Para Inspirar

Carlinho de Jesus em "Nuvens pelo corpo"

Ouça e leia o episódio da nona temporada do Podcast Plenae, conheça a história do dançarino Carlinho de Jesus, que aceitou seu vitiligo como parte de sua história.

14 de Agosto de 2022



Leia a transcrição completa do episódio abaixo:


Carlinhos de Jesus: Demorou uns 10 anos pra eu começar a enxergar as manchas do vitiligo como um retrato do que eu vivi, não como algo que me envergonhasse. Tem uma canção dos Incríveis que fala assim: [cantando] “Marcas do que se foi, sonhos que vamos ter, como todo dia nasce novo em cada amanhecer”. É isso. Essas marcas, que eu gosto de chamar de nuvens, são o mapa da minha vida, porque elas refletem o trajeto que eu percorri até aqui. 


Geyze Diniz: Conhecido por seu alto astral e seus estandartes de ouro, o coreógrafo Carlinhos de Jesus conta como foi o processo de descoberta e aceitação de suas nuvens, como carinhosamente chama suas manchas de vitiligo. Escute essa história de beleza, compreensão e amor pelo seu próprio corpo que o querido Carlinhos de Jesus nos ensina. Ouça no final do episódio as reflexões finais da Neurocientista Claudia Feitosa-Santana. Eu sou Geyze Diniz e esse é o podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.


[trilha sonora]


Carlinhos de Jesus: Eu tenho uma doença autoimune e rara chamada síndrome de vogt-koyanagi-harada. O primeiro sintoma dela foi a perda da visão. Aos poucos, eu fui perdendo a noção de profundidade. Eu dava muitas topadas na rua, porque não enxergava os obstáculos a minha frente. A minha visão de perto também foi afetada. O grau ia aumentando rapidamente e eu comprava aqueles óculos de camelô pra ler. Quando eu precisei pegar uma lupa pra ler um texto, eu percebi que tava com um problema.


[trilha sonora]


Eu fui a alguns oftalmologistas, mas eles não davam um diagnóstico. A gente sabia que era uma inflamação, porque a parte branca do meu olho tinha virado vermelha. Bem vermelha mesmo, uma cor muito forte.


Nessa época, eu já tinha largado o meu emprego como funcionário público pra me dedicar à minha paixão, a dança. Era começo dos anos 90, e eu tava fazendo shows com a Elba Ramalho. A nossa agenda era uma loucura, às vezes com duas apresentações por dia. Mas uma loucura boa. Eu dizia pra Elba: “Você só se preocupe em cantar, eu vou te dar todo o respaldo”. A Elba dança muito bem, mas a tarefa dela principal é cantar. E eu dava condição a ela pra relaxar, ficar tranquila.


Mas você consegue imaginar como é dançar sem enxergar? A perda da visão se agravou de um jeito, que a luz do palco me cegava totalmente. A equipe de iluminação precisou mudar a luz frontal do show, porque aqueles canhões apontavam pra minha cara e eu não via absolutamente nada. A solução que eu encontrei foi medir o palco na hora do ensaio. Quando eu entrava em cena, eu sabia quantos passos eu podia ir prum lado, pro outro, pra frente ou pra trás, pra não cair do palco.


[trilha sonora]


Quem tem uma doença rara sabe como é difícil conseguir um diagnóstico, e comigo não foi diferente. Quando eu tava com 20% de visão em um olho e 22 no outro, me indicaram um médico em Belo Horizonte chamado Hilton Rocha, considerado o papa da oftalmologia. Eu fui ao consultório dele e, depois de um monte de exames, ele disse que eu tinha uma uveíte, que é uma inflamação no olho. Só que a uveíte é fácil de curar, enquanto a minha só piorava. E aí o doutor Rocha me explicou o por quê. A minha inflamação nos olhos era consequência de uma doença autoimune que eu nunca tinha ouvido falar: a tal da vogt-koyanagi-harada. Além de afetar os olhos, essa síndrome causa também o vitiligo, uma doença que afeta a pigmentação da pele.


E, realmente, tinham aparecido umas manchas brancas nas minhas mãos, no pescoço, no rosto e na virilha. Alguns médicos tinham apontado que podia ser vitiligo, mas ninguém bateu o martelo, até o doutor Hilton Rocha descobrir o que eu tinha.


Aí, com o diagnóstico certo, eu finalmente comecei a sentir resultado no tratamento. O médico falou que, depois dos 50 anos, a uveíte ia regredir, e isso aconteceu mesmo. Hoje, com 69 anos, eu não tenho mais nenhuma inflamação ocular. Eu enxergo bem, e uso óculos por causa de todos os remédios que eu tomei que resultaram numa catarata medicamentosa.


