Para Inspirar

A importância das relações durante o luto

Conversamos com uma psicóloga para entender como ter uma rede de apoio pode ser vantajoso e até necessário após uma perda

26 de Novembro de 2020


No primeiro episódio da terceira temporada do Podcast Plenae - Histórias Para Refletir, mergulhamos no relato profundo e cheio de emoção de Veruska Boechat, a viúva do jornalista Ricardo Boechat. Assim como todo o resto do país, Veruska foi pega de surpresa com a partida súbita e precoce dele que era não só o seu marido, mas também o seu melhor amigo e pai de suas duas filhas.

Como lidar então com uma ruptura tão brusca e violenta? Não há, é claro, uma única resposta para essa questão. Isso porque, como afirma Juliana Picoli Santiago, psicóloga clínica especializada em questões do luto, esse é um processo individual de cada sujeito e composto por diversas nuances e momentos.

“A morte de um ente querido é a experiência mais desorganizadora que um ser humano pode viver no seu ciclo vital. Quando vivemos o luto, vivemos a queda do mundo presumido, ou seja, aquilo que dá pra gente o conforto e a segurança de que as coisas são de uma certa maneira aquilo que nos coloca no mundo e nos faz viver” explica ela.

"A morte de um ente querido é a experiência mais desorganizadora que um ser humano pode viver no seu ciclo vital" diz a psicóloga. Diante desse cenário complexo e, muitas vezes, inédito, como é possível voltar ao dia a dia? “Quando falamos de rotina e organização do luto, a gente não pode falar disso sem falar necessariamente sobre rede de apoio. A pessoa que vive a situação de enlutamento tem pessoas próximas que vão viver junto com ela, e cada um de forma muito distinta. Então aquele que se percebe capaz e dispõe de mais recursos emocionais, possa servir como rede de suporte de apoio para uma pessoa mais fragilizada” diz a psicóloga.

Veruska conheceu isso na prática. “As pessoas diziam pra eu ficar numa sala reservada [no enterro]. Pra quê? Era muito melhor receber o abraço de uma pessoa que saiu de casa para me dar carinho. E eu descobri que simples presença é mais importante do que qualquer coisa que se diga” conta ela, em seu episódio.

“As pessoas ficam aflitas em saber o que falar. Na verdade, quanto menos falar, melhor. Sou grata por ter conseguido filtrar o que me diziam. Eu não fiquei com raiva, nem guardei mágoa, mas as pessoas precisam aprender o que dizer no luto do outro. E também a se comportar. Enquanto teve gente que levou comida na minha casa, outros chegaram pedindo pra lanchar” conta. “Quando eu finalmente conseguia levantar, me arrumar e botar o pé pra fora, as pessoas vinham me dizer: ‘eu era fã dele, eu adorava ele’. E eu sei que é por amor, mas eu tava exausta de chorar e só queria poder falar: ‘Nossa, tá bonito o dia’”.

Para Juliana, “é adequado que nós possamos falar sobre a pessoa que se foi, sobre sua história, não se deve evitá-la. É importante que possamos trazer ao nível da palavra aquilo que nos traz significado. E muitas vezes, dar significado a uma perda, está necessariamente ligado ao poder falar sobre o que aquela pessoa significava, trazia na sua experiência e no seu papel pra vida de quem ficou. Uma pessoa não é feita só do luto, ela é feita de história, estrutura”.


Só que a dor do luto pode ser tão dolorosa quanto incapacitante, e por isso muitas vezes é confundida com a depressão. E, ao mesmo tempo que esse processo ocorre, a vida lá fora continua acontecendo. “Quem olha pro enlutado não vê que, além da tristeza, os boletos vão chegar normalmente. Você perde o seu marido num dia, no outro tem que ir ao cartório pegar a certidão de óbito. Numa hora em que você não quer conferir um papel que descreve um acidente que você nem conseguiu digerir ainda. Ninguém me disse isso” conta Veruska.

“Eu tinha tantas tarefas burocráticas pra resolver, que não conseguia mais dormir de ansiedade. Um dia, peguei um desses caderninhos tipo moleskine , de brinde, e comecei a anotar tudo que eu precisava fazer. Mesmo sem vontade, eu escolhia a tarefa mais idiota, tipo ‘trocar a titularidade da TV a cabo’ e riscava da lista. Resolver uma coisinha dessas me dava um pouquinho mais de força pra ir em frente” complementa.

Retomar a rotina aos poucos pode trazer a tão desejada sensação de normalidade que o enlutado busca. Mas “só no sentido do que a pessoa dá conta de fazer” como explica Juliana. E, para que isso seja possível, é preciso ter ajuda. “Minha primeira dica é: formar uma rede de apoio, ter pessoas próximas que possam cuidar até de suas necessidades mais básicas até que ela possa se integrar e começar entrar em contato consigo mesmo” explica a psicóloga.

