Para Inspirar

A relação entre propósito e trauma

Se o propósito é um desejo, logo, ele mora em nosso cérebro. Mas como esse órgão tão vital fica após um trauma?

13 de Dezembro de 2020


Conhecida por todos desde a infância, a apresentadora Angélica cresceu diante dos olhares da câmera e do público de todo o país. O que poucos sabem é que ela entrou para o mundo da televisão em uma tentativa de sua mãe para que ela se distraísse e superasse um grande trauma: ter visto seu pai ser baleado aos 6 anos de idade.

Essas e outras histórias de superação são narradas por ela no terceiro episódio do Podcast Plenae - Histórias Para Refletir. Apesar de intensas, todas elas levaram Angélica a ser o que é hoje, uma mulher ainda mais cheia de ideais, com mais autocontrole e autoconhecimento e, sobretudo, em constante busca de sua melhor versão.

Sendo o propósito uma vertente do desejo - seja qual for a sua raiz - portanto, ele habita em nosso cérebro. Mas como esse órgão tão vital fica após sofrer um trauma de ordem emocional, e não física? Há alguma correlação entre ambos e, indo mais afundo, alguma mudança do que queríamos antes e depois de sofrer um trauma?

O cérebro e o trauma

Sabemos que o cérebro é composto por milhares de neurônios que, diariamente, exercem conexões complexas e sensíveis, facilmente afetadas por fatores externos. Excesso de estresse, medo, amargura, ansiedade: tudo isso reflete não só no trabalho dessas pequenas conexões, como despejam uma alta carga de hormônios que estimulam a adrenalina, por exemplo.

Você pode imaginar que isso, a longo prazo, pode trazer malefícios imensos. Mas a curto prazo também. Imagine, por exemplo, o cérebro de uma criança - como foi a Angélica em seu primeiro episódio traumático. Como um dos órgãos mais essenciais de um corpo ainda em formação responderia à exposição de um grande trauma?

Se você respondeu mal, acertou. E isso não é achismo. Uma pesquisa publicada por Bruce D Perry, chefe de psiquiatria no Hospital para Crianças do Texas, revelou por meio de imagens de tomografias computadorizadas que o cérebro de uma criança de 3 anos que sofreu “negligência severa por privação sensorial” acaba sendo expressamente menor do que as de outras de mesma idade.

Além disso, ele apresenta ventrículos aumentados, atrofia cortical e diminuição do hipocampo, que apesar dos nomes científicos assustadores, significam em linhas gerais que essa criança poderá ter funções como a memória, atenção e o processamento de emoções afetados.

Um outro estudo de 2015, analisou crianças residentes em orfanatos na Romênia e não só constatou os mesmos fatos, como também observou que as 26 crianças observadas apresentavam menos massa branca cerebral, responsável por transportar a informação de maneira ágil no nosso cérebro. Elas também apresentavam mais dificuldade no processamento sensorial.

Nos adultos, as consequências também não são das melhores. Uma pesquisa desenvolvida pela UNIFESP comprovou que pacientes expostos a um trauma e depois vítimas de estresse pós-traumático apresentam redução de até 10% no córtex pré-frontal (a região responsável pela tomada de decisões, por exemplo) e também do hipocampo, como as crianças.

Sendo assim, os seus sintomas seriam os mesmos que dos pequenos: alteração na memória, concentração e processamento de emoções. Um outro estudo também aponta para uma piora até mesmo do sistema imunológico do indivíduo, além de uma perda de memória recente.

O lado bom do trauma

As pesquisas são sim sérias e um tanto assustadoras. Mas, como tudo na vida, há duas formas de se olhar um mesmo tema. O codiretor do Centro de Trauma, Resiliência e Crescimento da Universidade de Nottingham, Stephen Joseph, contou em sua coluna de jornal um experimento que conduziu com os sobreviventes do acidente com a balsa Herald Of Free, na Bélgica, que deixou 193 mortos em 1987.

De imediato, ele pôde observar danos psíquicos severos em todos eles, provenientes do estresse pós-traumático. Mas, 3 anos depois, em uma nova avaliação, apesar de alguns ainda apresentarem bastante dificuldade de retomar à realidade, muitos deles - inclusive esses com mais dificuldades - relataram mudanças positivas.