O mais complicado de lidar foi o vitiligo. Eu tomava imunossupressor e corticóide. Tinha também um remédio que eu passava na pele e tomava sol por 1 minuto pro produto agir. Não podia passar de 1 minuto, porque queimava muito. 


Nessa época, eu tive que fazer uma viagem de trabalho para Cuba, um país que é referência no tratamento de vitiligo. Eu sou amigo do Jorge Perugorría, aquele ator cubano que fez o filme “Morango e Chocolate”, e contei pra ele sobre o diagnóstico. Ele se ofereceu pra me ajudar.


Por ser brasileiro, eu teria que ir a um hospital pra estrangeiros e pagar um preço em dólar. Eu não lembro de valores na época, mas era uma coisa bem absurda. Aí o Jorge marcou uma consulta pra mim num hospital cubano, que era de graça. Eu me senti mal com aquilo, mas o médico era muito amigo dele e uma autoridade em vitiligo no país. Então, eu aceitei.


[trilha sonora]


O hospital era bem antigo, com equipamentos de um século atrás, só que muito limpo, muito bem organizado. O chão era tão enceradinho, que refletia a luz que entrava pela janela. Aquele cuidado com a limpeza me chamou atenção e ficou gravado na minha memória.


Eu tava num corredor largo e comprido, esperando a consulta, com mais um monte de gente. Até que um cara imenso, de jaleco branco, abre uma porta e fala: “Ohhhh, Carlinhos!”. Ele vem e me abraça, pra todo mundo ver que a gente tinha intimidade. Era uma teatrinho, pra fazer de conta que eu tava visitando um primo meu, e não que eu era um estrangeiro usando o sistema público do país.


Quando o médico bateu a porta do consultório, ele pediu pra eu tirar a roupa e apontou pra mim um aparelho que parecia um telescópio largo, grande. Dava pra ver que era bem antigo, pois o esmalte da sua pintura já tava um pouco gasto, mas que funcionava muito bem. Aí o médico se sentou do outro lado, meteu a cara na lupa, olhou pra mim e confirmou que eu tinha vitiligo. 


Ele me receitou melagenina, um medicamento à base de placenta humana que estimula a capacidade de produção da melatonina. Aquilo fedia, como se eu tivesse tomado um banho com clara de ovo. Me incomodava muito, mas eu usava, porque a verdade era que eu não queria as marcas brancas na minha pele. Eu escondia tanto a doença, que eu escrevi um livro sobre a minha vida e nem citei o vitiligo. Não era tanto por mim, mas porque eu me preocupava com a opinião alheia. Eu tinha medo das pessoas acharem que era algo contagioso. 


As marcas que mais me incomodavam eram no pescoço. Pra disfarçar, eu passava uma maquiagem. Eu cheguei a comprar uma base que me indicaram e que só vendia em Nova York. Depois, eu comecei a usar blusas com gola alta. Imagina usar gola alta no calor do Rio de Janeiro? 


[trilha sonora]


Um dia, eu me abri com dois alunos, a Regina Miranda, uma grande coreógrafa de dança contemporânea e muito minha amiga, e o marido dela, o psicanalista Eduardo Mascarenhas. Contei sobre o vitiligo e o incômodo que eu sentia com os olhares estranhos que eu recebia.


[trilha sonora] 


A partir dessa conversa, eu comecei a perceber que não tinha sentido lutar contra algo incurável. Algo que não tem volta e que na verdade não atrapalha em nada o meu trabalho em nada. Essa percepção foi crescendo dentro de mim, até que uma hora eu liguei o “que se”. Sabe o que é o “que se”? É o “que se dane!”. Eu parei de passar o remédio fedido e aceitei que as manchas brancas contam a minha história.


[trilha sonora]


O estado emocional influencia bastante o vitiligo. Como eu levo uma vida muito agitada, com vários momentos de estresse, a pele marca essas passagens. Cada nuvem estampada no meu corpo traz a lembrança de um trabalho que eu fiz. Uma é da coreografia que eu criei pra Comissão de Frente da Mangueira em 98. Essa outra da Comissão de Frente de 99. Tem uma da primeira vez em que eu subi no palco com a Marília Pêra. E por aí vai.


