Para Inspirar

Como a masculinidade tóxica pode afetar a paternidade?

A imposição da sociedade e expectativa sobre o homem de que ele não acesse a sua sensibilidade pode ser nociva não só para ele, mas para seus filhos também

11 de Junho de 2021


Na segunda temporada do Podcast Plenae , pudemos conhecer a emocionante história da apresentadora Mariana Kupfer , que decidiu gerar a sua filha de maneira independente e criá-la da mesma forma. Inspirados por esse relato, investigamos um pouco mais sobre o universo da maternidade solo por opção : quais são os caminhos, os dados e a opinião de especialistas.

Mas a grande maioria das mães que criam seus filhos sozinho, não o fazem por opção própria - e sim, advindas de um abandono posterior do pai daquela criança. Afinal, no Brasil, cerca de 6% das crianças são registradas sem um pai em sua certidão, todo ano. Segundo a Central de Informações do Registro Civil, até a metade de 2020, mais de 80 mil crianças de um total de 1.280.514, tiveram apenas o nome de suas mães em seus registros, como revela a Revista Crescer .

É o caso do palestrante Marcos Piangers , que participou da quinta temporada do Podcast Plenae e contou como ter sido criado por uma mulher solteira, sem a presença paterna, moldou quem ele é hoje. O escritor de best-sellers sobre assuntos familiares pôde contar, ao longo da sua vida, com o registro de um padrasto em seus documentos, depois de já ter crescido, mas a presença afetiva e duradoura, somente mesmo de sua mãe.

É por isso que hoje ele se empenha em falar tanto sobre paternidade, masculinidade e afeto . Para ele, a obrigação que a sociedade impõe sobre os homens de que eles sejam mais duros e acessem menos a sua sensibilidade, acaba refletindo de forma muito negativa na paternidade que esses mesmos homens exercem, afastando-os do que poderia ser uma troca intensa de amor, carinho e respeito.


Paternidade afetiva

Em 2015, o documentário “The Mask We Live In” (“A máscara em que vivemos”, em tradução livre) fez sucesso por trazer à tona um tema pouco discutido até então: a masculinidade tóxica. Nele, a ideia do macho dominante é abordada sob a ótica do quanto ela afeta psicologicamente crianças e jovens - que um dia se tornarão adultos.

Apesar de se passar nos Estados Unidos, essa é uma realidade do mundo todo. No Brasil, esse assunto foi discutido e pesquisado - e também virou documentário, “O silêncio do homem” . O grupo que organizou o documentário também realizou uma pesquisa com dados bastante reveladores, condensados pela Folha de São Paulo : 72% dos quase 20 mil homens brasileiros que responderam foram ensinados a não demonstrar nenhuma fragilidade, 60% foram instruídos a não expressar emoções e 40% alegaram se sentirem solitários com frequência.

A Associação Norte Americana de Psicologia estimou que 80% dos homens americanos sofrem de alexitimia, uma “incapacidade de expressar, descrever ou distinguir entre emoções''. Isso pode ocorrer em um cenário de distúrbio emocional, seja ocasionado por uso de substância, exposição repetida a um estressor ou psicossomático.

Isso é, de imediato, ruim para a saúde dos homens, que possuem uma tendência maior a desenvolverem doenças crônicas, vícios, acidentes, distúrbios emocionais e até assassinatos, segundo relatório da Organização Pan-Americana da Saúde. Nele, ainda destaca-se que um em cada cinco homens que vivem nas Américas morre antes dos 50, sendo muitas dessas mortes causadas por problemas diretamente ligados à masculinidade tóxica.

“Eu passei e passo a vida tentando entender a figura masculina. Até eu lançar o primeiro livro, aos 35 anos, eu não tinha amigos, nem referenciais de masculinidade saudável. A minha visão é de que homem tinha que ser conquistador, forte, malandro, alheio às questões da família e dos afetos”, diz Piangers, em seu episódio. A pressão social sobre os homens de que eles sejam uma fortaleza, afeta portanto também a sua paternidade.

“Meu livro vendeu cerca de 300 mil cópias. Já viajei para vários países tentando passar a mensagem de que a gente precisa mudar a nossa visão de paternidade e masculinidade. (...) Com meus livros e vídeos, acredito que a mensagem já tenha chegado a talvez 1% da população brasileira. Eu sozinho não vou dar conta de alcançar todo mundo. Por isso eu incentivo que mais homens escrevam e falem sobre isso. E não é sobre mim, é sobre 6 milhões de crianças que não têm o nome do pai da certidão, e outras milhões que não tiveram um pai presente e afetuoso.”, diz.

