fazer para o resto da minha vida.  [trilha sonora] Eu fui me capacitar pra trabalhar nessa causa. Porque, apesar da neurociência, eu nunca tinha trabalhado no ambiente escolar. Quando eu trazia os meus aprendizados pro colégio, me botavam de canto, e falavam: “Aqui você é mãe, nós os educadores”. Ok. Então, eu fiz uma especialização em práticas inclusivas e gestão das diferenças. Depois, entrei num doutorado pra estudar violência escolar. Aí, eu não era mais apenas a mãe do João. Eu era uma neurocientista, educadora, mãe do João e da Maria.  [trilha sonora] A essa altura nós estávamos em 2014. A Lei Brasileira de Inclusão estava sendo redigida. Essa lei garante o que tá na nossa Constituição desde 1988: o acesso à educação para todas as crianças. O texto é lindo, só que se a gente colocar esses alunos para dentro da escola, sem preparar os professores,  retirar as barreiras isso vai ser inserção. Não vamos estar incluindo ninguém. Foi aí que eu criei uma ONG pra fazer essa legislação ser de fato cumprida. Foi assim que nasceu a Turma do Jiló. [trilha sonora] Eu gosto desse nome. O “turma” é porque eu não faço nada sozinha e eu tive um bando de amigo que me ajudaram desde sempre. E “jiló” não é só por ser o apelido do João, mas pela analogia com o fruto. O jiló é muito gostoso, se você souber preparar. É a mesma coisa com a inclusão. Muita gente ainda acha que esse assunto é mimimi, chato. Só que a inclusão é boa para todo mundo, se a gente souber fazer. Criamos uma metodologia a partir dos meus estudos sobre escolas inovadoras que vi pelo mundo. Adequamos o processo pra realidade brasileira, fomos atrás dos melhores educadores do país. Procuramos o Ministério Público, conseguimos autorização pra aplicar o método em uma escola pública em Santana do Parnaíba, na região metropolitana de São Paulo. Era um colégio com um índice de violência absurdo, tinham 63 alunos com alguma deficiência. O índice de evasão escolar era em torno de 40%. Confesso que tomei um baita susto, eu estava acostumada com o ambiente privado e eu sabia que o desafio seria gigantesco. [trilha sonora] Foi um projeto de um ano inteiro, que envolveu funcionários, professores, alunos e as famílias. O Ministério Público fez uma pesquisa na região pra medir a evasão escolar daquele colégio que caiu para menos de meio por cento.  [trilha sonora] Daí, o método virou política pública, a ONG nasceu de fato e a Turma do Jiló se expandiu pra outras escolas públicas e privadas e também chegamos nas empresas. A gente já atendeu mais de 100 mil pessoas, entre estudantes e funcionários, e já formamos mais de 3 mil professores. [trilha sonora] Conciliar o trabalho da ONG com a maternidade ficou bem mais difícil quando o João chegou na adolescência. Por causa dos hormônios e o metabolismo dele qualquer resfriado virava uma pneumonia. Passamos três anos entrando e saindo de UTIs. Nesse processo, o João foi perdendo o pouco que ele tinha. Já não podia mais comer pela boca, já não podia mais entrar no mar nem na piscina. O momento mais difícil foi ter que tirar o João da escola. Eu levei um tempo para entender, pra aceitar, me preparar. Mas, quando o João era bebê, teve um médico que me disse: “Não precisa gastar seu tempo nem o seu dinheiro. Deixa ele bem cuidado, dentro de casa, porque ele não vai viver nem dois anos”. O meu filho já estava com 13. [trilha sonora] No dia 28 de novembro de 2021, um domingo, eu coloquei o João pra dormir e na segunda-feira ele não acordou.  Quando ele morreu, pela primeira vez, eu me questionei se deveria continuar o trabalho da Turma do Jiló. Eu não sabia se eu ia ter força. Mas aí, a única vez que eu sonhei com o João desde então, ele me disse: “Mãe, esse não era o meu propósito. Era o seu propósito”. E é mesmo. Então, desistir não é uma opção. E aceitar a exclusão não é uma opção.  [trilha sonora] Mas, o mais bonito disso tudo é que, depois da morte do meu filho, eu passei a ter mais tempo pra cuidar da Turma do Jiló e da Maria Cecília. 2022 tá sendo o ano mais incrível da minha vida. Eu ganhei um prêmio extremamente importante no terceiro setor, que é o Empreendedor Social do Ano. E também venci o prêmio das Nações Unidas pelo trabalho que eu faço frente a redução das desigualdades.  O João me ensinou muitas coisas. A lição mais importante de todas foi a de ser humana. A gente não nasce humano, a gente se torna humano. E aceitar o diferente é parte fundamental desse processo, porque a gente aprende a acolher as contradições que todos nós temos. Mas essa luta não pode ser só do excluído. Ela tem que ser de todos nós.  [trilha sonora] Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae. [trilha sonora]

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