[trilha sonora]


O vitiligo me fez enxergar muita coisa, e é por isso que hoje eu venero as minhas manchas. Nesse processo de aceitação, eu passei a me importar menos com a opinião alheia. Já teve uma época em que, cada 10 críticas que eu recebia na internet, eu respondia 8. Depois, passei a responder 5. Atualmente mais relaxado, eu respondo 3, e vai chegar o dia que eu não vou responder mais, simplesmente porque não vou me importar mais.


Eu fui entendendo que o preconceito tá nos olhos de quem vê. É do outro, não é meu. Ah, você tá olhando pra minha mancha? Eu tô olhando o seu desrespeito. Eu não sou um coitado. Eu tô trabalhando, tô vivendo, tô respirando, tô amando. Eu só quero ser visto como eu sou, com naturalidade. 


[trilha sonora]


No fim das contas, eu percebi que a minha atitude de aceitação não serviu só pra mim, mas pra um monte de outras pessoas. Quando familiares de pessoas com vitiligo me pedem orientação, eu faço uma pergunta óbvia, que eu já até sei a resposta. Eu pergunto: “Você ama teu filho? Você ama a tua mulher?” Pronto, o teu amor vai trazer o apoio emocional, o amparo que a pessoa precisa. A família é fundamental nesse processo, e isso eu sempre tive.


[trilha sonora]


Eu recebo muitas mensagens nas redes sociais, e, sempre que eu tenho tempo, eu mesmo respondo, principalmente de quem tem vitiligo. Algumas pessoas falam: “Eu não aceito as minhas manchas, mas eu vejo você na televisão e fico impressionado. Como você faz pra aceitar o vitiligo?” Eu falo: “Ué? Assim como eu tenho bigode, assim como eu tenho dois olhos, assim como eu tenho duas pernas, eu tenho essa cor de pele. Que diferença isso faz?”. Eu explico que, quando a gente age com naturalidade e encara essas nuvens como parte de quem a gente é, as pessoas respeitam. A gente vai ter que conviver com o vitiligo pra sempre, como um casamento que nunca terá divórcio. Então [risos], é melhor aprender a ter um bom relacionamento com ele.  


A gente não deve se envergonhar de algo que faz parte da gente, muito menos esconder. Hoje, eu gosto tanto de quem eu sou, que eu tomo sol e faço questão de deixar a mão ficar bem moreninha, pra aumentar o contraste da pele e mostrar o vitiligo pra todo mundo. 


[trilha sonora]


Claudia Feitosa-Santana: Carlinhos de Jesus nos relata sua jornada para aceitar as marcas que o vitiligo registra na pele de seu corpo. Ele não está sozinho. Todos nós, em alguma medida, buscamos o mesmo, sentir orgulho sobre o que nos envergonha, e não podemos alterar.


Carlinhos aprendeu que “quando encaramos nosso corpo com naturalidade como parte de quem somos, as pessoas respeitam.” E isso acontece porque nossa percepção do mundo não começa de fora pra dentro, mas sim de dentro para fora, pois não começa com a luz que entra por nossos olhos e sim com a nossa expectativa, o que esperamos encontrar no mundo. É essa expectativa que direciona nossa atenção, determinando o que salta aos nossos olhos e aos nossos ouvidos. Da mesma forma, é ela que influencia a interpretação que damos ao que vemos e ouvimos. Ou seja, a forma como sentimos o mundo está diretamente relacionada às nossas expectativas.


Por isso, quem não aceita o corpo, sente mais preconceito. Mas, quem se orgulha dele, sente mais respeito.


[trilha sonora]


Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.


[trilha sonora]

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Estudos divergem sobre limites da vida humana