“Mesmo quando se recebe cuidados adequados, a experiência do luto é tão desorganizadora que vai se refletir no sono, nos hábitos alimentares e também na cognição e memória” diz Juliana. Com todos esses aspectos da vida prejudicados, a presença de outras figuras que possam estar em condições emocionais melhores é mais do que bem-vinda, como também necessária.

Há pessoas que buscam refúgio no trabalho. A própria Veruska conta que, depois de 14 anos sem trabalhar, voltar a ativa lhe deu forças e ajudou a ocupar a cabeça. Outros preferem encarar um longo processo terapêutico e buscar uma escuta capacitada. Há ainda os que erroneamente preferem ignorar os sentimentos, sem saber que o luto não acaba, mas sim passa a fazer parte dos seus dias.

As redes de apoio podem ser feitas por amigos, familiares e escutas capacitadas

Para todas essas alternativas, a rede de apoio é o que manterá a pessoa em condição de poder optar qual caminho seguir. “Tem uma filósofa chamada Hannah Arendt que escreveu ‘Toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história’. E é justamente aí que mora a importância de falar sobre aquilo que me dói para alguém. Isso dá sentido para minha vida, quando uma pessoa me escuta, ela também me traz existência. Escutar alguém é trazer alguém pra minha existência” explica.

Portanto, falar sobre o assunto é de suma importância - ter alguém não só para ajudas cotidianas, mas para que seja esse ouvido que traz à luz a existência do enlutado como um indivíduo único e independente. “Pode ser que alguém não possa contar com essa rede de apoio, então existem alguns serviços como Centro de Valorização da Vida (CVV - Disque 188) e serviços que são disponibilizados pela rede pública como o Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM). O importante é poder falar” conclui Juliana.

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Bem-vindo, Abilio Diniz, ao clube dos 80!

Fernanda Montenegro dividiu o palco com Abilio Diniz e, apenas com a leitura do prefácio de um de seus livros, foi capaz de emocionar e homenagear a vida de nosso anfitrião.

24 de Abril de 2018


Para encerrar dois dias de imensa celebração e aprendizado, convidamos uma pessoa que, para nós, traz um exemplo de coerência e integridade em tudo o que faz, em seus mais de 80 anos de vida. Fernanda Montenegro dividiu o palco com Abilio Diniz e, apenas com a leitura do prefácio de um de seus livros, foi capaz de emocionar e homenagear a vida de nosso anfitrião.

A palestra foi quase uma conversa entre os dois, que dividiram com todos os presentes suas ideias e sensações sobre o privilégio de adentrar o clube dos 80 anos de idade com plenitude e prazer.

SOMOS QUEM ESCOLHEMOS SER

Para a atriz Fernanda Montenegro, um elemento muito importante para uma vida mais feliz e longeva é o caminho da vocação. Nós recebemos uma herança genética e social de nossas famílias e dentro dela, somos capazes de criar nossa história. De fazer nossas escolhas dentro de cada batalha e chegar lá.

É possível transcender diferentes tipos de heranças e níveis sociais, construir um caminho até o outro lado e sobreviver. E isso tudo só é feito se tivermos uma vocação avassaladora e vivermos de acordo com ela.


Alguém pode até aparentar ter excelentes resultados econômicos, sociais e políticos em sua vida. Mas se ele ou ela não estiver dentro de sua real vocação, fracassou. Assim, devemos nos focar sempre na grande pergunta, que é: “Eu estou fazendo o que quero fazer?”, ou ainda “Eu estou realmente dentro daquilo para o qual eu me sinto destinado, dentro da minha vida, a ser?”.

Quando estamos cumprindo nossa vocação, encontramos o sucesso e a realização, junto à glória de ter amigos. Mudar de decênio é sempre assustador. O senso de finitude vem acompanhado de muitos questionamentos. O que será do resto de minha vida? Para iluminar esse ponto, Fernanda dividiu uma oração de João XXIII, que diz “viva cada dia e cada noite.

Ao acordar, se dormiu e acordou, agradeça. Se atravessou o dia e sobreviveu, agradeça. E novamente no outro dia, se acordar pela manhã, agradeça aquele dia”. Se pensarmos muito no que será nessa altura da vida, ficaremos deprimidos. E não adianta nada: melhor é pensar no que é, pensar em cada dia, vivido plenamente. Aos 80, não é mais hora de ficar pensando no futuro.

É hora de viver. E agradecer tudo o que a vida trouxe e tudo o que a vida evitou. Somos oficiantes na vida, que em si não deixa de ser um ato teatral, um encontro humano, coisa rara e cara no mundo eletrônico de hoje. Por fim, um pouco de contemplação e fé na vida fazem bem. É necessário agradecer e enfrentar cada dia com fé, porque cada segundo é pleno. E por enquanto, é essa a vida que nós conhecemos.
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