Essas mudanças todas apontavam para uma espécie de mudança de perspectiva em suas vidas. Ao serem questionados se suas visões sobre a vida mudaram depois do desastre de forma positiva ou negativa?" 43% afirmaram ter mudado para melhor, um número considerado alto e bastante otimista.

Para ele, que continuou estudando sobre o assunto e até lançou um livro a respeito da “nova psicologia pós-traumática”, o trauma pode fazer com que a pessoa reflita sobre temas como responsabilidade, compaixão e finitude, e que elas passam a olhar mais a si mesmas e ao seu redor.

Um outro autor, que é também psicólogo e neurocientista brasileiro, chamado Julio Peres, foi ainda mais a fundo nessa questão em seu livro “Trauma e Superação: o que a psicologia, a neurociência e a espiritualidade ensinam”.

Ao longo dos 15 capítulos da obra , ele não só disseca cientificamente os termos dados às doenças que acometem o traumatizado, como também como a personalidade do sujeito, o ambiente em que está inserido, sua resiliência e até a sua espiritualidade podem influenciar na “volta por cima”.

Encarar seus monstros internos é uma forma de moldar seus propósitos e superar

Essa linha de pensamento não ignora os efeitos negativos de um trauma, mas apenas busca olhar sob todos os ângulos. Um estudo feito com mais de 1300 adultos que presenciaram o 11 de setembro corrobora essa tese de que há um lado positivo no trauma.

Isso porque 60% dos entrevistados relataram benefícios principalmente atrelados às suas relações familiares e como elas mudaram para melhor. Há uma urgência latente em amar antes que seja tarde, em não ir dormir com desafetos - como reforça a primeira personagem da terceira temporada do Podcast Plenae, Veruska Boechat - de que o amanhã é agora.

Para Angélica, viver todos seu trauma de infância e os que se sucederam, foram os gatilhos que faltavam para que ela tomasse mais consciência de seu corpo, sua respiração, do milagre da vida e do seu porquê, que a faz levantar todos os dias. O que Stephen busca mostrar é que há engrandecimento por meio da dor, e isso vai muito além do que um exame laboratorial possa mapear. É um movimento interno demorado, custoso e exigente, mas muito valioso.

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Desmistificando conceitos: o que é o body positive?

O movimento que vem ganhando força nas redes sociais busca trazer autoaceitação e abraçar todos os tipos de corpos existentes

23 de Junho de 2023


No quarto episódio da décima segunda temporada do Podcast Plenae, conhecemos a história de aceitação da influenciadora e apresentadora Letticia Muniz. Ela conta toda a sua relação com a busca pelo “corpo ideal” - que de ideal, não tem nada -, e como a vontade de ser magra pautou sua adolescência e juventude. 

O ciclo de dietas loucas e punições sobre o próprio corpo só cessou quando Letticia conheceu a primeira influenciadora fora dos padrões de magreza que ela achou bonita: Ashley Graham. E foi assim, em uma “simples” navegada na internet, que a sua vida começou a mudar. Não é exagero usar a palavra vida aqui, já que toda a sua trajetória foi marcada pela falta de empatia consigo mesma. 

Letticia ainda não sabia, mas ela estava iniciando a sua própria jornada de body positive, e também não sabia que o que parecia um movimento individual, influenciaria outras milhares de pessoas como Graham fez com ela. Mas o que é esse body positive que mencionamos, afinal? Te contamos mais a seguir!

Abraçando seu corpo

É verdade que a modernidade traz algumas mudanças para o mal, como a falta de tempo, a desconexão do real e a aceleração da rotina. Mas, há uma beleza no que é mutável: as nossas velhas concepções do que é certo e errado, do que deve ou não ser aplaudido, entre outras.

Uma das que está caindo por terra é a certeza de que só há beleza em um tipo de corpo, aquele que sempre esteve presente na televisão e hoje nas mídias sociais. Quando você fechar os olhos, você conseguirá visualizar esse corpo perfeitamente, porque ele foi imposto para todos nós. Ele geralmente é branco, magro, com pouca ou nenhuma imperfeição, cabelo liso… A lista é extensa, mas você sabe do que estamos falando. 

