Para Inspirar
Há uma dificuldade clara em criar conexões mais profundas na pós-modernidade, e um filósofo específico já sabia disso há um tempo
11 de Julho de 2023
Não há quem não goste de se apaixonar. Aquele formigamento que atravessa todo o corpo, os pensamentos acelerados, a saudade que dá mesmo depois de um dia inteiro juntos… A paixão, como te explicamos neste artigo, é tão poderosa que reflete em uma série de funcionamentos do nosso corpo, e não é exagero comparar seus efeitos ao uso de determinadas drogas psicoativas.
Mas, há uma particularidade sobre a paixão que todos nós sabemos e tendemos a ignorar: ela passa. Mais rápido do que a gente pode imaginar - e isso é bom! Afinal, com todo o vulcão que ela causa dentro de nosso metabolismo, seria insalubre se manter apaixonado por muito tempo.
O que vem depois desse vendaval é o que vai definir se os pombinhos se manterão juntos ou não: a capacidade de transformar esse sentimento mais fluído em algo mais sólido. Em outras palavras, deixar o amor de fato entrar e se construir, porque afinal, o amor é construído, todos os dias um pouco, e demanda bastante intencionalidade.
É por isso mesmo que ele pode ser tão raro para alguns, visto como um verdadeiro desafio, algo impossível de ser vivenciado. E é também por isso mesmo que o conceito de “amor líquido” surgiu há algumas décadas em formato de teoria filosófica, e que se mantém aplicável até os dias de hoje - talvez, mais do que nunca.
Sociólogo polonês radicado na Inglaterra, Zygmunt Bauman possui diversos trabalhos publicados e se tornou um estudioso da sociedade desde os anos 60. O seu grande trunfo, porém, que o terminou por consolidá-lo como um grande pensador, veio nos anos 90, com a sua teoria de que vivemos em uma “Modernidade Líquida”.
“Ele usa essa metáfora do líquido porque um líquido é algo que muda de forma o tempo todo, então ele não está jamais preso em uma única forma, ao mesmo tempo que ele conserva alguma de suas características. É justamente esse paradoxo, esse conflito entre características que não mudam e uma mudança constante que ele usa a metáfora do líquido para explicar”, diz o comunicólogo Luís Mauro de Sá Martin em vídeo para a Casa do Saber.
Esse conceito da liquidez se desdobrou em outros conceitos posteriores: Sociedade Líquida, Medo Líquido, Vida Líquida, Tempos Líquidos, Mal Líquido… E, entre outros, o Amor Líquido, nosso tema principal deste artigo. Todos eles dizem respeito a esse modus operandi atual, onde estamos vinculados a alguns componentes que não mudam mas, ao mesmo tempo, são relações estimuladas o tempo todo a se transformarem.
“Nada melhor do que o verbo ‘ficar’ para entender o que é a modernidade líquida. Ao contrário do namoro, casamento e até do morar junto, para ficar você não precisa estabelecer nenhum vínculo mais profundo. Se você ficou hoje, você não precisa necessariamente ficar amanhã. É um relacionamento, então estamos dentro de uma permanência, mas você não precisa criar um vínculo mais forte”, explica Mauro.
Se pararmos para pensar, há um século atrás, as relações eram mais duradouras e vistas como para toda uma eternidade - o que não garantia, é claro, que elas fossem saudáveis. Isso vai desde a nossa relação com o trabalho, cada dia mais líquida, como te explicamos neste artigo, até para os nossos relacionamentos interpessoais.
Prova disso é o constante aumento no número de divórcios. Em 2021, o Brasil registrou 386,8 mil divórcios, 16,8% maior em relação ao ano anterior, como revelou um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Tanto que esse período ficou gravado por alguns especialistas como “a nova era do divórcio”, como conta artigo na Superinteressante. “Esse conflito entre a nossa busca pela permanência e uma impermanência constante, para ele [Bauman] é uma das grandes fontes de angústia do ser humano contemporâneo”, conclui Luís.
Diante dessa falta de profundidade, vamos nos tornando mais distantes e, por consequência, mais solitários. As amizades são afetadas, nosso consumo se acelera e entra nessa dinâmica e sobrecarrega o planeta, enfim, os danos são multilaterais e extremamente nocivos.
Para subverter essa lógica, o movimento slow, como te contamos aqui, busca desacelerar em uma rotina acelerada. E isso vai desde comer mais devagar, ter consultas médicas mais longas, entretenimentos mais calmos e até uma infância mais lenta: a regra aqui é colocar o pé no freio e prestar mais atenção nas sementes que se está plantando.
Por fim, estar atento às suas relações e lembrar do que falamos lá no começo, sobre o amor ser uma construção diária, é a chave para escapar desse amor líquido. Aqui neste artigo, te demos algumas dicas de como ter relações mais sólidas e porque isso é importante.
Às vezes, uma simples pergunta já pode mudar o dia da pessoa, estreitar laços, cortar caminhos. Não é preciso grandes gestos, os pequenos contam - e muito! Você está preparado para fugir à regra da modernidade líquida?
Andava na Faria Lima em um dia de trabalho como outro qualquer quando meu caminho cruzou com o de um morador de rua.
30 de Novembro de 2022
Andava na Faria Lima em um dia de trabalho como outro qualquer quando meu caminho cruzou com o de um morador de rua. Mas esse não foi um encontro qualquer. O morador andava sorrindo, como quem desafia a dureza de sua própria realidade, e chamava seu cachorro por um nome que não pude ouvir, mas foram as notas doces em sua voz que me tocaram. Foi esse carinho intenso que me acompanhou pelo resto do percurso.
Por vezes, esquecemos que somos bichos também. Viemos da natureza e a ela pertencemos. Mamamos como qualquer outro mamífero, parimos e precisamos descansar, fechar nossos olhos, uma imposição natural que insiste em nos lembrar diariamente: não somos máquinas.
A interação entre um morador de rua e seu cachorro é a síntese de tudo isso. A sociedade criou camadas, castas, realidades paralelas. Inventou o dinheiro, as leis, as palavras, as religiões. Construiu muros ao seu redor para se proteger do que nem se sabe e criou a concepção de nação, para reforçar a ideia de que não estamos todos juntos, há linhas imaginárias que nos separam.
E então chega o cachorro, domesticado há pelo menos 12 mil anos segundo pesquisas, e somos novamente bichos da natureza. Dividimos nosso pão e nosso afeto com um ser que não pede nada em troca. Que não vê credo, crença ou cor. Que ama incondicionalmente e não se curva à lógica maniqueísta do bem e do mal. Sobre quatro patas, ele acompanha o rico em viagens internacionais e o pobre em perabulanças cotidianas.
E sorri, à sua própria maneira. Abana o rabo e nos faz entender tudo que há de mais simples e mais precioso também. Desarma até mesmo o mais vil dos homens com uma simples lambida e nos deixa uma saudade abissal quando parte. Sua própria vida curta é uma mensagem: não há tempo para rancor, vingança ou mágoas e é preciso amar enquanto há tempo.
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