Essa afetividade positiva e possível de ser sentida e colocada em prática por uma figura masculina virou notícia no caso do menino Angelo, de apenas 8 anos, que pediu para uma juíza mudar o seu sobrenome, tirando o do seu pai biológico ausente e colocando o do seu padrasto. “Pai é aquele que ama, pai é aquele que cuida, pai é aquele que está do lado da gente", disse o garoto.


Paternidade solo

Quando a situação é a de uma paternidade solo, a afetividade se faz ainda mais necessária. É o caso de Erick Correia dos Santos, 28 anos, que cuida de sua filha sozinho há mais de dois anos. Para ele, que é pai de uma menina, substituir o papel de uma mãe é impossível, até mesmo pela cumplicidade que ambas juntas teriam.

Mas, com a ajuda de sua família, que além de oferecer uma rede de apoio atualmente, também o criou em um contexto de afeto e segurança, ele consegue passar seus valores e garantir uma vida confortável e amorosa para a sua filha. “Nem todos os dias são fáceis. Aprendi a ter mais paciência, a dizer não nas horas certas e a ter mais responsabilidades como homem”, diz ele.

Em recado a outros pais, Erick lembra que é importante aproveitar cada segundo ao lado de seus filhos, porque a infância passa muito rápido. Diz também que é preciso que os pais façam que seus filhos o enxerguem como um herói, e deixem as amarras da masculinidade de lado. “Muitos não deixam suas emoções aparecerem por algum tipo de vergonha ou timidez, não se dão toda a liberdade necessária para se ter mais afeto entre as duas partes, e muito se perde por aí”, conclui.

No canal “Papai em dobro”, de Ton Kohler, essa paternidade solo é discutida em suas mais diferentes óticas e problemáticas. Há inclusive uma série de vídeos com a participação de Marcos Piangers, que debateu, em suma, muito do que trouxemos nessa matéria.

Você está atento à sua paternidade? Acredita que ela seja afetiva o suficiente? Busque não perpetuar essa cadeia tão violenta, de forma generalizada, que é a masculinidade tóxica. Pais que foram educados para serem “durões” quando crianças, acabam criando seus filhos assim, afastando-se emocionalmente deles e minando seus sentimentos.

Lembre-se de que o tempo da infância é de suma importância para que o caráter daquela criança seja moldado de maneira positiva - e de que esse tempo não volta mais.

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Para Inspirar

Daniel Alves em “De Juazeiro para o mundo”

Na sexta temporada do Podcast Plenae, Daniel Alves conta como sua persistência e paixão pela competição o levaram longe.

3 de Outubro de 2021


Leia a transcrição completa do episódio abaixo:


[trilha sonora]

Daniel Alves: Um pouco antes de cada partida, eu sigo a mesma rotina. Fico à frente do espelho por alguns segundos olhando o meu reflexo. É uma estratégia de automotivação. Eu me lembro quem eu sou, de onde eu vim e o que eu passei pra chegar até aqui, com saúde e com uma gana tremenda para seguir conquistando coisas. Penso na minha luta e pergunto pra mim mesmo: “Você vai fazer o quê? Vai deixar que os outros escrevam a sua história ou vai você mesmo escrever um novo capítulo desse bom livro?”.


[trilha sonora]


Geyze Diniz: O jogador Daniel Alves é o atleta com mais títulos na história do futebol e já levantou mais de 42 troféus. Mas, o que poucos sabem é que desde a infância ele aprendeu a jogar muito cedo foi com as adversidades. Seus trunfos não são força física e habilidade, mas sim a dedicação e a vontade de vencer. Desde a infância pobre no interior da Bahia aos campos europeus, Daniel mostra como sua disciplina e foco foram peças chaves para competir com os torneios que a vida lhe proporcionou nesses 38 anos de vida.

Conheça a garra e foco de Dani Alves. Ouça no final do episódio as reflexões da psicanalista Vera Iaconelli para lhe ajudar a se conectar com a história e com o momento presente. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.


[trilha sonora]

Daniel Alves: A minha história começou lá no interior de Juazeiro, na Bahia. Eu sou o quarto de cinco filhos. Cresci com meus pais e meus irmãos numa casa pequena, na roça. Eu dormia numa cama de concreto, em cima de um colchão com 1 centímetro de espessura. Às 5 horas da manhã, antes do sol nascer, eu acordava pra ajudar o meu pai. Quando eu chegava no campo com o meu irmão, o nosso pai já estava trabalhando.