A pessoa mais longeva da história viveu 122. Qual será o limite, afinal? anos

28 de Agosto de 2019


Até quando poderemos viver? A comunidade científica ainda não chegou a uma resposta definitiva sobre os limites da longevidade humana . Longe do consenso, dois estudos publicados nos últimos anos chegaram a conclusões contraditórias sobre o assunto. Enquanto uma pesquisa americana da Escola de Medicina Albert Einstein, publicada na revista científica Nature em 2016, estima que a idade máxima da espécie seja 115 anos, um grupo de cientistas da Universidade de Roma analisou 3.836 idosos italianos com mais de 105 anos e fez uma descoberta que causou cizânia entre seus pares. Os dados da análise, divulgados no ano passado, mostram que, depois de certo ponto, as chances de uma pessoa morrer param de aumentar progressivamente. Portanto, o resultado sugere que não há qualquer tipo de barreira para o envelhecimento. Fato é que, desde 1997, ninguém superou o recorde de Jeanne Calment, francesa que morreu aos 122 anos e 164 dias. Mesmo com os avanços da medicina nas últimas duas décadas, não há indícios de que alguém tenha sequer superado os 119 anos desde então. — Estipular um limite é fazer um exercício de futurologia — pondera Carlos André Uehara, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. — Mais do que especular, é bom usar o exemplo concreto da Jeanne Calment. Era uma senhora que nasceu no século XIX e viveu grande parte da sua vida junto com a revolução da longevidade. Eu diria que a geração dos baby boomers , nascida depois da Segunda Guerra Mundial, será a primeira a ultrapassar esse recorde. Eles estão na casa dos 60 anos atualmente. Mulheres no topo E é provável que a pessoa que superar Jeanne Calment também seja uma mulher. Afinal, o sexo feminino costuma ter médias de expectativa de vida maiores. Na lista de pessoas mais longevas da história, o primeiro nome masculino só aparece na 18ª posição. A Organização das Nações Unidas avalia que, nos países desenvolvidos, a longevidade média das mulheres chegará aos 100 anos no próximo século. Nos países em desenvolvimento, a média giraria ao redor dos 90. Entre os homens, a média costuma ser três ou quatro anos menor. Atualmente, a detentora do título de pessoa viva mais velha do mundo é a japonesa Kane Tanaka, de 116 anos. Não é coincidência que ela tenha sido precedida apenas por mulheres, como as compatriotas Chiyo Miyako e Nabi Tajima, a jamaicana Violet Brown e a italiana Emma Morato. Nascida em 1903, Kane foi certificada este ano pelo Guiness Book. Para chegar ao recorde, ela precisou vencer um câncer e passou por diversas cirurgias. Atualmente, vive uma vida pacífica na sua casa em Fukuoka, e tem como passatempo estudar matemática e brincar com jogos de tabuleiro. Salto da longevidade O crescimento da expectativa de vida não é um processo restrito a países desenvolvidos como o Japão. De acordo com dados tabulados pelo Banco Mundial, o aumento da longevidade cresce de maneira constante desde 1960. Naquele ano, uma pessoa vivia em média apenas 52,5 anos; em 2010, esse número subiu para 70,6 anos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) também constatou fenômeno semelhante. Entre 2000 e 2016, a expectativa de vida média cresceu 5,5 anos no mundo todo, a alta mais rápida registrada desde 1960. O salto da longevidade foi registrado em todos os continentes, mas raramente acontece na mesma proporção. Isso porque variáveis estruturais, como o sistema médico-sanitário, afetam o quanto uma pessoa pode viver. Em 2000, por exemplo, uma pessoa no continente africano tinha uma expectativa de vida de 50,8 anos. Já em 2016, esse número cresceu para 61,2 anos. Por outro lado, um europeu vivia, em média, 72,5 anos em 2000. Após seis anos, o valor subiu para 77,5 anos. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) costuma ser um termômetro do quão longevo um país pode ser. No caso da Noruega, cujo IDH é o maior do mundo, a expectativa de vida para homens é de 81 anos e para mulheres corresponde a 84 anos. No outro extremo, Níger tem ao mesmo tempo o mais baixo IDH do mundo e a longevidade reduzida em comparação a outras regiões. No país africano, a expectativa de vida ao nascer é de 59 anos para homens e de 61 anos para as mulheres. Evolução brasileira O Brasil também viveu uma expansão da longevidade ao longo do século XX. Em 1940, a expectativa era de que um brasileiro vivesse 45,5 anos. Em 2017, a longevidade aumentou de maneira substancial e chegou a 76 anos, um aumento de 30,5 anos. Demógrafo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Márcio Minamiguchi explica que um dos fatores que justificam a melhora desses índices é urbanização do país. Uma vez nas cidades, as pessoas tendem a ser menos vulneráveis a doenças infecciosas e problemas ligados ao abastecimento de água. — A expectativa de vida subiu porque o Brasil passou de uma sociedade agrária, com pouco acesso à saneamento, a um país com melhorias médicas e cobertura vacinal. Além disso, houve a diminuição da mortalidade infantil — explica. Em 1950, morriam 136,2 crianças a cada mil nascidas vivas. Em 2017, foram 12,8 bebês mortos para cada mil nascidos vivos. — Até os anos 1980, a mortalidade infantil era alta. A queda deveu-se a processos simples, como o maior conhecimento sobre as causas de doenças. Cuidados de higiene já são suficientes para reduzir infecções — diz. Fonte: O Globo Leia o artigo original aqui .

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