O movimento body positive veio para afundar essas certezas e trazer liberdade a todos nós. Sim, todos, porque mesmo os modelos tidos como ideais são aprisionados dentro desse conceito e se tornam escravos dessa exigência de estarem sempre assim, perfeitos. 

Ele foi criado por mulheres ainda em 1970, com o movimento feminista da época que buscava revolucionar tantas outras frentes, dentre elas, a inserção de mais mulheres negras e suas demandas na luta que é de todas. Foi mais especificamente em 1967, com uma campanha contra a discriminação pública de pessoas obesas e a luta por seus direitos. 

Mas, apesar de não ser exatamente novo, ele foi impulsionado pelo advento das mídias sociais - que, veja só, também traz coisas boas. Hoje vivemos a chamada “terceira onda” do movimento, que começou em 2012 como uma hashtag muito usada no site Tumblr e em grupos do Facebook. O foco ainda era majoritariamente a aceitação da gordura – liderado por uma minoria de mulheres negras que focavam na celebração do amor próprio radical dos seus corpos gordos, como conta esse artigo da revista Vogue.

Apesar de ser bastante incorporado pelas mulheres gordas que buscam aceitação e fuga da imposição pela magreza - como é o caso de Munniz -, o body positive quer abraçar também outras “imperfeições”. Estrias, celulites, narizes grandes, peitos pequenos, manchas, cicatrizes, rugas, pessoas mais velhas, pessoas com deficiência, pessoas não-brancas. 

Homens, que também são vítimas dessas exigências e se esquecem. Todas as pessoas têm lugar nesse movimento que busca, justamente, ser o mais coletivo possível. A ideia aqui é ensinar para todos nós que a beleza ultrapassa qualquer medida e que ela mora em atitudes, não tanto no externo. E que todos nós a possuímos em nosso íntimo. O padrão hoje é ser diferente. 

Os próximos passos

Como a jornalista Juliana Ferraz pontua, o movimento não é uma tendência, ou seja, não é algo que está na moda e logo passará. A ideia é justamente que ele seja uma mudança de paradigma irreversível e, ao que tudo indica, ele já vem causando mudanças importantes, sobretudo em relação ao posicionamento de marcas de roupa. 

Hoje, é comum encontrar os mais variados corpos em campanhas de marketing e grandes desfiles, e as marcas que não se posicionam ou insistem em padrões excludentes correm o risco grande de serem canceladas pelo tribunal da internet - com muita razão, é claro. Não há mais espaço para isso.

Porém, ainda há muito trabalho pela frente, seja por parte do mundo, que ainda resiste em abraçar o diferente, seja por parte da aceitação individual das pessoas que levam seus tempos e cada um tem o seu, e seja até por parte do movimento. Isso porque há críticas internas de que, ainda que o body positive tenha como objetivo a inclusão, mesmo seus modelos parecem estar sempre dentro do mesmo “padrão”. 

“Enquanto o movimento estava fazendo maravilhas para corpos excluídos e menos privilegiados, ele também criou um padrão de beleza que muitos desses corpos nunca alcançarão. Vimos o movimento sair da celebração do corpo plus para ser focado em mulheres gordas “aceitáveis”: lindas, com curvas, geralmente brancas, com cintura fina e quadris largos”, explica Stephanie Yeboah à Vogue.

Outra crítica veio da cantora premiada Lizzo, como conta o artigo, que atenta ao fato de que o movimento é usado por pessoas para seus ganhos próprios e que acaba reforçando essa venda de corpos, algo que não deveria estar à venda. Por fim, há também de se atentar que, todo movimento que busca trazer positividade, pode pecar pelo excesso da positividade tóxica, que te contamos aqui. Está tudo bem não estar bem alguns dias e lembre-se sempre que cada um leva o seu tempo. 

O foco agora é ouvir as críticas para construir um movimento cada vez mais sólido e inclusivo, além de angariar aliados importantes como a sociedade civil, as próprias pessoas consideradas padrões - que agregam muito quando se unem à luta -, e claro, as marcas. É preciso união para que se tenha a força e a credibilidade que o movimento merece ter cada dia mais. 

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