E desde muito cedo eu era muito competitivo, competia até com meu irmão para ver quem trabalhava mais. Quem ajudasse mais o nosso pai ganhava o direito de usar a única bicicleta da família pra ir pra escola. E quem perdesse na disputa, tinha que caminhar uns 20 quilômetros até a escola. No caminho eu passava na frente de uma favela e tomava algumas pedradas. Ah, eu dava um duro danado pra conquistar aquela bike.


[trilha sonora]


Meu pai era um grande jogador de futebol quando era mais jovem. Era disputado por todas as equipes do bairro. Mas não teve condição de jogar em um lugar onde pudesse ser notado pelos olheiros. Então, ele quis que eu fosse jogador de futebol para realizar o sonho dele. Daí, ele me colocou numa escolinha de futebol vinculada ao Juazeiro, que é um time da cidade. Assim os olheiros podiam me ver jogar.

E foi assim que eu comecei a fazer parte da equipe juvenil do Juazeiro. Quando tinha alguma competição, o técnico pegava alguns atletas jovens para jogar. Numa dessas, eu tive a chance de entrar em campo e ser visto. Quando um treinador do Juazeiro foi trabalhar no Bahia, ele contratou um jogador e eu fui no pacote. Eu nunca tinha saído de Juazeiro. Achava que o mundo começava e terminava ali. 


[trilha sonora]


Aos 16 anos, me mudei sozinho para Salvador e fui morar na antiga sede de praia do Bahia. Eu dormia num galpão com mais de 100 meninos. Privacidade zero. Na véspera de eu sair de casa, meu pai tinha me dado um conjunto. Até então, eu só tinha um. Um dia, eu lavei o conjunto e pendurei para secar. Quando eu voltei, já não estava. Alguém tava ligeiro. Mas, enfim, eu era competitivo e comecei a pensar que deveria trabalhar para comprar um outro conjunto. Acredito que isso foi um teste, a vida sempre nos coloca testes pra ver onde você é capaz de chegar.

Pra minha sorte, eu sou muito competitivo. As pessoas têm a capacidade de dar 100% de si. Mas, nem todo mundo quer dar 110, 120, 150. Eu sempre quero. A dedicação penso que é o meu diferencial. Se eu vejo alguém correndo 10 voltas ao redor do campo, eu quero correr 15, 20. Um cara faz 20,30 abdominais? Eu quero fazer 50. Acredito que esse suor é o que mais faz com que a bola bata na trave e sobre pra mim em vez de sobrar pra outro.


[trilha sonora]

Eu sabia que eu não era o melhor jogador do Bahia. Dos 100, talvez o número 51 em termos de habilidade. Mas, eu sabia que na força de vontade eu poderia ser o 1 ou 2. Então eu fiz para mim mesmo essa promessa: “Você não vai voltar pra roça até seu pai ficar muito orgulhoso de você”. E assim eu virei profissional no Bahia.

Aos 18 anos, fui chamado pra seleção sub-20 pra disputar o Campeonato Sul-Americano e lá estava um olheiro do Sevilha que me perguntou: “Sabe onde fica Sevilha?”. Eu não tinha a mínima ideia, mas falei:  “Claro que sei! Eu amo Sevilha!” Comecei a perguntar por ali e descobri que o Sevilha jogava contra o Barcelona, o Real Madrid. Eu disse para mim mesmo: “É a minha chance!”


[trilha sonora]


Me mudei sozinho pra Espanha, fui emprestado pra uma temporada no time. Quando cheguei era inverno e senti um frio absurdo. Eu estava acostumado com o calor da Bahia e nem tinha roupas apropriadas. Eu tava mal nutrido, com apenas 64 quilos. A comunicação também era muito difícil, mas eu desenrolava. Eu mal falava português, muito menos espanhol. Os primeiros seis meses foram os mais difíceis da minha vida. O treinador não me colocava pra jogar nunca, e pela primeira vez eu pensei em voltar para casa.

Mas, quando o sonho é maior que o medo, fica mais fácil ultrapassar as barreiras. Eu tive a sorte de ser bem acolhido pelo povo de Sevilha. As pessoas lá são muito receptivas, até parecem brasileiras. Também tive a sorte de encontrar um grande parceiro, o Denilson. Ele morava na cidade e jogava no Betis, rival do Sevilha. No momento eu estava mais vulnerável, o Denilson me abraçou, me apresentou a cidade, cuidou de mim. Eu sou muito grato a ele até hoje por isso. O Denilson é um irmão que a vida me deu e que o futebol também.


[trilha sonora]

Eu comecei a me fortalecer tanto fisicamente como mentalmente. Me empenhei pra aprender o idioma e decidi ficar. Fiz dez partidas pelo Campeonato Espanhol. E me lembro quando joguei pela primeira vez contra o Real Madrid. Enfrentar o Ronaldo e o Roberto Carlos foi um momento muito especial. Eles tinham acabado de ser pentacampeões do mundo. Eu torcia muito para aqueles caras.

Eu senti que as coisas tinham dado certo pra nós quando meu pai me viu jogar pela primeira vez, lá em Sevilha. Eu já tinha me firmado no time e comprado uma casa pra ele aqui no Brasil. Aí eu liguei pro meu pai e falei: “Agora é hora do senhor viajar e desfrutar comigo”. Mandei uma passagem e ele foi pra Espanha me visitar. A história é interessante porque nem no Brasil o meu pai me viu jogar profissionalmente. Quando entrei no campo, na Espanha, a minha mãe falou que ele chorava igual uma criança. Ele viu que o sonho tinha se tornado realidade. Eu era um jogador profissional e de sucesso.

Mas, o maior momento da minha vida aconteceu no dia 6 de junho de 2015.
Meu pai foi pra Berlim e me viu ganhar a Champs pela primeira vez. Agora, eu jogava pelo Barcelona. Depois da comemoração no estádio, o Barça deu uma festa incrível pras famílias e para os amigos dos jogadores, num palacete em Berlim. Teve um momento na festa que eu penso que foi muito especial para o meu pai. No momento em que eu peguei o troféu coloquei nas mãos dele.


Meu pai nunca foi uma pessoa muito emotiva, ele nunca falou sobre sentimentos. A gente tem que decifrar o que passa no coração dele. Mas, naquele dia em Berlim, ele chorou muito. Quando nós dois estávamos segurando a taça e posando para uma foto, eu pude ver nos olhos dele a felicidade e a realização de um sonho. Foi um momento mágico. 


[trilha sonora]


Até hoje, ele mora em Juazeiro. Não sai de lá pra nada. Já tentei tirar ele de lá um montão de vezes, comprei um apartamento em Salvador. Mas não adianta. Ele quer morar na roça. Pra nossa sorte, a nossa vida melhorou e hoje ele não precisa mais trabalhar. Mas a história não acaba aí. O sonho do meu pai se consolidou quando eu virei atleta profissional. Mas o meu, ah, o meu ia além.

Eu não saí da roça só pra jogar futebol. Eu saí da roça pra ganhar títulos e pra fazer história. Eu sempre fui muito forte mentalmente. Tracei uma carreira e consegui trabalhar pra concretizar todos os meus desejos.
E pra vencer no esporte não basta ter talento e vontade. É preciso sentir prazer no ato de competir. Mas, o que me move realmente é a sede por querer deixar um legado, a sede por contrariar todas as opiniões de que eu não vou conseguir.


Desde muito cedo, eu entendi que, pra vencer, é preciso lutar, lutar muito. Entendi que quando você semeia coisas boas, colhe coisas melhores. Cuidei do meu corpo, da minha alimentação, da minha mente. Não adianta eu ser contratado por um clube de alta performance se a minha performance não tiver à altura.


Se eu ainda performo bem aos 38 anos, é porque a minha busca pela longevidade e pela vitória é insaciável. Com o meu exemplo, eu quero inspirar atletas e também gente de outras áreas. Quero que as pessoas entendam que idade não é prazo de validade. E vou te falar mais: ninguém tem o direito de nos rotular. Cada um deve pegar a batuta e ser diretor da própria orquestra.


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Vera Iaconelli: O relato do Daniel Alves é extremamente inspirador porque ele nos mostra como um sujeito pode usar a sua competitividade a seu favor como uma forma de auto superação. Daniel tem uma origem humilde de muita vulnerabilidade social e pobreza, mas também com um forte apelo do núcleo familiar. Ali na família, na figura dos pais é determinante o esteio e a fonte de inspiração.

Seu pai, ele mesmo jogador, acaba servindo de espelho pro filho, motivo de orgulho pro jovem que faz questão de compartilhar suas conquistas num gesto de gratidão e reconhecimento pelo investimento dos pais no sonho do filho. O Daniel nos ensina que mesmo diante de grande adversidade, a identificação com um adulto que sirva de exemplo, a competição usada como auto superação, o orgulho da sua origem, ainda que muito humilde, a gratidão e a capacidade de sonhar serviram de alento nos momentos mais difíceis e de motor nos momentos de alegria.
 

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Geyze Diniz:
Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.

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